LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL (LV) EM SERES HUMANOS NO ESTADO DE PERNAMBUCO BRASIL, DE 2000 A 2008 Thiago André Santos de Andrade1, Vagne de Melo Oliveira2 e Aline Alves Barbosa da Silveira 3 Introdução A leishmaniose visceral (LV) é uma doença infectocontagiosa de caráter zoonótico de canídeos silvestres e domésticos e marsupiais [1], causada por um protozoário intracelular do gênero Leishmania, os vetores da LV são insetos denominados flebotomíneos, no Brasil, o principal vetor é o Lutzomya longipalpis, sendo, no ambiente domiciliar, o cão doméstico (Canis familiaris) o reservatório mais importante e o homem, o hospedeiro final [2]. Em seres humanos a LV apresenta manifestações clínicas que variam de formas assintomáticas até o quadro clássico da infecção como febre, anemia, hepatoesplenomegalia, manifestações hemorrágicas, além de linfadenomegalia e perda de peso, entre outros sintomas [3]. A LV possui suscetibilidade universal, acometendo pessoas de todas as idades e sexo, entretanto a doença é mais freqüente em crianças menores de dez anos, fato este explicado pelo estado de relativa imaturidade imunológica celular, agravado pela desnutrição, comum nas áreas endêmicas, além de uma maior exposição ao vetor no peridomicílio [3]. Esta enfermidade possui ampla distribuição ocorrendo na Ásia, na Europa, no Oriente Médio, na África e nas Américas, onde também é denominada leishmaniose visceral americana (LVA) ou calazar neotropical [3], no Brasil a LV encontra-se amplamente distribuída apresentando casos notificados em aproximadamente dezenove estados da federação, pertencendo indene apenas a Sul [4]. Atualmente a distribuição geográfica da LV em Pernambuco ratifica a superação do paradigma da doença tipicamente da zona rural, neste Estado, o ciclo zoonótico da LV encontra-se claramente estabelecido em áreas urbanas e periurbanas, como nos municípios de Petrolina [5] e Paulista [6]. Objetivou-se com esta pesquisa realizar um levantamento epidemiológico sobre os casos notificados de leishmaniose visceral em seres humanos no estado de Pernambuco, Brasil no período de 2000 a 2008. Material e métodos A. Área de estudo Localizado no centro-leste da região Nordeste do Brasil, o estado de Pernambuco possui um território de 98.938km2 e é constituído por 184 municípios, somando-se a esses o arquipélago de Fernando de Noronha, os quais estão distribuídos em cinco mesorregiões geográficas: Região Metropolitana do Recife, Zona da Mata, Agreste, Sertão e Sertão do São Francisco [7]. B. Levantamento bibliográfico e Fonte dos dados: A presente pesquisa baseou-se na análise de publicações encontradas na literatura científica sobre epidemiologia da leishmaniose visceral em Pernambuco. Para tal realizou-se a busca de artigos nas bases eletrônicas de dados: SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Google Acadêmico, utilizando os seguintes termos: “leishmaniose visceral’, “calazar”, “Leishmania” e “Pernambuco”. Não havendo restrição a data de publicação. Os dados sobre os casos de leishmaniose visceral em humanos foram coletados no banco de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). As informações contidas no arquivo Dbase foram exploradas após conversão, utilizando o software Tabwuin, desenvolvido pelo Departamento de Informática do Ministério da Saúde. O Sinan tem como objetivo a coleta e processamento dos dados sobre agravos de notificação em todo território nacional fornecendo informações para a análise do perfil da morbidade e contribuindo, dessa forma, para a tomada de decisões nos níveis municipal, estadual e federal [8]. ________________ 1. Primeiro Autor é Médico Veterinário, estudante do Curso de Especialização em Saúde Pública da Faculdade dos Guararapes - FG. R. Comendador José Didier, N° 27, Piedade, Jaboatão dos Guararapes – PE, CEP 54400-160. E-mail: [email protected] 2. Segundo Autor é Licenciado em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected] 3. Professora do Curso de Especialização em Saúde Pública da Faculdade dos Gurarapes - FG. E-mail: [email protected] Resultados & Discussão De acordo com os dados do Sinan, foram notificados 30.159 casos de LV no Brasil, entre 2000 e 2008 (Tabela 1). Destes a grande maioria na região Nordeste do país com 17.949 (59,51%) casos confirmados, inserido nessa região o estado de Pernambuco durante o mesmo período apresentou 1.344 notificações de LV em humanos, o que corresponde a 7,48% das notificações para a Região, o que faz com que o Estado seja o quinto em sua região quanto à notificação de casos de LV. Durante a série histórica de 2000 a 2008 (Tabela 1) o Estado apresentou segundo dados do Sinan, o maior número de casos confirmados no ano de 2000 com um total de 539 confirmações, nos anos subseqüentes do estudo o número de notificações da LV vem apresentando tendência ao declínio, sendo o ano de 2008, o de menor número de confirmações, com 68 casos. Já em relação à amplitude do coeficiente de detecção no país no período analisado variou entre 0 a 33,8 por 100.000 habitantes. Na Região Nordeste houve variação entre 0,6 a 28,9/100.000 hab. e o Estado de Pernambuco registrou uma variação de 0,8 a 6,8/100.000 hab. O coeficiente de incidência no Estado (Tabela 2) foi reduzido ao longo do período estudado, sendo registrados os menores índices nos anos de 2007 e 2008, com 0,8/100.000 habitantes. Segundo Miranda (2008) [9] no período de 2000 a 2006, os municípios com maiores coeficientes no estado foram: a Ilha de Itamaracá (5,77/100.000 hab.) na região Metropolitana; Tamandaré (8,64/100.000 hab.) na Zona da Mata; Riacho das Almas (20,39/100.000 hab.) no Agreste; Betânia (17,65/100.000 hab.) no Sertão e Afrânio (15,57/100.000 hab.) na mesorregião do São Francisco. Conforme dados do próprio Sinan para o mesmo período, houve 1.953 óbitos decorrentes da LV no país (Tabela 3) destes, 1.047 (53,60%) foram registrados na região nordeste do Brasil, sendo, 113, no Estado de Pernambuco, o que representa 10,69% dos óbitos por LV na Região e coloca o Estado na quinta posição em relação à notificação de óbitos dentre os demais Estados nordestinos. Segundo o Ministério da Saúde [10], a região Nordeste tem diminuído na década atual sua participação na ocorrência da LV no Brasil, chegando a 56% em 2005 [10] e segundo dados obtidos no Sinan em 2008, 39.78%, no entanto, segundo Gontijo e Melo (2004) [11] o número de pessoas expostas à infecção ou infectadas sem sintomas é ainda maior do que o número de casos detectados. Sendo assim, há notificações de leishmaniose visceral em seres humanos atualmente em todo território pernambucano. O Agreste é a mesorregião que apresenta maior número de notificações concordando com a hipótese que a expansão geográfica da doença, em sua maioria está relacionada aos problemas sócio-ambientais que propiciam condições favoráveis à proliferação e manutenção do agente e de seus reservatórios no ambiente e, conseqüentemente à infecção dos seres humanos, principalmente aqueles que são submetidos às situações de maior vulnerabilidade social. Referências [1] THADEI, C. L. Disponível em: <http:// lata.org/doc2.shtml>. Acesso em: 10 de abril de 2009. www.vira- [2] PAGE, R. L. Hematologia / Oncologia, In: Manual Saunders – Clínica de Pequenos Animais, 2 ed. Roca, São Paulo, p. 169 – 245, 2003. [3] BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância epidemiológica. Manual de vigilância e controle da leishmaniose visceral, Brasília, 2003. [4] QUEIROZ, M. J. A.; ALVES, J. G. B.; CORREIA, J. B. Leishmaniose Visceral: características clínico-epidemiológicas em crianças de área endêmica. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v.80, n.2, p.141-146, 2004. [5] CESSE, E. A. P.; CARVALHO, E. F.; ANDRADE, P. P.; RAMALHO, W. M.; LUNA, L. Organização do espaço urbano e expansão do calazar. Revista Brasileira de Saúde Materna e Infantil, Recife, v.1, p.167-176, 2001. [6] DANTAS-TORRES, F.; FRANCISCO, D.; BRANDÃO-FILHO, S. P. Análise situacional da leishmaniose visceral no município de Paulista, Pernambuco, nordeste do Brasil. In: I Congresso NorteNordeste de Zoonoses e Bem Estar Animal, Natal, 1CD-ROM, 2004. [7] IBGE. Censo Demográfico 2000. Disponível <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 de abril de 2008. em: [8] LAGUARDIA, J.; DOMINGUES, C. M. A.; CARVALHO, C.; LAUERMAN, C. R.; MACÁRIO, E.; GLATT, R. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan): desafios no desenvolvimento de um sistema de informação em saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde. Brasília, v.13, n.3, p.135-147, 2004. [9] MIRANDA, G. M. D. Leishmaniose Visceral em Pernambuco: a influência da urbanização e da desigualdade social. Dissertação de Mestrado em Saúde Pública. Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães. Fundação Oswaldo Cruz, Recife, p. 134, 2008. [10] BRASIL. Ministério da Saúde. Abordagens espaciais na saúde pública, Brasília, 2006. [11] GONTIJO, C. M. F.; MELO, M. N. Leishmaniose visceral no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v.7, p.338-349, 2004. Tabela 1: Casos confirmados de LV na Região do Nordeste, Brasil, 2000 a 2008. Local 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Brasil 4.854 2.549 2.450 2.971 3.580 3.597 3.651 3.204 3.303 Nordeste 4.029 1.873 1.487 1.766 1.954 2.011 1.982 1.533 1.314 AL 285 234 116 49 57 57 49 30 26 BA 881 287 264 315 438 490 366 216 147 CE 496 231 221 212 296 391 599 499 347 MA 842 490 555 747 615 555 477 332 439 PB 108 94 20 31 28 31 36 23 14 PE 539 228 86 79 85 91 96 72 68 PI 404 120 127 252 348 306 242 237 175 RN 332 148 68 62 55 48 70 59 69 SE 142 41 30 19 32 42 47 65 29 Tabela 2: Coeficiente de incidência de LV, por 100.000 habitantes no Nordeste, Brasil, 2000 a 2008. Local 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Brasil 2,9 1,5 1,4 1,7 2,0 2,0 2,0 1,7 1,7 Nordeste 8,4 3,9 3,0 3,6 3,9 3,9 3,8 2,9 2,5 AL 10,1 8,2 4,0 1,7 1,9 1,9 1,6 1,0 0,8 BA 6,7 2,2 2,0 2,3 3,2 3,5 2,6 1,5 1,0 CE 6,7 3,1 2,9 2,7 3,8 4,8 7,3 6,0 4,1 MA 14,9 8,6 9,6 12,7 10,3 9,1 7,7 5,3 7,0 PB 3,1 2,7 0,6 0,9 0,8 0,9 1,0 0,6 0,4 PE 6,8 2,8 1,1 1,0 1,0 1,1 1,1 0,8 0,8 PI 14,2 4,2 4,4 8,6 11,6 10,2 8,0 7,7 5,6 RN 5,1 5,3 2,4 2,1 1,9 1,6 2,3 1,9 2,2 SE 18,6 2,3 1,6 1,0 1,7 2,1 2,3 3,2 1,5 Tabela 3: Óbitos de Leishmaniose Visceral na Região do Nordeste, Brasil, 2000 a 2008. Local 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Brasil 155 169 186 254 295 280 262 170 182 Nordeste 127 121 107 137 124 138 144 83 66 AL 19 12 06 04 03 03 01 03 01 BA 27 36 24 25 30 39 30 13 09 CE 04 13 13 18 22 20 40 16 19 MA 20 16 36 49 35 36 40 18 15 PB 05 02 03 02 01 05 02 01 - PE 19 20 09 09 09 10 10 11 06 PI 09 08 07 23 21 18 16 15 10 RN 18 06 04 04 02 02 01 01 05 SE 06 08 05 03 01 05 04 05 01