Linhas Encaro o teto degradado do meu quarto, deitada na minha “cama” que é apenas um colchão duro colocado no chão, enquanto penso em tudo o que me tem vindo a acontecer… Levanto-me do colchão, que partilho com as minhas duas irmãs mais novas. Tropeço num outro colchão, o da minha mãe, que já não se encontra lá deitada. Ando, com os meus pés descalços pelo chão frio daquela divisão com paredes bolorentas, até uma pequena parte de espelho partido que está pendurado na parede. Vejo uma rapariga bonita, mas com um pouco de sujidade na cara pálida de olhos rasgados como amêndoas; pelos ombros, escorrem cabelos lisos e negros. O espelho, estragado pela humidade, não me deixa ver mais nada, é demasiado pequeno. Olho para baixo e encaro as minhas roupas gastas, sujas e estragadas. Mirando outra vez o espelho, tento endireitar um pouco o cabelo despenteado, alisando-o com os meus dedos magros. Viro a cabeça para a direita, onde se encontra o buraco na parede a que tenho de chamar “janela” e reparo que o Sol já começou a nascer no horizonte. Oh não! Já estou atrasada! Mesmo muito atrasada! Corro até o colchão onde se encontram as minhas irmãs e começo a abana-las, numa tentativa de as acordar, o que resulta. Quando elas reparam na ténue luz que entra na divisão, começam a correr para estarem prontas o mais rápido possível. O que na verdade é um instante, tendo em conta que não temos nada, mas é literalmente nada, para fazer antes de irmos para a fábrica. Na fábrica tudo é horrível…não temos uma pausa para descansar, mal temos 5 minutos para almoçar, entramos demasiado cedo e saímos demasiado tarde, já noite serrada. Recebemos um salário miserável…no entanto, esse tal salário miserável, é o que nos sustenta. O que fabricamos nesse tal local infernal, perguntam vocês…? Muito ironicamente, fabricamos cadernos. É irónico porque eu tenho 12 anos e nunca entrei numa escola e fabrico material para que crianças, noutros países, possam ir aprender. Eu ajudo a produzir objectos que para onde vão, não valem nada, mas aqui valeriam muito…se eu pudesse ter um destes cadernos e escrever nele…seria fantástico! Mas não é essa a minha realidade… Os dias passam, e o meu descontentamento é cada vez maior. Porque é que eu tenho que trabalhar para que outros estudem se também eu deveria ter o direito de estudar e aprender? Isto não é justo! Estou a fazer o meu trabalho, enquanto penso neste assunto que remói a minha mente vezes e vezes sem conta no decorrer dos últimos dias. Mas porque é que não posso estudar? Não mereço…? Acho que não seria por isso…todos deveriam ter o direito ao estudo…certo? A frustração por tudo o que me rodeia aumenta a cada segundo que passa à frente dos meus olhos, todas aquelas máquinas barulhentas que sou obrigada a ouvir 19 horas por dia, todas as ordens e as regras que nos são impostas…tudo! Quando dei por isso, já tinha parado de trabalhar, não por o meu tempo de trabalho ter terminado, apenas porque parei. Como o rapaz que faz a tarefa depois da minha fez queixa de que eu não estava a fazer o meu trabalho e assim ele também não iria fazer bem o dele, dois dos supervisores, vêm ter comigo. Estou com medo, mas nem por isso perco a coragem de lhes dizer o que penso sobre esta situação. Quando, finalmente, eles estão cara a cara comigo, inspiro fundo e aproximo-me ainda mais de ambos. – Gostaria de saber porque somos obrigados a trabalhar nesta fábrica 19 horas por dia. Não pagam praticamente nada e estão a negar-nos o direito de estudar, eu, como como todos os outros que estão a trabalhar neste estabelecimento infernal, gostaríamos de estudar…se as crianças dos outros países estudam, porque somos nós os sacrificados nisto tudo?! Eu sei que aquilo que acabei de dizer, me vai custar caro, mas precisava de ser dito. Não podia continuar com estas palavras entaladas na minha garganta, estas palavras já me sufocavam… Eu sei que acabei de cometer o maior erro da minha vida ao falar, mas não me arrependo por nada! Um dos homens olha para o outro e faz-lhe sinal para que se vá embora… Oh não! O que é que ele me vai fazer…? Curva-se, para que fiquemos ao mesmo nível, e o que faz a seguir espanta-me… Ele ajuda-me a sair daquele inferno, ele ajuda-me a ir para outro país, pois ali não conseguiria aquilo que queria. Eu agora estudo, estou a aprender a ler e escrever… Nesse dia aprendi que a menor ação pode mudar tudo de uma maneira drástica; aprendi que devemos defender os nossos direitos e aquilo em que acreditamos, porque se desistirmos estaremos a fazer o que outros querem, não aquilo que nós pretendemos e que temos direito de querer e conseguir… 1º lugar - Grupo A Mafalda Lopes