Correio Braziliense/DF, 10 de maio de 2009 Poder Judiciário | TV Justiça Caminhada para o futuro OPINIÃO MAURÍCIO CORRÊA Advogado A vida do cidadão de nada vale se não forem cultivados valores de igualdade perante a lei ou se faltar sentimento cívico e amor às instituições. A forma de governo de Atenas não se baseia em instituições de povos vizinhos, ao contrário, serve de modelo para muitos deles. Tudo aqui depende de muitos e não de poucos. O enunciado é de Péricles, extraído da Oração fúnebre, proferida no panegírico em homenagem aos primeiros mortos da Guerra do Peloponeso. Não é sem razão que vários estudiosos dão a Péricles o título de fundador da democracia. O discurso foi pronunciado em 431 a. C. Suas palavras, vetustas, porém sábias, se adaptam à realidade política do Brasil de hoje. As notícias do envolvimento de altas autoridades da República, flagradas em atitudes nada éticas, ostentam a certeza de que ninguém pode estar acima da lei. Tais fatos amplamente revelados pela mídia dão a exata dimensão da transparência com que o assunto tem sido tratado. Até há pouco tempo veículos de comunicação se contraiam na divulgação de práticas ilícitas ou seriamente suspeitas de figuras influentes da vida nacional. Se todos são iguais perante a lei, como assegura a Constituição, é despropositado supor que alguns possam se beneficiar dos bens do Estado mais do que outros. A anomalia se chama discriminação. Todos os cidadãos estão sujeitos às mesmas prescrições legais, não sendo tolerável que uns possam mais do que outros. A prodigalidade na utilização de passagens aéreas por parlamentares e a troca de acusações entre ministros do Supremo Tribunal Federal, tornadas públicas, para situar apenas esses dois exemplos, são evidências de mutações por que passam os costumes da vida pública nacional. Ninguém pode se escusar do cumprimento da lei. No caso específico dos parlamentares, sabe-se que as quotas de passagens lhes stf.empauta.com são distribuídas para atender compromissos inerentes ao mandato. Se não são usadas pelo próprio titular do direito, seria de admitir que pudessem ser repassadas a terceiros. O argumento não convence. As passagens são fornecidas para o deslocamento pessoal do parlamentar de suas bases eleitorais para Brasília ou para outros locais autorizados. Se o parlamentar quiser trazer alguém de fora para Brasília deverá pagar as passagens com outros recursos de que possa dispor; jamais com valores de suas quotas. Se não são utilizadas na sua totalidade, não é correto que sejam gastas a seu bel-prazer. Os valores correspondentes ao saldo remanescente devem reverter a outro fim. Nesse contexto, o presidente da República deu péssimo exemplo, ao afirmar que, quando era deputado, utilizou passagens de suas quotas para trazer líderes sindicalistas à capital. Se não pudesse custeá-las, o certo seria que o sindicato da categoria as pagasse, ou se não que outra fonte de pagamento as suprisse. Prova conspícua de que os costumes políticos estão evoluindo no país nos dá Lula. Quando forneceu passagens de suas quotas para sindicalistas, nada transpareceu para o público. Se a extravagância tivesse acontecido hoje, por certo seu nome constaria da relação dos que estão agora expostos à opinião pública. Para acabar com os abusos até aqui reinantes, nada melhor do que disciplinar o tema de forma definitiva e segura. Espera-se que as regras a serem baixadas, se forem, vedem a concessão imoderada de quotas a parlamentares, evitando-se, assim, desvios de sua real finalidade. A TV Justiça apresentou cenas do acirrado bate-boca recentemente havido entre dois ministros do STF. As imagens da emissora foram fartamente reproduzidas por diversos outros órgãos de comunicação. As cenas do episódio, além de terem sido levadas a toda a nação, foram também mostradas por pg.2 Correio Braziliense/DF, 10 de maio de 2009 Poder Judiciário | TV Justiça Continuação: Caminhada para o futuro estações de televisão de outros países. O fato explica que nenhuma autoridade, por maior que seja, quando pega em situações de desconforto, fica imune à exposição pública. Ocorrências desagradáveis protagonizadas por membros de outros tribunais superiores foram igualmente divulgadas pela mídia nacional. Quantomais aimprensa noticia atosilícitos ou degrave suspeição praticados por servidores públicos, sejam de que níveis forem, tanto melhor para a saúde da democracia. Oxalá pudesse desvendar as miríades de falcatruas que habitam o submundo da administração pública. Sabe-se que a impunidade campeia pelo país afora, tanto que se coloca como um dos países mais corruptos do planeta. Ninguém pode negar que a atividade política é contaminada, com dignas exceções, pelo vírus da corrupção. Quantas concorrências pú- stf.empauta.com blicas não são realizadas com cartas marcadas para beneficiar empresários conluiados com graúdos estamentos políticos. É triste constatar que o Brasil padece desse mal crônico. Se o respeito às instituições prevalecesse, e se o princípio da igualdade perante a lei fosse para valer entre nós, como preconizou Péricles para Atenas, quanta gente no Brasil não teria que trocar gabinetes da administração pública por cubículos prisionais. O que interessa é que se processa, no Brasil, salutar mudança de costumes. Ainda que possam se queixar da imprensa, é graças a ela, como coadjuvante da fiscalização pública, que um dia quiçá se poderá minar os redutos infestados de maus brasileiros. Opinião/ Pág. 21 pg.3