11 a 14 de dezembro de 2012 – Campus de Palmas A “biografia” do fundador: Alejo Carpentier e a desconstrução do Colombo histórico. ¹ Juliana Morais Paé ² Dernival Venâncio Ramos ¹ Aluno do Curso de História; Campus de Araguaína; e-mail: [email protected] PIBIC/CNPq ² Orientador(a) do Curso de História; Campus de Araguaína ; e-mail: [email protected] RESUMO Este trabalho procura analisar o romance histórico A harpa e a sombra do escritor cubano Alejo Carpentier. A hipótese é que esse romance humaniza Cristovão Colombo como de desestabilizar a memória em torno desse personagem histórico; memória que o consagra como uma espécie de herói. O romance foi escrito no contexto posterior à Revolução Cubana, quando, motivado pela ruptura revolucionária, a sociedade daquele país se dedicou a revisitar o passado nacional, revendo a memória construída em torno dos heróis nacionais como Colombo, que descobriu a ilha em sua primeira viagem à América. PALAVRAS CHAVE: História, Memória, Colombo. INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste na análise do romance histórico A harpa e a sombra escrita pelo autor cubano Alejo Carpentier. O contexto em que se localiza a pesquisa são os anos posteriores a Revolução Cubana. Assumimos a revolução Cubana como momento de “crise” de orientação, ou seja, uma ruptura social que implica a necessidade de rever os valores e as representações da sociedade cubana. Ao instalar esse momento de “crise” que foi reforçado pelo processo de descolonização que ocorreu em vários países caribenhos, bem como Jamaica, Barbados e Suriname. Esses movimentos colocaram o Caribe na geografia do que Eric Hobsbawm (1995) chama de descolonização. Diante disso houve a necessidade de revisar o “passado”. Ramos destaca: A Revolução Cubana deu novo impulso à idéia de relacionar caribenidade e cultura de resistência porque ofereceu a esperança de que a luta revolucionaria podia sair vitoriosa. (...) [muitas] obras, assim, realizam uma profunda reavaliação da história caribenha ao mesmo tempo em que projetam um futuro revolucionário vitorioso para o Caribe. Ao fazerem isso, contudo, constroem menos uma história do que o que chamo de memória de resistência ou o Caribe como contracultura. (RAMOS, 2008, p. 466-467). Diante desse contexto, como se procedeu à revisão da “história” caribenha? Em que medida essa revisão pode ser percebida na obra A harpa e a sombra de Carpentier? Diante destes questionamentos essa análise problematiza a relação entre Memória, História e 11 a 14 de dezembro de 2012 – Campus de Palmas Literatura. Assumimos a memória como uma ordenação e reordenação do passado. A memória social esta sendo reordenada o tempo inteiro. Os responsaveis por essa reordenação são os históriadores, os jornalistas, os ensaístas e também romancistas. (Ver POLLAK, 1989). Acreditamos que esse é o caso do escritor Alejo Carpentier. A partir de Revolução ele publicou uma série de obras históricas como El siglo de Las luces (1963), La ciudade de las Columnas (1970) El recurso Del método (1974), Concierto barroco (1974), La consagracion de La primavera (1978) e por fim a obra utilizada como fonte de pesquisa El arpa y La sombra (1979). Essas obras fariam parte do esforço por revisitar o passado nacional depois Revolução. MATERIAL E METÓDO As referências teórico-metodológicas que informam a pesquisa cuja fonte primária central é o romance A harpa e a sombra de Alejo Carpentier (1987) são as seguintes obras: Michael Pollak (1989) “Memória, Esquecimento, Silêncio” “Memória e Identidade Social”. Também foram estudadas outras fontes secundarias da qual foram selecionadas para esta pesquisa os livros: Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução 1961-1975 de Sílvia Cezar Miskulin (1998), A Revolução Cubana de Fernando Luis Ayerbe (2004) A Era dos Extremos de Eric Hobsbawm (1995). Cultura Ilhada: Imprensa e Revolução Cubana (1959-1961) de Silvia Cezar Miskulin (2003), O artigo “A Invenção do Caribe como Contracultura e a Revolução Cubana” de Dernival Venâncio Ramos (2008). A tese de Leandro Marques Rickley, intitulada: A Condição Mariel: Memória subterrânea da experiência revolucionaria cubana (1959-1990). De acordo com Michael Pollak, “em todos os níveis a memória é um fenômeno construído social e individualmente, quando se trata da memória herdada e o sentimento e identidade.” (POLLAK, 1989, p.05). Em virtude disso é possivel afirmar que a história é um tipo de narrativa que também reproduz essa reordenação da memória. A história usa parâmetro ciêntista e a nossa a hipótese é que os romancistas também estão lutando para essa reordenação da memória. Essa afirmativa se enquadra no caso dos heróis como o personagem que nos interessa. Sendo a históriografia um tipo de narrativa reprodutora da rordenação da memória, Jacques Le Goff (1976) ressalta, as fontes literárias devem e podem ser utilizadas como fontes históricas. No que se inclui a possibilidade de problematizar a memória ou a luta social em torno da representação do passado a partir da literatura. RESULTADO E DISCUSSÃO A Revolução Cubana se dá como momento de quebra dos sentidos socialmente dados sobre o passado regional, desse modo necessita-se da organização da memória. Nesse período os intelectuais insurgem contra a versão do passado a partir do ponto de vista eurocêntrico que sustentava o imperialismo. Nesse sentido, rever as representações em torno de figura históricas como Cristóvão Colombo parece fundamental. A harpa e a sombra têm como personagem principal Cristovão Colombo e constrói uma espécie de biografia dele. Alejo Carpentier divide a obra em duas partes. A primeira parte, narrada em primeira pessoa, retrata a confissão do almirante ao recuperar mesmo não 11 a 14 de dezembro de 2012 – Campus de Palmas chegou a fazer para a história, de forma que passam a ser ditas para o leitor de uma maneira complexa e reveladora. A biografia, um gênero laudatório de modo que louva o personagem na sua importância histórica, é aqui usada para humanizar o herói. No decorrer do romance Colombo passa por frustrações, mostrando-se se lado humano, sujeito a múltiplas falhas. Ele principalmente não entende o porque as terras que “descobriu” o definem tanto. Ao humanizar Colombo, o autor Carpentier desestabiliza o “pedestal” no qual por longos anos a imagem de Colombo foi colocada. O herói é tido como um ser não sujeito às regras, capaz de viver para além de seu tempo; esse é o Colombo fundador da colonização. O Colombo de Carpentier é uma figura humanizada e insegura quanto ao seu lugar na história e nos eventos dos quais participou. No que diz respeito ao lugar histórico do personagem se desestabiliza a memória em torno da figura de Colombo como visionário, que esteve além dos horizontes de seu tempo histórico. Assim confessa o almirante: ...fui o Descobridor- descoberto, posto ao descoberto; e sou o Conquistador conquistado, já que comecei a existir para mim e para os outros no dia em que cheguei lá, e desde então, são aquelas terras que me definem, cospem em minha figura, me param no ar que me circunda, me conferem, perante mim mesmo, uma estatua épica que todos já me negam, e mais agora que morreu Columba, unida a mim em uma façanha o bastante povoado de prodígios para dita uma canção de gesta – mas canção de gesta apagada, antes de ser escrita, pelos novos temas de romances que se ofereceram à avidez da gente. (CARPENTIER, 1987, p.140) O incômodo do personagem com seu pretenso heroísmo vão levando pela ‘voz’ de Colombo à desconstrução de seu lugar de fundador, descobridor, herói, enfim. A segunda parte, narrada em terceira pessoa, fala da investigação quando do processo de beatificação de Colombo e que acaba por não ser digno da santidade. “Apenas um voto a favor – diz -. Portanto a beatificação é denegada”. (CARPENTIER, 1987, p. 168). Depois de vasculharem sua vida lhe negam a santidade. Mas a memória em torno de sua figura o transformou numa espécie de santo laico. Mas nem da santidade laica do heroísmo público lhe é permitido por Carpentier, que desestabiliza a memória em torno do pretenso heroísmo do almirante. Diante disso é preciso ressalvar que nos momentos de crise social e política surge a necessidade de reorganizar o passado. Essas revisitações do passado encontram-se dentro do romance A harpa e a sombra de modo a desestabilizar um das principais figuras da história da América do ponto de vista eurocêntrico em um momento que a luta contra o imperialismo é também uma luta contra o eurocêntrico. Colombo “afirma”: E no que se refere minha consciência, à imagem que de mim se ergue agora, como que vista no espelho, ao pé desta cama, fui descobridor descoberto, descoberto perante deus, ao conceber os feios negócios que, atropelando a teologia, propus a Suas Altezas; a descoberto perante meus homens que foram perdendo o respeito por mim de dia para dia, infligindo-me a suprema humilhação de me fazer agrilhoar por um cozinheiro a mim, Almirante e Vice-Rei! A descoberta, porque minha rota as Índias ou a Vinlândia meridional ou a Cipango ou a Catai, cuja província de Mangui bem pode ser a que conheci pelo nome de Cuba. (CARPENTIER, 1987, p.139-140). 11 a 14 de dezembro de 2012 – Campus de Palmas Às varias descobertas que enumera Colombo teríamos a última, a que o leitor faz ao ler a obra de Carpentier e velo “descoberto” da memória de heroísmo que o cercou nos últimos quinhentos anos. LITERATURA CITADA AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora UNESP, 2004. CARPENTIER, Alejo. A harpa e sombra. Tradução Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1987. FIGUEREDO, Juliano Silva de. RAMOS, Dernival Venâncio Jr. “Produção Cultural em Cuba (1961-1971)”. Recorte Revista Eletrônica ISSN/1807-8591. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. Eric Hobsbawm: Tradução Marcos Santa Rita: revisão técnica Maria Célia Paoli – São Paulo: Companhias das Letras. 1995. MARQUES, Leandro Rickley. A Condição Mariel: Memórias subterrâneas de experiência revolucionaria cubana (1959-1990). Brasília DF, 2009. MISKULIN, Silvia Cezar. Cultura e Política na Revolução Cubana: A importância de Lunes de Revolucion. Anais Eletrônicos do Terceiro Encontro da ANPHLAC. São Paulo, 1998. MISKULIN, Sílvia Cezar. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução de (1961-1975). São Paulo: Alameda, 2009. POLLAK, Michael. “Memória e Identidade Social”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 1989, p.01-15. POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. PRIORE, Mary Del. “Biografia: quando o individuo encontra a história”. Topoi, v. 10, n. 19 jul-dez. p.7-16. RAMOS, Dernival Venâncio Jr. “A Invenção do Caribe como Contracultura e Revolução Cubana”. Revista Brasileira do Caribe. Goiânia-GO. Vol.08, n.16, p.459-468, 2008. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico CNPq- Brasil. Agradeço aos meus professores da UFT e, sobretudo o Prof. Dr. Dernival Venâncio Ramos. E agradecer minha família pelo apoio e incentivo em minha formação acadêmica.