Aborto e Saúde Pública
Aborto inseguro entre as principais causas de morte materna obstétrica
no SUS
Criminalização do aborto no Brasil tem impacto negativo na saúde pública e gera
custos
Uma série de estudos realizados pelo Ipas – Brasil no Sistema Único de Saúde (SUS),
em parceria com o Grupo Curumim, Cfemea, IMAIS e Rede Feminista de Saúde, na Bahia,
em Pernambuco, na Paraíba e, agora, no Rio de Janeiro, aponta que a criminalização
do aborto no país induz milhares de mulheres decididas a interromper
voluntariamente uma gestação à situação de risco, além de custar caro aos cofres da
saúde pública.
O mais recente relatório, de maio deste ano, retrata a situação do aborto no SUS do
estado do Rio de Janeiro e as estimativas confirmam os dados já apresentados sobre
os outros estados. Em todos os dossiês a recomendação é a mesma: revisar a
legislação atual, de 1940, sobre o abortamento e descriminalizar a prática no país,
visando o acesso irrestrito da mulher, sem qualquer tipo de discriminação, aos
recursos de saúde.
Estimativas do abortamento induzido no RJ
O dossiê A realidade do aborto inseguro: o impacto da ilegalidade do abortamento na
saúde das mulheres e nos serviços de saúde do estado do Rio de Janeiro aponta que no
estado fluminense “em 2008, segundo as informações do SIH-SUS, a principal causa de
internação para as mulheres em idade fértil são de longe as internações obstétricas,
com um pico na faixa entre 20 e 29 anos” e que “as internações por procedimentos
relacionados ao aborto correspondem a mais de 12% das internações do capítulo XV
da CID (gravidez parto e puerpério), totalizando 15.868 internações e sua distribuição
etária apresenta o mesmo perfil das mulheres que se internam para partos.”
Houve uma redução de 24% no número de abortamentos induzidos no período de
1999 a 2007, principalmente a partir de 2004, o que pode ser explicado pelo aumento
da oferta de métodos contraceptivos. Entretanto, os números ainda são altos.
Segundo estimativas do dossiê do Ipas, no mesmo período, mais de 800.000
abortamentos no estado do Rio de Janeiro foram induzidos. As mulheres jovens e em
idade fértil figuram em maior proporção nesse total: “os grupos etários que
participaram em maiores proporções deste total foram: 20 a 24 anos (32,1%), 25 a 29
anos (24,7%) e 15 a 19 anos (20,5%), ou seja 3 em cada 4 abortamentos induzidos
foram realizados em mulheres de 15 a 29 anos”, indica o relatório.
A morte por complicações pós-abortamento figura entre as principais causas do óbito
materno obstétrico entre as mulheres brasileiras, segundo pesquisa patrocinada pelo
Ministério da Saúde em 2002, atrás apenas da hipertensão arterial e das hemorragias.
No estado do Rio de Janeiro, o Relatório do Comitê de Mortalidade Materna de 2009
indica as mesmas causas de mortes maternas diretas. O estudo do Ipas verificou um
número de mortes em consequência do aborto inseguro maior entre as mulheres
negras.
Falha no atendimento humanizado do SUS no RJ é ponto em comum entre os
estados pesquisados
Outro grave problema do atendimento relacionado ao aborto inseguro no SUS está
nos procedimentos utilizados. O Ministério da Saúde indica a técnica de aspiração
manual intrauterina (AMIU) para o atendimento humanizado da mulher em situação
de aborto, mas apenas 3,54% das mulheres internadas nos hospitais do SUS do Rio de
Janeiro tiveram acesso ao método.
Levantamentos feitos em outros estados mostram o desrespeito às indicações do MS
para o atendimento humanizado em diferentes regiões do país. É o caso da Paraíba,
onde o número de internações por abortamento registrado pelo SUS aumentou em
176% entre 1998 a 2008, e de Pernambuco. Nos dois estados a técnica da curetagem
pós-aborto (CPA), que submete a mulher a maior risco de infecção, é largamente
utilizada.
O relatório Impacto da ilegalidade do abortamento na saúde das mulheres e nos
serviços de saúde da Paraíba, de 2008, faz uma projeção dos custos do atendimento
precário às mulheres em situação de abortamento no SUS do estado: “o preço médio
de uma curetagem pós-abortamento nas maternidades de João Pessoa é de R$ 189,95
de internação por procedimento, já o de AMIU é de R$ 129,57. Em João Pessoa o valor
gasto pelas maternidades em CPA, de janeiro de 2008 a julho de 2009, foi superior a
R$ 530.000 e, em Campina Grande, foi de R$ 420.000.”
Em Pernambuco, o atendimento às mulheres em situação de abortamento no SUS
enfrenta, ainda, a superlotação. O Dossiê sobre a realidade do aborto inseguro em
Pernambuco: o impacto da ilegalidade do abortamento na saúde das mulheres e nos
serviços de saúde de Recife e Petrolina, de 2009, afirma que “o volume de internações
de mulheres de outros municípios, tanto no Recife quanto em Petrolina, causam
superlotação de leitos nos dois municípios, em Recife se atende inclusive parto normal
da RMR, no caso de abortamento atende todo o estado. Na maternidade Barros Lima,
em Casa Amarela, 47% dos procedimentos são para atendimento de mulheres de
outros municípios. Na Dom Malam, são atendidas pacientes de 57 cidades vizinhas,
além de pacientes do Piauí, Ceará e Bahia.”
O preço alto da criminalização do aborto
O relatório recente sobre o impacto do aborto inseguro no SUS do estado do Rio de
Janeiro acusa os mesmos problemas encontrados pelos estudos na Paraíba e em
Pernambuco. A discriminação da mulher, a restrição do acesso aos recursos e
tecnologias de saúde, a falta de preparo dos profissionais para o atendimento
humanizado às mulheres em situação de abortamento, o desrespeito às normas do
Ministério da Saúde, a precariedade e ineficácia das políticas públicas de atendimento
à saúde da mulher, além da desinformação e do consequente desrespeito aos direitos
sexuais e reprodutivos e dos direitos humanos, caracterizam o atendimento nos
hospitais da rede pública dos três estados pesquisados.
Segundo projeção da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), estudo do instituto ANIS em
parceria com a UNB (Universidade Federal de Brasília) publicado no início de 2010,
cerca de cinco milhões de mulheres praticaram o aborto induzido no Brasil. Os
resultados da pesquisa revelaram que “ao final da vida reprodutiva, mais de uma em
cada cinco mulheres já fez aborto, ocorrendo os abortos em geral nas idades que
compõem o centro do período reprodutivo das mulheres, isto é, entre 18 e 29 anos.” A
pesquisa Abortamento, um grave problema de saúde pública e de justiça social, de
2008, estima que anualmente ocorram no Brasil entre 729 mil e 1,25 milhão de
abortamentos inseguros e os custos com os tratamentos das complicações desses
procedimentos são altos. As internações no SUS para esse tipo de atendimento já
custaram mais de R$ 30 milhões aos cofres da saúde pública, de acordo com dados de
2007.
A ilegalidade do aborto no Brasil compromete a existência de informações mais
precisas sobre a situação da prática no país, mas os últimos levantamentos não deixam
dúvidas: a criminalização do aborto não impede que as mulheres interrompam uma
gestação indesejada, apenas às expõe à prática insegura e desumanizada e ao risco de
morte. As estimativas são preocupantes. Se a maioria desses procedimentos ocorresse
de forma segura e legal, com assistência médica adequada, os números poderiam ser
diferentes. Os custos - econômicos, políticos e sociais – são altos, para todos, e a
mudança, tanto na lei do aborto, quanto nas políticas públicas, é mais do que
necessária, é urgente.
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