Cidades By Design
Luis R. Cancel
2011
Estou empolgado em participar do Fórum Internacional Cidade Criativa. Como todos os
apresentadores vêm dizendo, o Brasil, e esta cidade em particular, está passando por
uma oportunidade histórica de moldar o seu futuro para, pelo menos, uma geração. A
confluência de tantos eventos históricos singulares, como o encontro da Rio +20, no
próximo ano, a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016: quando se associa
todos esses eventos a uma economia em expansão, começa-se a apreciar o quão especial
é este momento. A Cidade Maravilhosa cativa cada vez mais a atenção de milhões de
pessoas em todo o mundo e tem a oportunidade, se agir de forma decisiva nos próximos
18 meses, de reformular sua imagem internacional, de modo que cultura e criatividade
possam ser associadas à reputação da cidade, tanto quanto suas praias, sua vida noturna
e seu carnaval.
Uma cidade internacional de sucesso normalmente projeta uma imagem complexa, que
agrada a públicos diversos. A cidade de New York, por exemplo, tem uma reputação
como centro financeiro, centro de comunicações, como uma cidade de população
diversificada, um centro de ensino superior, um centro de transportes, um paraíso para o
consumo de bens e serviços e também como capital cultural do mundo. Suas
instituições culturais, vastas coleções e milhares de organizações artísticas, galerias e
espaços de performance, para não mencionar todos os milhares de artistas que fazem
parte desses espaços culturais, não surgiram da noite para o dia. A riqueza cultural de
Nova York é o resultado de décadas de crescimento, incentivadas por várias políticas
públicas.
Hoje, como uma colaboração ao processo de transformação pelo qual o Rio está
passando, minha palestra irá examinar como duas cidades, Nova York e San Francisco,
nas quais tive a honra de servir como Secretário de Cultura, tem promovido políticas
públicas que ajudaram a desenvolver e apoiar seu invejável ecossistema cultural. San
Francisco é especialmente interessante para a nossa discussão, porque sua reputação
internacional a faz parecer uma grande cidade. É uma bela cidade, situada em e perto de
vistas e ambientes naturais de tirar o fôlego, repleta de restaurantes e de atrações
culturais de importância mundial, tal como a nova Academia de Ciências da Califórnia,
que abriu em 2008 e foi projetada por Renzo Piano, mas sua população é de um décimo
do Rio de Janeiro ou de Nova York. Portanto, ser uma cidade criativa não depende de
uma grande população.
Uma qualidade comum entre estas duas cidades é que elas celebram seus espaços
públicos com arte - esculturas públicas que podem se tornar símbolos e metáforas para a
cidade, como o icônico Bull Street Wall de Arturo Di Modica. San Francisco é uma
cidade repleta de arte pública - mais de 800 esculturas públicas, como o trabalho
recentemente instalado por Maya Lin, uma das duas obras encomendadas pela
Comissão de Artes da Academia de Ciências da Califórnia. Além de arte pública
permanente, essas cidades também investem em grandes instalações temporárias de arte
pública. Em 2010, durante três meses, os visitantes de NY foram brindados com uma
instalação de arte chamada “The New York City Waterfalls” (As Cachoeiras da Cidade
de Nova Iorque), criada pelo artista dinamarquês / islandês Olafur Eliasson. A série de
quatro quedas no East River, foram concebidas para chamar a atenção para orla de Nova
Iorque e foram viabilizadas pelo Fundo de Arte Pública.
Por mais de uma década, muitos economistas têm identificado a importância de
indivíduos criativos em nossa sociedade de transformação. Na universidade de Stanford,
o economista Paul Romer destacou que os grandes avanços no padrão de vida sempre
vêm de "melhores receitas culinárias e não de se cozinhar mais". Ele quer dizer que
encontrar novas maneiras de ser mais eficiente, encontrar novas formas para poluir
menos, para consumir menos e ainda obter resultados maiores, está se tornando cada
vez mais crítico para o sucesso das cidades e da sociedade.
Na minha opinião, uma cidade criativa deve primeiramente ser solidária com os
indivíduos que criam: os escritores, dançarinos, músicos, designers, artistas visuais e
outros, que criam o cenário artístico de hoje e dão vida às criações do passado. Sem
eles, as artes não florescem e sem um grande número de artistas, uma cidade não se
classifica como um centro criativo, que atrai a força de trabalho e emprego que as
economias modernas precisam.
Uma das necessidades fundamentais da maioria dos artistas são grandes espaços
acessíveis. Já em 1991, quando eu era Secretário de Cultura de NYC, lutei por salvar
centenas de lofts para os artistas. Em San Francisco, assegurei que o plano de
recuperação do antigo estaleiro de Hunters Point incluísse centenas de espaços para
artistas. O plano de re-desenvolvimento de Hunters Point prevê mais de 10.000 novas
unidades habitacionais e cerca de um terço será oferecido abaixo do preço de mercado
para garantir a diversidade sócio econômica da nova comunidade. Cerca de 93.000m2
de espaço para lojas, 278.000m2 de espaços comerciais e instalações para artistas
visuais e performers e 136 hectares de parques e espaços verdes estão contidos nos
planos de renovação. As cidades que podem manter esses artistas criativos,
proporcionando-lhes habitação e lugar de trabalho a preços acessíveis, bem como
formas para que possam aplicar seus talentos, tornaram-se destinos culturais, atraindo
pessoas de perto e de longe: os 16 milhões de visitantes de San Francisco, em 2010,
injetaram cerca de US $ 1 bilhão na economia local, por isso há incentivos reais para
que uma cidade encoraje uma comunidade criativa.
Quando as cidades crescem, milhões de dólares de impostos são investidos para criar
hospitais, escolas, polícia e bombeiros, parques, etc. Um dos princípios básicos
compartilhados por NYC e SF é o reconhecimento de que os bairros saudáveis devem
incluir as artes e cada cidade patrocina uma ampla rede de centros culturais locais,
muitas vezes combinando-as a parques e espaços públicos de lazer. Em 1982, a cidade
de Nova York aprovou a lei do Percentual de Arte determinando que 1% de todos os
projetos de construção financiados pela cidade devem destinar 1% do orçamento de
construção para a aquisição de novos trabalhos de arte pública. Em San Francisco, sua
lei de Percentual de Arte é ainda mais antiga e requer que 2% do orçamento de
construções devem ser usados para novas obras de arte. Isto significa que toda vez que
uma ou outra cidade constrói ou renova um tribunal, uma escola, um hospital, uma
percentagem do orçamento é reservado para o Departamento de Assuntos Culturais para
que este selecione artistas para criarem novas obras de arte para os espaços públicos da
cidade.
Estas cidades são abençoadas com uma riqueza de monumentos e arte pública - um sinal
de que um grande número de seus cidadãos têm um interesse saudável em participação
cívica e dão importância à aparência e às qualidades do espaço cívico. Os cidadãos
apoiam a aprovação de leis, como o Percentual para o Enriquecimento Artístico que
orienta os órgãos públicos a investir em arte pública. As leis de Percentual de Arte são
parte de uma tradição mais antiga, remontando à década de 30, quando o país financiou
muitos murais públicos, como o Chalé da Praia, criado em 1936-37, como parte do
WPA Projeto Federal de Arte. Em San Francisco, artistas americanos, como Lucien
Labaudt, que pintou o Chalé da Praia, juntaram-se a artistas internacionais, como Diego
Rivera e Miguel Covarrubias, na criação de murais em espaços públicos e privados.
Eles ajudaram a definir os altos padrões que usamos para selecionar a arte pública. A
reputação internacional de San Francisco como um destino cultural e como abrigo para
a expressão criativa está estreitamente ligada a esta tradição de muralismo público e a
ser uma casa amigável para milhares de artistas e organizações artísticas. Visitantes
veem e sentem isso no momento em que saem do avião: o aeroporto de SF tem mais de
250 grandes obras de arte ao longo de seus terminais.
O impacto da arte pública não se limita a instalações permanentes. Muito do drama e da
emoção da arte em espaços públicos é causada por instalações temporárias, como a
enorme instalação de Cristo, os “Gates” (Portais), no Central Park de NYC, quando
milhões de visitantes visitaram a cidade apenas para experimentar esse evento único na
vida, gastando milhões de dólares em hotéis e restaurantes da cidade. Grandes
instalações temporárias muitas vezes apresentam artistas internacionalmente famosos,
como Louise Bourgeois e Zhang Huan, de Xangai, cuja grande escultura tive orgulho de
trazer para o Centro Cívico de SF. Estas instalações podem durar de alguns meses a
pouco mais de um ano – dando, tanto aos moradores locais como aos visitantes, a
oportunidade de vê-los, promovendo a ativação efetiva dos espaços públicos de uma
cidade. Promover estes eventos públicos é tão importante quanto a necessidade de se
garantir a segurança pública.
Nem sempre é necessário que o governo realize instalações de grande escala: mas ele
precisa facilitar e incentivar grupos privados ou sem fins lucrativos a usar o espaço
público. Por exemplo, agora, em Nova York, há 12 grandes esculturas de Mark Di
Suvero na Ilha do Governador, colocadas ali por uma organização privada com obras
pertencentes a particulares e, sobretudo, pagas por doações privadas. Mark di Suvero in
Governors Island é composta por cerca de uma dúzia de obras que serão localizadas em
toda a extensão de 70 hectares da Ilha, uma antiga base militar que é agora um vibrante
espaço público. A exposição, que tem curadoria do Diretor Storm King e do curador
David Collens é a maior apresentação ao ar livre de esculturas de di Suvero a ser
exibida em Nova York, desde 1970. Com empréstimos de coleções públicas e privadas
– incluindo uma série de esculturas da celebrada instalação com o trabalho do artista
criada pelo próprio Storm King, assim como várias obras novas que nunca estiveram
em exibição pública -, a exposição será a peça central da temporada de 2011 de
Governors Island.
Uma das maneiras mais importantes que os cidadãos de San Francisco possuem para
controlar e gerenciar o visual de sua paisagem urbana é através do procedimento de
Revisão do Desenho Cívico (Civic Design Review) da Comissão de Artes. Neste ponto,
San Francisco está à frente de Nova York, exigindo que o projeto de cada estrutura
pública deva ser revisto e aprovado pela Comissão de Artes. Cada edifício, desde os do
Departamento de Parques e Recreação, passando pelas novas bibliotecas, hospitais,
polícia e bombeiros, todas as estruturas públicas são revisadas pelo Comitê de Revisão
do Desenho Cívico, composto por arquitetos e profissionais de arte, todos residentes na
cidade. A cidade também permite uma grande quantidade de comentários do público, de
modo que, quando um edifício sobe em um bairro, a comunidade sente que teve a
oportunidade de dar sua opinião sobre ele. A agenda da reunião é publicada on-line 3
dias antes da reunião e caso o Comitê pretenda aprovar uma moção, isso tem que ser
publicado na ordem do dia, comentários do público são permitidos antes que o Comitê
ou a Comissão vote e a ata de cada reunião é publicada na Internet.
A ampla participação do público na definição da política cultural de uma cidade não é
fácil, nem é barata - muito tempo da equipe de trabalho é gasto na preparação dessas
reuniões - mas vale a pena quando em momentos economicamente difíceis, como
temos agora, ouvimos o prefeito dizer que não haverá cortes no orçamento das artes.
Fiquei feliz ao ver que o estado do Rio de Janeiro havia estabelecido recentemente um
programa de promoção de incubadoras de arte. Esta é uma das maneiras mais eficazes
para ajudar artistas a navegar as demandas de empresas e do governo e para encontrar
maneiras práticas de ser bem sucedidos como pequenos empresários. Em NYC, dirigi
recentemente a maior incubadora de artes de Manhattan. Era um espaço com 60
estúdios para artistas visuais, 15 grupos de Artes Cênicas, quatro teatros e duas galerias.
Eu diria que para o Brasil, quanto mais incubadoras melhor para alcançar e apoiar os
artistas.
Nos últimos 25 anos, tem havido um sério esforço para investir em estudos que medem
o impacto econômico associado à atividade cultural. Esses estudos ajudam a promover o
entendimento de que o investimento em cultura rende muitos benefícios e, muitas vezes,
ajudam a revelar como as artes contribuem para as economias locais. Para cidades que
se beneficiam do turismo, como Nova York, San Francisco e Rio, esses estudos são
fundamentais para a compreensão da motivação dos visitantes e os benefícios
econômicos a eles associados. Uma vez que uma cidade mede os benefícios econômicos
associados às artes e aos setores culturais, torna-se compreensível a promoção de
políticas fiscais que podem levar alguns desses recursos financeiros para apoiar as artes.
O Imposto sobre Hotéis de San Francisco é um exemplo: os 16 milhões de visitantes de
San Francisco, no ano passado, gastaram cerca de US $ 1 bilhão na economia local e
uma das contribuições diretas para o tesouro da cidade foram os US $ 214 milhões de
dólares pagos em Imposto sobre Hotéis pagos pelos visitantes que se hospedaram em
hotéis. Quase todo o financiamento para as artes sai deste fundo fiscal de hotéis.
Quando a comunidade criativa e cultural é uma das principais razões para o turismo, faz
sentido dirigir parte desses recursos para o setor cultural. O Fundo Geral da cidade
levou a maior fatia, 62% do Imposto sobre Hotéis pagaram por gastos com segurança,
educação, saúde, etc., mas ainda restaram 81,2 milhões dólares para as artes e o
Convention Bureau.
Em meu exemplo final de políticas culturais, vou discutir como o código tributário dos
EUA promove a decisão de particulares para doarem suas coleções de arte a museus
públicos. Vou me concentrar sobre a decisão recente de um cidadão de San Francisco de
deixar sua coleção de arte privada para o SFMoMA. Don e Doris Fisher foram os
fundadores da Gap e da cadeia de roupas Old Navy. Eles se tornaram um dos casais
mais ricos da cidade e ao longo de um período de 40 anos construíram uma das maiores
coleções de arte contemporânea do país - estimada em valor superiores a US $ 1 bilhão.
Artistas como Andy Warhol, Louis Calder, Anselm Kiefer, Philip Guston, Gerhard
Richter e muitos outros, mais de 1.100 obras de arte, foram doados para o Museu de
Arte Moderna de São Francisco. Este extraordinário ato de generosidade, que irá
enriquecer para sempre a vida não só dos cidadãos da cidade, mas também do público
em geral, é uma prova de como incentivos fiscais adequados, juntamente com um forte
orgulho cívico podem ajudar a transformar e enriquecer museus locais.
Em “O Motor Criativo” um valioso estudo realizado por Robin Keegan, em 2002, que
examina as relações entre os bairros e as artes, há uma citação de Phil Psilos, diretor de
política econômica e tecnologia da National Governors Association, que trabalha
nacionalmente desenvolvendo estratégias de crescimento econômico para cinquenta
governadores de estado do o país. Psilos diz: "Há agora o entendimento de que se deve
ter a habilidade de construir um componente cultural no desenvolvimento para manter
trabalhadores talentosos e móveis. [Cultura] é a chave para o desenvolvimento
econômico. Olhe para qualquer análise de tendências e dados. O investimento segue o
capital humano ... e o capital humano, de forma surpreendentemente grande, segue as
artes."
Download

Cities by Design - Cidade Criativa