REVISTA FILOSOFIA DO DIREITO E INTERSUBJETIVIDADE ISSN 19845650
A DOUTRINA DO DIREITO DE EMMANUEL KANT
THE LAW DOCTRINE OF EMMANUEL KANT
José Sérgio da Silva Cristóvam*
RESUMO
O presente ensaio pretende oferecer algumas considerações introdutórias acerca da
doutrina do direito no pensamento kantiano. Partindo da análise dos escritos de
Emmanuel Kant e, por vezes, seus comentadores, mas sem a preocupação de
aprofundamentos ou considerações críticas, são abordadas as principais
contribuições do grande filósofo acerca de temas como a legislação moral e a
legislação jurídica; liberdade, igualdade e justiça; o sujeito, a sociedade civil e o
Estado de direito; as formas de governo, a divisão de poderes e a Constituição.
Palavras-Chave: Doutrina do direito. Legislação moral. Legislação jurídica. Estado
de direito. Pensamento kantiano.
ABSTRACT
This essay offers some introductory remarks on the doctrine of law in Kantian
thought. Based on the analysis of the writings of Immanuel Kant, and sometimes
their commentators, but without the worry of insights and critical considerations, are
dealt with the main contributions of the great philosopher about issues such as
legislation and legislation moral law; freedom, equality and justice; the subject, civil
society and rule of law; forms of government, the division of powers and the
Constitution.
Keywords: Doctrine of law. Moral law. Legal law. Rule of law. Kantian thought.
Doutorando em Direito Administrativo pela UFSC. Mestre em Direito Constitucional pela UFSC.
Especialista em Direito Administrativo pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo da Escola
Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC). Professor de Direito Administrativo
da Escola Nacional de Administração (ENA/Brasil), em convênio com a École Nationale
d'Administration (l'ENA/França). Professor Titular de Ciência Política e Teoria Geral do Estado e
Professor Substituto de Direito Administrativo no Curso de Graduação em Direito da UNIDAVI, bem
como em Cursos de Pós-Graduação em Direito da UNIDAVI, CESUSC, UNISUL, UNOESC, UnC e
diversas outras instituições. Professor em cursos preparatórios para Concursos Públicos e Exames
de Ordem, nas disciplinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo. Membro fundador do
Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). Assessor Jurídico do Sindicato dos
Trabalhadores na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina (SINTE/SC). Advogado militante na
seara do Direito Público, Sócio do Escritório Cristóvam & Palmeira Advogados Associados S/C
(www.cpadvogados.adv.br). E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Não há necessidade de grandiosos esforços retóricos para justificar
o consolidado lugar de destaque que possui, desde o final do século XVIII, o
pensamento filosófico de Emmanuel Kant1. Sua obra tem influenciado de maneira
impar o pensamento moderno, sobretudo na Filosofia, no Direito e na Política.
No campo da Filosofia estão inseridas as mais conhecidas obras de
Kant, a tríade de críticas (“Crítica da razão pura”, “Crítica da razão prática” e “Crítica
do juízo”), onde o autor estabelece as bases de seu pensamento filosófico. As
contribuições do Filósofo de Koenigsberg para o Direito foram apresentadas em uma
primeira parte de sua “Metafísica dos costumes”, publicada em 1797 sob o título de
“Doutrina do Direito”.
O presente ensaio propõe-se a analisar algumas das categorias
centrais à doutrina kantiana do Direito, com prevalente atenção a temas como
liberdade, igualdade, justiça, legislação moral, legislação jurídica, Direito, sociedade
civil, Estado, Estado de direito, formas de governo, divisão de poderes e
Constituição.
Aqui será privilegiada, no mais das vezes, a análise direta dos
escritos de Kant, a partir de uma postura mais preocupada com a apresentação de
suas idéias, por vezes inclusive desacompanhada de uma avaliação crítica. Não se
1
Emmanuel Kant nasceu em Koenigsberg em 22 de abril de 1724, sendo que sua vida transcorreu
quase que inteiramente em sua cidade natal. Ao que consta sua família era de poucas posses, tendo
o autor herdado da mãe uma sólida educação moral e religiosa. No colégio recebeu marcante
influência das cresças morais e religiosas do pietismo, um movimento de intensificação da fé, nascido
na igreja luterana alemã do século XVII. A partir de 1740 estudou Filosofia na Universidade de
Koenigsberg, curso que abrangia o estudo da filosofia propriamente dita e das ciências, estas as que
mais atraiam o interesse do jovem Kant. Em 1747, com a morte do pai e antes mesmo de conquistar
todos os graus acadêmicos, Kant viu-se obrigado a deixar a Universidade para ganhar a vida como
professor particular, lecionando em diversas casas de famílias nobres da Prússia Oriental. Retornou à
cidade natal em 1755, quando obteve junto à Universidade de Koenigsberg “habilitação” que lhe
permitiu ser Docente Livre, ministrando cursos financiados pelos próprios estudantes por mais de
quatorze anos. Posteriormente, tornou-se Professor Titular naquela Universidade, lecionando as mais
diversas matérias: matemática, lógica, metafísica, física, pedagogia, direito natural e geografia.
Somente renunciou ao magistério na Universidade de Koenigsberg em 1796, já abatido pela idade
avançada. Faleceu em 12 de fevereiro de 1804. Publicou mais de oitenta trabalhos, traduzidos para
as mais diversas línguas, a grande maioria ainda em vida. Entre as suas principais obras estão:
Crítica da razão pura (1781); Prolegômenos a toda metafísica futura que possa apresentar-se como
ciência (1783); Fundamentação da metafísica dos costumes (1785); Crítica da razão prática (1787);
Crítica do juízo (1790); Projeto de paz perpétua (1795); e, Primeiros princípios metafísicos da doutrina
do Direito (1797). PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Tradução de Raimundo Vier. 2. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1990, p. 13-26.
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está, com isso, negando a existência de abalizados comentadores da sua doutrina
do Direito, tanto na literatura nacional como na estrangeira. O que se busca é uma
análise tanto mais próxima possível das idéias do autor; pretensão, por certo, não
pouco audaciosa, a uma pela dificuldade da temática, a duas pela conhecida
complexidade do pensamento kantiano.
Kant é conhecido não só pela densidade de seu pensamento
filosófico, mas também pelas dificuldades e obscuridades próprias do seu estilo.
Dificuldades reconhecidas pelo próprio filósofo, como o fez no prefácio da segunda
edição de sua “Crítica da razão pura”, publicada em 17872. Como defendia o autor,
para o estudo da metafísica “é preciso renunciar a ser entendido por todos e até a
linguagem popular. Há necessidade, pelo contrário, de se apegar à precisão da
linguagem da escola (porque a escola também tem a sua linguagem), mesmo com o
risco de ser acusado de pedante”3.
1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A METAFÍSICA DOS COSTUMES DE
EMMANUEL KANT
A metafísica dos costumes, no pensamento kantiano, constitui-se
em um sistema da razão prática4. Enquanto a física ocupa-se tão somente de
objetos exteriores (experiências particulares), a metafísica está relacionada à idéia
de ciência (sistema de princípios). Pode-se dizer que a metafísica dos costumes
estabelece o conjunto de princípios a priori que orientam o comportamento humano,
tanto no prisma moral como no âmbito jurídico.
Interessante asseverar que a expressão “metafísica” aí empregada
não sugere algo transcendente, natural ou revelado por obra divina, mas sim um
2
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Op. cit., p. 07.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Tradução de Edson Bini. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993, p.
15.
4
Interessante atentar para o significado de expressões nucleares ao pensamento kantiano, como
“razão pura” e “razão prática”. Cumpre esclarecer, primeiramente, que não se tratam de expressões
antagônicas ou de sentidos opostos. Em Kant, a razão pura é aquela que contém os princípios para
conhecer algo absolutamente a priori, livre de quaisquer experiências ou sensações. Portanto, a
razão pura opõe-se ao empirismo e não à razão prática, que em Kant é a razão ordenada para a
ação moral. A razão prática é sempre pura. Apenas para adiantar o que será aprofundado em
seguida, pode-se entender a “razão pura prática” como aquela que dita os princípios a priori da
atividade moral (ação por dever), o imperativo categórico que prescreve ao indivíduo o dever de agir
sempre de modo que possa erigir a máxima de sua ação em lei universal.
3
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corpo de conhecimentos racionais, um sistema da razão para além da física.
Metafísica, por conseguinte, relacionada com os princípios da razão. Por “costumes”
deve-se entender a complexidade de leis que disciplinam a ação do homem
enquanto “ser livre”, pertencente ao mundo inteligível, ao mundo da cultura, da
civilização, contraposto ao mundo da natureza.
Esse sistema da razão prática divide-se em “princípios metafísicos
da
ciência
do
Direito”
e
“princípios
metafísicos
da
ciência
da
moral”.
Consequentemente, a ciência do Direito representa a primeira parte da metafísica
dos costumes.
Entretanto, Kant adverte que, “como a noção de Direito, enquanto
noção pura, tem por base a prática ou aplicação aos casos que se apresentam na
experiência, resulta que um Sistema Metafísico do Direito deve ter em conta a
diversidade empírica de todos os casos possíveis para constituir uma divisão
completa (o que é estritamente necessário para constituir um sistema da razão”. Por
outro lado, ainda que não se possa descartar a parte experimental ou prática na
metafísica do Direito, o empírico não pode formar parte essencial deste sistema
racional, mas unicamente uma aproximação sistemática, permanecendo os
princípios metafísicos do Direito como núcleo duro da ciência jurídica5.
O Filósofo de Koenigsberg inicia o estudo da metafísica dos
costumes discorrendo acerca de expressões como desejo, prazer e sentimento,
categorias de suma relevância para o entendimento, v. g., da noção kantiana de
arbítrio. “O desejo é a faculdade de ser causa dos objetos de nossas representações
por meio das próprias representações”. O desejo e a aversão são sempre
acompanhados de prazer ou desprazer. A capacidade humana de experimentar
prazer ou desprazer com a idéia de alguma coisa é denominada sentimento.
Impende notar o caráter eminentemente subjetivo do sentimento, uma vez que o
prazer ou desprazer não se relacionam com o objeto desejado, mas simplesmente
com o sujeito6.
Para explicar a idéia de arbítrio, o autor apresenta a noção de
faculdade apetitiva. Esta, “enquanto seu princípio de determinação se encontra em
si mesma e não no objeto, chama-se faculdade de fazer ou de não fazer à discrição;
5
6
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 13-14.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 19-20.
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enquanto está unida à consciência da faculdade de operar para produzir o objeto,
chama-se arbítrio”7.
O arbítrio, portanto, é a capacidade de fazer ou não fazer. Se a
faculdade apetitiva encontra-se na razão do sujeito, chama-se vontade. No arbítrio, a
faculdade apetitiva está relacionada à ação (um fazer ou não fazer). Na vontade,
aquela se relaciona ao princípio que determina o arbítrio à ação; “não é precedida de
nenhum princípio de determinação; pelo contrário, visto que pode determinar o
arbítrio, é a própria razão prática”8.
No pensamento kantiano, o livre-arbítrio é aquele que pode ser
determinado pela razão pura, diferentemente daquele arbítrio que não é
determinável a não ser por inclinação, por estímulo, ao qual o autor denomina
arbítrio animal (arbitrum brutum). O arbítrio humano é aquele que não é
determinado, mas sim afetado por motivos, podendo ser impelido à ação por uma
vontade pura9. A vontade pura (boa vontade) é o que dita a lei moral, livre das
necessidades e inclinações sensíveis a que está submetido o homem. Trata-se da
vontade considerada em si mesma, livre de quaisquer elementos externos, não se
constituindo em meio ou instrumento para nada, mas sim em um fim em si mesma10.
Continuando a traçar o fio condutor do pensamento kantiano acerca
do Direito, faz-se imperioso estabelecer as definições de legalidade, moralidade,
dever externo e dever interno, dentre outras, todas imprescindíveis ao desenrolar da
sua doutrina da Direito.
2 A LEGISLAÇÃO MORAL E A LEGISLAÇÃO JURÍDICA NO PENSAMENTO
KANTIANO
A idéia de legalidade na doutrina do Direito de Kant está
intimamente relacionada às noções de arbítrio, vontade e liberdade. As leis da
liberdade (os princípios de determinação que condicionam a ação humana às leis da
7
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 21.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 21-22.
9
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 22.
10
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na
igualdade. Belo Horizonte: UFMG, 1986, p. 161 e ss.
8
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razão) são chamadas de leis morais. As leis morais são distintas das leis naturais ou
físicas11.
As leis naturais ou físicas são leis descritivas, relacionadas com o
mundo do ser (realidade). Já as leis morais, e também as jurídicas, são
eminentemente prescritivas, onde há preocupação com o dever ser, com o que pode
ser.
As leis jurídicas são aquelas que estão relacionadas às ações
externas do indivíduo e à legitimidade de tais ações. “Porém, se, além disso, exigem
que as próprias leis sejam os princípios determinantes da ação, então são
chamadas de éticas na acepção mais própria da palavra”. A legalidade, portanto, é a
simples conformidade da ação externa com as leis jurídicas. De outra banda, a
moralidade é a conformidade com as leis morais, o respeito à lei da razão, à lei
geral, à lei da liberdade12.
No que toca à moralidade, pode-se dizer que a autonomia da
vontade ou da razão pura prática é o princípio supremo da moralidade kantiana.
Trata-se do fundamento da dignidade humana e fonte básica da moralidade. A
autonomia da vontade é a constituição da vontade, a qualidade de ser lei para si
mesma, independente de como forem constituídos os objetos do querer13.
O indivíduo, quando obedece a uma lei jurídica, pratica uma ação
conforme o dever, obedecendo a uma lei externa com o fim de evitar a sanção.
Quando obedece a uma lei moral, sua ação é por dever, uma lei interna que o
indivíduo obedece não movido por inclinação ou interesse, mas porque se
reconhece como legislador da lei. O que tem força de lei para o sujeito kantiano é a
vontade, uma vez que a razão é o instrumento que ilumina a vontade.
A ação moral, portanto, é somente aquela realizada para obedecer à
lei do dever. Se a ação é imbuída de certo interesse material, cumprida por impulsos
diversos daquele do cumprimento do próprio dever, não se trata de ação moral. Esta
11
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 22-23.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 23.
13
KANT, Emmanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Tradução de Lourival de Queiroz
Henkel. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s./d., p. 92.
12
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não é movida por outra inclinação que não o respeito à lei, livre de quaisquer outras
inclinações, quaisquer outros impulsos subjetivos14.
O motivo constitui o cerne da diferenciação entre a legislação moral
e a legislação jurídica. Nesta, a lei faz da ação um dever, dever externo de obedecêla por aversão à sanção, por um impulso subjetivo diferente do puro respeito ao
dever. Não se exige que a idéia desse dever se constitua no princípio determinante
do arbítrio do agente. Isto ocorre na legislação moral, onde o dever é interno e
também externo, devendo estar conforme a uma lei geral e universal. Na lei moral,
“um motivo relaciona com a representação da lei o princípio que determina
subjetivamente o arbítrio a essa ação”. Portanto, o motivo não entra na legislação
jurídica, sendo que o indivíduo obedece a uma lei jurídica a fim de evitar a sanção15.
A noção de sanção ganha outra conotação no que toca às leis
morais. Segundo as leis morais, determinadas ações são permitidas ou proibidas, e
dentre aquelas permitidas, ou seu contrário, algumas são obrigatórias, resultando o
dever cujo cumprimento traz subjetivamente um prazer e a violação uma pena de
espécie particular (o sentimento moral)16.
As leis morais, no pensamento kantiano, constituem-se em leis
práticas absolutas. São imperativos, e mesmo imperativos categóricos, regras de
fazer ou não fazer por dever. Diferentemente dos imperativos técnicos ou
hipotéticos, os imperativos categóricos são absolutos, não admitem condição. O
imperativo categórico é uma regra prática que converte em necessária e absoluta
uma ação subjetivamente contingente. Pensa e impõe necessariamente a ação, de
modo imediato e objetivo17.
Essa legislação da razão prática (leis morais) incide somente sobre
seres livres. Somente seres livres e dotados de razão podem ser submetidos à
razão prática. “Esta legisla sobre seres livres, ou, mais exactamente, sobre a
causalidade destes seres (operação pela qual um ser livre é causa de alguma
coisa)”18.
14
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução de Alfredo Fait. 4.
ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 54.
15
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 30-31.
16
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 34.
17
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 34-36.
18
DELEUZE, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Tradução de Geminiano Franco. Lisboa: Edições 70,
1987, p. 36-37.
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Pode-se dizer que é lícita a ação não contrária a uma obrigação. Já
a faculdade surge quando de uma liberdade não contrária a nenhum imperativo
categórico. Onde não há faculdade de obrigar não há direito, não há relação jurídica.
Esta somente existe na relação do homem com seres que têm direitos e deveres,
porque é uma relação de homem a homem. O dever é o conteúdo da obrigação, a
ação a que uma pessoa se encontra obrigada. E a obrigação nada mais é do que a
necessidade de uma ação livre baseada em um imperativo da razão19.
O Direito pertence ao mundo das relações exteriores e constitui-se
na relação de dois ou mais arbítrios. Somente há relação jurídica se há relação entre
dois ou mais arbítrios. O Direito é a forma universal de coexistência dos arbítrios, o
conjunto das condições segundo as quais é possível a convivência dos homens
entre si, estando as liberdades externas de cada um limitadas e garantidas segundo
uma lei universal20.
Resulta, portanto, que se pode formular o imperativo categórico que
enuncia de uma maneira geral o que é obrigatório, nos seguintes termos: “age
segundo uma máxima que possa ao mesmo tempo ter valor de lei geral. Podes,
portanto, considerar tuas ações segundo seu princípio subjetivo; mas não podes
estar seguro de que um princípio tem valor objetivo exceto quando seja adequado a
uma legislação universal, isto é, quando este princípio possa ser erigido por tua
razão em legislação universal”21.
Máxima, no pensamento kantiano, é o que condiciona a ação do
indivíduo, é subjetiva, é a regra que o agente prescreve a si mesmo. É “o princípio
subjetivo que o sujeito se impõe como regra de ação (é o como quer agir). Ao
contrário, o princípio do dever é o que a razão lhe prescreve em absoluto, por
conseguinte objetivamente (é o como deve agir)”22. Completando o que foi exposto
acima, pode-se dizer que a ação moral toma a máxima como motivo.
Os preceitos da moral obrigam a todos, sem considerações acerca
das inclinações de cada um. Obrigam pelo fato de que todo homem é livre e dotado
de uma razão prática. E essas leis da razão prescrevem a maneira como se deve
agir, mas não têm relação com o mundo do ser, não surgem da observação do
19
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 36.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Op. cit., p. 71.
21
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 39.
22
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 40.
20
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mundo. São prescritivas de um dever de ação, mesmo quando ninguém tenha agido
conforme a prescrição. As leis morais são dadas a priori pela razão prática23.
De posse dessas noções introdutórias acerca da metafísica dos
costumes, pode-se avançar para temas em tudo correlatos com as idéias kantianas
de arbítrio, vontade e legalidade, temas como liberdade, igualdade e justiça.
3 LIBERDADE, IGUALDADE E JUSTIÇA NA DOUTRINA DO DIREITO DE
EMMANUEL KANT
Partindo das idéias de arbítrio e vontade, o Filósofo de Koenigsberg
formula duas noções de liberdade – a liberdade negativa e a liberdade positiva. “A
liberdade do arbítrio é esta independência de todo impulso sensível enquanto
relacionado à sua determinação. Tal é a noção negativa da liberdade. A noção
positiva pode ser definida: a faculdade da razão pura de ser prática por si mesma, o
que não é possível somente pela submissão das máximas de toda ação à condição
de poder servir de lei geral”24.
Em outras palavras, a liberdade não está na possibilidade fática de
fazer ou deixar de fazer algo segundo a vontade do indivíduo. A liberdade do arbítrio
não é a faculdade de determinar uma ação conforme ou contrária à lei, não se
constitui na ausência de princípios de determinação que produzam em nós a
necessidade da ação (princípios religiosos, morais e jurídicos). Isto, no pensamento
kantiano é o sentido negativo de liberdade. A liberdade positiva surge quando da
existência de princípios de determinação, ou seja, quando a ação está condicionada
por uma lei da razão.
Desta forma, pode-se dizer que o indivíduo somente é livre
exteriormente dentro da lei, com a existência de convenções e de contratos. O
indivíduo somente adquire a liberdade dentro da lei porque está obrigado a observar
uma lei da qual ele mesmo é o legislador. Os indivíduos dão-se as suas leis (morais
ou jurídicas), e só por elas estão limitados.
Fora da lei, o indivíduo está sujeito ao arbítrio dos outros indivíduos.
Dentro da lei, sua liberdade está assegurada, uma vez que os outros indivíduos
23
24
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 27.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 22.
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somente poderão agir exteriormente de modo a não ferir a sua liberdade de ação,
segundo uma lei universal.
Neste sentido, o Filósofo de Koenigsberg esclarece que a “liberdade,
à qual se referem as leis jurídicas, pode ser tão somente a liberdade na prática
externa; mas aquela liberdade à qual se referem as segundas leis (leis morais) deve
ser a liberdade no exercício exterior e interior do arbítrio, quando está determinado
pelas leis racionais”25.
Resulta desse entendimento o cerne da doutrina liberal individualista
de Kant, a lei universal de Direito: “age exteriormente de modo que o livre uso de teu
arbítrio possa se conciliar com a liberdade de todos, segundo uma lei universal...”26.
O princípio da liberdade traz consigo um postulado igualitário, uma
vez que, enquanto princípio, deve valer para todos. Contudo, não diferentemente da
idéia formal de liberdade que marca o pensamento kantiano, a igualdade garantida
pele lei é uma igualdade também formal. Para Kant, o Estado e o Direito devem
garantir a chamada igualdade de oportunidades, a igualdade no ponto de partida.
Este é o modelo de igualdade que marca o liberalismo político e jurídico, sob as
bases da doutrina juspositivista.
A liberdade e a igualdade devem ser formalmente garantidas a
todos, mas o sucesso ou a ruína de cada um depende do seu esforço e talento. Não
se deve pretender uma igualdade substancial e permanente entre os indivíduos,
sendo que cada um deve destacar-se segundo seus talentos e méritos. Segundo
defende Cláudio de Cicco, na introdução da obra de base do presente estudo, para
Kant, o que se mostra odioso é o privilégio no ponto de partida, que deve ser
combatido pelo Estado com a garantia do básico para todos, o que sustenta a
igualdade de oportunidades27.
No que toca à idéia de justiça, pode-se dizer que Kant inaugura
um novo modelo ocidental de justiça, a idéia de “justiça como liberdade”, modelo que
marcou profundamente o positivismo jurídico do século XIX e da primeira metade do
século XX, com influência até os nossos dias.
25
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 23.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 46.
27
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 09.
26
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O Filósofo de Koenigsberg afasta-se da idéia aristotélica28 de “justiça
como igualdade” e da idéia hobbesiana de “justiça como segurança”29, para vincular
a idéia de justiça à liberdade. Nas palavras do autor: “É justa toda ação que por si,
ou por sua máxima, não constitui um obstáculo à conformidade da liberdade do
arbítrio de todos com a liberdade de cada um segundo leis universais”30.
Tomando tal assertiva em um raciocínio silogístico, pode-se dizer
que somente é justo aquilo que se pode conformar com a liberdade do arbítrio de
todos os indivíduos, segundo leis universais. A liberdade do arbítrio de cada um é
condicionada pelas leis da razão, que sujeitam a todos. Portanto, pode-se concluir
que é justo tudo aquilo que as leis universais da razão dizem ser o justo.
Em Kant, a finalidade última do Direito é a liberdade externa. Os
homens se reuniram em sociedade e constituíram o Estado para garantir a
liberdade, o exercício do arbítrio segundo uma lei universal. O Direito não tem por
fim último a igualdade ou a segurança, mas sim a liberdade, liberdade esta garantida
a todos os seres dotados de razão, o que enseja um postulado igualitário e inspira
segurança, uma vez que a liberdade de um deve estar de acordo com a liberdade de
todos os outros, segundo uma lei universal.
4 O SUJEITO, A SOCIEDADE CIVIL E O ESTADO DE DIREITO NO
PENSAMENTO KANTIANO
Os conceitos de pessoa, sujeito e coisa estão intimamente
relacionados à idéia de imputação. Para Kant, a pessoa é o sujeito cujas ações são
suscetíveis de imputação. A pessoa, dotada de personalidade moral, é um ser livre,
28
A justiça como igualdade constitui-se na sua concepção mais antiga. Por essa concepção,
formulada por Aristóteles e retomada por diversos pensadores, a finalidade do Direito é a garantia da
igualdade, tanto nas relações entre os indivíduos (justiça comutativa), como nas relações entre o
poder instituído e os indivíduos (justiça distributiva). Segundo essa teoria, não basta que o Direito
estabeleça uma ordem jurídica, é necessário que esta ordem seja justa (pautada por um critério de
igualdade). ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Borheim. São
Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 45 e ss.
29
Pela idéia de justiça como segurança, que tem na filosofia política de Thomas Hobbes sua maior
expressão, a finalidade última do Direito é a garantia da paz social, uma vez que o ordenamento
jurídico teria sido instituído para assegurar o fim da guerra civil, por meio da instituição de um poder
soberano (Estado). Do Estado emanam as normas jurídicas que regulam a convivência entre os
indivíduos e garantem a salvaguarda do direito natural à vida. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria,
forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz
Nizza da Silva. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 103 e ss.
30
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 46.
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racional e responsável, que somente encontra-se submetida às leis que ela mesma
se dá31. É um ser livre no sentido de que somente obedece às leis da razão,
protegido contra o arbítrio das outras pessoas, que por suas ações não podem ferir
a sua liberdade.
Uma coisa, inversamente à pessoa, é aquilo que se mostra
insuscetível de qualquer imputação, que não possui liberdade, no sentido positivo,
um objeto do livre-arbítrio. Nesse sentido, os servos e os escravos não são pessoas,
são seres humanos sem personalidade, porquanto não possuem direito algum.
Outro ponto relevante na doutrina do Direito do Filósofo de
Koenigsberg é o seu modelo de contratualismo. A doutrina contratualista pode ser
dividida, no que toca ao conteúdo do contrato social, em duas posições distintas:
uma teoria contratualista que considera o contrato como um ato de total alienação
dos direitos naturais em favor do Estado, com a extinção do estado de natureza,
como no pensamento de Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau; em
contraposição, para outra corrente há uma limitação recíproca dos direitos naturais,
com a correção e não a extinção do estado de natureza, constituindo-se um poder
coercitivo capaz de garantir o livre exercício desses direitos, como no modelo
descrito por John Locke32.
No que concerne à instituição do contrato social, no pensamento
kantiano o estado natural é aquele em que não há nenhuma justiça distributiva, em
que não existe um tribunal incumbido de decidir o que é de direito, ou seja, o estado
não-jurídico. Ninguém está seguro do “seu” contra a violência, quando da
inexistência de um juiz imparcial com poderes para legitimamente dizer o que é de
direito. A este estado opõe-se o estado civil, submetido à justiça distributiva33.
Não se pode dizer, entretanto, que o estado de natureza kantiano
aproxima-se do modelo descrito por Thomas Hobbes34, onde os homens aderem ao
31
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 37.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Op. cit., p. 129.
33
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 144.
34
O homem hobbesiano é um ser egoísta, predisposto a cometer atos anti-sociais, o que enseja a
guerra de todos contra todos (estado de natureza em que cada homem luta pela sua sobrevivência).
A competição, a desconfiança e a glória são as razões da discórdia na natureza humana. Neste
contexto, o autor cita o Leviatã das escrituras de Jó (o Rei de todos os filhos da soberba), como o
poder soberano capaz de viabilizar a vida em sociedade, por meio da coerção (monopólio da lei nas
mãos do monarca soberano). Para Hobbes, a guerra civil é o pior dos males. Buscando caracterizála, o autor se vale do monstro Behemot (símbolo da rebelião), que deve ser dominado pelo Leviatã.
Se o pior dos males é a guerra civil, isso justifica a criação do Estado, uma autoridade forte que,
32
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contrato para garantir suas vidas, fugindo da insegurança e do constante estado de
guerra de todos contra todos a que estão expostos. Segundo Kant, os homens não
têm por máxima a violência e o estado de guerra. Por outro lado, é certo que o
estado não-jurídico sugere uma situação de constante insegurança e de justiça
negativa, uma vez que não existe um juiz competente para decidir de forma legítima
um caso cujo direito se mostra controvertido35.
O primeiro princípio que deve ser decretado, a fim de manter as
noções de Direito, é o seguinte: “É preciso sair do estado natural, no qual cada um
age em função de seus próprios caprichos, e convencionar com todos os demais
(cujo comércio é inevitável) em submeter-se a uma limitação exterior, publicamente
acordada, e, por conseguinte, entrar num estado em que tudo o que deve ser
reconhecido como o Seu de cada qual é determinado pela lei e atribuído a cada um
por um poder suficiente, que não é o do indivíduo e sim um poder exterior”36.
No estado civil há uma relação mútua dos particulares submetidos
ao estado jurídico. O contrato social é ato originário, constitutivo da sociedade. O
contrato é fruto da razão prática e o sujeito que a ele adere não renuncia à
liberdade, pelo contrário, tem na obediência à lei consubstanciada no pacto a
expressão máxima da sua liberdade, uma vez que somente obedece à lei que ele
mesmo se dá.
Em Kant, a passagem do estado de natureza para a sociedade civil
(estado civil) assemelha-se ao pensamento de John Locke37. A idéia kantiana de
ainda que venha tolher a liberdade, garante a segurança e a vida dos homens. No pensamento
hobbesiano os homens somente são livres e iguais no estado de natureza, uma figura hipotética
criada para contrastar com o estado de ordem (estado civil). Este surge do contrato social, um pacto
ao qual o homem adere depondo seu direito de agredir o outro, na certeza de que cada um dos
demais fez o mesmo, restando ao soberano o poder de governar o Estado. É para garantir a vida que
os homens renunciam à liberdade do estado natural. Para se autopreservar o homem sede sua
liberdade em troca de segurança. Em Hobbes, o poder soberano não encontra fundamento divino ou
natural, trata-se de um poder laicizado, fundado no contrato e na razão humana. HOBBES, Thomas.
Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Op. cit., p. 103 e ss.
35
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 150-51.
36
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 150-51.
37
No pensamento político de John Locke o estado de natureza não é, necessariamente, mau. Os
homens são livres, iguais e independentes. Ordenam suas vidas e dispõem de seus bens segundo
seus interesses. Os direitos à liberdade, à vida e à propriedade somente encontram limites na lei
natural. Como não existem soberanos, ou todos são soberanos, vige a jurisdição recíproca, onde
cada um é juiz em causa própria. Segundo Locke, esse é o maior inconveniente do estado de
natureza, já que o homem sendo juiz de sua causa não é imparcial, não pune, mas sim se vinga do
agressor. Daí a degeneração em estado de guerra. Com o contrato social cria-se a sociedade
política, em que os homens buscam a segurança de seu direito mais precioso, a propriedade, posto
em perigo pela insegurança advinda da jurisdição recíproca do estado de natureza. Este não deve ser
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contrato social é sustentada, até certo ponto, no modelo liberal de defesa do direito à
propriedade. Assim prescreve o autor: “Entra num estado em que cada um possa
conservar o seu contra os demais (lex justitiae)”38.
Nada obstante, o direito à propriedade que em John Locke é um
direito natural, no modelo kantiano somente existe de forma plena e oponível a todos
no contrato, não se constituindo em direito natural. Para o Filósofo de Koenigsberg,
somente há um único direito natural (a liberdade), na medida em que possa subsistir
com a liberdade de todos, segundo uma lei universal da razão.
A concepção de defesa da liberdade aproxima o pensamento
kantiano acerca do contrato social do modelo defendido por Jean-Jacques
Rousseau39. Ainda que existam diferenças na forma de pensar a passagem do
estado de natureza para o estado civil, tanto em Kant como em Rousseau, o homem
não perde sua liberdade com o contrato, apenas abandona sua liberdade natural e
extinto e sim corrigido, mantendo-se o direito natural à propriedade. A sociedade civil vem dar
segurança à propriedade, na medida em que o poder de julgar é posto nas mãos de um juiz imparcial.
Os homens formam a sociedade não para preservar o direito à vida ameaçado pela falta de leis, mas
para consolidar o direito natural à propriedade. Num primeiro momento, pelo pacto, os homens criam
a sociedade civil (sujeição ao poder político) e depois delegam, por maioria, a uma assembléia o
poder soberano de fazer as leis e julgar os seus infratores (governo civil). O Estado serve como um
juiz imparcial na defesa da propriedade, que em Locke deve ser entendida como a liberdade, a vida e
propriedade em sentido estrito, e não se constitui em um poder ilimitado como em Hobbes. No
pensamento político de Locke, a lei limita o Estado liberal (princípio da legalidade). LOCKE, John.
Segundo tratado sobre o governo: ensaio relativo à verdadeira origem, extensão e objetivo do
governo civil. Tradução de E. Jacy Monteiro. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 35 e ss.
38
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 54.
39
Rousseau defende a existência de um estado de natureza anterior à formação da sociedade
(estado civil). Entretanto, o homem no estado de natureza é um indivíduo que naturalmente preserva
seu bem-estar e conservação (o amor de si, diferente de amor próprio), bem como age com
sentimento de piedade em relação aos seus semelhantes. Em Rousseau, o homem não se organiza
em sociedade visando à proteção contra seus semelhantes ou a garantia da sua propriedade, mas
sim para melhor enfrentar as forças da natureza, para mais facilmente vencer os obstáculos naturais.
Nesse processo de socialização o homem sai do seu isolamento e torna-se dependente dos outros.
Essa socialização é anterior ao contrato social, sendo ainda preparatória. Daí podem seguir dois tipos
de contrato: um contrato iníquo, do qual resulta uma sociedade injusta, onde os indivíduos são
alijados da liberdade e da igualdade; um contrato legítimo, capaz de gerar uma sociedade que
respeite e fomente os fundamentos naturais do indivíduo, uma sociedade igualitária e base de uma
política fundada no interesse comum. Para Rousseau, o acordo livre e consciente é o único
fundamento legítimo de qualquer obrigação de obedecer. Sendo assim, no estado civil o indivíduo
não perde sua liberdade. E nesse sentido o autor vê na vontade geral do corpo político, os cidadãos,
a soberania da sociedade civil ideal. Cada membro do corpo político é cidadão e súdito: cidadão
porque membro do soberano e participante da atividade do corpo político; súdito porque obediente às
leis votadas pelo corpo político. Como o indivíduo, submete-se às leis que ele mesmo vota, é
soberano de si mesmo, não perdendo com isso a liberdade. Frente à assembléia (parte ativa do
corpo político) o indivíduo é soberano; frente ao Estado (parte passiva) é súdito. O homem perde sua
liberdade natural, limitada e garantida apenas por sua própria força, e adquire a liberdade civil,
limitada apenas pela vontade geral. Nesse sentido, pode-se falar que o homem vivendo em
sociedade adquire uma liberdade moral. ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de
Lourdes Santos Machado. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 15 e ss.
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selvagem para receber a liberdade civil, a liberdade positiva de somente obedecer à
lei decorrente de sua própria vontade de legislar. O homem é livre porque está
limitado apenas pela lei que ele deu a si mesmo.
Estado de direito kantiano tem um traço marcadamente jurídico. O
que caracteriza a atividade do Estado é a atividade jurídica, a instituição e
manutenção de um ordenamento jurídico como condição para a coexistência das
liberdades externas. Não se fala em Estado de direito como o Estado regulado ou
limitado pelo Direito. Trata-se, sim, de uma idéia de Estado em que haja a
possibilidade de coexistência mútua entre os indivíduos, segundo uma lei universal
de liberdade40.
Pode-se buscar, ainda, no pensamento kantiano um modelo de
Estado de direito que assegura “o seu” de cada um, em decorrência do princípio
jurídico da liberdade que pode ser assim exposto: “Lesa-me qualquer um que aja
conforme uma máxima segundo a qual é impossível ter como meu um objeto de
meu arbítrio”; porque uma constituição civil é tão-somente o estado de direito que
assegura a cada um o Seu; mas sem que esse estado o constitua nem o determine,
propriamente falando”41.
A idéia de liberdade é a marca distintiva do Estado de direito
kantiano. Um estado de coisas em que o arbítrio de cada um é limitado pelo arbítrio
dos demais, segundo um imperativo da razão. O Estado de direito que garante as
liberdades externas dos indivíduos, segundo uma lei universal de liberdade, na
doutrina kantiana constitui-se em um Estado paulatinamente mais igualitário, vez
que a idéia de liberdade em Kant encerra um postulado igualitário, a liberdade como
princípio que deve valer para todos.
5 FORMAS DE GOVERNO, DIVISÃO DE PODERES E CONSTITUIÇÃO
Antes de apresentar o modelo kantiano de divisão de poderes,
importa analisar, ainda que sucintamente, as formas de governo em Kant. Tomando
por critério de distinção a diferença numérica dos detentores do poder soberano,
quando apenas um homem manda há a autocracia; quando alguns iguais entre si
40
41
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 08.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 78.
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mandam em todos os demais há a aristocracia; e quando todos mandam em cada
um e cada um em si mesmo há a democracia42.
A forma mais simples é o governo autocrático, consistente na
relação única do rei com o povo. Na aristocracia, há primeiramente a relação dos
governantes entre si para constituir o soberano e deste com o povo. A democracia é
a mais complexa de todas as formas de governo, já que exige a vontade de todos
para formar o povo; posteriormente, a vontade dos cidadãos para formar a república
e, finalmente, a vontade da república para formar o governante, que resulta dessa
vontade coletiva43.
Outro critério de distinção refere-se à diferença no modo de
governar. Para Kant, o soberano pode nortear seu governo de maneira despótica ou
republicana. O despotismo representa o exercício arbitrário do poder. A república, no
pensamento kantiano, consubstancia-se no exercício do poder nos termos da lei que
fora produzida por todos os indivíduos, o tratamento do povo segundo princípios
relacionados às leis de liberdade. Não é tomada como a forma de governo
contraposta à monarquia. Tanto que, no pensamento kantiano, a melhor forma de
governo seria uma república governada por um só, que no Estado moderno ficou
conhecida como monarquia constitucional.
O que se constitui em traço distintivo entre o governo despótico e o
governo republicano é o princípio político da divisão de poderes. Tão mais próximo
está do despotismo o Estado quanto mais é gerido pelas leis que este Estado deu a
si mesmo, onde a vontade pública sucumbe à vontade particular do soberano.
Seguindo o modelo traçado por Montesquieu44, o Filósofo de
Koenigsberg estabelece sua idéia de divisão de poderes do Estado nos seguintes
42
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 186.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 186.
44
Para formular sua teoria da separação dos poderes, Montesquieu analisou a Constituição inglesa,
que dava as primeiras linhas da divisão de funções, com a supremacia do Parlamento. Para o autor,
a liberdade do cidadão não consiste em fazer o que quer, mas o que está insculpido na Constituição,
já que esta reflete a vontade do povo. A liberdade política, portanto, é o direito de fazer tudo o que as
leis permitem. A liberdade política leva à idéia de moderação, usada por Montesquieu para formular a
teoria dos freios e contrapesos, uma visão cartesiana onde o poder limite o poder. Cada poder exerce
uma função, sendo as principais a de fazer as leis (legislativo), a de executar as resoluções públicas
(executivo) e a de julgar os crimes ou as demandas dos particulares (judiciário), conferidas a
diferentes indivíduos. O poder judiciário deveria ser um poder invisível e nulo (não permanente), que
somente fosse formado quando necessário. Montesquieu não pensou uma separação propriamente
dita entre os poderes, mas sim uma divisão de funções, com interferências e interrelações entre os
poderes, própria de uma interdependência. Um dado que destoa na teoria política de Montesquieu é
43
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termos: “o poder soberano (soberania) na pessoa do legislador, o poder executivo
(segundo a lei) na pessoa do governo e o poder judicial (como reconhecimento de o
Meu de cada qual segundo a lei) na pessoa do juiz...”45. Neste sentido, com base em
um raciocínio silogístico, do legislativo advém a premissa maior que é a norma geral
e abstrata; do executivo, a premissa menor de conformar as ações segundo a norma
geral; do judiciário, a conclusão que decide o direito no caso concreto.
A relação que se pode dizer de unidade entre os poderes deve ser
estabelecida em três parâmetros. Primeiramente, os poderes devem atuar de forma
coordenada, sendo um o complemento do outro para a organização perfeita da
constituição do Estado. Em segundo lugar, deve haver uma relação de subordinação
entre os poderes, no sentido de que um não pode usurpar a função do outro.
Finalmente, a reunião dos poderes, uma vez que o direito da cada sujeito depende
da relação de coordenação e subordinação entre os poderes46.
Ainda que sustente a relação de subordinação entre os Poderes, no
pensamento kantiano o poder legislativo é o poder soberano, contra o qual não há
possibilidade de nenhuma resistência legítima da parte do povo. O poder legislativo
somente pode pertencer à vontade coletiva do povo. Se a lei decorre do próprio
povo, então dela não pode surgir injustiça, sendo que só a vontade pública pode ser
legisladora. A vontade do legislador é a lei jurídica que decorre da lei moral, que se
pode chamar de vontade do sujeito47.
Um dos traços constitutivos da idéia de Estado em Kant é a defesa
do povo como o legislador soberano. Ao povo pertence o poder de dar a si a sua lei,
de ser autor e destinatário da lei, segundo um imperativo da razão.
Para Kant, a passagem do estado de natureza para a sociedade civil
(estado jurídico) faz parte de uma espécie de progresso ético, de evolução, a que
está impelida a sociedade humana, impelida “por dever” à realização plena da
liberdade, um deve de todos os seres racionais. A organização da sociedade civil é
a soberania do legislativo, mas que é muito bem explicada pelo modelo de Estado liberal da época,
onde o legislativo garantiria e protegeria as liberdades políticas da classe burguesa, principalmente o
direito de propriedade. MONTESQUIEU, Charles Louis Secondat, Baron de. O Espírito das leis.
Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
45
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 152.
46
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 155-156.
47
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 156.
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dada pela Constituição, que estrutura o Estado e estabelece o “seu” de cada um
conforme uma lei universal da razão.
Dessa forma, a Constituição é a expressão da vontade de todo o
povo, vontade de se dar uma lei de liberdade. Se o poder legislativo pertence à
vontade coletiva do povo, a evolução ética da sociedade deve estabelecer uma
Constituição republicana, onde o poder de dar a norma geral e abstrata esteja
separado do poder executivo. A paz perpétua48, estado possível de progresso ético
da sociedade humana, somente pode ser garantida pela Constituição republicana,
enquanto expressão da vontade coletiva do povo.
Ante um Estado republicano, estruturado com base em uma
Constituição republicana, não existe a possibilidade de resistência legítima do povo.
Não há direito à desobediência civil ou direito de resistência da parte do povo. Este
deve suportar até o abuso do poder soberano, uma vez que qualquer “sublevação
contra o poder legislativo soberano deve sempre ser considerada como contrária à
lei, e mesmo como subversiva de toda constituição legal. (...) Por conseguinte, a
alteração de uma constituição pública (viciosa), que algumas vezes poderia ser
necessária, só pode ocorrer através do próprio soberano, por meio de uma reforma
e não por meio do povo; não deve ser feita, pois, pela revolução”49.
Kant nega o direito de resistência do povo contra o soberano até
como forma de garantir e fortalecer a Constituição republicana, uma Constituição
legal fundada em princípios de liberdade, única Constituição legítima, perene e
capaz de garantir o estado de paz perpétua entre os povos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos traços distintivos do pensamento kantiano acerca da moral e
do Direito é o caráter propositivo de sua metafísica dos costumes. Não há
preocupação com o ser (o que é), mas sim com o que pode ser (o dever ser). A
48
A concepção kantiana de uma paz eterna assegurada por uma liga internacional, com a função de
evitar os conflitos e as guerras entre os Estados soberanos, regulando as dificuldades como poder
reconhecido por cada Estado, é criticada por Hegel, que aponta a necessária adesão dos Estados
como um dos principais problemas. Esta adesão teria de “assentar em motivos morais subjetivos ou
religiosos que dependeriam sempre da vontade soberana particular, e estaria, portanto, sujeita à
contingência”. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do Direito. Tradução de
Orlando Vitorino, São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 303-04.
49
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Op. cit., p. 162.
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doutrina de Kant acerca do Direito e da moral é prescritiva (propositiva). Não é a
realidade que se constitui em fator de modificação e transformação do homem
enquanto ser racional; pelo contrário, o homem enquanto ser dotado de razão é que
pode agir na realidade, no mundo do ser.
E nesse contexto ganha corpo o cerne da filosofia kantiana: a
liberdade (bem supremo), o ideal de vida racional da humanidade. O homem nasce
para ser livre. Liberdade enquanto livre uso do arbítrio segundo uma lei geral e
universal da razão. A liberdade de somente estar limitado por uma lei da razão dada
pelo próprio indivíduo e de estar protegido contra o arbítrio dos demais, que devem
agir segundo a lei universal por todos convencionada.
A base do liberalismo político que marca o modelo liberal de Estado
é a noção kantiana de liberdade positiva, a liberdade que o indivíduo somente
alcança quando aceita deixar o estado natural e pactuar a sociedade civil, a
constituição de um estado jurídico, pautado por leis de liberdade das quais o
legislador é a vontade coletiva do povo.
A influência do pensamento kantiano no modelo jurídico e político
liberal é marcante, também, por sua contribuição para uma nova concepção de
justiça, ligada à noção de liberdade. O indivíduo é um ser livre e racional, que deve
agir segundo um imperativo da razão, segundo as leis de liberdade.
Somente é justa uma ação que possa se conciliar com a liberdade
do arbítrio dos demais, segundo uma lei universal. Somente é justo um sistema
jurídico
que
garanta
a
possibilidade
de
todos
os
indivíduos
livremente
desenvolverem sua personalidade, potencialidades e talentos. É justa e igualitária
uma sociedade onde as necessidades básicas dos indivíduos sejam garantidas pelo
Estado, mas que, por outro lado, os indivíduos sejam livres para o exercício de seus
talentos e o alcance da riqueza por seus méritos.
A teoria kantiana da justiça como liberdade marca profundamente a
teoria liberal do Estado. Na base do modelo de Estado liberal estão as contribuições
de Kant acerca da liberdade, justiça, legalidade e moralidade. O estudo do modelo
jurídico liberal e do nosso modelo jurídico atual passa, certamente, pelo estudo do
pensamento kantiano.
Nunca se deve esquecer, por outro lado, que Kant é um homem de
seu tempo, um pensador do século XVIII, cuja obra sofre sensivelmente as
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influências do contexto histórico ocidental, a Revolução Francesa, o movimento
iluminista, as lutas contra o despotismo; não há preocupação com uma visão social
do Direito e do Estado, que marca os séculos XIX e XX.
As críticas ao pensamento jurídico, político e filosófico de Kant são
as mais diversas e vêm sendo feitas desde o século XIX. O presente estudo não se
preocupou em explorá-las, ainda que muitas delas sejam de profundo acerto e
pertinência. O certo é que, ou para criticá-lo, ou para superá-lo, ou para reinterpretálo e engrossar as fileiras de seu pensamento, Kant é um autor que se mostra
extremamente atual e impossível de ser esquecido, qualidades realmente
reservadas aos verdadeiros clássicos.
Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Borheim.
São Paulo: Abril Cultural, 1979.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução
de Alfredo Fait. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.
DELEUZE, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Tradução de Geminiano Franco.
Lisboa: Edições 70, 1987.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do Direito. Tradução de
Orlando Vitorino, São Paulo: Martins Fontes, 1997.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico
e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2. ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1979.
KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Tradução de Edson Bini. 2. ed. São Paulo:
Ícone, 1993.
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_______________. Fundamentos da metafísica dos costumes. Tradução de
Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s./d.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo: ensaio relativo à verdadeira
origem, extensão e objetivo do governo civil. Tradução de E. Jacy Monteiro. 2.
ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
MONTESQUIEU, Charles Louis Secondat, Barón de. O Espírito das leis. Tradução
de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 2. ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Tradução de Raimundo Vier. 2. ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1990.
ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos
Machado. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na
liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: UFMG, 1986.
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A doutrina do direito de Emmanuel Kant