Abertura Boas Vindas Tema do Congresso Comissões Sessões Programação Áreas II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores Títulos Trabalho Completo UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ALUNO-PROFESSOR NO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE VIÇOSA-MG Augusto Velozo Gonçalves, Isabela Berbert Da Guia, Thaís Almeida Cardoso Fernandez Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Experiência - Apresentação Pôster A relação aluno-professor é um aspecto central na efetivação da construção do conhecimento na escola e, dentre outros fatores, é fortemente influenciada pela afetividade entre os envolvidos, a relação que a família tem com a escola e pelo esforço do educador em possibilitar a ressignificação do conhecimento pelos estudantes. Este trabalho foi realizado em uma escola pública de Viçosa-MG como parte da disciplina Estágio Supervisionado em Ciências e Biologia I, que integra a grade do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Viçosa-MG. Durante o período do estágio, foram realizadas observações, conversas informais sistematizadas e entrevistas semiestruturadas com alunos, professores, funcionários administrativos e de serviços gerais. A narrativa apresentada foi construída a partir de uma inquietação que tivemos durante a observação da sala de aula. Os dados coletados foram sistematizados e contrapostos com a literatura sobre o assunto. Corroborando os autores consultados, pudemos perceber que a maior identificação da família com a escola e a valorização da educação por ela se reflete na visão dos alunos acerca da importância de sua formação. É indispensável que o professor tenha uma postura crítico-reflexiva, de modo a promover sempre a contextualização dos saberes escolares na realidade social do estudante, e consequente ressignificação desses conhecimentos. Por último, mas não menos importante, vimos como a afetividade determina em grande parte a positividade do retorno dos estudantes, desde que combinada de modo saudável com a autoridade pedagógica indispensável ao professor no contexto da mediação entre o aluno e o conhecimento. 1513 Ficha Catalográfica UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ALUNO-PROFESSOR NO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE VIÇOSA-MG Augusto Velozo Gonçalves; Isabela Berbert da Guia; Thaís Almeida Cardoso Fernandez. Universidade Federal de Viçosa, MG. O processo de ensino-aprendizagem se realiza através do relacionamento interpessoal, de modo que o seu sucesso ou insucesso está baseado principalmente na forte relação afetiva existente entre alunos e professores, alunos e alunos e professores e professores (MASETTO, 1994). Tendo isso em vista, nosso relato de experiência se fundamenta na relação aluno-professor no contexto da escola. A problemática em questão foi fruto da nossa inquietação na vivência inicial do estágio supervisionado, previsto na formação docente, no qual se estabelece o primeiro contato com a realidade da escola. Segundo Pimenta (1999 apud PIMENTA; LIMA, 2011), no processo de formação do educador, é imprescindível que o futuro professor tenha contato com a realidade em que estará inserido durante sua atuação, e também que investigue a atividade pedagógica em si. Tal olhar permite que “transforme seu saber-fazer docente numa contínua construção e reconstrução de sua identidade a partir da significação social da profissão, bem como pelo significado que cada professor confere à docência em seu cotidiano e nas relações com seus pares em escolas [...]”. É nesse contexto que vem sendo ressignificada a disciplina “Estágio Supervisionado em Ciências e Biologia I” para o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Viçosa (UFV). O objetivo principal da disciplina é possibilitar a construção de um diagnóstico da realidade do ambiente escolar, por meio da preparação dos estudantes para atuarem como observadores e agentes de transformação (UFV, 2012). A busca da formação como observadores se refere ao despertar do olhar do professor em formação, para além do ato de ver, dentro do entendimento estruturado por Laplantine (2004). Para esse autor: O ato de ver, informado pelos modelos (e até pelos modos) culturais, está estreitamente ligado ao prever, e o conhecimento muitas vezes, nessas condições, não vai além de um conhecimento do que já sabíamos. Ver é, na maioria das vezes, memorização e antecipação, desejar encontrar o que esperamos e 1 1514 não o que ignoramos ou tememos, a tal ponto que pode acontecernos de não acreditar naquilo que vimos (ou seja, não ver) se tal não corresponde a nossa espera. Acreditamos, na construção conjunta dessa disciplina, que este exercício crítico de olhar sobre a realidade da escola, superando nossas (pré)concepções, é um passo inicial importante para estruturação da formação dos futuros docentes como agentes de transformação. Esse enfoque, somado aos demais aspectos no repensar sobre a formação docente no curso, como: a maior integração entre os três estágios presentes na grade; a aproximação destes com as disciplinas teóricas; a possibilidade de desenvolvimento de projetos de pesquisa ativa em educação; à maior participação do estudante no ambiente escolar; e o estabelecimento de uma parceria mais horizontal com as escolas favorece a construção da identidade dos licenciandos, apoiada na valorização da docência para a transformação social. Desta forma, a interação universidade-escola proposta para os estágios está focada “nos princípios da pedagogia dialética e nas posturas críticas e reflexivas, em que a teoria ilumina a prática e a prática ressignifica a teoria, em contexto histórico e condições objetivas de realização” (LIMA, 2009). Nesse contexto, nosso trabalho origina-se da atuação na disciplina de Estágio I, associada às reflexões sobre as disciplinas teóricas cursadas anteriormente no curso, a partir da observação de uma escola pública no município de Viçosa, Minas Gerais. A caracterização da escola estruturada na segunda parte deste texto traz subsídios para um passeio do leitor na realidade da escola para uma posterior interpretação sobre a narrativa, terceira parte, onde apresentamos a nossa inquietação (a relação alunoprofessor). A escola e seu contexto Viçosa, município da zona da Mata mineira, localiza-se a 226 km da capital Belo Horizonte, com 72.220 habitantes (IBGE, 2010). O município possui 10 escolas públicas estaduais e 20 escolas públicas municipais. Realizamos nosso estudo durante o segundo semestre letivo de 2013, em uma escola da rede púbica estadual de ensino, localizada em um bairro próximo ao centro. A população do bairro é constituída de classe média, principalmente por trabalhadores do comércio e serviços em geral, e também 2 1515 por pessoas de classe média alta que preferem morar um pouco mais afastadas do centro. Fundada em 1964 para atender aos anos iniciais de educação infantil, até a 4º série, a escola funcionava em prédios alugados até 1979. Somente em 1980 foram construídas instalações próprias. Em 1994, passaram a funcionar também de 5ª a 8ª série e a partir de 2002, com o Ensino Médio (dados retirados do Regimento Escolar, 2013). A escola apresenta um ambiente familiar, tendo uma aparência bem diferente do formato comum da maioria das escolas públicas do município. As árvores do jardim na frente e as salas feitas de tijolinhos à vista deixam o ambiente mais leve e harmonioso. Construída para atender cerca de 320 alunos, hoje a escola atende a 920 estudantes em 3 turnos e enfrenta grandes problemas de infraestrutura, que não sofreu nenhuma alteração ou ampliação que acompanhasse o aumento no número de estudantes. Não há laboratório de ciências, estando presente apenas alguns materiais pontuais para aulas práticas. A escola possui um laboratório de informática recém-montado, ao qual poucos alunos tiveram acesso. A supervisão conta com televisão, aparelho de DVD e projetor, mantidos em local fixo. Geralmente, a turma é levada para este local para a utilização da aparelhagem, mas há a possibilidade de levar o projetor para a sala de aula. A sala dos professores não acomoda todos eles confortavelmente e é uma sala “multifunção”: além de sala dos professores, é sala de reuniões, supervisão e até depósito, contendo inúmeras caixas com diários de classe antigos. Funções e funcionários O relacionamento entre os funcionários da escola é bastante igualitário e harmonioso. As funções, no entanto, parecem ser superiores ao número de pessoas, e muitas vezes uma delas acumula mais de uma responsabilidade. Durante a pesquisa, era comum encontrarmos a supervisora e outros cargos administrativos em sala de aula quando faltavam professores, ou ministrando aulas de reforço para alunos com dificuldades, cenário resultante, dentre os outros fatores, da grande rotatividade de professores, como comentado pela própria supervisora. Outras tarefas similares eram realizadas por professores eventuais, aqueles que, por motivo de saúde ou outro, estão em processo de ajustamento funcional. Segundo relatos dos funcionários, é comum a 3 1516 implantação de programas governamentais sem que haja contratação de novos funcionários, o que resulta no acúmulo de funções. As tarefas não deixam de ser executadas, mas em momentos onde havia muito que fazer, tivemos a impressão de que todos estavam em estado de urgência, sempre resolvendo algum problema, e a agitação parecia se refletir também nos alunos. As questões apontadas relativas à falta de infraestrutura, bem como o acúmulo de funções na escola e a imposição de programas governamentais alheios às condições da comunidade escolar são frequentemente discutidas por diversos autores. Segundo Diniz-Pereira (2011), tal crise se estrutura como consequência de uma série de aspectos, como: a expansão do sistema público de ensino sem o investimento devido em educação; a falta de condições adequadas de trabalho e baixa remuneração dos professores; o déficit de professores na Educação Básica e a desvalorização social e acadêmica da profissão. Essas fragilidades remontam à condição atual de precarização do ensino, resultante da perda de prioridade das políticas públicas sociais, induzida pelo modelo de desenvolvimento econômico, conhecido por neoliberalismo ou globalização neoliberal (SANTOS, 2005). As condições de trabalho do professor de Ciências Enquanto estudantes de Licenciatura em Ciências Biológicas, parte do foco da nossa observação foram as condições de trabalho dos professores de Ciências e Biologia. No turno da tarde, havia dois professores de Ciências e nenhum de Biologia, visto que o ensino médio é no turno da manhã. Por meio de entrevistas semiestruturadas, buscamos perceber qual a visão desses professores acerca das condições em que atuam e como isso afeta a sua prática. Ambos apontaram a falta de espaço como um dos principais problemas da escola, em especial na sala de aula. Em relação ao material didático, um dos professores afirma que utilizar outros equipamentos ajuda a não ficar preso ao quadro e, muitas vezes, chama mais a atenção do aluno. Libâneo (2010, p. 40) vai de encontro a essa percepção quando afirma que: Os professores não podem mais ignorar a televisão, o vídeo, o cinema, o computador, o telefone, o fax, que são veículos de informação, de comunicação, de aprendizagem, de lazer, porque há tempos o professor e o livro didático deixaram de ser as únicas fontes de conhecimento. 4 1517 Entretanto, os dois afirmam que, apesar de equipamentos como projetor estarem disponíveis, a logística é muito complicada e sua utilização consome muito tempo. Acompanhamos a aula de um deles, e foram necessários vinte minutos para obter e montar a aparelhagem e mais alguns minutos ao final da aula para desmontar. Apesar de não haver laboratório de ciências, há alguns equipamentos como um microscópio, mas este não possui nenhum conjunto de lâminas, que teriam que ser conseguidas em outro lugar. Além disso, um dos professores disse que algumas vezes o material está disponível, mas a escola não os notifica. Ambos os professores afirmaram ter condições e respaldo para resolver a grande maioria dos conflitos em sala de aula. Apenas em casos mais graves o aluno (ou alunos) é encaminhado à supervisão ou diretoria. Quanto à autonomia no preparo de aulas e condução do ensino na sala, o estado de Minas Gerais, numa iniciativa velada para padronizar o ensino, criou os CBCs para orientar o planejamento da atividade pedagógica. Como consta no próprio documento do CBC de Biologia (2007): Os CBCs não esgotam todos os conteúdos a serem abordados na escola, mas expressam os aspectos fundamentais de cada disciplina, que não podem deixar de ser ensinados e que o aluno não pode deixar de aprender. Ao mesmo tempo, estão indicadas as habilidades e competências que ele não pode deixar de adquirir e desenvolver (grifo nosso). Os professores consultados concordam que, apesar de considerarem o documento bem estruturado, o CBC de Ciências é idealizado fora do contexto das escolas e não corresponde à realidade vivenciada em sala de aula. Muitas vezes a própria organização do calendário escolar e dos períodos letivos e a carga horária destinada à disciplina, juntamente com a própria condição da escola, acabam por limitar a atuação do professor e prejudicam o cumprimento do conteúdo previsto. Um dos professores ainda sugere que a confecção e utilização de material didático de qualidade permitiria uma aproximação cada vez maior do cumprimento do conteúdo do CBC. Quanto à formação continuada, é importante que esta não se restrinja a cursos e treinamentos, prezando sempre por superar a fragmentação e desarticulação da formação inicial em favor de uma perspectiva sistêmica e referenciada. (FUSARI, 1998 e THURLER, 2002 apud RIBEIRO, s.d.) Lima (2005) associa a formação continuada à reflexão na atividade docente, ao caracterizá-la como o processo de articulação entre o trabalho, o 5 1518 conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, enquanto possibilidade de postura reflexiva dinamizada pela práxis. A mesma autora cria ressalvas ao considerar que o desenvolvimento da prática reflexiva deve ir além dos aspectos pedagógicos, incluindo também aspectos políticosociais, compreendendo a base das relações sociais e de trabalho (LIMA, 2005). Os próprios professores reconhecem essa necessidade ao dizer que a formação continuada se dá por meio de escassas capacitações oferecidas pelo governo que, muitas vezes, não atingem o objetivo. Um deles deu o exemplo de um curso que abordaria estratégias para o ensino de um determinado conteúdo e acabou se restringindo a uma aula sobre ele. Além disso, o fornecimento de equipamentos e materiais novos não é acompanhado pelo treinamento dos professores para seu uso, prejudicando seu aproveitamento adequado. A comunidade, os alunos e a escola Os estudantes são bastante agitados e organizar as turmas ao início das aulas demanda tempo e trabalho. Além disso, muitos se mostram desinteressados nas aulas e, durante conversas informais sistematizadas, os próprios alunos admitiram não estudar e não prestar atenção. Algo que também nos chamou a atenção foi o bom relacionamento que os alunos têm com os funcionários de serviços gerais e muitos dos funcionários administrativos. A participação da comunidade é limitada e é interessante notar como as opiniões a esse respeito diferem e, muitas vezes, são contrárias. Em conversa informal sistematizada, os funcionários de serviços gerais veem os pais como participativos. Já os funcionários administrativos, que dependem consideravelmente da opinião e da colaboração dos pais, alegam falta de participação destes, que não se interessam pelo desempenho do filho ou pelas condições da escola e não comparecem a muitas das reuniões a que são convocados. Na tentativa de minimizar isso, e como muitos pais trabalham durante o turno escolar, as reuniões com pais são realizadas bimestralmente, juntamente com a entrega das notas. Uma das professoras afirma que a participação da comunidade escolar como um todo, na maioria das vezes, é restrita a casos de conflito. Não há participação política, sugestões ou preocupação com o modo como a educação está sendo conduzida na escola. Apesar de tudo, muitos alunos afirmam que os pais acompanham diariamente suas atividades em casa. 6 1519 Em entrevista com professores, ouvimos que a relação que a família tem com a educação é primordial na definição da visão que os alunos têm da escola. A família tem grande influência, muitas vezes de forma sutil e não intencional, na vida escolar dos filhos, e esta não pode ser desconsiderada. (NOGUEIRA et al., 2010). Em concordância com Cordeiro (2009), os professores afirmaram que o valor que os pais e parentes dão à escola, bem como a participação e acompanhamento na formação do aluno, se refletem no interesse deste pelas aulas e na sua opinião a respeito do objetivo da educação. Esses fatores, desde sua base, são fortemente influenciados pelo contexto social. A importância dada pela família e pelo próprio aluno à educação muitas vezes é diminuída pela necessidade de trabalhar desde cedo para contribuir com a renda familiar. Em muitos casos, ao chegar à idade em que é possível ser empregado, o aluno sai da escola ou deixa de se dedicar aos estudos em vista da necessidade mais imediata de subsistência. Isso, decerto, resulta em desinteresse pela aula, que pode ser expresso como mau comportamento. As nuances da relação aluno-professor A relação pedagógica que se estabelece dentro da sala de aula deve ser alvo de análise constante do professor crítico-reflexivo, visto que ela pode se expressar tanto de forma positiva quanto negativa (AQUINO apud BELOTTI & FARIA, 2010). Se a relação aluno-professor for positiva, a tendência é de que se alcance maior contextualização e consequente ressignificação do aprendizado. O educador deve refletir sobre sua ação e dos seus estudantes, criando um ambiente propício para que eles se expressem e sejam ouvidos (SCHÖN, 2000). Através da reflexão e do pensamento crítico, o professor é capaz de avaliar sua prática enquanto docente e verificar sua legitimidade e relevância na formação dos educandos. A definição do nosso foco principal de análise veio de um evento curioso que observamos durante uma aula. O professor I montou o projetor e deu uma aula utilizando slides. Durante a explicação, a sala manteve-se organizada e em silêncio; os alunos permaneceram sentados e, aparentemente, prestando atenção no professor. Ao final da apresentação, o professor I saiu da sala e deixou o professor II com os alunos para vistoria de cadernos. Imediatamente à saída do professor I, a sala se transformou. Os alunos se agitaram, saíram dos lugares, começaram a conversar alto e até mesmo jogar pedaços de giz uns nos outros. Percebemos que o professor I 7 1520 era um professor mais sério, que impunha limites e era bem rígido com a turma, o que explicaria o comportamento dos alunos. Quanto ao professor II, percebemos que tinha um contato mais aberto e próximo dos alunos, o que nos confundiu um pouco quanto à postura destes durante o tempo em que ele esteve em sala. Que fatores possivelmente fariam com que o comportamento dos estudantes fosse tão diferente em relação aos dois professores? Cordeiro (2009) ressalta que a relação pedagógica é fortemente marcada pela ideia de autoridade, que deriva, dentre outros fatores, da noção implícita ou explícita de que o professor detém uma parcela maior de conhecimento e está capacitado a transmiti-lo da melhor forma para seus alunos. Admite-se, portanto, a “autoridade pedagógica” do professor. Trazendo um pouco da psicologia de Freud, temos que o aluno investe na figura do professor uma série de sentimentos, positivos e/ou negativos, de acordo com a primeira identificação feita com seus genitores, processo conhecido como transferência. O professor, no contato de sala de aula, realiza a chamada contratransferência, correspondendo ou não aos sentimentos investidos pelo aluno. Esse é um ponto chave na definição da relação aluno-professor. Segundo Placco (2000), há um equilíbrio delicado que deve ser mantido na contratransferência, de modo que o professor mantenha a sua autoridade pedagógica. Caso a correspondência afetiva ocorra em excesso, o professor perde sua autoridade pedagógica e passa a figurar como autoridade afetiva. Por mais que isso seja positivo no relacionamento social, no contexto da relação pedagógica, o professor não pode se eximir do seu papel de educador, enquanto mediador entre o conhecimento e os estudantes. Entre o professor ter um compromisso moral com sua prática e o aluno ter o desejo de aprender, a relação pedagógica é, ainda, influenciada por uma série de contradições entre os interesses e percepções das partes envolvidas. O professor muitas vezes vê o ensino como parte do seu trabalho, ideia frequentemente afetada por noções de missão, função pública, dever, etc., enquanto o aluno costuma sentir o peso da arbitrariedade do ensino, expressa na obrigatoriedade da escolarização (CORDEIRO, 2009). Outro fator muito abordado na pedagogia, principalmente freiriana, é a afetividade do docente, não desvinculada do entendimento do contexto de atuação e do perfil emancipatório desta. Segundo Freire (1996), quando o educador tem consciência do seu papel social, a prática docente é, per se, 8 1521 carregada de alegria, marcada pelo querer bem os educandos e sela o compromisso do professor com a formação dos estudantes. Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos [...] A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele (FREIRE, 1996, p. 141). Tais preceitos foram claramente observados durante nossa pesquisa. Segundo um dos professores, a expressão positiva ou negativa do feedback dos alunos depende muito do assunto que está sendo ensinado e de como ele se relaciona com a vida cotidiana e o contexto do aluno. Além disso, é opinião comum dos dois professores que a postura do educador para com o aluno deve ser sempre levada em conta. Os dois descreveram essa relação como uma construção diária, uma evolução conjunta de docente e discente, onde saber lidar com os conflitos de forma calma e assertiva, sem expor o aluno ou ser agressivo, fortalece o laço entre eles e cultiva o respeito mútuo. As conversas informais sistematizadas com os alunos da turma onde o caso ocorreu foram igualmente interessantes, pois, ao exporem seu ponto de vista em relação aos professores I e II, pudemos identificar muitos dos elementos discutidos acima. Antes das conversas, nossa impressão era de que os alunos tinham preferência pelo professor I em detrimento do II, já que prestavam muito mais atenção à aula do primeiro e lhe demonstravam um respeito impecável. Com a conversa, descobrimos ocorrer o contrário. “O professor I é mais ‘bravo’, mais exigente, não gosta de barulho”, - afirmaram eles -, e não se sentiam atraídos pela aula, nem motivados a aprender o conteúdo abordado. “O professor II é mais legal, deixa a gente conversar, é mais ‘bonzinho’”, disseram. Por acharem o professor II mais “legal”, preferiam a aula dele, pois era menos rígido e os deixava mais à vontade em sala, e consequentemente mais alvoroçados. Continuando a conversa, surgiu o nome de um terceiro professor, de matemática, que, surpreendentemente, é o que eles mais gostam. Segundo eles, o professor III é sério, exige bom comportamento e disciplina em sala de aula, mas ao mesmo tempo é próximo dos alunos, diverte-se com eles e sua 9 1522 aula é tida como muito interessante. Uma frase marcante dos alunos com relação a ele foi: “Ele passou vídeos e teve um que mostrou que tem matemática até na música”. Os alunos pareciam maravilhados com a aula, onde se utilizava recursos audiovisuais, não só quadro e giz, e ainda relacionava a matéria estudada com atividades cotidianas. Essa contextualização é essencial no processo de ensino-aprendizagem, na medida em que permite ao aluno ressignificar o conteúdo e perceber suas aplicações no seu dia-a-dia, e não apenas memorizar o que foi passado e reproduzir na prova. Construir um ambiente propício à ressignificação permite aos alunos “se habituarem a apreender as realidades enfocadas nos conteúdos escolares de forma crítico-reflexiva” (LIBÂNEO, 2010). Após a conversa com os alunos, decidimos ter uma conversa informal também com o professor de matemática. Nessa conversa, ele afirmou se preocupar com o contexto dos alunos e principalmente em ressignificar o estudo da matemática. Ele procura conhecer as profissões dos familiares dos seus alunos e dessa forma pode trazer a matemática para a realidade deles, e também relaciona o conteúdo com as profissões que os próprios alunos desejam seguir. O resultado e a importância disso vimos acima no relato dos alunos, reconhecendo a atitude do professor e o elogiando pela mesma. Esse tipo de prática é muito comentada por Freire (1996, p. 137): Já sei, não há dúvida, que as condições materiais em que e sob que vivem os educandos lhes condicionam a compreensão do próprio mundo, sua capacidade de aprender, de responder aos desafios. Preciso, agora, saber ou abrir-me à realidade desses alunos com quem partilho a minha atividade pedagógica. Preciso tornar-me, se não absolutamente íntimo de sua forma de estar sendo, no mínimo, menos estranho e distante dela. Acreditamos que a maior recompensa de um educador é ver que tem ajudado seus alunos, dentro do contexto da mediação pedagógica, e que sua atuação tem sido efetiva na construção do conhecimento. Proporcionar ao aluno uma aprendizagem significativa supõe da parte do professor conhecer e compreender motivações, interesses, necessidades de alunos diferentes entre si, capacidade de comunicação com o mundo do outro, sensibilidade para situar a relação docente no contexto físico, social e cultural do aluno (LIBÂNEO, 2010, p. 44-45). 10 1523 Ainda durante nossa conversa, falamos sobre a importância da família para apoiar os alunos, acompanhar as atividades escolares tanto em casa quanto na escola e também com participação ativa no colegiado e demais órgãos escolares, o que se relaciona em muito com o que foi tratado acima. O professor III afirma também que durante sua graduação não teve uma formação adequada na área educacional, com relação aos estágios, ao contato com a sala de aula e escola antes sair da faculdade, reafirmando a nossa crença na importância do estágio de ensino, em particular da disciplina que cursamos, para a formação de docentes. Em consonância com os objetivos do nosso estágio, o professor acredita que “os estágios e as disciplinas pedagógicas são muito importantes para a formação dos educadores, porque prepara para a sala de aula”. Considerações finais Diante desses depoimentos, pudemos perceber que os alunos se sentem mais motivados a estudar e participar quando gostam dos professores e podem participar ativamente da construção do conhecimento, ressignificado por meio das relações estabelecidas com a realidade destes. Estes devem apostar não na disciplina opressora/coercitiva, que tolhe a liberdade criativa dos alunos, mas na disciplina transformadora, que busca criar o ambiente propício à apropriação do conhecimento pelos educandos (SCHMIDT et al., 1989 apud FRANCHI, 1995). Ser professor é um desafio muito além de dominar uma disciplina e explicar assuntos relacionados a ela. É fundamental que o aluno saiba por que está na escola e por que é importante estudar, e o professor, juntamente com a família, é peça fundamental para isso. É importante que o educador tenha uma boa formação pedagógica e estabeleça uma boa relação de amizade e confiança com os alunos, que deve se manter com o devido respeito por ambas as partes, para que o convívio em sala de aula seja harmonioso e o processo de ensino-aprendizagem, eficiente. Dessa forma, todos ganham: professores, alunos, a escola e a educação do Brasil. Referências bibliográficas BELOTTI, S. H. A. & FARIA M. A. Relação professor/aluno. Revista Eletrônica Saberes da Educação, Vol 1, (1), 2010. 11 1524 CORDEIRO, J. A escola e o ensino: o núcleo da Didática. In: Didática, 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2009. ______. A disciplina: mitos e conflitos. In: Didática, 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2009. DINIZ-PEREIRA, J. E. O ovo ou a galinha: a crise da profissão docente e a aparente falta de perspectiva para a educação brasileira. R. Bras. Est. Pedag., Brasília, v.92, n. 230, p.34-51, jan./abr. 2011. FRANCHI, E. P. (Org.). A causa dos professores. Campinas, SP: Papirus, 1995 (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico). 169 p. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura). LAPLANTINE, F. A. Descrição Etnográfica. São Paulo: Terceira Margem, 2004. LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e a profissão docente. 12ª ed. São Paulo: Cortez, 2010. LIMA, M. S. C. Vida e trabalho – articulando a formação contínua e o desenvolvimento profissional de professores. In: Formação Contínua de Professores. Ministério da Educação. Boletim 13. Agosto de 2005. LIMA, M. S. C. O estágio nos cursos de licenciatura e a metáfora da árvore. Pesquiseduca, v. 1, n. 1, p. 45-48, jan.-jun, 2009. MASETTO, M. T. Didática: a aula como centro. São Paulo: FTD, 1994. MINAS GERAIS. CBC Biologia – Ensino Médio: Proposta Curricular. 2007 NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Org.). Família e escola: trajetória de escolarização em camadas médias e populares. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. 183 p. PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. 296 p. PLACCO, V. M. N. S. (Org.). Contribuições de Freud para a educação. In: Psicologia e educação: revendo contribuições. São Paulo: Educ, 2000. p. 97116. RIBEIRO, K. E. Formação continuada de professores: o contexto da escola pública. Secretaria Estadual de Educação – Distrito Federal. Disponível em: <www.cereja.org.br/arquivos_upload/klingere_ribeiro_formacao_contin_prof.p df>. Acesso em 26/01/2014. SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. Educação Sociedade & Cultura, nº 23, 2005, 137-202. SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2000. 12 1525