VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216
O ADULTÉRIO E AS RELAÇÕES SOCIAIS EM A MANDRÁGORA DE
NICOLAU MAQUIAVEL
Aline Ignácio Calahani (G-UENP/ Campus Jacarezinho)
Dra. Luciana BRITO (Orientadora – UENP/ Campus Jacarezinho)
Renascimento: momento de grandes transformações
O Renascimento teve início na Itália. A economia dinâmica e mercantil no país
foi de grande importância para o investimento na produção cultural, condição
fundamental para o Renascimento. Investiram muito nas obras de arte e isso
imobilizou o capital e estagnou a economia italiana da época.
Com o desenvolvimento mercantil nasceu a burguesia, que tornaria uma
posição central na sociedade. Esses burgueses eram os novos mecenas, ou seja,
os novos protetores das artes, em geral príncipes e monarcas que tinham como
intuito principal a difusão de novos hábitos e valores. A produção artística foi
igualmente favorecida pela paz existente na Itália. Havia certo equilíbrio nas
cidades italianas e entre o papado e o Sacro Império.
Havia também uma presença muito forte da arte da antiguidade, que foi
levada para a Itália na época do Império Romano, se opondo à Idade Média, como
é o caso da arquitetura e escultura, por exemplo.
O traço mais importante do Renascimento foi seu profundo racionalismo.
Como por exemplo: o domínio mais completo possível da natureza e para isso era
utilizada a matemática, pois tudo deveria ser provado cientificamente. Devido ao
racionalismo, nasceu o individualismo, que é a crença nas próprias potencialidades
do homem; o naturalismo, que é a própria descoberta da natureza; o
antropocentrismo, o homem é a manifestação mais perfeita da obra de Deus; e o
heliocentrismo, que seria o sol como centro do universo.
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Uma conseqüência dessa época foi o Renascimento intelectual, também
denominado de Humanismo, cuja principal preocupação era com a reforma
educacional: estudos nas áreas de humanidades, filosofia, poesia e também a
matemática. Esses estudos substituíam o rígido sistema medieval: direito,
medicina e teologia.
Os humanistas eram críticos e estavam preocupados com o mundo concreto
dos seres humanos, com a capacidade de transformar o mundo em benefício
próprio. O centro do humanismo italiano foi Florença. Lourenço de Médicis fundou
a Academia de Florença.
Mais tarde, devido à expansão de cidades rivais, como Milão, os florentinos
apelaram aos cidadãos para que esses defendessem sua civilização. E foi nesse
contexto que Maquiavel escreveu sua obra máxima, O Príncipe, uma espécie de
manual que ensina ao imperador como conquistar o poder e mantê-lo, mesmo
contra todas as formas da moral cristã. E outra obra também produzida por
Maquiavel foi a peça A Mandrágora, obra a ser analisada nesse trabalho.
O Teatro no Renascimento
Na Idade Média, o teatro sofreu um declínio acentuado, pois era combatido
pela Igreja Católica que acusava o teatro de ser concorrência das festas religiosas.
No Renascimento, com a alta valorização da arte, essa história se inverteu:
As universidades que eram poucas na Idade Média, se multiplicaram.
Houve um florescimento extraordinário da arquitetura, da pintura, na
escultura e também do teatro.(MAGALHÃES JÚNIOR, 1980, p.10).
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É nessa época que surge, na Itália, A Commedia dell’Arte, assim denominada,
pois os artistas tinham o talento e a capacidade de improvisação que iam além dos
textos literários.
Além de hábeis improvisadores, os artistas da Commedia dell’Arte
eram também grandes mímicos, transmitindo a comicidade tanto por
suas palavras como por gestos e atitudes. (MAGALHÃES JÚNIOR,
1980, p. 10).
É nessa época que há a presença marcante do dramaturgo William
Shakespeare (1564 – 1616), que escreveu 35 peças, entre elas dramas históricos,
tragédias e comédias.
Nicolau Maquiavel
Em meados do século XVI, em Florença, pouco se deixava passar aos olhos
deste
pensador
italiano.
Problemas
da
constituição
republicana,
decretos
monárquicos, unificação da Itália, questões sociais e também casos amorosos
metaforizados como é descrito na peça a ser estudada.
Além de um cidadão que teorizava sobre a política florentina, Nicolau
Maquiavel é um grande admirador de sua pátria e vendo-a corromper-se, escreve
obras, voltadas para a crítica social, que apresentam personagens ambiciosos e
mercenários, como está explícito em a Mandrágora.
Assim como naquela época, tomando por base a visão de Maquiavel,
comparando com atitudes cotidianas atuais, vê-se que pouco mudou e que
independente do lugar e das pessoas, ainda há, e talvez sempre haja, pessoas
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manipuladouras
com
pensamentos
ambiciosos
e
individualistas,
ou
seja,
maquiavélicos.
Maquiavel foi exilado na queda do Regime republicano, mas não há muitos
indícios explicando o motivo do exílio. Diante do ócio, o filósofo italiano escreveu
obras literárias, filológicas, geográficas, poemas, romances em verso e em prosa,
além dos escritos políticos. Suas obras que falam sobre o Estado são somente uma
parte de suas produções, pois Maquiavel fazia questão que suas qualidades
poéticas fossem reconhecidas.
Pouco se sabe da instrução que Maquiavel recebeu, há quem diga que ele é
mesmo um autodidata. Porém a alma desse escritor ignora a compaixão para com
os homens e se dedica aos conceitos abstratos como o Estado, a pátria e o dever.
A Mandrágora num âmbito geral
A Mandrágora é
uma obra prima de sátira social e foi representada pela
primeira vez em 1520 ,na casa de Bernadino de Giordano, com atores da
Compagnia della Cazzuola. No Brasil, a Mandrágora foi representada pela primeira
vez em 1963. Foi no Teatro de Arena em São Paulo com cenários e figurinos de
Paulo José, música de Damiano Cozzela e Ari Toledo e a direção do fantástico
autor do Teatro do Oprimido, Augusto Boal. O elenco era composto por: Juca de
Oliveira (velho Nícia), Paulo José (Calímaco), Gianfrancesco Guarnieri (Ligúrio),
Fauzi Arap (Frei Timóteo) e Isabel Ribeiro (Lucrecia).
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A Obra “A Mandrágora”
A obra é composta por oito personagens: Calímaco, Siro, Messer Nícia,
Ligúrio, Sóstrata, Frei Timóteo, uma mulher e Lucrécia. Inicia-se a peça com uma
canção apresentada por ninfas e pastores indicando que Calímaco é um amante
mesquinho.
Na primeira cena, há o diálogo entre Calímaco e Siro, seu fiel servidor.
Nesse primeiro contato, Calímaco, que já se encontra em Florença, conta a Siro
como foi sua estada na França e confessa que quer uma mulher, mas não é
qualquer mulher, ele quer Lucrecia, a mulher do riquíssimo e velho Nícia. No
desenrolar da história, Calímaco descobre que Messer Nícia e Lucrecia não
conseguem ter filhos.
Ligúrio apresenta para Messer Nícia seu amigo Calímaco dizendo que
este é médico e que descobriu novas formas de fertilidade numa raiz, a
mandrágora, desta sairia uma poção infalível, e para convencer mais ainda o velho
Nícia, eles apelam dizendo que a Rainha da França adotou o mesmo processo.
Deveis capacitar-vos de que não há nada mais certo, para emprenhar
uma mulher, do que fazer-lhe beber uma poção de mandrágora. É
coisa que já experimentei mais de uma vez e sempre verifiquei que
não falha. Se assim não fosse, a rainha da França seria estéril e, como
ela, numerosas outras princesas daquele país. (MAQUIAVEL, 1976, p.
50).
Calímaco, para parecer mesmo que é um doutor, faz citações em latim
quando está diante do velho.
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[...] Nam causae sterilitatis sunt: aut in semine, aut in metrice, aut in
instrumentis seminariis, aut in virga, aut in causa extrínseca.”
(MAQUIAVEL, 1976, p. 41)
No discurso de Calímaco para com Mecer Nícia, fica bem claro que na
noite em que Lucrecia tomar a Mandrágora, o primeiro homem que fizer amor com
ela morrerá em oito dias.
É preciso, agora, atentar bem nisto: que o primeiro homem que tiver
relações com ela, depois que ela tomar a poção, morrerá dentro de
oito dias e não há nada neste mundo que possa salvá-lo. (MAQUIAVEL,
1976, p. 51)
A grande preocupação de Messer Nícia era convencer Lucrecia a tomar a
poção e se deitar com outro homem. Para isso, recorrem a Frei Timóteo e
Sóstrata, a mãe de Lucrecia.
Para persuadir Lucrecia, o Frei, corrompido pelo dinheiro, utiliza-se de
fragmentos bíblicos e sermões fervorosos. Depois, pesando no que fez, vive
intensascenas de monólogo.
Não duvideis, a clemência de Deus é grande; e, se ao homem não
faltar a vontade, nunca lhe faltará, tampouco, o tempo para se
arrepender. (MAQUIAVEL, 1976, p. 65)
Seja tudo em nome de Deus. Faça-se o que desejais e, por amor a
Deus e à caridade, não se deixe nada por fazer. Dizei qual é o
mosteiro, dai-me a poção e, se não vos desagrada, também esse
dinheiro, com que eu possa começar a praticar algum bem.
(MAQUIAVEL, 1976, p. 70)
Por fim, Calímaco, junto com seu fiel servidor, tramam uma cena em
que os homens da peça vão procurar um homem qualquer na rua de madrugada, e
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é claro, Calímaco coloca alguns disfarces e dá um jeito de ser esse homem para
que este possa deitar-se com Lucrecia.
Na peça não há nenhum sujeito estritamente bom a não ser Lucrecia cuja
índole boa é passiva.
Sempre receei que a vontade de ter filhos, que anima messer Nícia,
nos fizesse cometer algum erro; por isso, toda vez que ele me falou
nalguma coisa, fiquei temerosa e em grande apreensão, mormente
depois que me aconteceu aquilo que sabeis, por ter ido à missa na
igreja dos Servitas. Mas, de tudo o que até aqui já se tentou, isto de
submeter meu corpo a vitupério e ser causa de que um homem morra
para ultrajar-me, parece-me o mais estranho. Pois não creio que, se
ficasse sozinha no mundo e de mim dependesse o renascer da espécie
humana, eu me acomodaria a tomar tal partido. (MAQUIAVEL, 1976, p.
80).
Na peça, é o velho Nícia que coloca o homem no quarto de sua mulher, para
que o ato seja consumado, e ele tem o sentimento de quem está dominando a
situação, quando na verdade está sendo enganado sem perceber. A comicidade
imediata nasce na figura dele, messer Nícia, que deseja ser astucioso num mundo
de astuciosos maiores.
Mandei que se despisse e ele não se dava por achado; voltei-me,
então, para ele, furioso como um cão, de tal maneira que lhe pareceu
mil anos o tempo de tirar a roupa e ficar nu. De rosto, era feio. Tinha
um narigão e a boca torta; mas nunca vi carnes tão lindas!
Branquinho, macio, polpudo! E não me perguntes pelo resto.
(MAQUIAVEL, 1976, p. 129).
Por fim, pode-se dizer que a peça tenta representar um mundo cínico e
impiedoso, onde a vitória nem sempre cabe aos bons, mas geralmente aos mais
espertos.
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O modo Maquiavélico de ver o adultério e as relações sociais
Na comédia, o adultério é visto como algo comum, normal, menos pecaminoso
e insensato que as ações interesseiras. É uma conseqüência das ações dos
personagens. Se não houvesse subornos e mentiras, Lucrecia provavelmente não
teria traído seu marido e se entregado a Calímaco, ela se manteria fiel ao Messer
Nícia.
Maquiavel utilizou essa obra para descrever as relações entre os homens, não
tendo a peça uma função didática-moralizante. O dramaturgo obviamente
reconhece uma moral utilitária, e o que ele passa na peça é que o bom e o justo
não cabem somente corrigir o mal, mas acima de tudo tentar defender-se dele.
Nota-se que as relações sociais da época em que foi escrita a obra A
Mandrágora, não são absurdamente diferentes das que se encontram no século
XXI. Ainda há e provavelmente sempre haverá adultérios, pessoas querendo
passar por cimas de outras em benefício próprio, chantagens, subornos e afins.
Acima de tudo, nota-se que o filósofo italiano Maquiavel, não estava somente
preocupado com as relações políticas do Estado naquela época, ele também se
preocupou em relatar, mesmo que em peça de teatro, as relações sociais e
humanitárias entre homens da época que por sinal se perpetua até os dias atuais.
Referências
MAQUIAVEL, Nicolau. Mandrágora. São Paulo: Abril Cultural, 1976.
JUNIOR, Raimundo Magalhães. Teatro/I – Biblioteca Educação é Cultura
– Rio de Janeiro: Bloch: FENAME, 1980.
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BRITO, Luciana. O homem no teatro de Maquiavel . In Semana de História
da UNESP. 2005. Assis. Anais. Faculdade Júlio de Mesquita Filho: UNESPAssis, 2005, p. 10.
BERTHOLD, Margot.
Perspectiva, 2006.
História
mundial
do
teatro.
São
Paulo:
PEIXOTO, Fernando. História do teatro europeu. São Paulo: Edições
Silabo, 2006.
MAGALDI, Sábato. Iniciação ao Teatro. São Paulo: Ática, 1985.
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Aline Ignácio Calahani