A EPIDEMIA DE SÃO JOSÉ Uma novela do Conhecimento Roberto Francisco de Souza Quando menos se espera As circunstâncias de um evento de conhecimento Eventos de conhecimento são agora parte de nosso dia-a-dia. Eles acontecem quando menos esperamos e nos alcançam em quase todos os lugares que possamos estar. Confrontam-se com nossos sentimentos e com o tempo que precisamos dedicar a assuntos pessoais. Não foi diferente no início desta história. Rivera afastou-se na sombra de uma esquina tranqüila da rua pela qual caminhava. Era um dia do final de março, quando a chuva se mistura ao sol de forma imprevisível. Agora brilhava o sol, mas não para ele, que seguia absorto e sombrio em seus pensamentos. Deixara o trabalho naquela manhã com um ar preguiçoso, mas trazia de novo um sentimento de urgência, uma espécie de premonição que o guiava lentamente, mais que o normal, na direção de casa. Era comum que caminhasse cerca de dois quilômetros todos os dias, quatro vezes por dia, subindo e descendo uma ladeira antiga, hora para o trabalho, outra para o carro que deixava estacionado num lado distante do centro da cidade, numa transversal onde as árvores derramavam uma sombra vistosa e disputada pelos trabalhadores da região. Acostumara-se a isso. Depois de tantos anos, desde o tempo em que o vaivém diário cumpria um papel terapêutico no meio da jornada, um ritual de caminhada sem celulares e sem chamadas inesperadas, pouco a pouco a vida se transformara numa espécie de plantão permanente. De tudo o que fazia e em tudo que buscava nos últimos anos, o mais que queria era dominar a ansiedade provocada pelo excesso de informação que o fazia regurgitar seu trabalho mesmo quando estava longe dele. Um zumbido surdo o fizera parar naquela esquina. Trazia o celular à cintura sem vontade verdadeira e com mais dúvidas que certezas no que respeitasse a indumentária. Faltava-lhe estilo, diziam. Incomodava-se mais com o que representava, uma espécie de apêndice malquisto de suas preocupações, mas não se desligava dele. Trazê-lo no bolso, se acrescentasse o estilo que lhe faltava, pouco mudaria nos sobressaltos que sentia cada vez que vibrava. O toque diferente informava a chegada de uma mensagem. Entre angústia e resignação, o mais que pôde fazer foi abrir a pequena capa de couro com as bordas descosturadas e tomar o aparelhinho nas mãos, um que não era mais aquele dos primeiros tempos e que ficava cada vez menor, enquanto mais incômodo. Digitou rapidamente uma seqüência de números, e se divertiu com a idéia de que podia digitar com rapidez um texto sem olhar para a tela, mas seus filhos eram capazes de operar aquele pequeno teclado com uma maestria incomum, que ele não invejava. Um treinamento que receberam como brinde da companhia de telefones, junto com sua política de tarifas que fazia os garotos dispararem torpedos e toquinhos de maneira frenética e muito econômica. Recuperou a mensagem na pequena tela de cristal e, enquanto voltava a caminhar ao sol do final da manhã, tentava compreender o que acontecia, com sua vida e com seu trabalho, ambos atulhados de coisas por fazer. Mas o chamado era claro e não vinha de amigos, mas do sistema de sua companhia. Isso devia ser pior, pensou. Costumavam ser assuntos mais graves e que não dariam tempo para muitas considerações. Foi o caso. ”Alarme amarelo. Localidade: São José”. Mensagens de computador eram assim insossas e incisivas e causavam-lhe esta tensão maior que as chamadas de voz. Sabia que precisaria retornar ao escritório com rapidez. O almoço em casa seria quase uma transparência, entre chegar e sair, sem que ninguém o visse de verdade, sem que ninguém o sentisse naquela tarde que o meio-dia fizera nascer, cansado e tenso, mas firme para seguir em frente. Eliminou a mensagem no celular e conectou-se ao portal. Precisava se lembrar de sua senha, mais uma a ser lembrada, mas pelo menos uma apenas, para todos os sistemas de sua empresa. Num canto da tela, um pequeno ícone foi acionado. Ainda não era como estar em sua mesa de trabalho com seu computador portátil, mas o acesso ao portal pelo celular parecia razoavelmente confortável. Lembrava-se de uma vez em que falou em público, numa universidade a centenas de quilômetros dali, sobre tudo o que podia fazer com aquele portal e acabou desafiado por um professor em final de carreira, um ludita renhido que o acusava de não viver ou de viver pregado naquelas coisas da tecnologia. Foi uma longa viagem de volta daquela vez, pensando no velho senhor com ar acusador e um sorriso maroto no canto da boca, querendo dizer que o decifrasse. Era certo que não o devoraria. Procurou no menu o nome do grupo que desejava ter consigo quando chegasse a empresa. Acionou um agendamento que disparou tarefas rápidas para todos os participantes. Muitos celulares tocaram naquela hora e Rivera alimentou um sentimento silencioso que não sabia se era vingança ou alívio por compartilhar com os demais aquele novo sobressalto. Em uma hora ele os teria em torno de uma mesa para uma primeira conversa e os que não pudessem estar lá o fariam por telefone ou pela web. Enquanto continuava sua subida, teve uma tênue certeza de que a tecnologia tinha seus prós e contras. O tempo e o alarme que acabara de receber poderiam confirmar mais uma vez. Problemas acontecem Sua empresa pode fazer gestão de conhecimento Para nossas Empresas, não há escolha quanto à forma de enfrentar os problemas complexos e inesperados dos clientes. É preciso lidar com o conhecimento com rapidez, ao mesmo tempo em que, em sua essência, o ambiente para a Gestão do Conhecimento deve pressupor qualidade de vida, tornando menos complexo o nosso ambiente. Afinal, problemas sempre acontecem. Problemas acontecem... Repetia esse mantra, subindo apressado as escadas até o terceiro andar de um prédio indeciso entre o moderno e o funcional. Uma construção já velha, da pior velhice, a primeira velhice que acomete prediozinhos de três andares, sem muito charme, depois de dez anos de vida, quando não são nem obras de arte, nem habitações bem conservadas. Ficam comuns. Os elevadores quase nunca funcionavam nas últimas semanas. Estavam em reforma e tornavam aquelas situações de emergência particularmente tensas, acrescentando atrasos desnecessários a cada compromisso. _ Essas paredes precisam de pintura nova e mais alegre, isso é certo. Passou por uma porta de vidro e entrou pela recepção apertada. Um sofá a um canto e a mesa de recepção compunham a decoração. Uma penumbra era imposta pelas divisórias de madeira que, em quase todo escritório, parecem um improviso definitivo, mas conveniente para estadias curtas, de aluguel. A pouca luz era bem aproveitada pela recepcionista que, assim que Rivera entrou, despertou de seu meio-sono para um cumprimento insosso e protocolar. Um tapete fino e cinza dava um ar abafado ao ambiente, neutralizado apenas por alguns aparelhos de ar condicionado de onde surgiam, em intervalos, baforadas frias. Ao fundo, as janelas pouco se abriam para a rua em frente, de onde, a depender da hora do dia, uma brisa suave soprava em auxílio da refrigeração artificial, ao mesmo tempo em que deixava escapar o frio dos condicionadores. Sentou-se em sua cadeira protegida da vista dos passantes apenas por dois armários. Não havia comodidade naquela situação improvisada. Sabia que não ficariam ali mais que alguns meses, enquanto construíam sua nova sede. Ao longo de nove anos, seu esforço produziu uma empresa de porte médio. Dois dos seus melhores amigos, depois colegas de faculdade, todos médicos, completavam a sociedade que cresceu, tateando por trabalhos de pesquisa até se fixarem em consultoria em saúde para o setor público. Seus ganhos vinham, no mais das vezes, das crises. Quase sempre estavam em viagem, aqui e ali, pelo interior, enfrentando as condições precárias de saneamento e a falta de quase tudo para tentar garantir tranqüilidade à população em situações pouco conhecidas. Suas opiniões e estudos eram urgentes. Viviam urgentes. Por isso, haviam se preparado da melhor maneira possível para enfrentar o que convencionaram chamar de alarmes: primeiro amarelo, depois vermelho, depois preto. Um quadro, na parede ao lado de sua mesa, informava se algum deles disparasse nas cidades para as quais trabalhavam. Os sistemas estavam atentos a qualquer chamado que pudesse mudar a cor do seu dia-a-dia e, não menos raro, seu humor. Alarmes não eram bons. Naquela ocupação, além do seu próprio sofrimento com os imprevistos, lidavam com a dor de muitas pessoas que participavam das crises, uma hora como o centro dos problemas e outra, estranhamente, como coadjuvantes que muito não faziam, além de olhar e contar o tempo. Da vida de faculdade, aprendera a se relacionar o mais possível com o meio acadêmico, onde muitas vezes encontrava a solução ou informações úteis para muitos de seus problemas. A WEB vinha facilitando enormemente esse trabalho ao longo dos últimos meses. Tudo se transformava. De todas as maneiras do mundo as revistas semanais contavam como sua vida podia ser modificada por novas engenhocas cada vez mais capazes de dizer: ”Alarme amarelo. Localidade: São José”, nas horas mais impróprias. Lembrava-se de uma vez em que uma terrível dor de barriga o dominara numa rodoviária. Correu ao banheiro e encontrou todas as portas fechadas, no mesmo momento em que um daqueles alarmes, o vermelho, disparava no celular. _ Mas será que até isso estas coisas pegam? Era um preço a pagar. Problemas acontecem, pensava. Melhor que se esteja preparado e com toda a tecnologia. Descobriu-se absorto com o ir e vir de uma vassoura e sua dona num carpete gasto. Concluiu que precisavam sair logo dali, pelo bem de uma rinite que conseguira vencer. Sabia que, entre construir o novo prédio e viver nas crises de seus clientes e do seu próprio nariz, meses ainda se passariam pelo contar dos prazos acertados com o empreiteiro. O barulho de passos o despertou de vez de seus pensamentos. O celular se encontrava sobre a mesa e seu computador acabara de ser ligado e conectado ao portal. Registrou-se e observou imediatamente uma lista de alguns nomes surgirem na tela com quadrículos verdes indicando que esperavam também por seu contato, em algum lugar longe dali. Seus pensamentos voaram uma vez mais. Problemas acontecem, repetiu. Melhor que se esteja preparado e com toda a tecnologia. Compreender para agir Os acidentes de conhecimento Os passos marcados de sapatos de salto eram de Anita. Alta, de um olhar indefinido pelo grau elevado das lentes que usava, sempre gesticulando muito e falando alto, desta vez ela se aproximou silenciosa pelo corredor, já arrependida de ter duvidado que o café da única garrafa restante do aparador fosse ainda da manhã, quase frio e quase intragável. Foi ela quem reparou que Rivera parecia mais tenso que o normal. Sentou-se diante de sua mesa e permaneceu num silêncio ao mesmo tempo lacônico e provocante, dando lambidas na colher do café e brincando por minutos com ela entre os lábios, enquanto acompanhava a cabeça firme cujo olhar corria num frenético vai-e-vem com que Rivera passeava pela tela do portal. Precisou tamborilar com os dedos de unhas longas sobre a mesa para que ele despertasse de seu transe. Terminou de tomar o resto que agüentava de sua bebida e com uma voz calma, como convinha para o momento, comunicou a Rivera que todos os outros já se encontravam na sala de reuniões, contígua à recepção, esperando por ele. Não se falaram. Ele levantou-se, fechando seu notebook, e saiu de seu canto, apenas balbuciando um “venha” quase imperceptível, que deu a Anita a certeza de que algo não ia nada bem. Chegaram juntos à sala de reuniões e sentaram-se, ele à cabeceira e ela à sua esquerda. Todas as outras cadeiras já estavam ocupadas. Rivera reativou seu equipamento e acionou o dispositivo de rede sem fio, reconectando-se em seguida ao portal. Todos ficaram em silêncio, enquanto ele se perdia novamente em pensamentos, respondendo um e-mail sem importância para dar-se tempo de escolher as palavras com que iniciaria a conversa. Foi somente depois de dois ou três minutos que Anita raspou a garganta e arriscou: _ Então? Mantendo-se com os olhos no infinito, Rivera respondeu prontamente, como se estivesse apenas esperando a pergunta para livrar-se um pouco das preocupações que carregara nas últimas horas, desde que soube que a pequena cidade de São José era foco, pela segunda vez, em menos de um ano, de um número preocupantemente elevado de casos de dengue. Era inútil. Todos já sabiam disso, desde que seus celulares também dispararam o alarme. Era praxe que se conectassem de seus pequenos aparelhos ao portal, como fizera Rivera, obtendo os primeiros dados. Nada de novo, então. Estavam à espera do que seria proposto como estratégia e se colocariam a campo assim que fossem comunicados. São José era uma cidade pacata do interior, cliente antiga de sua empresa. Ganhava-se a vida com um turismo fraco pelas cachoeiras e grutas da região e com a venda de doces que a tornaram famosa. Passava-se por ali em direção a cidades maiores, vindo ou indo para a capital e uma paradinha era sempre encomendada. Um doce para um parente, uma compota para outro e ia-se vivendo. A população, em sua maioria de velhos e crianças, habitava prédios e casas de pouco mais que uma centena de anos, tempo em que a cidade viu nascer, florescer e morrer a indústria de tecidos que partiu e se partiu com a concorrência desleal de máquinas mais modernas e mentes mais abertas de lugares distantes, de onde nunca haviam escutado falar. Chineses, diziam. Sua empresa prestava serviços de treinamento, nada que os fizesse ganhar muito dinheiro, mas a cada dois meses visitavam a cidade para reciclar os funcionários do posto de saúde e do único e minúsculo hospital onde apenas três médicos se revezavam em plantões quase inúteis de atendimento. Faltava tudo. Recebiam por dois dias de trabalho em cada viagem e ainda uma estadia no Hotel Três Coroas, além da viagem e classe especial na ambulância que visitava sempre a capital e na qual viajavam na carona do motorista. Decididamente, São José era o quinhão de responsabilidade social da companhia. Não era, definitivamente, um cliente que os fizesse perder o sono pelo dinheiro, mas eram amigos antigos do Dr. Diógenes. Formaram-se juntos e seu idealismo o fez retornar à cidade onde nascera. Tratava-se assim de uma missão mais do espírito que do dinheiro. Quando terminou de falar, apenas correu os olhos pelos rostos. Sabia que haviam comemorado, passados poucos meses, a solução daquele problema e, de novo, precisariam por-se a campo para orientar e resolver o novo surto. _ E então, agimos como da última vez? _ O problema, Rivera, respondeu Clodoaldo, é que, enquanto o esperávamos, já tomamos todas as providências como no último caso. Fizemos ligações, consultamos todos os registros na WEB, nas fontes costumeiras, e fizemos alguns chats com pessoas da universidade local, com outros, reuniões telefônicas. Parece que precisamos ir além desta vez... _ Como assim, além, respondeu Rivera, ajeitando-se na cadeira para continuar incomodado pelas palavras mais que pela posição das pernas. _ Precisamos falar com mais pessoas, precisamos saber de que recursos dispomos para o combate, e você sabe que não são muitos. A verba do governo está atrasada e o risco de mortes é iminente. Acho que, se retornarmos a WEB podemos encontrar novos contatos, listas de discussão e coisas assim. Rivera sorriu sem graça. Incrível que um problema tão simples tivesse se agravado tanto. No fundo sabia que não era assim, fácil. São José não era perto, não era rica, não era importante. Nada era urgente, nem dinheiro, nem remédios, nem equipamentos. Clodoaldo continuou. _ Lembra do Carlos, aquele que foi da Zoonose quando trabalhávamos no posto de saúde? _ O que puxava de uma perna? _Ele mesmo. Me encontrei agorinha com ele, por coincidência. Está bem, cara. Sub-secretário de regional, todo poderoso e engravatado, nem parece o Carlos Manco que pegava no gol da pelada de sábado. Comentei o caso com ele. Você sabe, ele é aqui da prefeitura da capital, mas talvez possa ajudar nesse caso. Ele me indicou dois contatos que podem nos ajudar a mobilizar recursos rapidamente para uma ação de combate no governo do Estado. Os nomes estão aí. Rivera silenciou. Não gostava de sentir-se assim, meio que fora do comando da situação, mas que remédio? Tomou o pequeno papel sobre a mesa e leu os nomes. Voltou-se para o teclado e digitou algo misterioso para os demais. Anita tamborilava com os dedos novamente. Muitos outros projetos mais lucrativos esperavam por sua ação, mas quando se tratava de São José, sabia que Rivera saía do centro, morria. Perguntava-se o porquê, mas no fundo seria leal a ele e colocaria esse caso à frente dos demais. Mais um longo silêncio foi quebrado por ela com um suspiro e um levantar brusco da cadeira. _ Alguém quer café? Comunicar para agir Encontros em tempo real na web Texto da chamada: Comunicar-se na Internet, formar redes de relacionamento, contatos enfim! Se muitas vezes são incômodos, se bem gerenciados podem ser a chave para a solução de muitos problemas. E a tecnologia está pronta para isso. Ninguém quis. Pelo horário não valeria nem a pena nem a aposta de que houvesse café novo. Ademais, café não era bem o que desejavam naquele momento, muitos ainda sem almoço, outros apenas com um sanduíche do botequim da esquina, que prometia ser lembrado até o dia seguinte ou até o alarme seguinte. Muito óleo no hambúrguer, diziam. _ Ok, respondeu Rivera. Que tal o Orkut? Talvez tenhamos amigos comuns com estas pessoas. Você não vai me dizer que estava procurando estes nomes no Orkut Riva, respondeu Afonso. Era ele o mais cético de todos os sócios, franzino e irritadiço, quase sempre calado, mas dado a rompantes que lhe faziam eriçar um topete louro e desgrenhado, o que lhe valeu o incômodo apelido de cacatua. _E pode me dizer por que eu não devia fazer isso? _ Estas coisas não são confiáveis, são? _ Experimente você mesmo. _ Eu não vou experimentar na... _ Bingo!!! Anita já espreitava a tela do notebook por trás do ombro de Rivera, copo na mão, sem coragem de arriscar de novo o café. Rivera esboçava sinais de tranqüilidade. _ Acontece, meu caro, que o Dr. Manuel Abrolhos, que o Carlos Manco indicou, está no ORKUT... _ E daí? Afonso começava a fazer jus ao apelido. _ Daí, cacatua, que ele conhece o Diógenes, entendeu? Clodoaldo e Anita desataram a rir. Adoravam ver os embates de Rivera com o famoso Cacatua, mesmo sabendo que algumas vezes podia terminar mal, com dias sem se falarem. Dessa vez, porém, não havia jeito. Afonso tinha que reconhecer que o tal Doutor Poderoso conhecer o Diógenes, o maior amigo de Rivera, era algo que ajudava muito. Amontoaram-se todos em torno de Riva, olhos pregados na tela do computador. A sala era apertada, mas preferiram ficar ali mesmo. Podiam ir cada qual para sua mesa e se conectarem também, mas Rivera já havia decretado: Vamos chamar o Diógenes... Num canto do portal da companhia uma lista de nomes informava quais clientes estavam ou não conectados naquele momento. Tratava-se de um serviço promissor que eles haviam disponibilizado para todas as cidades que se interessassem e pudessem pagar conexões de alta velocidade com a Internet. Diógenes pagava do próprio bolso e acessava do consultório, no hospital em São José. Podiam trocar informações em todos os formatos e as viagens ficavam mais raras. É certo que convencer o prefeito de que deveria bancar o serviço era uma tarefa inglória. Para ele era mais barato fazer o Clodoaldo ou a Anita, muitas vezes o próprio Rivera, sacudirem-se pela estrada, oito horas de viagem, conversando as mesmas histórias com o Seu Antônio, motorista da ambulância. Diógenes estava lá, um ícone verde dizia isso. Rivera prosseguiu: _ Boa tarde, Amigo. Uns segundos de silêncio. No pé da janela uma mensagem de status indicou que Diógenes começara a responder. _ Boa tarde. Trabalhando na hora do almoço? _ Você gerou um alarme, lembra? _ Mas eu sou peixe pequeno. Achei que só iam responder lá pelas seis... _ Não faz graça, Dig. Você sabe que eu não ganho nada aí, que a amizade é que vale nessa hora... _ A amizade e a Clarice. Anita arregalou os olhos por trás de suas lentes. Acabava de descobrir que o interesse de Rivera ia além do Diógenes, muito além do social e terminava em Clarice, a irmã dele, enfermeira formada e idealista como o irmão. _ Deixa de papo, Dig. _ Já estamos trabalhando faz um tempo. Os celulares dispararam... _ Sabe que já temos duas operadoras de celular nesse fim de mundo? Até no pasto estão usando os bichinhos. Parece tamagoshi, não é assim que se escreve? _ Cê tá de bom humor ☺ ☺ ☺... _ Agora parece minha filha escrevendo... _ Vamos, Dig, estou com pressa. De onde você conhece um cara chamado Manuel Abrolhos? _ Fiz um curso com ele, coisa de um ano. É sanitarista. _ E tem alguma intimidade? _ Um pouco. Ficamos amigos e nos falamos muito na Internet. Uma vez ele veio aqui para uma pescaria de feriado. _ Pegou alguma coisa? _ Pegou. Umas piabas, uma penca de piranhas e uma p... cólica. Ficou dois dias internado, quase derreteu, mas foi culpa dele. Muito torresmo... É boa gente. Trabalha num hospital do Governo do Estado. _ Trabalhava... _ Trabalhava? Foi demitido? _ Não... Promovido. _ A quê? _ Está na secretaria de saúde e pode nos ajudar muito. _ Como você descobriu? _ O Carlos Manco, lembra, do futebol de salão? Pois foi ele quem contou. _ E como sabia que eu podia conhecer o cara? _ ORKUT!!! Eu conheço você, você conhece o CARA! _ Aí, garoto!!! Tecnologia é tudo... Afonso começou a resmungar, afastando-se da mesa. Não gostava que elogiassem tanto a tecnologia. Por baixo de seu topete de Cacatua escondia-se um ludita que destruiria todos os computadores do mundo, se pudesse. Diógenes recomeçou: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ O Manuel escreve para um portal de saúde. Leio os artigos dele. Sabe o nome? Manuel, uai. Do portal, engraçadinho! Aaaaah! www.edusaude.org.br. Este tal portal tem serviço on-line? Tem. Nos encontramos lá em 15 minutos, pode ser? Claro! Vou mandar uma mensagem para o celular do Manuel. Mais uma vítima!!! Quer que eu chame a Clarice? Não é má idéia, mas meu caso com ela não é dengue. Eu sei, é dengo! Você está realmente bem humorado hoje! Falha nossa! Tô conectado em quinze minutos no edusaúde. quinze minutos! Cb final. Rivera esperou que os outros saíssem da sala, depois de seu câmbio final. Com um sorriso largo no rosto, digitou uma última frase. _ Dig, em tempo... _ Fala! _ Pelo sim, pelo não, manda um beijo pra Clarice... Enquanto isso, o mundo não pára Conhecimento e delegação na era do conhecimento Outra xícara de café fez Anita despertar e criar coragem. De certa forma ela encarava o projeto São José como uma brincadeira de Rivera, ainda mais agora que outros interesses não revelados haviam se iluminado. Pensava em Clarice. Muito trabalho estava por fazer em todos os outros clientes. Sentada em sua mesa, o tique de tamborilar com os dedos quando algo a incomodava ressoava pelo amplo salão. De sua mesa podia ver Rivera de lado. Seus olhos estavam pregados nele, embora sua mente viajasse um pouco mais distante. _ Em que lugar do planeta você está, Anita? Afonso procurava aliados. Sabia que quando Anita tamborilava, as chances de aliciá-la cresciam muito e então poderiam questionar Rivera sobre algo que já sabiam. Porque tanta atenção a São José, que pouco ou quase nada lhes rendia? Se era fato que Rivera se interessava por Clarice, também era fato que suas preocupações com uma cidade pequena e sem recursos eram sinceras. Acreditava de coração que precisavam fazer algo com propósito social. Afinal, de resto a empresa ia bem, obrigado. _ Você vai ver já. Vem comigo. O tamborilar dos dedos foi substituído pelas passadas de Anita em seus saltos. Afonso, visivelmente contente, a seguiu quase tropeçando em seus passos. _ Rivera, tudo bem que a gente ajude São José, mas como vão ficar os outros projetos? Rivera continuou a digitar e olhou para Anita. Fazia isso com destreza e incrivelmente conseguia manter uma conversa enquanto concluía uma frase no computador. _ Como assim? _ Vamos ficar a tarde inteira conectados com o Dig, resolvendo o problema da Dengue que a gente já sabe que é um problema de recursos, como sempre? Fazer o quê? _ Eu não disse que vocês deviam se conectar. Disse que eu me conectaria. De mais a mais, os outros projetos nós já discutimos ontem. Já repassei os indicadores e sabemos o que fazer em cada um deles. _ Não é bem assim, meu caro. Você pediu que fizéssemos certas ações, mas nem todas... Não que Anita parasse de falar. Rivera desligou-se imediatamente da conversa. Estava um tanto cansado de ouvir frases que começavam com “nem todas” e terminavam em montes de explicações sobre o porquê de algo não poder ser feito. Ele sabia que, numa empresa do conhecimento, delegar era uma arte que se punha contra as formas estabelecidas de comando. Se delegasse, delegando junto o conhecimento necessário para a tarefa ou para a decisão, e se os gerentes não o fizessem da mesma forma, conhecimento e decisões haveriam de parar em outro nível da organização que não o seu. Ficariam ali também as lamúrias e um sentimento de excesso de trabalho, além, é claro, de muito ressentimento daqueles que prefeririam que ele nunca tivesse delegado. Também era claro que a forma de passar o conhecimento para a decisão era a resposta a perguntas, mas também aqui havia arte e requinte para se eximir da delegação. Se um de seus gerentes não desejasse o sucesso do processo, perguntaria somente: _ Como é mesmo que eu faço isso? Ou então: _ Quem, afinal, você acha que pode fazer isso? Isso, é claro, em lugar de muita pesquisa na web, de conversas com quem soubesse, de colaboração, elementos que eram cada vez mais presentes no dia-adia da empresa, mas que eram sutilmente evitados. Era puro risco conduzir uma empresa para colaborar e compartilhar conhecimento. Quase sempre, embora insistisse, não haveria perguntas específicas, mas somente devolutivas vazias, que devolviam a decisão a quem, afinal, todos esperavam que a tomasse. Mas insistiria assim mesmo. Estava imaginando muitas formas inteligentes de fazer com que, daquela vez, fosse definitivo e eficaz! Imaginava fluxos de trabalho em que a colaboração fosse implícita, sistemas a quem pudesse ensinar formas de envolver as pessoas em processos de colaboração. Anita continuava a falar, embora sua voz soasse distante para Rivera. Ele escutava, mas não ouvia ou, ainda melhor, já sabia o que estava sendo dito. Balbuciou uma palavra que tinha o dom de irritar Afonso: _ Quaerere? Foi o suficiente para que o Cacatua aprumasse seu topete e disparasse: _ Lá vem você com esse papo de quaerere, Rivera. O que a gente ta fazendo é justamente perguntar! Rivera recuou sua cadeira e procurou se acalmar. Então vamos lá. Sentem-se. O que querem perguntar? _ Por exemplo, disse Anita. Você pediu que eu fizesse o relatório final para a secretaria de saúde naquele projeto do Mato Grosso. Eu reuni todos os dados, mas não tenho tempo de fazer o relatório. _ E sua equipe? _ Você está pedindo para que eu passe o trabalho para a Marta? Ela está na empresa não tem dois meses... _ Mas é formada, é pós-graduada e não sei mais o quê. Como ela vai fazer relatórios se nunca se pede a ela que os faça? _ Não se trata disso, disparou Afonso. O fato é que precisamos ver como a secretaria quer esse documento e... _ E não dá para ir até lá e perguntar, discutir? Entrar no site deles e verificar os padrões ou acessar nosso sistema de contratos ou de vendas e ver como a venda foi feita e o que o contrato exige? Ora, façam-me o favor! Perguntas certas, respostas certas. Perguntas erradas, respostas erradas! Se vocês não querem que eu atenda São José é outra coisa, podemos discutir, mas temos que envolver toda a equipe em cada um dos projetos e precisamos de iniciativa, de movimento, de pesquisa e colaboração. Não dá para gerenciar um monte de passarinhos com a boca aberta, esperando que se diga o que devem comer e como devem comer. Para isso temos indicadores! Se faltar recursos, também podemos discutir! O fato é que temos três projetos atrasados, três, eu repito, e a equipe do Clodoaldo ainda não fechou o novo contrato no Mato Grosso, simplesmente porque os projetos não são entregues! Anita e Afonso se calaram. Sabiam onde estava o desafio. Sabiam que não podiam envolver Rivera em todas as decisões de suas áreas. Mas era sempre mais confortável deixar que ele decidisse. De mais a mais, quando ele decidia não estavam expostos a críticas. Enquanto pensavam, Rivera apostou, mentalmente qual seria a próxima frase de Afonso: o que é que você quer que eu faça? Não sabia se agüentaria ouvir desta vez. Preparou-se para levantar e sair ou pedir licença e retornar ao portal, onde o Dig já o esperava. Estava a ponto de explodir, mas algo de estranho aconteceu. Anita quebrou o silêncio e se levantou dizendo apenas um “ta bom, então, vamos tentar” que surpreendeu Rivera. Afonso ficou desarmado e saiu colado nos mesmos passos que o trouxeram até ali. Rivera relaxou. Surpreendido, voltou a conversar com Dig, mas foi interrompido por Clodoaldo: _ Rivera, a respeito daqueles contratos no Mato Grosso, você pediu para tentar negociar com o cliente para fazer um contrato de risco. Não sei o que oferecer... _ Como é mesmo que eu faço isso? Rivera levantou-se com uma expressão de desânimo. De sua mesa gritou para Anita: _ Já tem café novo lá na cozinha? Fácil, quando se sabe... O fascinante mundo da colaboração web Em pleno ano de 2006 pode-se dizer que somos capazes de produzir mais cooperação e de mais qualidade do que a maior parte das empresas acredita que possa. A tecnologia está, em grande parte, disponível, mas falta-nos três elementos essenciais: determinação, capacidade de colaborar e uma imensa capacidade de discernir o que é realmente importante. Não havia café novo. Rivera permaneceu em sua mesa depois de, pacientemente, explicar a Clodoaldo sobre a política de preços que imaginara. Não era uma demonstração de calma, mas de resignação. Pouco depois, refeito do debate com Anita e Afonso, conectou-se ao portal que Dig lhe havia indicado e para o qual recebera uma senha de inscrição por email. Uma tela organizada de forma bastante clara surgiu à sua frente. Um rápido clique o conectou a uma base de problemas e ele registrou o caso de São José, para o qual necessitavam ajuda. Havia uma opção para registro de problemas de interesse social e, por isso, foi dispensado de qualquer pagamento posterior, desde que comprovado este interesse. Num instante percebeu a barra de notícias avisar que um novo problema necessitava apoio e ficou surpreso de ver brilhar na tela, tão rápido, o caso da epidemia de São José. Numa outra área da tela, sua curiosidade o incitou a pesquisar em "Encontre os colaboradores". Percebeu que seus colegas visitantes já estavam na lista, Dig e o Dr Manuel, ambos com símbolos de um verde forte ao lado do próprio nome, indicando que estavam presentes ou, como costumavam brincar em sua empresa, positivos e operantes. Muitas outras pessoas se encontravam na rede naquele momento, algumas totalmente disponíveis, outras com seus indicadores em vermelho, mostrando que, momentaneamente, não poderiam atender. Retornou para um botão de procura e, depois de mais investigações, decidiu ativálo. Rapidamente conseguiu associar sua busca com o problema que já havia registrado e que se encontrava em notícias de problemas para a rede. Prontamente foi instado a assinalar entre várias possibilidades de pesquisa de fontes de informação para os problemas citados. Pode escolher entre projetos anteriores em várias universidades e centros de pesquisa, incluiu de pronto a pesquisa em várias das bibliotecas de universidades que faziam parte do ambiente de cooperação. Mesmo sabendo que não haveria muito tempo, resolveu solicitar também informações sobre todos os cursos à distância disponíveis nos vários pontos da rede e que poderiam estar relacionados com o assunto dengue. Alguns dos treinamentos, muito curtos, poderiam ser usados ao longo da solução do problema. Outros, mais longos, serviriam para que ele acumulasse conhecimentos e os disponibilizasse posteriormente para a rede como competências associadas a seu nome, no ambiente colaborativo, contribuindo na solução dos problemas de outras cidades e comunidades. Rapidamente resolveu incluir informações relativas a estatísticas governamentais sobre o assunto e sobre legislação sanitária. Poderia ser útil. Por último, solicitou uma busca geral na internet. As informações que já se acostumara a ter através dos sítios de pesquisa ainda seriam de muito interesse na solução desse caso. Nesse momento, seu email já registrava a chegada de algumas mensagens de outros membros daquele grupo. Um breve som e uma mensagem em seu browser acusaram que alguém o chamava para uma conferência virtual. Ele atendeu. _ Oi chefe, pedi para fazer café novo para nós... _ Anita? E aí? Você não estava preocupada com os outros clientes? Não disse que não viria? _ Só testando, respondeu Anita. Acho que o módulo de voz e imagem só entra no ar em dois meses. Enquanto desconversava, sabia que havia sido dura com Rivera e que se preocupava com São José, ainda que menos que ele. Quis demonstrar que poderia ajudar ficando ali conectada e o fez de forma a deixar claro para Rivera o seu interesse. _ Vamos continuar, Anita, quero terminar logo com isso. Câmbio, desligo. _ Desculpa chefe. Câmbio final. :-) Retornando às pesquisas, uma grande lista de documentos vindos dos diversos locais solicitados na rede de colaboração e da internet surgiu à sua frente. Com atenção, Rivera selecionou os que mais poderiam interessar e os reservou em sua área de trabalho para uso futuro. De volta à página principal do portal, percebeu outra lista de assuntos. Para cada um deles um time de colaboradores estava disponível, de acordo com suas capacidades previamente mapeadas e diariamente atualizadas na árvore de conhecimentos do portal. Selecionou o assunto "dengue" e viu surgir uma lista mais resumida de nomes e times. Alguns estavam indicados como tutores do espaço, um grupo cuja missão era a de orientar a resolução de problemas em cada área de conhecimento. Surgiu então uma nova tela com o nome do grupo escolhido por Rivera, sua missão, coordenador e, mais abaixo, o número de membros presentes naquele momento. Uma lista de seus projetos em andamento se colocava ao lado de outra, mais completa, de todas as tarefas com que estavam envolvidos, devidamente hierarquizadas, seu calendário comum, sua biblioteca local e seu arquivo de projetos. Rivera solicitou sua participação como visitante, o que lhe dava apenas certos direitos de acesso, e enviou mensagem ao grupo referenciando o problema de São José, informado pouco antes. Concluiu que o tutor do grupo deveria fazer contato em algum tempo. Foram apenas alguns segundos até que André, tutor coordenador da equipe ativada por Rivera, pudesse notar em sua tela a chegada de uma solicitação de apoio na solução de um problema. Clicou no indicador que apontava EPIDEMIA DE SÃO JOSÉ, leu sua descrição e colocou seus primeiros comentários de como deveriam encaminhar a solução. Sua equipe espalhada por sete universidades e dois centros de pesquisa em cinco países poderia dar conta do recado, pensou. Havia professores e alunos e até pessoas das comunidades envolvidas e que participaram da solução de problemas semelhantes estavam presentes. Aquela área de projetos seria, dalí para a frente, uma espécie de centro de inteligência para a solução do caso. Todos os documentos, discussões realizadas, tarefas programadas, enfim, tudo o que pudesse ser de interesse para a solução da epidemia estaria às mãos de toda a equipe. De uma base de modelos para a orientação de projetos, André selecionou o modelo que usaria para compor a solução em curso. Criado o plano do projeto, uma clicar de botão criou tarefas nas listas de todos os envolvidos e todos, a partir de suas bases de tarefas, puderam ter acesso aos documentos até então reunidos por Rivera e completados por André. A partir dai o time começava a cooperar entre si. Rivera observou tudo boquiaberto, falando sozinho: _ Acho que detonei geral. Os caras se mobilizam rápido. Eles estão muito à frente da gente... Durante todos aqueles anos investiu muito de seu tempo em tecnologias que pudessem ajudar na solução dos problemas através da informação, mas o que estava vendo era inacreditável. Quase não se lembrava mais do caso de São José, tanto que estava maravilhado pela rapidez com que as coisas aconteceram na tela de seu notebook. Tudo ali era orientado a problemas e soluções, através de equipes. Enquanto tomava nota de algumas idéias sobre o que poderia incrementar em seu próprio portal, sua tela novamente disparou um chamado: _ Rivera??? Não vamos falar com o Manuel? Quase simultaneamente, um barulho de xícara chamou sua atenção. Era Anita que a pousava sobre a mesa, com café quente e fresco, querendo selar a paz que, havia pouco, se quebrara pela influência do Cacatua. _ Agora tem café novo, chefe. Tudo à mão Os ambientes de aprendizado e de troca de conhecimento se confundem Num futuro bem próximo faremos cada vez menos distinção entre ambientes de aprendizado e de gestão ou troca de conhecimento. Alunos serão colaboradores em projetos, professores dividirão seu tempo entre ensinar e prover consultoria, no mesmo espaço virtual. Um futuro muito, muito próximo. A bem da verdade, um futuro que já chegou, se desejarmos. _ Olá, Dr Manuel. Meu nome é Rivera, como pode ver. Eu e o Dr Diógenes gostaríamos de lhe falar sobre o caso da Epidemia em São José. _ Ah! Sim. Enquanto o aguardávamos eu falava com ele. Aproveitei para me atualizar. _ Vou resumir o assunto mostrando alguns gráficos... Rivera clicou na área de apresentações do portal. Depois de carregar alguns gráficos, continuou a trocar mensagens com Dig e Manuel sobre os números de São José, explicando cada uma das ações que haviam sido tomadas. Finalmente concluiu: _ Bem, Dr. Manuel, como pode ver, nós julgávamos ter controlado a coisa toda, mas agora novos casos surgem, numa época do ano em que isso não deveria estar acontecendo. _ Como posso ajudar vocês? Dig e Rivera relutaram um pouco para, em seguida, o primeiro quebrar o silêncio: _ Verba, Manuel. O caso é esse! _ Uma questão complicada conseguir algum recurso adicional. Se fosse recurso humano talvez fosse mais fácil... _ Olhe, Manuel, respondeu Dig, o Rivera já nos auxilia aqui quase sem gastarmos nada. De verdade, precisamos de recursos para novas ações de combate. O planejamento nós fazemos. É claro que temos que descobrir o porquê deste aumento de casos no inverno, quando deviam diminuir! _ Ok, verei o que posso fazer. Chamo vocês mais tarde. _ Obrigado, então, Manuel. Rivera se sentiu decepcionado. Esperava que aquele contato rendesse resultados mais concretos, mas de qualquer maneira, além do dinheiro, havia outra questão a ser resolvida. _ Dig, clique neste grupo de trabalho... Em instantes ambos se conectaram na área de projetos coordenada por André. Junto com eles, Anita. Trocavam informações como se já se conhecessem por muito tempo. André confirmou que Rivera teria acesso ao acompanhamento de todo o processo e que seus conhecimentos no assunto já o haviam apontado como um participante do grupo de solução. Era automático! O mesmo aconteceria com Dig e Anita. Agora estavam todos juntos na área do projeto. Quinze novas contribuições relevantes haviam surgido na tela, no Chat permanente. André, em particular, estava ansioso por completar com sucesso esta sua nova "missão". Gostava em particular quando os projetos envolviam comunidades que realmente precisavam ser ajudadas como a de São José. Os colaboradores haviam trocado muitas idéias sobre a questão. Havia um médico especialista em dengue que lhe parecia importante no processo e, para sua surpresa, três alunos de graduação que haviam acabado de retornar de um internato em cidades próximas a São José e haviam tido contato direto com a população. Isso era relevante, pensou! Percebendo que vários dos colaboradores estavam presentes, André resolveu convidá-los a uma sala de reunião eletrônica para que pudessem conversar mais. Rivera assistia a tudo com a mesma mistura de curiosidade e inveja que o acometera pouco antes. Na sala de colaboração, sob coordenação de André, rapidamente traçou-se um plano razoável para enfrentar o problema, sobretudo a questão do aumento de casos naquela época do ano. André retornou a seu formulário de projeto na área principal do grupo e atualizou todos os dados para garantir um registro da evolução do problema até aqui. Os colaboradores entravam e saíam da sala, na medida em que se conectavam ao portal, acionando a sensibilidade de presença. Paulo, um dos estudantes, precisou sair e se despediu do grupo que terminara o debate. Por ser um estudante da graduação, precisava retornar ao ambiente de gestão acadêmica para conferir algumas informações relevantes de seu curso. Rivera quis saber o que estava disponível para alunos e Paulo lhe indicou um link onde poderia fazer uma visita guiada ao espaço acadêmico. Para Paulo, havia pagamentos a fazer e, nesse dia, marcou-se para que fosse publicado o parecer de seu futuro orientador de estágio em outra universidade, onde pretendia realizar trabalhos no período de férias. Tudo que precisasse estava em sua pasta pessoal, na área de gestão acadêmica. Algumas de suas notas em cursos presenciais também estavam sendo publicadas e ele precisava se apressar para ver tudo, antes de se dirigir à área de ensino do Portal, onde um curso à distância, presencial virtual, se desenrolaria em alguns minutos, sobre assuntos de seu interesse. Passando pela área de gestão, ele pode também verificar se alguns dos livros raros que solicitou à biblioteca já haviam sido devolvidos e ainda se o artigo que enviou para o jornal interno da escola foi aceito e publicado. Uma passada pelo quadro de avisos e depois, direto para a sala de aula, possivelmente alguns minutos atrasado. Ao chegar, verificou os avisos pertinentes a seu curso e cumprimentou alguns colegas já presentes. A tutora do grupo, Helena, solicitou que mantivessem a atenção no que estava sendo apresentado no quadro branco e brincou com o fato de que, em breve, poderia ver, cara a cara, as piadinhas de Paulo toda vez que chegasse em sua sala virtual. O curso, na realidade um reforço importante para a concessão de algumas certificações para Paulo, se desenrolaria por meia hora. Depois disso, talvez houvesse tempo para trocar idéias com colegas no espaço de rede de relacionamento. Enfim, ele poderia se desconectar da rede e deixar o campus, indo para casa. De lá pretendia estudar o próximo capítulo da cadeira de Medicina Social, oferecida também a distância. Seu último CD da cadeira acabara de chegar pelo correio. Paulo ainda se irritava por precisar usar os CD's, mas sabia que, em alguns dias, seu link de alta velocidade estaria instalado e operacional. Rivera terminava de fazer o roteiro da visita acadêmica. Estava ainda mais impressionado. Anita, em silêncio mortal, debruçava-se sobre seu ombro, olhos fixos na tela do computador. O café continuava sobre a mesa. Rivera o sorveu de um gole. _ Chefe, tá frio! _ Sabe que eu nem reparei, Anita... Um para n, n para n O conhecimento se multiplica Impressionante a velocidade com que conhecemos pessoas e travamos conhecimento no mundo hoje. Nossa fogueira, em torno da qual trocamos experiências, é uma fogueira virtual, sempre pronta a queimar mais um pouco e nos permitir mais um contato, mais uma informação. Nossas organizações se multiplicam. Nós nos multiplicamos: um para n, n para n, num ritmo frenético. Onde será que isso pode dar? Nada mais cabia a Rivera senão permanecer conectado e ver, diante de seus olhos, a troca de conhecimento. Estava decepcionado pelo caso de São José mas, o santo que o perdoasse, agora o que mais importava era compreender como a colaboração se processava naquele portal. Tudo que houvera sonhado, estava tudo ali. Se Paulo era um aluno ocupado, Dimas, um dos professores do grupo de André, não ficava para trás. Sua programação para aquele dia estava bastante comprometida. Já eram então duas horas da tarde e seu sistema de tarefas o informava de um descontrole importante de tempo em suas atividades. Rapidamente começou a adiar tarefas menos importantes e ativou agentes que transfeririam automaticamente algumas delas, assinaladas como delegáveis. O portal verificou automaticamente se outros colaboradores do grupo, assistentes locais ou remotos do Professor Dimas, em alguma das outras universidades, poderia assumir estas tarefas hoje, por estarem com suas programações mais livres. Se Rivera pudesse imaginar... Para Dimas era uma grande pena, a maioria de suas tarefas eram administrativas. Os sistemas da Universidade acabavam de solicitar que ele realizasse um parecer importante para autorizar uma matrícula em uma das universidades num curso à distância. Se ele não o fizesse, o portal automaticamente transferiria a tarefa para o chefe do departamento e isso não seria bom, pensava Dimas. Para complicar um pouco mais, seu filho mais velho, aluno do curso secundário no Instituto que funcionava no mesmo campus, registrara pelo portal uma tarefa agendada para irem juntos ao jogo de futebol e ele havia prometido isso há algum tempo. Tinha mesmo que ir, mas ficaria atento pelo celular até o final da tarde, sobre a evolução dos acontecimentos no grupo de André, já que o assunto o interessava muito. Por falar em André, diante da indecisão do grupo sobre algumas questões, ele decidiu ativar um dos modelos de suporte a decisão do ambiente e isto pode ser visto por Rivera. O sistema orientaria e organizaria a decisão a ser tomada, ajudando as ações de coordenação. André completou todos os dados necessários em formulários específicos e incluiu Rivera como revisor final da análise decisória, agora já confiante de que poderiam, juntos, ajudar a comunidade de São José e que Rivera, de fato, por já ter participado de dois projetos anteriores na comunidade, merecia ter a palavra final. Também achou que seria de ajuda realizar uma tempestade de idéias para tentarem aumentar o número de alternativas e finalmente decidir o que fazer. Ele sabia que muitas pessoas espalhadas pelas universidades participantes e pelos centros de pesquisa haviam acabado de receber novos títulos muito recentemente e que suas habilidades no assunto em pauta poderiam ser importantes para o sucesso da solução. Por isso, decidiu convidar novos participantes ao projeto, baseando-se em seu perfil de conhecimentos. _ Quer ver como funciona, Rivera? Ai, meu Deus, pensou Rivera, mais uma demonstração de força. Mas, fazer o que? _ Claro, André. A resposta pelo Chat permitiu que Rivera acompanhasse a tela de André, que imediatamente preencheu dados na opção "Encontrar pessoas", informando todas as áreas de conhecimento que poderiam ser relevantes à solução do problema. Rapidamente o portal iniciou a localização de novos especialistas e apresentou uma lista deles em sua tela. _ Bingo, exclamou Rivera, Anita ainda acocorada por detrás de sua cadeira. _ Bingo, repetiu Anita. Para sua surpresa, Rivera acabava de descobrir que Anita, Bruno e Diogo, todos da mesma empresa de Rivera, já estavam identificados como especialistas importantes e se juntariam ao grupo caso pudessem. Agora ele e André já sabiam onde cada um dos possíveis novos debatedores estudou, que livros publicou, suas organizações e tinham uma foto de cada um deles. Alguns disponibilizaram um filme com seus hobbies e falaram de suas famílias e crenças no perfil, em busca de novas amizades. _ Você é rápida, heim menina!!! _ Só preenchi um perfilzinho, chefe, respondeu Anita, sem esconder uma ponta de orgulho. Várias das pessoas encontradas estavam agora conectadas, conferiu André, acompanhado por Rivera. Nem todas interessavam a ele dentro dos objetivos da solução do problema. André selecionou os que julgou serem mais relevantes e assinalou um convite eletrônico para todos. Minutos mais tarde, conectado em sua estação em outra das universidades do Grupo, Ron recebe a notificação para participação na tempestade de idéias para a qual foi convidado. Ele acessa sua base para suporte à decisão e verifica o esquema criado por André com as possíveis soluções propostas. Pode analisar todos os esquemas e consultar alguns e-mails recebidos de André com informações relevantes sobre o processo. _ Um para n, n para n... um para n, n para n... Rivera repetiu a frase mecanicamente por várias vezes. _ Como assim, Rivera? _ Viu como a coisa se multiplicou, Anita? Com quanta gente já falamos e como cada um pode nos ajudar? Rápido! Geométrico. O mundo na ponta dos dedos... Quase um minuto de silêncio se passou até que Anita dissesse algo e foi estranho o que disse: _ Um para n, n para n... _ Como assim, Anita, está me repetindo? _ Não, grande chefe. Falava de café. Acho que a situação exige mais um café. Eu diria, até mesmo, “n” cafés. _ Você quer mais um café, chefe? Quando tudo se resolve Nossas apreensões para o futuro É quando vemos a tecnologia resolver nossos problemas que, contraditoriamente, surgem muitas apreensões: sobre nossas carreiras, sobre nossa qualidade de vida, sobre nosso tempo e nossos relacionamentos. Um jogo do qual até se pode imaginar escapar, mas que o bom senso manda que joguemos, com cautela e respeito pelo ser humano que ainda existe por trás de cada tela de computador. Estudado o esquema, Ron decide criar uma discussão “off line” a respeito do assunto, propondo algumas idéias e se dirige a uma nova área do portal para tal. Por uma hora, retorna às suas atividades normais e, vencido esse prazo, dá uma olhadinha para verificar as contribuições que acabou de receber. Dentre as várias respostas, uma em particular o interessou. Trata-se de uma fundação participante do portal, com uma experiência muito semelhante em um caso similar. Wilham, o pesquisador chefe daquele grupo, possui experiência no assunto, como se pode ver em sua ficha brilhando na tela à sua frente. E, melhor, nesse exato momento está conectado. Ron então o convida para uma sala de reunião eletrônica e conversam longamente sobre o assunto. Orientado por Wilham, Ron descobre que novos procedimentos estão sendo usados experimentalmente em outros locais, para conter surtos de dengue, sobretudo no inverno, incluindo novos produtos mais baratos e eficazes para o combate ao mosquito. Imediatamente se encaminha para o portal da empresa fabricante e confirma que uma brochura com todas as explicações está disponível e que os produtos sugeridos estão à venda e acessíveis para Rivera. Agora, ele retorna para a área de tempestade de idéias e registra essa importante contribuição. Enquanto ele a buscava, muitos outros pesquisadores participantes fizeram o mesmo e sugeriram outras soluções. Em meia hora estarão reunidos eletronicamente. Coordenados por André, passam agora a preencher os formulários para enumerar as alternativas. Com todos os comentários em cada alternativa a respeito de riscos, custos e tempo de implementação, André decide registrar como recomendação do grupo a solução proposta por Wilham a Ron. Agora, mais uma hora se passou e Rivera, conectado ao portal, recebe a notificação de que uma solução para o problema foi encontrada e depende de sua aprovação, como definido por André. Sente-se excitado por esta nova experiência e decide convidar Anita, Diogo e Bruno para uma sala de reunião eletrônica e acompanharem juntos a solução. O suspense é aos poucos substituído por uma grande satisfação por este novo e poderoso instrumento de conhecimento. Rivera abre o documento de aprovação do qual fora automaticamente notificado. Repassa a história, visita os sites necessários para confirmar a solução e se sente recompensado quando pensa em quantas pessoas participaram rapidamente da solução daquele problema. Decide aprovar e, com um clique, automaticamente notifica os envolvidos, André em particular, de que a solução proposta foi aceita. Notificado, André comemora de forma contida, e rapidamente acessa a área do portal que registrará tarefas para uma equipe de implementação da solução, colocando-os em contato com Rivera e notificando-os em suas listas próprias de tarefas. Um mês depois, André recebe um breve, mas importante email, vindo de Rivera: "O problema em São José foi completamente resolvido. Obrigado pelo apoio." André sorri. Com um movimento de seu mouse, passeia pela área de Ensino do portal, onde um novo curso rápido foi posto no ar. Todo o conhecimento de um dia de trabalho foi transformado em um instrumento de ensino. Ele sabe que, dali para a frente, quem enfrentar um problema semelhante poderá, em duas horas, ser treinado em todos os aspectos da questão, a distância, com o tutor mais adequado. Com mais um movimento de mouse decide arquivar num repositório central do site todos os documentos relativos ao projeto. Preenche dados bibliográficos complementares e finaliza o "check in". Cansado, esquece sua estação operante e retorna para a cama, pois é tarde da noite. No canto de sua tela, um ícone está piscando, convidando-o para uma tempestade de idéias. Bem longe dali, Rivera está novamente só no escritório. Anita chega, como sempre espalhafatosa, trazendo com ela o Cacatua. _ E aí chefe, falou com o Diógenes? E com a Clarice? _ Falei. Ele me disse que tudo está bem e que o Manuel não fez muita coisa. Fiquei feliz de qualquer maneira. Quanto a Clarice, ela não tem nada a ver com isso e não tenho falado com ela, se quer saber. Um silêncio respeitoso se seguiu para Rivera completar: _ Sabem, toda aquela experiência do portal me deixou pensando como será o mundo se todos passarem a usar estas tecnologias. Vai ser uma revolução. _ E muito doido também, completou o Cacatua. _ No fundo a gente não sabe se quer ou não quer isso. Essa é a grande dúvida, aliás, enquanto vou usando e participando do portal, eu só tenho uma certeza... _ Qual chefe? _ Eu continuo gostando de café! _ Bom então, chefe, sorriu Anita, porque tem um passado agorinha, para receber uma visita especial. _ Quem? Perguntou Rivera, enquanto punha em ordem suas mensagens pessoais. _ Você não lê e-mails, chefe? Rivera abriu a última mensagem que faltava, uma de Diógenes, simples e curta. Dizia: “Vamos estar aí em dois dias, por volta das duas, duas e meia, eu e a Clarice”. A mensagem era de dois dias atrás e passava das duas. Rivera se ajeitou na cadeira, esperando pelas visitas. Sem dizer nada, Anita pousou uma xícara sobre sua mesa e o deixou, pensativo, enquanto o portal o chamava para uma nova reunião sem que ele percebesse. Estava longe dali daquela vez, pensando nas coisas de São José.