Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro Artigo Original 3 Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original Síndrome Metabólica e Outros Fatores de Risco para Doença Cardiovascular em População de Obesos Metabolic Syndrome and Other Risk Factors for Cardiovascular Disease in an Obese Population Hilda Carla Moura dos Santos, Luciana Gonçalves de Orange, Cybelle Rolim de Lima, Maria Magdala Sales de Azevedo, Keila Fernandes Dourado, Sheylane Pereira de Andrade Resumo Abstract Fundamentos: A síndrome metabólica (SM) se caracteriza pela perda da homeostase corporal. Está relacionada principalmente com a obesidade abdominal, que se associa às alterações no perfil lipídico, ao aumento da pressão arterial e à hiperinsulinemia, fatores esses que aumentam o risco de diabetes mellitus (DM) tipo 2, doenças cardiovasculares e resistência à insulina. A adesão ao exercício físico e a um plano alimentar saudável é fundamental no tratamento da SM. Objetivo: Verificar a prevalência da síndrome metabólica (SM) e outros fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV) em obesos. Métodos: Estudo transversal incluindo 293 pacientes obesos, acompanhados no ambulatório de nutrição. A SM foi definida segundo o NCEP-ATP III. Resultados: Dos indivíduos avaliados (44 homens e 249 mulheres), 67,7 % apresentaram SM, sem diferença entre os sexos, e mais frequente nos idosos. As comorbidades mais prevalentes foram: dislipidemias (69,1 %), hipertensão arterial sistêmica (49,0 %) e diabetes mellitus ou intolerância à glicose (36,3 %). Aqueles com SM apresentaram maior frequência de outros indicadores para DCV (relação TG/HDL; razão cintura/estatura; LDL e CT). Conclusão: Verificou-se elevada prevalência de SM associada a várias comorbidades e outros indicadores para DCV. Background: Metabolic syndrome (MS) is characterized by the loss of body homeostasis related mainly to abdominal obesity that is associated with lipid profile alterations, increased blood pressure and hyperinsulinemia, which are factors stepping up the risk of type 2 diabetes mellitus (DM2), cardiovascular disease and insulin resistance. Adherence to exercise and a healthy eating plan are vital for treating this syndrome. Objective: To ascertain the prevalence of metabolic syndrome (MS) and other risk factors for cardiovascular diseases (CVD) in obese patients. Methods: Cross-sectional study of 293 obese patients monitored at a nutrition outpatient clinic. MS was defined on the basis of the NCEP-ATP III. Results: Among the 44 men and 249 women evaluated, 67.7% had MS, with no significant difference between genders, but more frequent among the elderly. The most prevalent comorbidities were dyslipidemia (69.1%), systemic hypertension (49.0%) and diabetes mellitus or glucose intolerance (36.3%). Patients with MS presented higher rates for other CVD indicators (TG/HDL ratio, waist/height ratio, LDL and TC). Conclusion: The prevalence of MS was high, associated with several other comorbidities and CVD indicators. Palavras-chave: Obesidade; Doenças cardiovasculares; Síndrome X metabólica Keywords: Obesity; Cardiovascular diseases; Metabolic syndrome X Núcleo de Nutrição - Centro Acadêmico de Vitória - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Vitória de Santo Antão, PE - Brasil Correspondência: Hilda Carla Moura dos Santos E-mail: [email protected] Rua F, 12 - Redenção - 55612-060 - Vitória de Santo Antão, PE - Brasil Recebido em: 08/07/2013 | Aceito em: 16/10/2013 442 Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original Introdução A obesidade é uma doença multifatorial resultante do acúmulo de tecido adiposo que afeta praticamente todas as idades e grupos socioeconômicos. É definida como doença crônica e progressiva por causa das numerosas comorbidades associadas1,2. Dentre essas, destaca-se a síndrome metabólica (SM), um complexo distúrbio decorrente da perda da homeostase corporal, que envolve o metabolismo dos glicídios, lipídeos e proteínas, assim como a programação e a predisposição genética3. A SM tem prevalência estimada entre 20-25 % na população geral, com comportamento crescente nas últimas décadas. Essa prevalência é ainda maior em homens e mulheres mais velhos, chegando a 42 % em indivíduos >60 anos4. A obesidade abdominal ou central é um dos principais fatores de risco para esta síndrome5 e está diretamente associada às alterações no perfil lipídico, ao aumento da pressão arterial e à hiperinsulinemia, fatores estes que aumentam o risco do diabetes mellitus tipo 2 (DM2), doenças cardiovasculares (DCV) e resistência à insulina (RI)6. Esta última refere-se à diminuição da ação da insulina endógena em seus tecidos-alvo, resultando em elevados níveis plasmáticos de glicose que induzem o pâncreas a liberar excesso de insulina (hiperinsulinemia) que, em longo prazo, culmina com intolerância à glicose e DM27. Indivíduos com SM apresentam risco duas a três vezes maior de doenças cardiovasculares. Assim, há um enorme apelo médico e socioeconômico para se identificar os marcadores da SM que possam auxiliar no combate à progressão da atual epidemia8. Segundo o National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III) 9, para diagnosticar a SM é necessário o indivíduo apresentar pelo menos três dos seguintes fatores: obesidade central por meio da circunferência da cintura (CC) (homens >102 cm e mulheres >88 cm); dislipidemia (DSL) (triglicerídeos (TG) ≥150 mg/dL ou HDL <40 mg/dL para homens e <50 mg/dL para mulheres); pressão arterial (PA) sistólica ≥130 mmHg ou PA diastólica ≥85 mmHg; e hiperglicemia de jejum (glicemia de jejum (GJ) ≥110 mg/dL)9. Sabe-se que no tratamento de indivíduos obesos com ou sem SM, a perda ponderal é bastante relevante. Dados da literatura apontam que a perda de 7-10 % do peso inicial já é suficiente para promover melhora na circunferência abdominal, no perfil lipídico e na glicemia10. Portanto, a adesão a tratamento dietoterápico e à prática de exercícios físicos são fundamentais no tratamento da SM, bem como da obesidade se for o caso. O plano alimentar proposto deve ser Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro individualizado, no qual inicialmente se devem estabelecer as necessidades do indivíduo a partir da avaliação nutricional, incluindo a determinação do índice de massa corporal, circunferência do abdômen e, quando possível, a composição corpórea11, o que permitirá uma adequada conduta nutricional. Este trabalho teve por objetivo verificar a prevalência da SM e de outros fatores de risco para desenvolvimento de doenças cardiovasculares em população obesa em acompanhamento dietoterápico. Métodos O estudo foi desenvolvido no Centro de Saúde de Especialidades da Vitória (CESV) do município de Vitória de Santo Antão, PE, no período de janeiro a novembro 2011. Estudo do tipo transversal, com os dados coletados em fichas de avaliação nutricional de pacientes obesos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no CESV. Foram incluídos apenas pacientes consultados por nutricionista do CESV com diagnóstico de obesidade [IMC ≥30 kg/m2 para adultos (20-59 anos) e IMC >27 kg/m2 para idosos (>60 anos)], com idade ≥20 anos, e excluídos os pacientes em período gestacional, amputados, oncológicos e com distúrbios neurológicos. A avaliação nutricional incluiu dados laboratoriais e medidas antropométricas baseadas em informações coletadas nos documentos analisados. A antropometria consistiu em: peso, estatura, índice de massa corporal e circunferência da cintura. O estado nutricional daqueles com idade entre 20-59 anos foi avaliado segundo o IMC de acordo com a Organização Mundial da Saúde12; e dos idosos também através do IMC, segundo critérios de Lipschitz13. Os dados bioquímicos analisados foram glicemia de jejum (GJ), colesterol total (CT), triglicerídeos (TG), HDL e LDL, utilizando-se o kit Human®. Para a classificação do perfil lipídico utilizou-se a IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose 14 , e para a glicemia de jejum as recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes15. Foram avaliados os seguintes indicadores de risco cardiovascular: razão TG/HDL baseando-se na classificação de Hanak et al.16, a qual considera risco cardiovascular quando TG/HDL ≥3,8; e razão cintura/ estatura de acordo com Pitanga e Lessa17, que preconizam os pontos coorte: 0,52 para homens e 0,53 para mulheres. O diagnóstico da SM foi realizado segundo critérios do NCEP-ATP III, adotados pela I Diretriz Brasileira da Síndrome Metabólica11. 443 Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original Os cálculos estatísticos foram realizados utilizando-se os softwares SPSS 13.0 para Windows e o Excel 2003. Todos os testes foram aplicados com 95 % de confiança. Os resultados estão apresentados com suas respectivas frequências absoluta e relativa. As variáveis numéricas estão expressas em médias±desvio-padrão. Para as variáveis quantitativas foi utilizado o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Para verificar a existência de associação foi utilizado o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher para as variáveis categóricas. Na comparação entre os grupos: teste t de Student (distribuição normal) e Mann-Whitney (não normal). Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (UFPE), sob o nº CAAE- 0259.0.172.000-11. Resultados Foram avaliados 293 indivíduos obesos, 44 (15 %) homens e 249 (85 %) mulheres. Houve predomínio de adultos na faixa etária de 20-59 anos: 220 indivíduos (75,1 %) e 73 (24,9 %) com idade ≥60 anos. Outras características clínicas da população estudada podem ser observadas na Tabela 1. A prevalência de SM na população estudada foi 67,7 %, sendo 65,9 % nas mulheres e 78,4 % nos homens, sem significado estatístico. A SM se mostrou mais prevalente nos idosos (84,8 %) em relação aos não idosos (61,5 %). Na Tabela 2 pode ser observada a prevalência dos componentes da SM segundo os critérios da NCEPATP III. Destaca-se que todos os critérios apresentaram diferença significativa (p≤0,001) entre os portadores ou não de SM. Presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e obesidade abdominal foram os componentes mais frequentes. No que se refere aos outros indicadores de risco cardiovascular analisados, verificou-se que todos os indivíduos apresentavam pelo menos um indicador positivo. Do total de pacientes, 37,3 % tinham a razão TG/HDL ≥3,8 e 100,0 % apresentavam a razão cintura/ estatura (RC/Est) ≥0,52 para homens e ≥0,53 para mulheres. Ressalta-se que o LDL e o CT, embora não sejam considerados critérios diagnósticos para a SM, apresentaram diferença significativa entre os grupos (p<0,05) (Tabela 3). A comorbidade mais prevalente foi a DSL, presente em 201 (69,1 %) pacientes do total, sendo: 159 (54,6 %) com CT elevado, 121 (54,3 %) com HDL baixo, 147 (53,1 %) com TG elevado e 42 (19,6 %) com LDL elevado. Em seguida a HAS, presente em 173 (49 %) pacientes, se apresentou mais prevalente, acompanhada do DM ou intolerância à glicose que esteve presente em 103 (36,3 %) pacientes. Entretanto na avaliação da frequência dessas comorbidades, verificou-se maior frequência de DSL e/ou HAS no sexo feminino e da DM isolada no sexo masculino (Tabela 4). Tabela 1 Características da população obesa estudada, de acordo com o sexo Sexo Variáveis Masculino Feminino p-valor Média ± DP Média ± DP Peso 91,4 ± 16,47 81,9 ± 13,15 <0,001 * CC 108,7 ± 8,84 104,7 ± 9,99 0,014 * CT 200,9 ± 45,13 209,7 ± 49,52 0,278 * LDL 113,4 ± 30,32 121,2 ± 45,07 0,235 * Mediana (Q1; Q3) Mediana (Q1; Q3) 57,0 (37,0; 64,0) 45,0 (32,0; 57,0) 0,008 ** 164,3 (156,4; 168,4) 153,9 (148,8; 159,0) < 0,001 ** 32,8 (30,7; 36,8) 33,8 (31,3; 37,0) 0,341 ** 106,5 (84,0; 148,0) 90,0 (80,0; 115,5) 0,024 ** 42,0 (35,5; 55,0) 47,0 (41,0; 58,0) 0,025 ** 194,0 (122,5; 278,5) 152,5 (109,3; 199,0) 0,019 ** Idade Estatura IMC GJ HDL TG CC=circunferência da cintura; CT=colesterol total; IMC=índice de massa corporal; GJ=glicemia de jejum; TG=triglicerídeos; LDL=lipoproteína de baixa densidade; HDL=lipoproteína de alta densidade (*) Teste t de Student; (**) Teste de Mann-Whitney 444 Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro Tabela 2 Prevalência dos componentes da síndrome metabólica segundo a NCEP-ATP III Síndrome metabólica Variáveis PAS ≥130 mmHg ou PAD ≥85mmHg Glicemia de jejum Sim n % n % Presente 134 79,8 29 36,3 Ausente 34 20,2 51 63,7 < 110 mg/dL1 75 45,2 71 94,7 110-125 mg/dL2 17 10,2 0 0,0 >126 mg/dL 74 44,6 4 5,3 Ausente 2 1,2 9 11,3 Presente 163 98,8 71 88,8 ≥ 150 mg/dL 117 70,5 16 20,5 Aceitável 49 29,5 62 79,5 Aceitável 43 30,3 59 73,7 Baixo 99 69,7 21 26,3 3 Obesidade abdominal Triglicerídeos HDL p-valor Não < 0,001* < 0,001* 0,001** < 0,001* < 0,001* PAS=pressão arterial sistólica; PAD=pressão arterial diastólica; HDL=lipoproteína de alta densidade; (1) Aceitável; (2) Intolerância à glicose; (3) Diabetes (*) Teste do qui-quadrado; (**) Teste exato de Fisher Tabela 3 Prevalência de outros fatores de risco para doença cardiovascular na população estudada Síndrome metabólica Variáveis TG/HDL LDL IMC p-valor Não n % n % ≥ 3,8 71 50,7 11 14,1 Normal 69 49,3 67 85,9 108 64,3 26 32,5 Aceitável 60 35,7 54 67,5 ≥ 160 mg/dL 32 23,7 09 11,5 Aceitável 103 76,3 69 88,5 Obesidade grau 1 114 67,9 47 58,7 Obesidade grau 2 38 22,6 23 28,8 Obesidade grau 3 16 9,5 10 12,5 > 200 mg/dL CT Sim < 0,001 * < 0,001 * 0,047 * 0,372 * TG/HDL=Razão triglicerídeos/lipoproteína de alta densidade; CT=colesterol total; LDL=lipoproteína de baixa densidade; IMC=índice de massa corporal (*) Teste do qui-quadrado 445 Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original Tabela 4 Comorbidades encontradas na população obesa estudada, de acordo com o sexo Sexo Comorbidades Masculino Feminino n % n % 2 4,5 36 14,5 15 34,1 119 47,8 Diabetes ou intolerância à glicose 5 11,4 5 2,0 Doenças do TGI 1 2,3 1 0,4 Doenças ósseas 0 0,0 1 0,4 21 47,7 87 34,9 Nenhuma HAS e/ou DSL Doenças associadas* HAS=hipertensão arterial sistêmica; DSL=dislipidemias; TGI=trato gastrointestinal (*)Duas ou mais das doenças associadas Discussão Baseado nos critérios do NCEP-ATP III, uma alta prevalência da síndrome metabólica (SM) foi encontrada na população estudada. Quando comparado a outros estudos, verifica-se que esta prevalência assemelha-se com a do estudo de Oliveira et al.18 que encontrou alta prevalência em pacientes obesos. Esses resultados já eram esperados, já que indivíduos obesos têm maiores chances de serem portadores de SM19. No grupo de obesos avaliados predominou a presença feminina, presumivelmente, por se preocuparem mais em procurar assistência à saúde em relação aos homens, no entanto, sem diferença significativa em relação à SM. Alguns estudos encontraram maior frequência dessa síndrome em mulheres18,20,21. A idade se apresentou como uma variável de grande influência sobre a SM, coerente com outros autores. Eles justificam que a influência da senescência ocorre porque, na atualidade, aqueles com mais idade, adquiriram hábitos de vida mais caracteristicamente urbanos, além do acesso a bens que reduzem a demanda de esforço físico para a realização de suas tarefas cotidianas e contribuem para o desequilíbrio do balanço energético e ganho de peso corporal18,22,23. Ocorre então uma redistribuição de gordura (aumento na gordura corporal total e redução do tecido muscular), as quais podem desencadear o aparecimento de doenças como as DCV e DM24. Em relação aos critérios para a SM, os componentes mais frequentes foram, em sequência: PA elevada, obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, HDL baixo e hiperglicemia ou intolerância à glicose. Os dois 446 primeiros mais frequentes se devem à forte relação destes com a obesidade e SM25,26. Salaroli et al.23, verificando os componentes da SM entre homens e mulheres, encontraram a HAS como a mais frequente em ambos os sexos, similarmente aos achados do presente trabalho23. A obesidade central foi menos frequente nos homens e ocupou o terceiro lugar nas mulheres, provavelmente em decorrência de a população pesquisada não ser composta apenas por obesos. Sullivan e Samuel27, avaliando o efeito da terapia Pritikinem em 67 pacientes com SM, durante 12-15 dias (terapia consiste na adoção de exercício físico regular e de uma dieta com muito baixo teor de gordura, baixo teor de sódio e rica em fibras), encontraram diminuição do IMC, níveis pressóricos, glicemia, LDL (10-15 %), triglicerídeos (36 %) e como consequência dessas modificações, 37 % dos pacientes saíram do diagnóstico de SM27. Confirmando esses achados, Azadbakht et al.28, verificando o efeito do modelo dietético Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH): dieta rica em frutas, vegetais, produtos lácteos pobres em gorduras e associada a um consumo restrito de sódio (<5,8 g NaCl/dia), em 116 indivíduos portadores de SM, observaram melhora acentuada no perfil de todos os componentes da SM (reduções de cintura abdominal, peso, triglicerídeos e níveis pressóricos e aumento do HDL)28. Destaca-se também que a mediana do HDL foi menor entre os homens do estudo. Rigo et al.21, estudando uma população idosa de ambos os sexos, encontraram que a metade tinha SM e que os homens apresentavam valores menores de HDL em relação aos valores das mulheres 21. Sugere-se que esse resultado esteja relacionado à idade dos homens, que apresentaram Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original mediana maior [57,0 (37,0; 64,0)], uma vez que a idade avançada é condição que dificulta a prática de exercícios físicos, fator que eleva o HDL sérico, segundo Durstine e Haskell29. Vale salientar que embora os parâmetros de LDL e CT não sejam considerados critérios para a SM segundo o NCEP-ATP III, na amostra estudada mostraram-se elevados naqueles pacientes portadores da SM, como também as razões TG/HDL e cintura/estatura, esta última demonstrando uma forte associação entre a obesidade e a SM e, portanto, alta sensibilidade como indicador de risco cardiovascular. Freitas et al.20 verificaram de maneira similar que a razão TG/HDL foi mais alta naqueles em que a síndrome foi diagnosticada20, confirmando que portadores da SM apresentam frequentemente aumento da fração pequena e densa do LDL que possui um potencial aterosclerótico maior30. A partir desses achados, torna-se relevante a necessidade de avaliar estes e outros parâmetros de risco cardiovascular nesses pacientes. Como exemplo, a presença do tabagismo, que não foi incluída nas fichas dos pacientes estudados; no entanto este hábito é um importante fator de risco aterosclerótico, que deve ser avaliado14. Em relação à classificação do IMC, a obesidade grau I foi a mais prevalente no atual estudo, tanto no total da população quanto naqueles com SM. Este achado sugere um melhor prognóstico no tratamento desses pacientes, uma vez que a perda de peso alcançada com adequada orientação nutricional e prática de exercício físico trará mais rapidamente a classificação do IMC para a normalidade31,32. Embora a maioria dos pacientes apresentasse obesidade grau I, verificou-se alta prevalência de comorbidades nesses indivíduos, o que pode ser justificado pela idade dos participantes, que é diretamente proporcional ao surgimento de comorbidades, como demonstrado em alguns estudos18,22,23,26. Destaca-se ainda que todos os participantes apresentavam pelo menos um indicador positivo para risco cardiovascular, diferente do estudo de Souza et al.26, que observou que apenas 50 % dos indivíduos eram portadores de algum risco para eventos cardiovasculares26. Esse fato advém da diferença entre os indivíduos avaliados; a obesidade, fator de inclusão do presente estudo, por si só já é considerada um fator de risco cardiovascular33. Quanto à CC, os homens apresentaram valores maiores em relação às mulheres, possivelmente porque a obesidade abdominal (androide) ocorre comumente em homens2,34. Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro A comorbidade mais prevalente na população estudada foi DSL, seguida da HAS e DM, coerente, em parte com os achados de Carneiro et al.19, que também analisaram essas variáveis em uma população com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e detectaram maior prevalência de hipercolesterolemia (49,1 %), seguida da HAS (43,8 %), DM ou intolerância à glicose (21,8 %) e hipertrigliceridemia (21,3 %). Esses autores concluíram que a obesidade favorece a ocorrência dos fatores de risco cardiovascular19. Ressalta-se que no presente estudo esses valores percentuais se apresentaram mais elevados, considerando-se a diferença entre as populações estudadas. Entretanto, o estudo de Souza et al.26 realizado com a população geral demonstrou percentuais bem menores (6,0 % para DM, 24,2 % para DSL e 30,5 % para HAS), embora mais frequentes em indivíduos com excesso de peso26. Além disso, Porto et al.35, avaliando obesos grau III, encontraram prevalência mais alta de HAS (66,0 %) e de LDL elevado (66,7 %) do que a do atual estudo e evidenciaram a relação entre IMC elevado com maior frequência de HAS, DM e outros distúrbios metabólicos35. Provavelmente isto se deve à elevada quantidade de gordura que os obesos mórbidos possuem, que proporciona maiores complicações relacionadas à gênese da HAS e outras comorbidades12,36. Carneiro et al.19 verificaram que a HAS era a única variável que continuou a se elevar junto com o IMC, fato este também observado nos estudos citados anteriormente 12,35,36. Verifica-se, assim, a relação diretamente proporcional do surgimento dessas comorbidades com o IMC, sendo mais acentuada com a HAS. Em relação ao sexo e comorbidades, verificou-se que a HAS e/ou DSL foram mais prevalentes no sexo feminino e a DM isolada no sexo masculino, coerente com os valores médios superiores da GJ e de TG plasmático na população masculina. Esses dados sugerem que os pacientes em estudo provavelmente apresentavam hábitos alimentares inadequados, caracterizados principalmente por dieta rica em glicídios, sobretudo de alto índice glicêmico, o que já está comprovadamente relacionado com o ganho de peso excessivo e também com a elevação de glicemia plasmática e hipertrigliceridemia37,38. A maioria dos pacientes apresentava mais de uma comorbidade associada, o que foi observado com maior frequência no sexo masculino. Este fato pode ser explicado pela maior idade dos homens, quando se elevam os riscos de comorbidades, principalmente cardiovasculares39,40. 447 Rev Bras Cardiol. 2013;26(6):442-49 novembro/dezembro O diagnóstico precoce da SM se faz necessário a fim de reduzir os riscos para DCV associados. Sugere-se que através de uma equipe multidisciplinar, sejam realizadas ações que objetivem a prevenção dos fatores que determinam o desenvolvimento da obesidade e da SM. Profissionais como o nutricionista e o educador físico são indispensáveis nesse tratamento, tendo em vista que o exercício físico associado a uma dieta equilibrada promove uma perda ponderal. Esta auxilia na regulação do perfil lipídico, redução da pressão arterial, resistência à insulina e circunferência abdominal, contribuindo dessa forma com a redução da morbimortalidade nessa população. Santos et al. Síndrome Metabólica em População Obesa Artigo Original 6. 7. 8. 9. Conclusão A população de obesos estudada apresentou elevada prevalência de SM; confirmando a íntima relação da obesidade com a presença desta síndrome. Não houve diferença significativa entre os sexos, e o diagnóstico da SM foi mais frequente nos idosos. Foram identificadas outras comorbidades, com maior frequência nos pacientes portadores de SM. 10. 11. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. 12. Fontes de Financiamento O estudo não apresentou fontes de financiamento externo. Vinculação Acadêmica Este artigo representa parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de graduação em Nutrição de Hilda Carla Moura dos Santos pelo Centro Acadêmico de Vitória da Universidade Federal de Pernambuco. 13. 14. Referências 15. 1. Marks JB. Advances in obesity treatment: clinical highlights from the NAASO 2003 Annual Meeting. Clin Diabetes. 2004;22(1):23-6. 2. Organização Mundial da Saúde. Obesidade: prevenindo e controlando a epidemia global. São Paulo: Roca; 2004. 3. Gottlieb MGV, Cruz IBM, Bodanese LC. Origem da síndrome metabólica: aspectos genético-evolutivos e nutricionais. Scientia Medica (Porto Alegre). 2008;18(1):31-8. 4. Dunstan DW, Zimmet PZ, Welborn TA, De Courten MP, Cameron AJ, Sicree RA, et al. The rising prevalence of diabetes and impaired glucose tolerance: the Australian Diabetes, Obesity and Lifestyle Study. Diabetes Care. 2002;25(5):829-34. 5. Grundy SM. 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