As igrejas dizem “NÃO” à Violência I contraa Mulher F e d e r a ç ã o L u teran a M undial D e p a rta m e n to d e M issão e D e s e n v o lv im e n to M u lher na Igreja e na S o c ie d a d e Plano de ação para as igrejas Autora Priscilla Singh Coordenação editorial James Bond-Nash Secretaria para o Serviço de Comunicação Tradução e revisão Paul Tomquist Brunilde Arend Tomquis Criação Stéphane Gallay Secretaria para o Serviço de Comunicação Capa, fotografia e arte Bárbara Robra Secretaria para o Serviço de Comunicação Diagramação Marie Amaud Snakkers Publicação da © Federação Luterana Mundial, 2002 150 Route de Femey P. O. Box 2100 CH-1211 Genebra 2 Suíça ISBN 3-906706-92-3 Publicado no Brasil por Editora Sinodal Caixa Postal 11 93001-970 São Leopoldo (RS) Fone/Fax: (51) 590.2366 E-mail: [email protected] Site: www.editorasinodal.com.br Janeiro de 2005 Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil Rua Senhor dos Passos, 202 - 4o andar Caixa Postal 2876 Fone: (51)3221-3433 Site: www.ieclb.org.br Ín d ic e PREFÁCIO....................................................................................................................................... 7 INTRODUÇÃO............................................................................. 9 1. CHAMAR O PECADO PELO NOME.....................................................................................13 2. ANÁLISE DAS DIFERENTES FORMAS DE VIOLÊNCIA PESSOAL............................. 17 3. TRANSFORMAÇÃO DA IGREJA E DA SOCIEDADE....................................................... 25 3.1 VIOLÊNCIA ESTRU TU RA L.................................................................................................... 26 3.2 VIOLÊNCIA CU LTU R A L............................................................................................ 30 3.3 EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E DA M ODERNIZAÇÃO.................. 34 3.4 PREMISSAS E PRÁTICAS DA IG R EJA ..................................................................................39 CONCLUSÃO................................................................................................................................. 49 ANEXOS......................................................................................................................................... 51 I. Ajuda às v ítim as.................................................................................................................................. 52 II. Ajuda às pessoas que assistem as vítimas da v iolência................................................................53 III. Redes de solidariedade m asculina................................................. 56 IV. Acompanhamento esp iritu al............................................................................................................58 V. Resoluções do Conselho da F L M .................................................................................................. 60 NOTAS............................................................................................................................................. 64 APÊNDICE 66 PREFÁCIO O documento “As Igrejas Dizem ‘NÃO’ à Violência contra a M ulher” é resultado do trabalho conjunto das igrejas-membro da Federação Luterana Mundial (FLM) entre os anos 1990-2001. Teve início como resposta à “Década Ecumênica: As Igrejas em Solidariedade com as M ulheres - 1988-1998” e foi preparado pela Secretaria da M ulher na Igreja e na Sociedade do D epartam ento de M issão e Desenvolvimento da FLM. Diversos grupos de mulheres e homens foram convidados a continuar a reflexão sobre a questão da violência, a propor planos de ação para reduzi-la e a contribuir para o enriquecimento do texto. Em resposta, algumas igrejas inform aram que já haviam abordado o tema. Algumas delegaram a responsabilidade de reação a grupos de mulheres ou estabeleceram grupos para avaliar se o texto falava de seus contextos específicos. Outras fizeram correções, aumentaram o texto e acrescentaram colocações para que o texto pudesse ser utilizado de forma universal. Algumas igrejas traduziram o anteprojeto para seus próprios idiomas para que tivesse maior divulgação. Em reuniões regionais e nacionais, líderes das igrejas afirmaram o docurhento, reconhecendo q existência da violência e a necessidade de maior discussão do tema. Outras igrejas planejaram projetos educativos e a organização de centros de atendimento às vítimas. A FLM considera todas essas respostas necessáriás e bem-vindas ao acompanhar as igrejas na identificação das diversas manifestações da violência, tanto as formas abertas como aquelas encobertas. O documento propõe maneiras como mulheres, homens e as comunidades de fé podem juntos superar o pecado da violência contra a mulher, violência esta que atinge indivíduos, comunidades e a própria imagem da igreja. Para curar precisamos primeiro nos curar. Propositalmente conciso, este documento de trabalho convida indivíduos e comunidades a usarem-no como ponto inicial de discussão. A FLM coloca o texto à disposição como uma contribuição para a “Década para Superar a Violência: As Igrejas Procurando a Reconciliação e a Paz - 2001-2010”, assim como para a campanha das Nações Unidas “Década Internacional para uma Cultura de Paz e NãoViolência para as Crianças do Mundo - 2001-2010”. Sempre que pessoas vitimizadas sofrem, Deus também sofre. Trabalhemos juntos para superar todas as formas de violência, ofensas contra Deus e a humanidade. Ishmael Noko Secretário Geral Federação Luterana M undial Genebra, dezembro de 2001 1 AGRADECIMENTOS Agradecemos ao grande número de pessoas corajosas, homens e mulheres, que continua a lutar pela erradicação da violência contra a mulher e a criança. Toda iniciativa tomada para criar impacto por meio de Cristo em qualquer área da vida da igreja que afirma a mulher é digna de louvor. Agradecemos às muitas igrejas, grupos de mulheres e outros grupos que aceitaram nosso convite para contribuir para o enriquecimento desta publicação, em especial à Igreja Evangélica Luterana da América (ELCA) e à Igreja Evangélica da Alemanha. Também queremos agradecer àqueles que pretendem utilizar o documento como ponto inicial de discussão e aos que o traduzirem, tomando seu conteúdo acessível a um maior número de pessoas. Queremos expressar de maneira especial nossa compaixão por todas as mulheres, e seus filhos, em seus esforços para superar a opressão. Desejamos que possam beneficiar-se, direta ou indiretamente, deste documento. % Somos gratos pelas contribuições de todos os pesquisadores e ativistas cujos escritos forneceram tafnanha riqueza de informação sobre a violência, especialmente Pamela Cooper-White, Elizabeth A. Johnson e Hisako Kinukawa. Também somos gratos aos membros do Comitê Especial nomeado pelo Conselho da FLM, o qual aprovou o documento para publicação, assim como à equipe do Departamento de M issão e Desenvolvimento da FLM. In tr o d u ç ã o A violência contra a mulher não é um assunto novo, nem de fácil abordagem. A conscientização mundial ajudou-nos a dar nome às muitas dimensões maléficas da violência contra a mulher e às maneiras como essas dimensões afetam a qualidade de vida de todos. A Federação Luterana Mundial (FLM), em várias reuniões recentes de seu Conselho, levantou a questão para que suas igrejas-membro tomem medidas a respeito (Apêndice V). Algumas igrejas tomaram a dianteira de forma admirável em termos de processos de educação e de formulação de políticas. A Plataforma de Ação e a Declaração de Beijing, promulgadas em 1995, por ocasião da IV Conferência Mundial da Mulher, das Nações Unidas, identificaram a violência contra a mulher como uma prioridade da comunidade internacional, uma preocupação que clama por uma resposta urgente. todos os líderes das igrejas, lideranças entre as mulheres, seminários e organizações ecumênicas com o propósito de • encorajar as igrejas em suas realidades específicas a abrirem caminhos para revelar como a violência contra a mulher permeia nossa vida diária, não somente de maneira aberta, mas freqüentemente de forma velada, insidiosa, talvez nem reconhecida ou vista como violência; • usar este documento como ponto inicial de discussão _nas comunidades, em grupos de interesse específico e em* Seminários e instituições educacionais das igrejas; • analisar, reconhecer e compreender as manifestações locais da violência; • descobrir recursos dentro de si mesmo, dentro da igreja, das comunidades e das redes de apoio para encontrar formas de reduzir a violência e possibilidades de oferecer auxílio às pessoas afetadas pela violência; • registrar e compartilhar com a comunidade as ações afirmativas tomadas nesse processo que possam servir de diretrizes para outras pessoas que procuram semelhantes medidas; • servir de roteiro abrangente para as paróquias, de modo que possam tomar-se comunidades de homens e mulheres transform ados e transformadores; • apresentar este documento como uma contribuição da FLM para a “Década para Superar a Violência: As Igrejas Buscando a Reconciliação e a Paz - 2001-2010” , convocada pelo Conselho Mundial das Igrejas, assim como para a “Década Internacional para uma Cultura de Paz e Não-violência para as Crianças do Mundo - 2001-2010”. A “Década Ecumênica: as Igrejas em Solidariedade com a Mulher - 1988-1998” enfatizou de forma inequívoca: a eliminação da violência em todas as suas formas (sexual, religiosa, psicológica, estrutural, física, espiritual, militar) e da cultura da violência, especialmente na maneira em que elas afetam a vida e a dignidade da mulher. Declaramos nossa firme intenção de confrontar toda tentativa de contemporizar, acobertar ou justificar a violência. Declaramos que [...] a presença da violência na igreja é uma ofensa contra Deus, contra a humanidade e contra a terra.1 Como resposta a este desafio às igrejas, o Conselho da FLM, em sua reunião de 1999, tomou a decisão de: • encorajar todas as igrejas-m em bro a enfrentarem a dolorosa questão da violência contra a mulher em todas as manifestações específicas ao seu respectivo contexto, e • solicitar à Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade que sugira maneiras de acompanhar as igrejas em seus esforços para abordar a questão.2 Costuma afirmar-se que a violência contra a mulher é uma questão familiar particular e que por isso deveria ser abordada neste nível. O debate mundial esclareceu Um esboço de documento foi preparado pela Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade e encaminhado a 9 In t r o d u ç ã o específicos; as interpretações bíblicas devem ir além, transcendendo essas realidades de modo a alcançar a mensagem essencial do evangelho, que assegura vida para todos. Esta tarefa é muito difícil e poderia ser mal interpretada como perturbação da fé. Se a igreja quer transcender o círculo vicioso da violência e preparar uma comunidade transformada e transformadora de homens e mulheres, ela precisa correr esse risco. que a violência não é mais uma questão particular de indivíduos, mas uma questão global que afeta grande número de mulheres em todo o mundo - sejam elas do norte, sul, leste ou oeste, ricas ou pobres, de alto nível educacional ou analfabetas, quer ocupem altos cargos ou trabalhem como diaristas, pertençam à fina sociedade ou vivam em pobres casebres. A violência atravessa todas as barreiras e paira sobre as mulheres de todas as idades, fazendo com que clamem por fortes medidas afirmativas. Seu clamor não deve mais ser silenciado ou mantido dentro das quatro paredes do lar em nome da honra e do orgulho da família, da segurança e da estabilidade das crianças e assim por diante, pois a violência contra a mulher é um pecado. Não há dúvida de que a violência contra a mulher é uma triste realidade à qual muitas mulheres são expostas diariamente. Devemos reconhecer que há reações profundamente sensibilizadas com a violência contra a mulher entre alguns homens, pois o assunto suscita neles sentimentos de vergonha, raiva, frustração e culpa,'pôr sentirem-se acusados coletivamente. Outros negam a própria existência da violência em suas vidas ou afirmam não ter nada a ver com ela. Em alguns poucos casos, podem até mesmo defendê-la como seu direito de pai, marido, irmão. Finalmente, há casos de homens vítimas de violência por parte de mulheres. Outros afirmam que essa questão é “coisa de mulher” e deveria, portanto, ser resolvida por elas mesmas. E, sem dúvida, algumas mulheres estão fazendo justamente isto: lutando por justiça através da conscientização, exigindo mudanças nas estruturas e nas políticas públicas, prestando auxílio às vítimas, acompanhandoas enquanto passam de vítimas a sobreviventes. No entanto, isso não impede a perpetuação da violência. Muitas Organizações Não-govemamentais (ONGs) e instâncias das Nações Unidas insistem que a violência contra a mulher é uma questão de direitos humanos e deve ser tratada como tal. Esta conceitualização traz consigo a promessa de maior ajuda às vítimas mediante regulamentos e leis que imputem responsabilidade aos governos. Mas se trata de um processo lento, pois as leis são pouco mais do que boas intenções, no melhor dos casos, e estão sujeitas à interpretação das autoridades, como o judiciário, a polícia. Estas autoridades, por sua vez, precisam primeiro ser sensibilizadas antes que cumpram efetivamente a lei. As mulheres não podem responsabilizar única e exclusivamente os homens pela violência. Elas foram obrigadas a esconder ou negar a violência em suas vidas por uma questão de vergonha ou humilhação. Algumas adotaram uma atitude fatalista e aprenderam a tratar a questão como um fato inevitável da vida por medo de mais violência e pela impossibilidade de sair de casa. Às vezes, as mulheres usam a violência contra outras mulheres e homens. Costumamos dizer: “As mulheres são suas piores inimigas”. Todos fazemos parte de um sistema que nos molda e nos condiciona e exige certos papéis e comportamentos que são prescritos como normas pela religião, cultura, tradição e patriarcado. Se quisermos acabar com a violência contra a mulher, homens e mulheres terão que trabalhar em conjunto com essa finalidade. Eles precisam perguntar-se: “O que isso significa para mim e como devo pensar, comportar-me e reagir para que a violência seja reduzida?”. “Assim como o movimento das mulheres clama por um novo papel para a mulher - como protagonista dotada de poder e não como vítima -, novos modelos de masculinidade estão se tomando necessários, papéis que não incluam ou dependam da dominação sobre a mulher.”4Da mesma forma, é preciso explorar novas posturas para as mulheres, para que elas não mais sofram em silêncio, mas que ergam a voz contra a opressão. Uma análise A religião, muitas vezes, é usada para oprimir a mulher. Uma das tarefas das pessoas de fé é afirmar o potencial libertador da religião nos termos da Plataforma de Ação e a Declaração de Beijing: “A religião, o pensamento, a consciência e a fé podem contribuir para a satisfação das necessidades espirituais, éticas, morais de homens e mulheres, para que alcancem todo o seu potencial na sociedade”3. Temos que vivenciar essa afirmação e tomar medidas para corrigir as teologias, políticas e práticas que impliquem o contrário. Uma maneira de começar é deixar claro aos leitores da Bíblia que as Escrituras refletem e são produto de contextos, culturas e épocas 10 In t r o d u ç ã o sistemática de gênero nos ajudaria a compreender como as atitudes, os papéis e comportamentos de homens e mulheres são condicionados pela religião, cultura e patriarcado, e como podem ser modificados. Como comunidade chamada a libertar todos aqueles que são oprimidos, é imperativo que a igreja se envolva na libertação de homens e mulheres de uma cultura de violência para a plenitude da vida e da comunhão. Para desempenhar um papel profético, a igreja deve perturbar quem está em posição confortável e confortar quem está perturbado. Ao invés de se olharem com desconfiança, hostilidade, temor, dúvida e insegurança recíprocos, ao discutir essa questão uns com os outros, homens e mulheres poderiam forjar uma aliança e verdadeira parceria para erradicar esse pecado. Isso requer enorme determinação, disciplina e iniciativas conjuntas de conscientização, orientação de valores, oferta de atendimento e de alternativas às vítimas. A igreja não pode mais lidar com questões relacionadas com mulheres como um assunto distante, “lá fora”, ou como um assunto sem relevância para a igreja. Como comunidade de fé, nós, a igreja, precisamos unir-nosaos esforços seculares para analisar o que motiva um homem a ser violento, por que as mulheres são incapazes de abandonar o ciclo da violência e de que maneira a igreja, como instrumento de Deus, poderia pôr fim à perpetuação da violência. Enquanto comunidade influente, a igreja precisa equipar tanto homens como mulheres para que valorizem não apenas a si mesmos, mas a imagem de Deus uns nos outros. O movimento feminista demonstrou que “as mulheres não foram eficientes em atrair a solidariedade masculina para sua causa, ao passo que os reacionários o foram”5, o que fez surgir algumas represálias contra mulheres, agravando o problema ainda mais. A necessidade de reunir homens e mulheres para juntos trabalharem na construção de comunidades de “shalom”, curadas e curadoras, faz da violência contra a mulher não apenas uma questão de vida, mas de fé. Como comunidade de fé, a igreja inicia a tarefa com a afirmação da imagem de Deus nas mulheres e nos homens, e na responsabilidade e privilégio que têm em conjunto como mordomos de toda a criação. A igreja vê em Jesus e sua solidariedade com as mulheres um modelo a ser seguido por todos. Ela vê o derramamento do Espírito Santo sobre mulheres, homens e crianças como sinal do dom de Deus da reciprocidade e igualdade. Este dom é recebido pela fé no Batismo e por seu intermédio. Nossa justificação pela fé proclama que nenhuma pessoa deve ser excluída ou diminuída por causa do patriarcado e da hierarquia. Portanto, a igreja considera a violência contra a mulher um pecado contra a vida, o qual deve ser nomeado e condenado, pois desconsidera a imagem de Deus na pessoa afetada, seja ela mulher, homem, menina ou menino. A igreja, instrumento de Deus para compartilhar esperança e oferecer cuidado, precisa apresentar esperanças e alternativas para uma nova vida às vítimas, assim como dar oportunidade para o arrependimento dos agressores, para que possam corrigir seus atos e mudar seu caminho. A igreja também deve assegurar que futuras gerações sejam criadas como verdadeira comunhão, não somente de ouvintes, mas de praticantes do evangelho. E muito provável que a comunidade luterana mundial irá desempenhar um papel dinâmico e de vanguarda na abordagem dessa questão. Ao mesmo tempo, a igreja deve abrir-se para uma análise de suas estruturas, políticas, teologias e práticas, para que o compromisso de tornar-se uma comunidade testemunhadora transformada e verdadeiramente transformadora possa ser plenamente realizado. A violência não atinge apenas a integridade psicológica, emocional ou física da vítima, mas também a humanidade daquele que perpetua a violência. [A igreja acredita que] cada ato de violência contra a mulher dentro da igreja fere o corpo de Cristo, um impedimento fundam ental para que esse seja uma comunidade de mulheres e homens.6 O PROBLEMA EM RÁPIDOS TRAÇOS A violência afeta mulheres em todo o mundo, de muitas formas diferentes e ao longo de todas as suas vidas. Mesmo um breve resumo de várias partes do mundo apresenta uma imagem alarmante e deprimente. 11 In t r o d u ç ã o Na infância, as meninas podem ser obrigadas a contrair matrimônio, submetidas a abuso sexual e mutilação genital. Durante sua infância, adolescência e vida adulta, as mulheres podem ter negado o acesso à educação, aos cuidados com a saúde e mesmo à alimentação; podem sofrer restrições de movimentação e na escolha de formações, empregos e parceiros. Durante toda a sua vida, as mulheres podem ser submetidas à gravidez forçada, sofrer abuso emocional, físico ou sexual por parte de familiares, companheiros, maridos ou pessoas alheias à sua fam ília, ou ainda ser vítimas de constrangimento sexual, tráfico sexual ou estupro. arbitrária da liberdade, quer seja no âmbito da vida pública ou privada.8 A violência contra a mulher não é um processo linear que piora gradativamente; tampouco trata-se de um ciclo que vem e vai, e volta novamente para assom brar a vítima. Assemelha-se mais a um ciclone, aumentando de velocidade conforme concentra seu poder de destruição até tragar para o interior de seu vórtex e arremessar para longe a pessoa e aqueles a sua volta, deixando-as machucadas, desorientadas, necessitadas e, às vezes, irremediavelmente perdidas para a vida. Não é sequer um ciclo único, que possa ser estudado; compreendido, o qual uma pessoa pode se preparar a enfrentar, mas consiste de vários ciclos, vindos de vários lados, os quais envolvem sistemas e estruturas que governam nossas vidas.9 A violência doméstica, isto é, a violência que ocorre dentro dos lares, é a forma mais disseminada de violência contra a mulher. Estudos em 35 países sugerem que entre 25% e 50%, ou até mais, das mulheres já sofreram algum abuso físico por seu companheiro atual ou anterior. Ela é a principal causa de lesões em mulheres, ocorrendo, às vezes, quase diariamente e levando, em alguns casos, à morte. Este documento procura nomear e expor as formas abertas e dissimuladas de violência contra a mulher. Ele informa acerca do acompanhamento necessário pelas vítimas para que possam passar da posição de vitimização, para a sobrevivência e a humanidade plena. Além disso, o documento oferece algumas medidas positivas que podem ser tomadas para reduzir a violência. Não se trata de um receituário, mas de convites abertos para explorar o processo de dar nome ao pecado, afirmar a plenitude da vida para as vítimas da violência e de abrir oportunidades para educação. Os anexos fornecem recursos e informações adicionais para aquelas que estão sofrendo e para aquelas pessoas que as queiram ajudar. Adolescentes e mulheres jovens são proporcionalmente mais vitimadas pela violência. 40 a 58% dos abusos sexuais são cometidos contra meninas de 15 anos ou menos, geralmente por membros da família ou por alguém que a vítima conhece. A violência pode trazer inúmeras conseqüências negativas não somente para o bem estar psicológico, mas também para a saúde sexual e reprodutiva da mulher, tais como uma gravidez indesejada, aborto espontâneo, doenças inflamatórias da pélvis, dor pélvica crônica, doença sexualmente transmitida, HIV/AIDS e infertilidade. O temor diante da violência doméstica muita vezes impede a mulher de fazer uso de contraceptivos ou de pedir a seus parceiros que os utilizem.7 Comecemos o processo com a pergunta: “Existe violência dentro da igreja?” C o m o d e f in ir MULHER? a v io l ê n c ia c o n t r a a |p^tL 9>l O termo violência contra a mulher significa Qualquer ato de violência de gênero que resulta ou possa resultar em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, incluindo também ameaças de tais atos, coação ou privação Priscilla Singh Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade Departamento de Missão e Desenvolvimento Federação Luterana Mundial 12 13 C a p ít u l o i - Chamar O pecado é um estado de servidão que subjuga e distorce a vida humana. É um afastamento de Deus, que leva a ações pecaminosas de controle, abuso e violência contra outras pessoas. Tais atos são geralmente justificados pelo pressuposto segundo o qual alguns foram feitos para dominar sobre os outros. Por exemplo, Gênesis 3.16b: “ [...] você terá desejo de estar com o seu marido, e ele a dominará”, é freqüentemente utilizado para justificar o controle do homem sobre a mulher. Mas essa passagem descreve o resultado do pecado entrando no mundo e é uma descrição de uma humanidade caída, e não uma prescrição das intenções de Deus. E uma queda no pecado da qual Jesus Cristo já nos salvou. A persistência no pecado é devido à nossa relutância em aceitar a justificação pela graça de Deus mediante a fé, recebida por meio de Cristo. O ato de reconciliação de Deus não apenas nos liberta como pessoas do jugo do pecado, como também nos ajuda a ser um em Cristo (Gálatas 3.28). A igreja precisa esclarecer os dois relatos divergentes da criação, pois as interpretações populares de passagens isoladas, como Gênesis 3.16, têm sido utilizadas para subjugar a mulher. Efésios 5.22-24, 1 Coríntios 11.216, 1 Timóteo 2.9-15, Colossenses 3.18 são utilizadas da mesma forma. Por esse motivo, a igreja deve começar com a confissão que a violência contra a mulher não é um pecado “lá fora” no mundo, mas que os próprios membros da igreja cometeram, por vezes, tais atos pecaminosos, e que pecamos tanto em nossas ações como em nossas omissões. Como comunidade curadora, a igreja empreendeu muitas tentativas para enfrentar a questão da violência contra a mulher, por mais esporádicas, insignificantes ou inadequadas que possam ter parecido tais tentativas. Algumas comunidades dispõem de casas de acolhimento por curtos períodos para vítimas de violência, oferecem o peca d o pelo n o m e aconselhamento pastoral ou pelo menos lidam com a questão em particular como um problema familiar. Praticamente todas essas atividades curadoras e afirmativas são iniciadas por mulheres e, geralmente, organizadas como voluntariado. São sinais de esperança para todas as mulheres que, por muito tempo, ficaram caladas pelo temor. O que ainda não foi suficientemente divulgado dos púlpitos e das instâncias educacionais da igreja é uma denúncia aberta da violência contra a mulher e uma confissão da igreja de sua incapacidade de limitar a violência, quer devido ao pouco caso que dela fez, quer por algumas de suas práticas. Por demasiadas vezes, a igreja lidou com a violência contra^V m ulher “minimizando a questão, trivializando-a, ocultando-a ou considerando-na algo externo”.10De modo que a igreja precisa analisar se “ela pode ter pregado o evangelho, por séculos, de maneira a contribuir para a propensão masculina à violência, à impotência de mulheres e meninas e à tolerância da sociedade para com a violência dentro do seio da família.”11 A igreja poderia começar explicando a pluralidade de contextos nas Escrituras e a necessidade de transcendermos essas lim itações e elevarmos a centralidade da mensagem do evangelho em todas as situações, de modo que haja cura e liberdade em Cristo, não apenas para indivíduos, mas também para famílias e comunidades. Acima de tudo, é preciso confessar que a violência existe também dentro da igreja devido a algumas práticas e políticas que impedem o acesso de mulheres a posições de liderança. Também existe a realidade do abuso do clero, da má conduta sexual, do controle exercido sobre as obreiras e da omissão em lidar com estas questões de forma sensível e justa. C a p ít u l o M e d id a s i - Chamar o peca d o pelo n o m e p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Manifestar em declarações públicas que todas as formas de violência são um pecado, pois desrespeitam a imagem de Deus, tanto no agressor como em sua vítima, e que isto nunca pode ser tolerado ou justificado. • Informar as comunidades sobre a realidade das várias formas de violência contra a mulher existentes nos contextos específicos de sua igreja e sociedade. • Desenvolver práticas e políticas para responsabilizar os agressores perante a igreja e a sociedade. • Estabelecer uma data anual com foco específico na questão, por exemplo, um “Domingo de Solidariedade com a Mulher”. • Indicar dentro da igreja um responsável por enfocar, monitorar e corrigir a violência contra a mulher, por exemplo, criar um órgão de tempo integral, dotado dos fundos necessários. • Estabelecer grupos de vigilância nas comunidades para investigar relatos de violência. • Incluir a questão da violência contra a mulher em sermões, instrução catequética e currículos teológicos. • Discutir a questão nas instituições de ensino da igreja. • Tomar as igrejas locais seguros onde as vítimas da violência podem encontrar refúgio, apoio e cura. • Oferecer oportunidades de amparo para a vítima e para o autor da violência. • Trabalhar em conjunto com instâncias governamentais locais. R ecu rso s a d ic io n a is A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E AIMPUNI DADE: uma questão política. União de mulheres de São Paulo. Rua Coração da Europa, 1395 - Bela Vista, São Paulo Ivone GEBARA. A mobilidade na Senzala Feminina. São Paulo : Paulinas, 2000. VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. Conver sando a gente se entende. Cartilhas - católicas pelo direito de decidir. São Paulo, 2002. 15 C a p ít u l o i - Chamar A n otações 16 o peca d o pelo n o m e A n á l is e d a s d if e r e n t e s f o r m a s DE VIOLÊNCIA PESSOAL 17 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s fo rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l Antes de vir ao auxílio de mulheres vitimadas pela violência, é importante compreender suas diversas dimensões. A violência pessoal costuma ser tratada como questão particular. A realidade, no entanto, prova que ela deve ser abordada de outra forma. Além de afetar a mulher física e psicologicamente, a violência também afeta sua espiritualidade. Quando a mulher que sofreu abuso procura alternativas, aconselham ento ou solidariedade junto a lideranças e instituições religiosas, um atendimento inadequado e ineficaz faz com que ela se sinta desamparada, traída e revoltada. Pergunta-se: “Onde está Deus em minha dor, e para que serve a igreja?”. O abuso sexual é caracterizado mesmo quando não há contato físico, como no caso de telefonemas obscenos, olhares sugestivos, cantadas e comentários grosseiros, exposição forçada da mulher a material pornográfico, fazer da mulher objeto de pornografia, expor-lhe os genitais ou perseguir uma mulher. 3. Abuso emocional ou psicológico Os seres humanos necessitam de relacionamentos para sua identidade, para sentir-se parte de um grupo e para dar-lhes uma vida gratificante. A necessidade de tais relacionamentos, de mutualidade e de responsabilidade com partilhada levam as pessoas a procurarem , sustentarem e investirem em relacionamentos .-No entanto, se a mulher é transformada em objeto e manipulada para uma situação de dependência e falta de poder, então essa necessidade foi explorada e abusada. Tal abuso pode tomar as seguintes formas: A violência pessoal afeta tanto a vítima como as pessoas ao seu redor. A mulher, muitas vezes, desempenha a tripla função de sustentar, administrar e alimentar o lar. Para atender as expectativas ligadas a esses papéis, a mulher precisa trabalhar por mais horas, privando-se de quantidades adequadas de alimentação, sono ou cuidados com sua saúde, até ficar completamente exausta. Se, além disso, esta mulher ainda é “saco de pancada” de seu marido, podemos imaginar como é sua vida. As formas mais óbvias de violência pessoal são o abuso físico e sexual. Mas o abuso emocional ou psicológico podem, muitas vezes, ser tão ou mais prejudiciais, com seqüelas mais duradouras. T ip o s Exclusão: fingir que a mulher não existe - o que geralmente se expressa por meio da linguagem corporal (por exemplo, em reuniões, as sugestões e propostas vindas de mulheres são ignoradas). Rejeição: expressar o desejo de que a mulher não existisse, por exemplo: “Eu queria que você não fosse minha esposa.” d e v io l ê n c ia Isolamento: impedir que as vítimas da violência recebam apoio de outras pessoas ou tenham contato com elas. Em alguns casamentos, jovens mulheres são afastadas do apoio de suas próprias famílias e levadas a viver com sogros e sogras que não lhes dão suporte, negam-lhes contato com suas famílias, mantém-nas trancadas ou restritas a áreas limitadas. 1. Abuso físico Qualquer agressão que deixe marcas de contusão no corpo, golpes com a mão ou com outros objetos, marcas de cigarro, chutes, esterilização e aborto forçados, mutilação genital feminina, danos a propriedade. 2. Abuso sexual Crítica: censurar constantemente, constranger, chamar nomes, ridicularizar, culpar a mulher por tudo, humilhar a mulher na frente de outros ou a sós. Toda ação que use uma pessoa para satisfação sexual de outra, com ou sem seu livre consentimento, caracteriza abuso sexual. Pode tratar-se de uma pessoa sob a supervisão de alguém. Pode ocorrer por contato físico, tal como estupro, incesto, atentado ao pudor, constrangimento de colegas ou subordinadas mediante toques lascivos, beijos, carícias, penetração vaginal, anal ou oral, ou qualquer atividade que degrada mulheres e crianças a estimular sexualmente o autor da violência. Ameaças: ameaçar machucar ou abandonar a mulher, ou ferir alguém que ela ama: crianças, outros membros de sua família, até mesmo animais de estimação. Corrupção: usar a mulher para fazer algo ilícito prostituição, tráfico de drogas. 18 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s fo rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l Antes de vir ao auxílio de mulheres vitimadas pela violência, é importante compreender suas diversas dimensões. A violência pessoal costuma ser tratada como questão particular. A realidade, no entanto, prova que ela deve ser abordada de outra forma. Além de afetar a mulher física e psicologicamente, a violência também afeta sua espiritualidade. Quando a mulher que sofreu abuso procura alternativas, aconselham ento ou solidariedade junto a lideranças e instituições religiosas, um atendimento inadequado e ineficaz faz com que ela se sinta desamparada, traída e revoltada. Pergunta-se: “Onde está Deus em minha dor, e para que serve a igreja?”. O abuso sexual é caracterizado mesmo quando não há contato físico, como no caso de telefonemas obscenos, olhares sugestivos, cantadas e comentários grosseiros, exposição forçada da mulher a material pornográfico, fazer da mulher objeto de pornografia, expor-lhe os genitais ou perseguir uma mulher. 3. Abuso emocional ou psicológico Os seres humanos necessitam de relacionamentos para sua identidade, para sentir-se parte de um grupo e para dar-lhes uma vida gratificante. A necessidade de tais relacionamentos, de mutualidade e de responsabilidade com partilhada levam as pessoas a procurarem , sustentarem e investirem em relacionamentos .-No entanto, se a mulher é transformada em objeto e manipulada para uma situação de dependência e falta de poder, então essa necessidade foi explorada e abusada. Tal abuso pode tomar as seguintes formas: A violência pessoal afeta tanto a vítima como as pessoas ao seu redor. A mulher, muitas vezes, desempenha a tripla função de sustentar, administrar e alimentar o lar. Para atender as expectativas ligadas a esses papéis, a mulher precisa trabalhar por mais horas, privando-se de quantidades adequadas de alimentação, sono ou cuidados com sua saúde, até ficar completamente exausta. Se, além disso, esta mulher ainda é “saco de pancada” de seu marido, podemos imaginar como é sua vida. As formas mais óbvias de violência pessoal são o abuso físico e sexual. Mas o abuso emocional ou psicológico podem, muitas vezes, ser tão ou mais prejudiciais, com seqüelas mais duradouras. Exclusão: fingir que a mulher não existe - o que geralmente se expressa por meio da linguagem corporal (por exemplo, em reuniões, as sugestões e propostas vindas de mulheres são ignoradas). Rejeição: expressar o desejo de que a mulher não existisse, por exemplo: “Eu queria que você não fosse minha esposa.” TlPOS DE VIOLÊNCIA Isolamento: impedir que as vítimas da violência recebam apoio de outras pessoas ou tenham contato com elas. Em alguns casamentos, jovens mulheres são afastadas do apoio de suas próprias famílias e levadas a viver com sogros e sogras que não lhes dão suporte, negam-lhes contato com suas famílias, mantém-nas trancadas ou restritas a áreas limitadas. 1. Abuso físico Qualquer agressão que deixe marcas de contusão no corpo, golpes com a mão ou com outros objetos, marcas de cigarro, chutes, esterilização e aborto forçados, mutilação genital feminina, danos a propriedade. 2. Abuso sexual Crítica: censurar constantemente, constranger, chamar nomes, ridicularizar, culpar a mulher por tudo, humilhar a mulher na frente de outros ou a sós. Toda ação que use uma pessoa para satisfação sexual de outra, com ou sem seu livre consentimento, caracteriza abuso sexual. Pode tratar-se de uma pessoa sob a supervisão de alguém. Pode ocorrer por contato físico, tal como estupro, incesto, atentado ao pudor, constrangimento de colegas ou subordinadas mediante toques lascivos, beijos, carícias, penetração vaginal, anal ou oral, ou qualquer atividade que degrada mulheres e crianças a estimular sexualmente o autor da violência. Ameaças: ameaçar machucar ou abandonar a mulher, ou ferir alguém que ela ama: crianças, outros membros de sua família, até mesmo animais de estimação. Corrupção: usar a mulher para fazer algo ilícito prostituição, tráfico de drogas. 18 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s fo rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l ' á OLÊNCXá “ C írc u lo d o C o n tr o le e d o P o d e r ” — r e p r o d u z id o com perm issã o d o P rojeto de In tervenção na Violência D om éstica Duluth, M innesota, E U A 12" 19 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s fo rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l Ciclo da Violência 12b Reproduzido com permissão 20 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s f o rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l inconstante de trégua e calmaria, quando o agressor se mostra arrependido e carinhoso. Esta fase, às vezes, recebe o nome de “lua-demel”, mas para a mulher espancada certamente não se trata de nada disso. No melhor dos casos, esta fase é uma pausa temporária dentro de uma realidade de coação, ameaças, poucas opções e lesões físicas. O ciclo repete-se numa espiral de violência, com um gradual alongamento da fase de acúmulo de tensão, um aumento da gravidade do episódio violento e um encurtamento, ou até o desaparecimento, da fase de calmaria.13 Revitimização: culpar a mulher pela dor que sente, por exemplo, responsabilizar uma viúva pela morte do marido por falta de oração, por não ter cuidado bem dele, por ser o “mau presságio’’ que causou sua morte. Isto também inclui responsabilizar a vítima do estupro alegando que foi sua culpa, que ela estava “pedindo por isso” pela maneira como se vestia, por estar no lugar errado ou por não ter se defendido de forma enérgica. Também pode tomar a forma de ostracismo ou no casamento forçado com o estuprador. Algumas mulheres podem até mesmo procurar passar pela experiência violenta novamente, em cumplicidade com seu companheiro, numa inconsciente busca por mais vitimização. O ciclo também é conhecido como o ciclo “amor, esperança, medo”. Conforme o ciclo evolui, muda a reação da mulher. Durante a fase violenta ela pode se abrir, quebrar seu silêncio e procurar auxílio de outra pessoa. Mas ao passar pela fase de calmaria ela dirá que a situação está resolvida e que não há mais nada com que se preocupar. O agressor confessa seu erro e pede perdão. Este comportam ento, perdoar e contemporizar, junto com o comportamento arrependido do agressor, fazem parte do ciclo de violência. Essas rápidas mudanças de reações por parte da vítima e do agressor devem ser motivos de preocupação e não de alívio. Há uma grande diferença entre esse “pseudoarrependimento” pouco convincente e o arrependimento verdadeiro e duradouro, que exige esforço, comprometimento e determinação em transformar sua vida e seu comportamento completamente.14 4. Poder e controle O relacionamento entre homem e mulher, quando baseado em respeito mútuo e amor compartilhado, pode ser gratificante para os dois. Isto, no entanto, não é sempre o caso. Alguns homens foram condicionados a assumir o controle sempre e tendem a lançar mão de intimidação, isolamento e abuso verbal. Se não ocorrer uma intervenção no início desse processo, a situação pode acabar em abuso físico. O abuso verbal já por si só pode ser muito prejudicial, causando uma erosão da auto-estima e suscitando dúvidas sobre sua própria capacidade de lidar com a situação. Críticas contínuas desmoralizam a pessoa exposta a elas e cria uma dependência artificial entre vítima e agressor. Alguns dos métodos utilizados para manter a mulher subjugada são descritas na “Círculo do Poder e do Controle”, na página 17. Se uma mulher deve sair de um relacionamento abusivo, a fase de calmaria (lua-de-mel) seria o melhor momento. Paradoxalmente, as chances da mulher tomar tal decisão durante esta fase são mínimas. Qualquer tentativa de partir poderia desencadear outro episódio violento. Seu parceiro pode apelar para a chantagem emocional, dizendo que não pode viver sem ela, ou pode ameaçar vingar-se caso a mulher saia de casa. Por considerar a mulher uma posse sob seu controle, ele interpretará seu abandono do lar como um insulto pessoal. Durante a fase de calmaria, a mulher acredita que seu amor pode mudar o comportamento do companheiro, se ela ficar ao seu lado, confiando nele e sendo carinhosa. Assim ela decide ficar. A mulher que já investiu tempo e energia numa relação sente-se apreensiva frente à perspectiva de começar tudo de novo, especialmente se tiver filhos 5. O ciclo da violência doméstica Lenore Walker, uma psicóloga pioneira e defensora de mulheres espancadas, propõe que uma relação de espancamento passa tipicamente por vários estágios: Uma fase de acúmulo de tensão, na qual a mulher sente a necessidade de “caminhar sobre ovos” e faz uso de várias estratégias para evitar ou postergar um episódio violento. A fase aguda, na qual o agressor causa danos severos durante um período que costuma se estender de 2 a 24 horas (mas em alguns casos chegando a uma semana ou mais). Finalmente, uma fase 21 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s fo rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l para criar e se for levada a crer que ela própria tem pouco valor. Ela tende a enxergar apenas o homem que escolheu como parceiro e a separar mentalmente essa identidade “bondosa” daquela do homem que a espanca. Para ela, a violência de seu parceiro é uma doença, para a qual ela pode ser a cura. Se for cristã, podem dizerlhe que deve “dar a outra face” e acreditar no perdão dos pecados. espancamento como parte da vida da mulher. Elas podem vir a identificar o amor com a dor e a violência e tendem a envolver-se com homens violentos. Isto leva à perpetuação de uma cultura de violência. Os filhos de mães espancadas têm seis vezes maior probabilidade de cometer suicídio e cinqüenta por cento maior chance de tomar-se dependentes de drogas e álcool. Mais da metade das mães espancadas batem nos próprios filhos. Cinqüenta por cento de todas as mulheres e crianças de rua fugiram da violência doméstica.16 A teologia da cruz reforça a idéia do sofrimento sacrifical. O modelo de líder como servo também age como reforço. Por isso é extremamente difícil romper o ciclo da violência dentro de um lar.15 6. O impacto da violência doméstica nos filhos Pesquisas perturbadoras nos Estados Unidos móstraYn que cem por cento dos assassinos em série foram vítimas de abuso físico ou presenciaram-na. Um histórico de violência na família é um dos principais indicadores de delinqüência juvenil no futuro de uma criança. Tudo isso prova como os ciclos de violência podem se autoperpetuar, passar pelos filhos, multiplicar-se e escalar a violência ainda mais. Os filhos que presenciam a violência em casa são tão afetados por ela quanto a mulher. Eles podem até vir a aceitar a situação como algo normal. Os meninos aprendem a imitar um pai violento e usam a violência como uma maneira de resolver conflitos e conseguir o que querem. As meninas tendem a aceitar o 22 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s f o rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l M e d id a s p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Fundar e manter, em colaboração com comunidades e ONGs especializadas, abrigos temporários para mulheres vítimas de violência. • Tomar a iniciativa de oferecer treinamento especial para membros do judiciário, corpo médico e polícia para que as vítimas não sejam tratadas como uma chaga social, mas tenham assegurado o direito de buscar justiça e oportunidades de reabilitação. • Criar um serviço “disque-violência ” para agilizar a resposta a relatos de violência. *■Estabelecer regras e políticas para servirem de diretrizes ao clero e aos leigos ao tomarem ação disciplinar contra o agressor. -« í- i • Planejar e prever recursos para treinamento de aconselhamento, tanto para obreiros da igreja t omo para leigos. • Alertar as mulheres sobre: - os processos psicológicos pelos quais elas podem passar - encontrar desculpas para o agressor, retirada da queixa ou retornar ao ambiente de violência. - as soluções alternativas disponíveis nas redes de solidariedade. - as maneiras mais eficientes de comunicar sua situação em processos legais. R ecu rso s a d ic io n a is Ken BUTIGAN; Patrícia BRUNO. Da violência à integridade. Um programa sobre a espiritualidade e a prática da não-violência ativa. São Leopoldo : Sinodal, 2003. O que fazer para proteger-se a si mesma. Anexo I A. Medidas a serem tomadas quando uma mulher relata a você sua experiência de vitimização. Anexo II D. 23 C a p ítu lo 2 - A n á lis e d a s d if e r e n te s fo rm a s d e v io lê n c ia p e s s o a l ANOTAÇÕES 24 25 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o 3.1 v i o l ê n c i a e s t r u t u r a l costumam ser condenados mesmo tendo criado essas situações ou contribuído para sua existência. Estruturas como a família, a comunidade e instituições religiosas criam um senso de identidade e de pertença entre seus membros, mas podem tomar-se instrumentos de violência. Apesar disso, espera-se da mulher que seja a guardiã dessas mesmas estruturas e desempenhe vários papéis nelas. O homem também sente-se limitado pelos papéis que esperam que ele desempenhe. A violência estrutural, muitas vezes, não é percebida, mas é mantida e validada coletivamente em nome da ordem e da estabilidade. A violência estrutural tem as seguintes características: • • d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e O sexismo perpetua a crença segundo a qual algumas pessoas são superiores ou inferiores a outras em termos biológicos. Historicamente, o sexismo afirma que as pessoas do sexo masculino são intrinsecamente superiores às pessoas de sexo feminino por natureza, ou seja, pela própria ordem das coisas, e vem atuando de forma discriminatória para fazer cumprir essa ordem. De forma análoga ao racismo, esse preconceito classifica um grupo de seres humanos como deficiéntè, prescreve papéis subordinados a essas pessoas e nega-lhes certos direitos com base tãosomente em características físicas e/ou psicológicas pessoais. Assim como o racismo atribui uma dignidade inferior a pessoas com base na cor de sua pele ou etnia, assim também, baseado na biologia do sexo e suas funções decorrentes, o sexismo confere à mulher essencialmente menos valor do que ao homem e trabalha arduamente para mantê-las no “lugar apropriado”. Tanto no racismo quanto no sexismo, características físicas representam a essência completa do ser humano, de modo que a dignidade fundam ental da pessoa é violentada.20 As vítimas podem ser indivíduos ou grupos dentro da coletividade. As autoridades podem mudar, mas as estruturas seguem as mesmas. “A violência contra a mulher é profundamente enraizada nas relações de poder entre mulheres e homens.”17Aos homens é dado poder social sobre as mulheres, mas esse poder toma-se abusivo se utilizado para o controle e a opressão. Muitas mulheres são socializadas para acreditar que não têm poder, nem direito de “possuir” poder, pois isto tem uma conotação de autoridade e nós (mulheres) não gostamos de ser vistas como pessoas autoritárias.18 As mulheres aprendem e, muitas vezes, acreditam que a violência pode ser merecida. Além disso, muitas sociedades fazem pouco para impedir ou reduzir a violência e punir os agressores, mesmo quando há leis claras contra a violência doméstica. O problema costuma ser negligenciado ou banalizado pela polícia e pelos tribunais.19 O sexismo é um fator multidimensional que estabelece papéis estereotipados fixos para homens e mulheres. Em muitas sociedades, as expectativas de papéis específicos impedem que meninas e mulheres estudem ou escolham livremente o que estudar ou onde trabalhar, restringindoas a um número lim itado de empregos, papéis específicos ou uma pequena área geográfica. Tanto homens e como mulheres são socializados desde a infância a aceitar como normal e necessário manter a ordem e a estabilidade na família e na sociedade. A divisão de trabalho por gênero pressupõe que os homens devem exercer controle sobre recursos e tomar decisões, o que deixa as mulheres sem poder para negociar. O sexismo pode ser de vários tipos: E ainda mais penoso quando as mulheres como agentes de socialização perpetuam essa tendência nociva. Em muitas partes do mundo a igreja tende a rechaçar a mulher separada, divorciada ou mãe solteira. O grau de condenação é mais intenso ainda se a mulher for prostituta ou vítima de estupro, sem que qualquer esforço seja feito para compreender o sistema que contribui para essas situações. Por outro lado, os homens não 26 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o 1. Androcentrismo d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e 3. Dois pesos, duas medidas: incoerência relacionada ao gênero Observar o mundo unicamente a partir de uma perspectiva masculina pode resultar numa visão da mulher como objeto, ao invés de sujeito. Isto pode resultar em: Em muitas sociedades e países, o homem é legalmente o chefe de família, mesmo que esteja desempregado ou improdutivo e a mulher ganhe mais do que ele. O homem é chamado de “fonte de renda principal”, ao passo que a mulher, muitas vezes, é considerada “fonte de renda suplementar”. Em muitos países, as mulheres são punidas pelos seus erros, mas os homens permanecem impunes pelos mesmos atos. Um exemplo bíblico dessa incoerência é o episódio da mulher adúltera (João 8). A mulher foi levada a Jesus para que fosse julgada, mas o homem ficou livre. Ginopia, ou invisibilidade feminina. Um exemplo disso é a ausência das histórias das mulheres nas Escrituras: os evangelhos citam Maria Madalena como a única ou como uma das mulheres que viram o Jesus resuscitado. Mas quando o apóstolo Paulo menciona o evento em 1 Coríntiosl5.5-6 ele diz que Jesus “[...] apareceu a Pedro e depois aos doze apóstolos. Depois apareceu, de uma só vez, a mais de quinhentos seguidores”. A primeira aparição para as mulheres foi completamente apagada. >« ■« » 4. Papéis preestabelecidos As pessoas que não se conformam com os papéis preestabelecidos para cada gênero são vistas como problemáticas, desviadas. Se uma mulher trabalha, costuma ouvir: “Como as crianças vão se virar se você trabalhar?” . Esta pergunta nunca é feita ao pai. Pressupõe-se que cuidar das crianças é responsabilidade materna, não algo compartilhado pelos pais. Misoginia: O ódio às mulheres é justificado, atribuindo-lhes a origem do pecado: “A mulher é a porta de entrada do m al” . Atitudes semelhantes tendem, então, a continuar. 5. Familismo O androcentrismo revela-se na forma de linguagem nãoinclusiva, por exemplo, no uso do termo “homem” ao invés de “ser humano”. Ele também estabelece regras que excluem a mulher de posições de liderança. Assim, pelo fato de todos os apóstolos serem homens, afirmase que apenas homens podem ser ordenados pastores. Significa dar prim azia unicamente aos papéis tradicionais da mulher dentro da família. Pressupõe-se que a família é a menor unidade nuclear, ao invés de um grupo maior de membros de família, e que a família é a responsabilidade principal e única da mulher. Elas precisam se ajustar para dar atenção máxima à família. 2. Generalização indevida 6. Dicotomia sexual Ocorre quando, por exemplo, um estudo analisa apenas homens ou apenas mulheres, mas apresenta as conclusões como se valessem para todos. Em francês, mesmo se dez milhões de mulheres estivessem reunidas, e um único menino estivesse presente, todas as mulheres seriam saudadas na forma masculina, e não na feminina. No mesmo idioma, o termo “direitos humanos” ainda é conhecido como “droits de Thomme”, isto é, os direitos do homem. Em outros idiomas, o milagre da multiplicação dos pães é chamado de “a alimentação dos cinco mil”, mas o texto diz: “os que comeram foram cerca de cinco mil homens, além de mulheres e crianças” (Mateus 14.21). Significa tratar os sexos como grupos distintos, com diferentes atributos humanos. Por exemplo, há uma idéia generalizada de que o homem é “racional” e a mulher é “emotiva”; o homem, “forte”, a mulher, “fraca”. 7. Igualdade simbólica Às vezes, em nome das aparências ou da representatividade de gênero, faz-se um gesto simbólico, “politicamente correto”. Por exemplo, uma mulher é ordenada na igreja ou eleita para um órgão eclesiástico. Na maioria das vezes, devido à falta de presença ou 27 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o apoio de outras mulheres, a mulher em questão tende a ser retraída, tende a ser extremamente cuidadosa ao invés de desafiadora, freqüentemente adaptando-se ao sistema M e d id a s d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e masculino, até mesmo comportando-se como homem para ser aceita por eles. p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Iniciar debates em instituições eclesiásticas usando o gênero como uma ferramenta analítica para compreender questões como estereotipação de papéis, estabelecimento da hierarquia e patriarcado, a subvalorização da mulher e a questão do poder em relações de gênero. • Organizar discussões sobre o conceito de poder e autoridade como veículo para mudança e renovação, não para controlar outras pessoas. O modelo de compartilhar poder e conceder poder de Jesus, o seu abrir mão do poder e autoridade para fins de salvação na cruz é um modelo de poder em prol da comunidade e no seu interior. Compreender isto traria poder as mulheres e geraria sabedoria compartilhada e tomada de ação. • Formar mulheres para que sejam libertadas de conceitos como auto-sacrifício, para que aceitem “ter” poder e o usem de forma responsável. • Colocar questões de gênero em todas as pautas de planejamento e atividades, revisar constituições, leis, regulamentos e diretrizes para que sejam justas em termos de gênero. • Tomar resoluções políticas para possibilitar que as mulheres estudem teologia nas mesmas condições oferecidas aos homens, em termos de bolsas e oportunidades de especialização. • Promover oportunidades educacionais para mulheres e distribuir cargos iguais aos dos homens, com remuneração igual. • Fornecer oportunidades justas e iguais de promoção para posições de liderança nas instituições eclesiásticas. • Revisar a estrutura de voluntariado para evitar a hierarquização por gênero. • Disponibilizar sessões de treinamento em questões de gênero para grupos de jovens, para trabalhar questões de violência, refletir e reavaliar normas sociais tradicionais. • Criar redes de apoio de homens para discutir novos modelos de imagens masculinas: - desfazer a imagem de “machão ” e enfatizar a necessidade de aceitar a expressão de emoções como amor, dor e lágrimas; - promover o orgulho em compartilhar tarefas de criação com a mulher; - desfazer a imagem “feminina ”, abandonando o modelo maternal, obediente, servil, sem amor próprio, e aceitando o modelo da mulher que procura sua identidade, dignidade, realização e sabe o que pensa; -facilitar os processos de aprender a lidar com a raiva masculina por meio de maneiras nãoviolentas. 28 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e • Criar grupos de discussão em seminários teológicos para: - analisar e preparar-se para os desafios das novas experiências da vida e da fé; - refletir deforma crítica sobre culturas, tradições, pressupostos e comportamentos; - reforçar o conceito da família como um coletivo de indivíduos que pertencem uns aos outros por meio de relações mutuamente responsáveis de afeto. Recu rsos a d ic io n a is Como os homens poderiam ajudar a erradicar a violência masculina contra a mulher. Anexo III A. Exemplo de um jovem advogado que luta contra o tráfico de meninas. Anexo IIIB. Heleieth I. B. SAFFTOTI. Contribuiçõesfeministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu No. 16 (2001), p. 115-136. Alice LIBARDONI. (org.) Direitos humanos das mulheres... em outras palavras: subsídios para capacitação legal de mulheres e organizações. Brasília, AGENDE, 2002 Campanha do Laço Branco. Anexo III C. 29 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e As culturas têm muitas camadas sig n ific ad o s p ro b lem ático s, usados para im p ed ir mecanismos de direitos humanos. 3.2 VIOLÊNCIA CULTURAL O obstáculo mais freqüentemente citado para No contexto da igreja, o Código Deuteronômico reforça alcançar a igualdade de gênero é a persistência culturas locais prejudiciais à mulher, como a pureza, de n o rm a s so c ia is e c u ltu ra is , c re n ç a s contaminação e impureza da mulher devido ao sangue tra d ic io n a is e e s te re ó tip o s n e g a tiv o s de gênero.21 m enstruai (L evítico 15.19-31). A lém disso, textos bíblicos continuam sendo usados por alguns para justificar as ideologias do racismo, sexismo e classismo. Cultura é a soma de valores, atitudes, crenças, relações 1. Abuso ritual de gênero, práticas de educação dos filhos, normas de governo. É a organização espiritual, social, política e econôm ica da existência humana. Algum as culturas Qualquer abuso realizado como prática tradicional, tais evoluíram vivendo em determinado contexto por muitos com o prostituição em tem plos, sacrifício infantil, anos, outras através da m igração, do com ércio, da colonização e, m ais recentem ente, da globalização. considerado abuso ritual. Em algumas regiões do mundo, cren ç as o c u lta s ou a d o ra ç ã o sa tâ n ic a , p o d e ser Diferentes formas de tratamento de meninos e meninas viúvas são obrigadas a seguir rituais, preceitos, códigos vão se fortalecendo. M otivos ou sistem as culturais de conduta e de vestimenta pelo resto da vida. N a índia, p odem ca u sa r v io lê n c ia , tais com o o fe tic íd io e por exem plo, as viúvas devem parar de usar sinais infanticídio feminino, a negligência consciente da saúde e x te rio res de boa so rte com o sin d h o o rs (m arcas e da educação de meninas e a mutilação genital feminina. vermelhas em seu cabelo), bindis (marcas de beleza) na Além disso, a colonização que ocorreu em 85 por cento sua testa, cremes e flores, e os colares que usam desde a do mundo trouxe consigo o cristianism o ocidental e c e rim ô n ia de ca sa m e n to . E la s são e x c lu íd a s de erradicou muitas culturas locais saudáveis. Surgiram atividades sociais em cerim ônias de bons auspícios, novas formas de mulher-objeto, por exemplo, a mulata mesmo em suas próprias famílias. São impedidas de brasileira, valorizada como mulher “sexy” no carnaval. h e rd a r a p ro p rie d a d e , os b en s ou os b e n e fíc io s F in a lm e n te , a c u ltu ra a tu a lm e n te é im b u íd a de trabalhistas de seu marido. Em algumas culturas, a viúva 30 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e é considerada parte da propriedade do seu marido e, como tal, pode ser dada como herança aos irmãos do marido, ficando dependentes deles pelo resto da vida, sem liberdade ou autodeterminação alguma. parcial do aparelho genital. A dor aguda e o traumatismo ao manter relações podem resultar em incapacidade sexual. Partos excessivamente prolongados podem resultar em nascimento de crianças natimortas. 2. Mutilação genital feminina Pesquisas sobre os efeitos psicológicos e sociológicos da MGF na mulher e nos recém-nascidos não são suficientes. A maioria das mulheres é levada a crer que a mutilação é uma obrigação religiosa, embora as Escrituras não a mencione. A pressão cultural sobre os pais para mandarem circuncidar seus filhos é tão grande, que até mulheres mais esclarecidas e informadas sujeitam suas filhas a esse sofrimento desnecessário, tradicionalmente visto como um rito de passagem e cerimônia de iniciação na vida ddtfltà de mulher. Também se afirma erroneamente que a mutilação aumenta a fertilidade e protege o útero. A MGF é uma fonte de renda im portante para circuncisores profissionais e, além disso, aumenta o valor do dote da menina. Todos esses fatores atrapalham sua abolição. Supõe-se que a excisão do órgão sexual feminino preserve a castidade da mulher e a protegerá de desejos sexuais que podem levar a tentações e eventual desgraça. “Dois milhões de meninas são mutiladas por ano através da mutilação genital feminina (MGF). Países como Egito, Etiópia, Quênia, Nigéria, Somália e Sudão representam 75 por cento de todos os casos.”22Além do choque e da dor causados pela MGF, suas conseqüências são ainda maiores. Hemorragias graves, envenenamento do sangue e tétano podem ser seqüelas imediatas, mas também podem ocorrer inflamação do trato urinário e dos rins, inabilidade para controlar a urina e acúmulo interno de sangue menstruai, resultando em obstrução M e d id a s p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Reconhecer a enormidade da tarefa, analisar as anomalias que existem em culturas locais, culturas impostas e culturas bíblicas, assim como a interpretação dessas culturas, que são um enigma para aqueles que desejam permanecer fiéis às Escrituras e obedecê-las. • Organizar discussões de estudos bíblicos com interpretações feministas sobre 2 Reis 4.1-7, Números 27.1-11, 1 Coríntios 14.33-36, 1 Timóteo 2.2-12. Recu rsos a d ic io n a is Claudia FONSECA. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. Porto Alegre, Editora da Universidade/UFRGS, 2000. DÉCADA PARA SUPERAR A VIOLÊNCIA. Campa nha. www.conic.org.br 31 C a p ítu lo 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e 3. Morte por desonra submissas, passivas, tímidas, dependentes e dóceis, atitudes pelas quais elas são honradas. Hisako Kinukawa dá a isso o nome de “cultura da vergonha”, ao invés de “cultura da honra”, pois a honra é alcançada ao evitar a conduta vergonhosa. As mulheres são punidas caso se afastar das expectativas de seu papel ou das normas da sociedade. São torturadas ou mortas para lavar a honra da família, do clã, da casta ou comunidade. São punidas para servir de exemplo, para que outras não ultrapassem os limites impostos por sua sociedade. Quando o Talibã assumiu o poder no Afeganistão em 1996, as mulheres foram forçadas a vestir a burka (vestimenta que cobre o corpo inteiro exceto os olhos) e foram espancadas e apedrejadas em público por estar vestidas de forma imprópria, mesmo se isso significasse apenas não usar o véu na frente de seus olhos. Não lhes foi permitido trabalhar ou mostrar-se em público sem um parente homem. A honra é o valor de uma pessoa aos seus próprios olhos e aos olhos de seu grupo social. “A honra somente se toma honra quando há coincidência entre a exigência intema e a reputação externa.”23 A finalidade da honra é servir como uma forma de classificação social, a qual dá direito à pessoa de interagir de maneiras específicas com seus semelhantes, superiores e subordinados, de acordo com os preceitos culturais de uma sociedade.24 A honra coletiva de uma comunidade tem valor mais alto do que a honra individual. A honra masculina baseiase na exclusividade sexual e na pureza das mulheres relacionadas com ele (mãe, esposa, filhas e irmãs) e não em sua própria pureza. Assim, as mulheres devem ser M e d id a s p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Organizar estudos bíblicos sobre a história de Tamar (2 Samuel 13). • Proibir o mau uso de argumentos religiosos para perpetuar a MGF, a morte por desonra e o abuso ritual. • Estar preparado para falar contra interpretações errôneas da religião e para ensinar a aplicação de princípios cristãos verdadeiros em relação à MGF, morte por desonra e abuso ritual. • Estabelecer um grupo de mediadores na comunidade, formado por homens e mulheres, para resolver disputas de famílias. • Revisar o direito da família à luz de princípios cristãos e direitos humanos. • Iniciar diálogos entre lideranças religiosas e profissionais médicos sobre pontos de vista religiosos e médicos relacionados com a MGF e o abuso ritual e formular estratégias. • Encorajar líderes-e intelectuais religiosos a enfatizarem que essas práticas não são estipuladas pelas Escrituras. • Trocar experiências e relatórios entre organizações da mulher, monitorar ocorrências de MGF, morte por desonra e abuso ritual, considerar este monitoramento uma tarefa permanente da igreja. • Formular razões específicas relacionadas com gênero para conceder asilo para mulheres. 32 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o 4. Sexualidade e casamento d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e desaprovação da sociedade e a punições graves. Em algumas culturas, a mulher perde a guarda dos filhos caso se divorciar. Em culturas polígamas, a igreja muitas vezes permanece calada. Às vezes, mulheres estéreis são banidas da família. O casamento é visto como instituição sagrada, ordenada por Deus. Esta opinião é válida se os dois membros do casal a compartilham. Porém, muitos homens ainda defendem a liderança do homem e o patriarcado no casamento ao invés da mutualidade. Os votos de casamento e os sermões pregados durante as cerimônias costumam ser reflexos dessa realidade, o que fundamenta uma relação desigual. O ponto de vista de que seu corpo serve para o prazer do homem, que sua responsabilidade principal é a procriação, educação dos filhos e planejamento familiar constitui um pesado fardo para a mulher. O problema fica maior ainda quando existe um tabu contra a discussão da sexualidade e quando a mulher é analfabeta, com pouco conhecimento do seu corpo. Implicações éticas não esclarecidas a respeito de gravidez indesejada, aborto, infanticídio feminino e métodos de planejamento familiar sujeitam a mulher a sentimentos de culpa, vergonha, à Existe uma crescente necessidade de compreender diferentes orientações de vida, mas a igreja tende a se furtar da discussão franca, de tomar posições fortes nesses temas devido ao seu potencial de dividir a igreja. A pèrsistência de práticas como o fato de que mulheres podem ser dadas como herança a seus cunhados não lhes dá nenhuma possibilidade de conseguir dos homens um comportamento sexual responsável■©,tertdo em vista que a pandemia do HIV/AIDS continua causando estragos em países e comunidades, expõe as mulheres a riscos maiores. A igreja tem relutado a questionar tais práticas ou a oferecer diretrizes éticas. MEDIDAS POSITIVAS QUE PODEM SER TOMADAS • Desenvolver uma abordagem teológica para os conceitos de casamento, família e sexualidade, levando em consideração a realidade das mudanças das situações na vida de cada um. • Organizar retiros em todas as comunidades da comunhão luterana para expandir o diálogo sobre mutualidade e respeito pela dignidade das pesssoas. • Capacitar pastores e pastoras a discutir os conceitos de casamento, família, sexualidade, relações, relacionamentos pré-maritais e extraconjugais em contextos contemporâneos. • Estudos bíblicos sobre Gênesis 2.24, Mateus 19.5-6, Marcos 10.7-8, Efésios 5.30-31,1 Coríntios 7.1-4. 33 C a p ítu lo 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e em especial além daquela imediatamente envolvida na p ro d u ção em m assa de p a rte s, um tra b a lh o sem criatividade. As mulheres passam horas em “fábricas de fu n d o de q u in ta l” . A te rc e iriz a ç ã o lev a à desregulamentação das relações de trabalho, criando empregos que não oferecem incentivo ou renda fixa. Ao mesmo tempo que lutam junto com suas famílias contra tais desvantagens, essas m ulheres tam bém precisam lidar com a pobreza extrema. Tornam-se, desse m odo, um a co m u n id ad e v u ln eráv el à exp lo ração adicional. A mudança do sistema econômico ampliou o conjunto de papéis desem penhados p ela m ulher; ela agora também sustenta o lar economicamente. A migração de homens para as cidades em busca de sustento fez com que as mulheres tivessem que defender não apenas a si, mas famílias inteiras, enquanto que, ao mesmo tempo, se espera que ela continue a trabalhar como voluntária na esfera pública e comunitária. Mulheres mal-treinadas, sem poder de barganha são enganadas por ilusões de melhores perspectivas a trabalhar como migrantes, por não ter outra alternativa. N essa situação vulnerável, elas são constrangidas, sofrem abusos sexuais e são mantidas em cativeiro nos países para onde migram, sem acesso ao mundo externo A globalização da economia promove e é cúmplice da e sem remuneração adequada. Por não conhecerem os exploração da mulher procedimentos legais ou não terem apoio externo, assim como pelo controle exercido sobre elas por parte de seus empregadores, são submetidas a grande sofrimento e 3.3 EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA medo. Freqüentem ente são forçadas a trabalhar por E DA MODERNIZAÇÃO muitas horas, não recebem dias livres nem alimentação adequada. Incapazes de compreender o idiom a local, A g lo b alização eco n ô m ica está in ten sifican d o as não são registradas com as autoridades de imigração. Vivendo ilegalmente no país, vivem em constante medo disparidades do mundo. Os interesses do setor privado estão reduzindo o papel dos governos, das instituições internacionais e da esfera social. Isso está tendo um de ser presas, pagar multas e ser deportadas. impacto direto nas mulheres e crianças. A transferência A transformação de áreas rurais em distritos industriais de recursos financeiros e naturais e do conhecimento é tira o su sten to da p o p u la ção lo cal, fo rm a d a por cada vez maior. A transferência do poder e das instâncias trabalhadores agrícolas e indígenas. O reassentamento decisórias das nações-estado para as multinacionais está maciço de pessoas, às vezes sem indenização alguma criando m ais perdedores do que ganhadores num a ou, m esm o com in d e n iz a ç ã o , sem a s s e s s o ria e v elo cid ad e ja m a is v ista antes. A g lo b alização da conhecimento de como investir o dinheiro para levar produção aumentou a presença de mulheres em setores um a vida auto-sustentável, resulta em acúm ulo de da p ro d u ção com o p ro c e ssa m e n to de alim en to s, responsabilidades familiares para a mulher. A entrada confecção têxtil e linhas de montagem. Tais empregos não capacitam a mulher a desenvolver nenhuma técnica transformou os pequenos proprietários de agricultores de multinacionais em empreendimentos de agronegócios 34 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o de subsistência em mão-de-obra barata, sem opção de preço, uso ou distribuição de sua colheita. A superprodução de certas colheitas altamente rentáveis, os métodos de produção artificiais e o uso de pesticidas causam estragos nos produtos do campo, na saúde das pessoas, na biodiversidade e na sustentabilidade do M e d id a s d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e planeta. O conhecimento local é patenteado e depois cobrado dos usuários. O acesso reduzido a recursos tradicionais e naturais e a falta de treinamento em tecnologia apropriada contribuem para marginalizar a mulher na busca por novas oportunidades de trabalho. p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Encorajar comunidades a analisarem como a globalização econômica afeta as comunidades locais e a se envolverem em campanhas exigindo o perdão da dívida externa. • Intensificar o treinamento de mulheres em tecnologias apropriadas para o contexto local. W ^ t * • Manter estruturas de apoio para mães solteiras, mulheres divorciadas ou separadas e viúvas, para ajudá-las a encontrar emprego. abuso. O tráfico ocorre de forma clandestina ou com documentos legítimos, vistos de turista legais ou através de casamentos falsos. 1. Tráfico de mulheres e crianças O tráfico de mulheres e crianças é a terceira maior fonte de renda no mundo, logo atrás do comércio ilegal de armas e o tráfico de drogas. O tráfico pode ocorrer por seqüestro da vítima ou com o conhecimento de intermediários, da família ou mesmo da própria vítima, compelida a procurar melhores oportunidades econômicas. Quando descobertas pela polícia, costumam ser tratadas como delinqüentes, acusadas de entrar ilegalmente no país ou detidas sem motivo algum. Se não podem pagar as multas que recebem, são presas ou encaminhadas para um centro de detenção por um período indeterminado de tempo, sem direito à audiência ou acesso a advogado. Outra alternativa é serem levadas até a fronteira de um país, sem condições de retomar para casa de forma segura. Isso acaba levando para nova detenção e, possivelmente, tortura. O tráfico de mulheres para fins de casamento com estrangeiros pode ter reações adversas. 2. Túrismo sexual O turismo sexual tornou-se um negócio de enormes proporções. Em 1999, 8,5 milhões de turistas visitaram a Tailândia. Costuma estimar-se que 70 por cento dos turistas são homens viajando sós, 49 por cento vêm especificamente para fazer sexo com crianças. Se for esse o caso, podemos afirmar que 49 por cento dos turistas vêm à Tailândia à procura de sexo.25 Os turistas vêm principalmente do leste asiático, dos EUA e da Europa. Algumas agências de viagem trabalhando juntas oferecem esse tipo de passeio sem alto custo. A situação de carência dos países que empobreceram ao passar por distúrbios étnicos ou crises financeiras não deixa outras opções às mulheres do que vender seus corpos e os de sua família para sobreviver. Mas isso fará com que elas sejam ainda mais estigmatizadas pelas próprias famílias e pela sociedade. As estatísticas mostram que cada vez mais crianças estão se envolvendo com essa indústria insidiosa, com ares de “máfia”, muitas vezes agindo em conluio com a polícia local. Qualquer pessoa que tentar intervir coloca sua vida em perigo. Dez milhões de crianças são afetadas mundialmente. Dois milhões passam por fronteiras anualmente. Cada dia, somente na Ásia, um milhão sofre 35 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e humilhar a mulher, que é vista como propriedade do homem, e também para macular a pureza da raça ao produzir descendentes. 3. O estupro como arma O estupro é a penetração forçada nas partes mais íntimas, mais vulneráveis e pode-se dizer mais sagradas do corpo humano. Como tal, trata-se de um crime espiritual além de um crime físico.26 Não devemos confundir o estupro com um ato impulsivo de paixão. O estupro é freqüentemente premeditado e planejado detalhadamente. Ele não é expressão de uma urgência sexual incontrolável, mas uma agressão motivada pela necessidade de afirmar o poder, a autoridade, o ódio à mulher e o desejo de humilhá-la e vingar-se dela. “O estupro é todo o ódio, desprezo e opressão para com a mulher nessa sociedade concentrados em um só ato.”27 O estupro coletivo é uma forma especialmente brutal de abuso sexual. Não é um evento isolado e, muitas vezes, a vitimização se repete. Há uma ameaça de morte contida no estupro, mesmo se não há espancamento. A mensagem aterradora é que a mulher é objeto a ser controlado por aqueles que têm a força bruta, a posição, o status social ou que são considerados como raça ou classe superior. - O álcool e o uso de drogas não podem ser considerados como causas de estupro, mas diminuem a inibição. »• - Não apenas mulheres jovens e belas são estupradas, mas também bebês, crianças e senhoras idosas. Um homem pode estuprar qualquer pessoa vulnerável, acessível e ao seu alcance. O estupro foi utilizado como uma arma durante a colonização e está sendo usada cada vez mais como uma arma de guerra e em áreas de conflito como um instrumento de repressão e tortura de prisioneiros. Também é utilizado como gratificação e para exercer poder e domínio. É considerado uma forma eficaz de E preciso deixar claro que as mulhers não querem ser estupradas. Um terço dos estupros ocorrem em casa. Um terço durante o dia. Mais da metade dos estupros são cometidos por pessoas que a vítima conhece. Hoje em dia, em alguns países, o estupro marital é considerado agressão punível na forma da lei. 36 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o M e d id a s d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Igrejas, ONGs, governos e agentes de viagem poderiam trabalhar em conjunto para enfrentar a questão. • Levantar a questão em jornais locais para criar uma rede de “resistência”. • Declarar que não há nenhuma desculpa para o estupro, seja o abuso do álcool, de drogas, a tentação oferecida pela vítima ou perda de controle temporária. • Acompanhar episódios de estupro para assegurar que a justiça seja feita e que a vítima receba apoio adequado para superar o trauma. R e c u r s o a d ic io n a l Compreender a vítima de estupro. Anexo II C. 4. Tecnologias invasivas a eficácia de novos métodos e medicamentos. Dessa forma, as mulheres são submetidas ao controle de seus parceiros, famílias, governos, preceitos religiosos e a profissão médica, muito embora sejam elas mesmas que passam pela gravidez indesejada, o aborto, as terapias de fertilidade, e convivem com a dor, culpa e o resultado pelo resto de suas vidas. Devido à preferência por filhos-homem em algumas sociedades, usa-se a pré-seleção do sexo dos filhos por manipulação genética e nesse processo, às vezes, fetos de meninas são eliminados. Pílulas anticoncepcionais prejudiciais são distribuídas. Métodos de controle de natalidade são testados em mulheres desinformadas e ingênuas em países pobres, com ou sem seu conhecimento, para controlar a população ou para testar M e d id a s p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Educar as mulheres a buscarem informações para fazer escolhas sobre questões de gravidez, controle de natalidade e o número de crianças que elas podem ter condições de criar. • Discutir a sexualidade em todas as suas dimensões de maneira aberta, sem prejulgamento. • Organizar seminários sobre vida conjugal e em família. 37 C a p ítu lo 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e 5. Os meios de comunicação O uso da internet para tráfico de mulheres e para vender pornografia agravou a exploração da mulher. A falta de mecanismos para regular o uso da internet piorou a situação. Mesmo sendo verdade que a pornografia e a exploração da mulher sempre existiram, agora tomouse mais difícil monitorar e coibir essas atividades. O abuso das mulheres e das meninas na pornografia, no turismo sexual e no comércio sexual foi exacerbado pela comunicação eletrônica. O comércio sexual agora tem acesso aos sites da Web para apresentar suas mulheres, atingindo um número muito maior de pessoas. Cresce o número de sites incitando o ódio à mulher na internet. Isto, junto com as agressões verbais e psicológicas nos chats tendem a dissuadir as mulheres ao redor do mundo de usar a internet.28 * , Imagens negativas e representações estereotipadas da mulher estão ficando cada vez mais freqüentes. Falta um esforço coordenado para melhorar e modificar o status da mulher nos meios de comunicação. Concursos de beleza e top models estabelecem o padrão para a imagem do corpo da mulher, colocando pressão sobre as outras mulheres. Isto poderia levar a uma obsessão com a aparência, resultando em distúrbios da alimentação autodestrutivos como bulimia e anorexia. Exposição demasiada à violência na mídia não somente dessensibilizou a humanidade para o horror que representa como também criou uma cultura da violência. As crianças das sociedades ricas absorvem essa cultura por meio da televisão. Elas são incitadas a cometer centenas de atos de violência por hora ao jogar com videogame e, às vezes, tomam-se violentas na vida real. De 3,5 milhões de web sites pesquisados até agora, já foram detectados 23 mil que se dedicam a incentivar sexo com crianças. MEDIDAS POSITIVAS QUE PODEM SER TOMADAS • Monitorar páginas da Web periodicamente como uma iniciativa conjunta de comunidades. • Desenvolver uma abordagem crítica para a representação da mulher na mídia e levantar esta questão em debates com grupos de mulheres, homens e jovens. RECURSOS ADICIONAIS Wanda, DEIFELT; André, MUSSKPF; Marga Janete, STRÓHER. À flor da pele. Ensaios sobre corporeidade. São Leopoldo : Sinodal/CEBI, 2004 Denise CARREIRA; Valéria PANDJIARJIAN. Vem pra Roda! Vem pra Rede!: Guia de poio à construção de redes de serviços para o enfrentamento da violência contra a mulher. São Paulo : Rede Mulher de Educação, 2003. 38 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a . ig r e j a e d a s o c ie d a d e Saindo do abismo D evido a essa ideologia, existe a p o ssib ilid ad e e 3.4 PREMISSAS E PRÁTICAS DA IGREJA re a lid a d e que até m esm o m u lh e re s p o d e m ser 1. Características patriarcais da igreja dominantes e não apoiadoras da causa das mulheres. As ig re ja s em sua m aio ria seg u em o m o d elo de mecanismo para evitar mal-entendidos recíprocos. H om ens e m u lh eres p re c isa m co m p ree n d e r esse hierarquia e patriarcado. Isto deixa menos espaço para 2. A linguagem utilizada para falar de Deus que todos os filhos de D eus sejam reconhecidos, igualmente amados, participando na criação de Deus e compartilhando a plenitude de vida oferecida por Cristo. Esta linguagem forma o pensamento e a orientação de O patriarcado é um termo controverso e um sistema vida para a corporação da com unidade de fé e seus complexo sustentado pela religião, pelo poder político membros individuais. e econômico e pela sociedade. O patriarcado facilita Como enfoque de confiança absoluta, o santo a supremacia masculina, que sustenta o domínio mistério de Deus serve de base e implicitamente masculino em cada unidade da sociedade e gera d irecio n a todas as ativ id ad es, p rin cíp io s, u m a e s tru tu ra de p o d e r h ie rá rq u ic a e a escolhas, sistemas de valor e relacionamentos supremacia de “elites” masculinas. Isso implica daquele que crê [...]. Embora oficialmente se a subordinação dos hom ens que não fazem afirme que Deus é espírito, e dessa forma está parte da elite também, mas esses são superiores além da identificação masculina ou feminina, à “não-elite” feminina e a subjuga. Também é mesmo assim a linguagem da pregação diária, v e rd a d e que m u lh e re s da “e lite ” p o dem da celebração do culto, da catequese e da subordinar homens “não-elite”, mas essas, se é instrução transmite uma mensagem diferente.30 que existam , ja m a is po d em ser igu ais ou As imagens de Deus usadas pela igreja são quase todas superiores aos homens “elite”.29 masculinas: pai, rei, senhor e assim por diante. Uma d ific u ld a d e c ria d a p o r e sse fa to é que, em b o ra 39 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e \ compreendemos a “masculinidade” de Deus como algo metafórico, a metáfora pode atribuir divindade ao homem, dando-lhe supremasia sobre a mulher “nãodivina”. questão do gênero, e chegar ao divino mistério de Deus.31 3. Jesus como homen e sua preferência por discípulos homens Por isso, toda e qualquer palavra sobre Deus deve ser analisada para ver se fala de Deus e não daquele que fala e interpreta Deus; se a palavra fala dos atributos de Deus e da divina misericórdia de Deus ou do poder daquele que usa a linguagem. É preciso fazer esforços, por mais difícil que possam ser, para ir além da O fato de que os discípulos de Jesus eram todos homens foi utilizado como um modelo para o ministério masculino, para a sucessão apostólica e para a liderança da igreja. Isto precisa ser revisto à luz do Novo Testamento e do testemunho da igreja primitiva. ------------------------------------------------------------------------------------------------------- s-----------------------------1 -.*• M e d id a s p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Salientar como Jesus deu poder às mulheres para falar e testemunhar em público, rompendo assim normas e limites. • Discutir as muitas maneiras nas quais as mulheres o apoiaram: com recursos financeiros, como hospedeiras, por meio da solidariedade em sua agonia, através de sua fidelidade e devoção. a vítima ao seu papel de vítima!”33 É importante fazer uma distinção entre o sacrifício de uma vítima e o ato de vontade própria, a aceitação consciente do sacrifício para o bem de outros, como foi o caso de nosso Salvador. 4. O conceito de Jesus como vítima/sacrifício Este conceito representa um fardo para as mulheres. O fardo O fato de que Deus deseja a vida para o crucificado e faz com que isso seja possível poderia transmitir a mensagem para as mulheres que sofrem com a violência que Deus também deseja que elas tenham vida, uma boa vida. A compreensão bíblica da vida não é restrita à mera sobrevivência, mas à vida em toda a sua plenitude, uma vida boa, junto às outras criaturas de Deus, em liberdade, paz, alegria, amor e justiça.34 toma-se ainda mais pesado em vista de uma tradição de discipulado centrada no autosacrifício, na negação de si mesmo, na disposição de sofrer, na humildade e no serviço ao outro. Algumas mulheres criadas no cristianismo e vítimas de violência identificamse com Jesus como a vítima sacrificada. Em seu próprio sofrimento elas podem aproximarse de Jesus, renunciando à possibilidade de resistir ativamente ao seu sofrimento [...]. Ao seguir instruções sem questioná-las, o que leva à negação de si própria, ao ser servil e submeter-se a um homem, a mulher encoraja o agressor a continuar fazendo uso de violência e reforça as estruturas que continuam criando novas vítimas.32 A crucificação de Jesus não santifica o sofrimento. Ela permanece um testemunho do horror da violência infligida ao outro... Não é um modelo de como deveríamos suportar o sofrimento, mas um testemunho para o desejo de Deus de que ninguém deveria ter que sofrer tal violência novamente. A ressurreição, a compreensão que Cristo esteve presente com os discípulos e está presente conosco transformaram, mas jamais justificaram o sofrimento e a experiência da morte.35 Por esse motivo, “[...] pensar em Jesus como vítima/ sacrifício pode reforçar estruturas de violência e prender 40 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e MEDIDAS POSITIVAS QUE PODEM SER TOMADAS • Oferecer base teológica sobre Jesus não apenas como vítima/sacrifício, mas também como aquele que triunfou sobre a morte, contribuindo para superar a violência. • Incluir a questão da violência na instrução batismal e catequética para preparar homens e mulheres para situações da vida real. ' 5. A primazia das epístolas sobre o evangelho utilizado do que a exortação de Jesus à Maria Madalena após sua ressurreição: “Vá e diga aos meus irmãos” (João 20.17). Afêm disso, outrosl^q?tp.s têm sido utilizados fora de contexto ou sem referência a quem eram dirigidos, seja para encaixar o texto a um conceito ou devido a uma leitura literal das Escrituras. Trechos específicos costumam ser usados para definir os papéis e para estabelecer o código de conduta da mulher. A censura do apóstolo Paulo para que “as mulheres se calem” é usada como a norma, ao invés da possibilidade que Jesus deu à mulher com hemorragia para que falasse em público. O texto de Paulo é mais M e d id a p o s it iv a q u e p o d e s e r t o m a d a • Salientar o elogio de Paulo às mulheres como colaboradoras e Gálatas 3.28, que sublinha o fim das diferenças e nossa unidade em Cristo. 7. Conceitos teológicos que afetam as vítimas da violência 6. Leitura bíblica literal A maioria dos cristãos adota a leitura literal da Bíblia como a única maneira de manter-se fiéis ao chamado de Deus. Mulheres e crianças sexualmente violentadas têm dificuldade em aceitar o conceito de Deus como onipotente, onipresente e onisciente. Elas sentem culpa, pois Deus viu tudo. Elas sentem raiva, porque Deus Todo-poderoso não veio ao seu auxílio. Assim, elas tendem a denunciar Deus e a se sentir traídas. Alguns aspectos da teologia tradicional condicionam a mulher a uma vida de sofrimento, sacrifício e servidão. Isto levou a uma compreensão do sofrimento como uma bênção enviada por Deus para a edificação pessoal e expiação dos pecados de outros. Isso toma difícil explicar os “textos de terror” na Bíblia como o de Tamar, as traduções androcêntricas, a composição androcêntrica dos textos, a formação patriarcal dos textos canônicos e tradicionais, a história patriarcal dos efeitos e a atenuação teológica dos efeitos misóginos.36 Os ensinamentos da igreja precisam analisar como enfrentar as “incônsistências teológicas e o engessamento da teologia que impedem criar espaço para os contextos em transformação, as perspectivas, culturas, valores e expectativas específicas dos necessitados. A interpretação errônea do fato de que Deus enviou seu único Filho para sofrer é utilizada para justificar um sofrimento injusto. Tal teologia silenciou muitas vítimas, forçando-as a suportar a dor. O sofrimento na cruz deve ser interpretado como uma expressão do amor de Deus para superar o mal. O sacrifício voluntário de Jesus foi para a reconciliação eterna, tomando desnecessário que 41 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o alguém mais sofresse injustamente. O fato de que a ressurreição de Jesus foi uma vitória sobre sua vitimização poderia libertar as mulheres de uma identificação unilateral com o sofrimento de Cristo. Podem, ao invés disso, identificar-se com Cristo vitorioso. Isto pode lhes encorajar a quebrar o círculo vicioso da violência, medo, pensamentos e hábitos de seu papel como vítimas. d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e 5.1). Deus identificou a si mesmo com Jesus Cristo, como vítima e sacrifício para as pessoas vitimadas e oprimidas. A cruz deveria ser projetada não como um chamado ao sofrim ento, mas como um compromisso para uma Páscoa de um novo começo gerador de vida, uma Páscoa de dignidade e força, uma afirmação da vida e um legado de união e comunidade.37 De acordo com Paulo, Cristo libertou os seres humanos para que fossem livres, não para que sofressem (Gálatas M e d id a s p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Incluir as perspectivas da mulher na teologia, salientando sua liderança nos tempos bíblicos e oferecendo interpretações alternativas de textos bíblicos. • Resgatar a imagem de Deus de Deus-Pai-Juiz patriarcal para renomeá-lo e usar imagens diferentes de Deus (como pai gentil e severo, como juiz justo e misericordioso, imagensfemininas e masculinas nas Escrituras, de diversas culturas e de nossa própria experiência, por exemplo, imagens de Deus como mãe: Números 11.12-13,Deuteronômio 32.18, Salmo 131.2, Isaías 42.14; 46.3-4; 49.15; 66.9. Como parteira: Salmo 22.9-10. Como amante, amigo, mulher que cozinha: Mateus 13.33, Lucas 13.20-21. Como mãe-urso: Oséias 13.8. Como alguém que abriga a humanidade sob sua asa: Mateus 23.47, Lucas 13.34, Rute 2.12, Salmo 17.8-9; 36.7; 57.1; 61.4; 91.4. • Explorar as possibilidades de usar palavras de gênero neutro como termos de referência a Deus, como YHWH e as frases “Eu sou” de Jesus . Ler exemplos de mulheres e homens envolvidos no ministério: Atos 18.1-28. 1 Coríntios 16.19, Romanos 16.3-5. Recu rsos a d ic io n a is CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER. Guia de defesa das mulheres contra a violência. Brasília: CNDM. Elizabeth A. JOHNSON, Aquela que é: o mistério de Deus no trabalho teológico feminino, Petrópolis, RJ, Vozes, 1995. 42 C a p ítu lo 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e Congelamento teológico precisa ser derretido liderança da mulher, algo que em si já foi minimizado 8. Modelo de liderança servil nas narrativas bíblicas. Isto poderia levar, indiretamente, a uma marginalização da mulher. D e n tro d a ig re ja te m o s b o a s lid e ra n ç a s , que compreendem o poder e o usam de form a eficaz. No entanto, há outros que Para chegar a um sentido mais claro do futuro como igreja, precisamos de todas as histórias que puderm os reunir, tanto as dolorosas e - são autoritários e abusam de seu poder; difíceis, como as belas e inspiradoras. Apenas quando tivermos todas as histórias nós, a igreja, - apenas querem servir aos outros, ou poderemos começar a nos ver como um povo inteiro.38 - são “pseudo-servos”, que se negam a afirmar seu próprio poder. Isso ajudaria mulheres, homens, jovens e crianças a As mulheres tendem a cair nas últimas categorias. A vivenciarem e testemunharem em meio aos contextos ig re ja d ev e e s fo rç a r-s e p a ra ser um m o d elo de servilidade como enunciado em Lucas 22.25-27, onde desafiadores do mundo. a pessoa / (o) líder mais importante torna-se o servo de Os princípios interpretativos que norteiam as todos. A igreja deveria manter todas essas coisas em e sc o lh a s do le c io n á rio d e v em le v a r em mente antes de acompanhar as vítimas da violência. consideração, fundam entalm ente, os textos bíblicos sobre mulheres que estão incluídos e 9. Lecionários aqueles que estão excluídos, onde eles se Os lecionários das igrejas enfocam os personagens e convergência dos três textos parece dar a entender.39 encontram no calendário eclesiástico e o que a temas bíblicos centrais que não dão atenção devida à 43 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o Muitas vezes, referências diretas a mulheres nos textos bíblicos descrevem-nas como um problema para a humanidade (Eva, a mulher samaritana) ou então como mulheres exemplares, como Maria, mãe de Jesus. indivíduos e como igreja. Todos nós, homens e mulheres, podemos começar a acreditar que as mulheres sempre estiveram caladas e à margem da história do relacionamento de Deus com as pessoas, e que o presente e o futuro pode preservar esse modelo do passado ou romper com ele de forma dramática e radical.40 Sem acesso às histórias, por mais ambíguas que sejam, a igreja empobrece. Não temos todas as histórias de que precisamos para viver, como M e d id a s d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Dar destaque ao primeiro relato da criação (Gênesis 1.27-28), que não somente supõe a igualdade na criação, mas a responsabilidade e o privilégio compartilhados de ser mordomos de toda a criação, ao invés do segundo relato, em que se considera a mulher unicamente como “auxiliarw do homem —o que é interpretado muitas vezes como uma posição de subordinação e também como causa do pecado e do sofrimento. • Incluir exemplos de líderes como Míriam, Débora, Ester e Abigail para enfatizar a necessidade e a relevância da liderança feminina. • Redescobrir afigura de Maria, mãe de Jesus, não somente como uma jovem mulher devota, obediente e submissa, mas também como uma pessoa que aceitou o chamado de Deus para desempenhar um papel-chave na ação salvífica de Deus sem pedir permissão ao seu prometido nem à sua família. Pode-se descrevê-la como alguém capaz de entender e analisar o contexto sócio-político, que pode cantar uma canção revolucionária radical e que quer participar no plano salvífico de Deus. • Usar Efésios 5.28 para enfatizar uma relação de respeito e de amor entre parceiros baseada na cristologia. 44 ' C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e Restauração do deserto U m a m an eira de ressa lta r a co n trib u ição das 10. Liturgias mulheres seria recordar nas celebrações da paixão É necessário que as liturgias dêem espaço ao de Jesus o ato litúrgico da discípula que lhe deu a unção m essiânica com um perfum e muito caro compartilhar de experiências de vida, muitas vezes, consideradas emotivas e, por conseguinte, de menor (Mateus 26.6-13, Marcos 14.3-9). importância. As mulheres, que são consideradas A pesar dos protestos dos discípulos, Jesus seres “emotivos”, não podem contribuir com suas aprecia o ato da mulher e promete-lhe que, em ricas e variadas expressões de liturgia nos cultos qualquer lugar que seja pregado o evangelho, p rin c ip a is. Suas c o n trib u iç õ e s ficam , en tão, tam bém será contado o que ela fez, para co n fin ad as a seus p ró p rio s grupos. Se lhes é memória dela. Contudo, quando os evangelhos conferida a devida atenção, não há dúvida de que foram escritos, o nome desta mulher já havia esse rico recurso intensificará a experiência de culto de todos. sido esquecido. Cabe assinalar que o contexto e o conteúdo do relato são com pletam ente litú rg ic o s - ela re a liz a um ato litú rg ic o A s m u lh e re s fo ra m e c o n tin u a m sen d o sig n ific a tiv o e re c o n h e c ív e l: a unção. A fortalecidas pela liberdade, pela igualdade promessa de Jesus, por sua vez, é uma promessa encarnada na liturgia e pela esperança do litú rg ic a que en v o lv e a p ro c lam aç ão e a recordação.42 triunfo da vida sobre a morte proclamadas no evangelho. Ao m esm o tem po, as m ulheres sabem que na liturgia da igreja promete-se mais É importante não confundir essa mulher com Maria do que se cum pre. U m a vez que afirm a a de Betânia nem com M aria Madalena. unidade batism al e a igualdade de todos os cristãos, m uitas vezes, a liturgia reconhece Ao lado da natureza da estrutura da igreja, das unicamente os dons de liderança dos homens.41 interpretações e dos ensinamentos teológicos que 45 C a p ítu lo 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e criam e validam a supremacia masculina, muitas vezes a igreja silenciou a respeito da questão da violência contra a mulher, ou tratou disto em círculos privados. Algumas igrejas, sem intenção, são cúmplices de sua perpetuação quando: • • permitem que persistam interpretações e ensinam entos que, em muitos casos, transformam a mulher em causa do pecado, legitimando, assim, seu papel secundário; • adotam um modelo patriarcal e hierárquico centralizado no homem em detrimento ao pleno uso do potencial que Deus outorgou às mulheres de serem parceiras de igual para igual na missão e nos ministérios da igreja; • prescrevem a maneira de como a mulher deve vestir-se e comportar-se, assim como os papéis que lhe correspondem, confinando-as em uma posição específica e limitada; • não demonstram nenhum apreço pelos dons com os quais as mulheres, a mais numerosa comunidade de adoração, contribuem na igreja: tempo, talentos e dízimos. M e d id a s negam às mulheres a igualdade de oportunidades no que diz respeito a ocupar cargos de direção, a participar nas instâncias decisórias e no ministério ordenado, enquanto que outras igrejas que participam na comunhão promovem a liderança feminina. A solidariedade de Jesus com as mulheres em toda a sua trajetória e, especialmente, sua preocupação pelas marginalizadas, seus esforços deliberados em afirmar as mulheres, transcendendo tradições e normas, é um mandado para nós. O fato de as mulheres terem sijjo solidárias com Jesus, não somente durante sua vida e seu mirtfetérM,' mas também em seu sofrimento, morte e, inclusive, na ressurreição, enfatiza essa fidelidade das mulheres, que é necessário afirmar e elogiar. O fato de Jesus ressuscitado ter aparecido pela primeira vez a uma mulher prova que ele queria que elas participassem na proclamação da boa-nova. O fato de Pedro elogiar a contribuição das mulheres, chamando-as de “colaboradoras”, desafia-nos a encorajar as mulheres a participarem nos diversos ministérios da igreja. p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • Incorporar em nossas celebrações litúrgicas da paixão de Jesus o ato da discípula que lhe deu a unção com um perfume muito caro. • Incluir imagens femininas e outras imagens de Deus na liturgia, nos hinos e em demais publicações da igreja. • Usar linguagem apropriada a partir da perspectiva de gênero e dar igual importância às liturgias criativas de mulheres e crianças. • Permitir que as liturgias reflitam a riqueza e a diversidade dos contextos culturais locais. • Desenvolver uma forma básica de culto cristão que seja flexível para dar espaço ao partilhar de experiências de uma espiritualidade viva, envolvendo corpo, mente e alma. 46 C a p ítu lo 3 - T r a n s f o r m a ç ã o d a ig r e ja e d a s o c ie d a d e Armadilha em potencial 11. Ressurgimento do extremismo religioso tratam de ocultar o problem a porque é um mau testemunho e temem o pastor ou as críticas das O crescimento dos movimentos fundamentalistas acentua de muitas maneiras a violência suportada outras pessoas. pelas mulheres. É difícil para muitas delas admitir Sua teo lo g ia cria sen tim en to s de vergonha e que so frem v io lê n c ia d o m éstica, p o rq u e tais inibição, enquanto elas sofrem. Trata-se de uma movimentos fazem-nas sentir que tom ar público o espiritualidade de sofrimento, fundam entada em maltrato físico eqüivale a negar a presença de Deus uma teologia de resignação; a idéia consiste em que em su as v id a s. M u ita s m u lh e re s de g ru p o s a vida da mulher é uma expiação de seus pecados. carismáticos chegam inclusive a tolerar a violência Entre os sentimentos de culpa, a tentação demoníaca fam iliar porque dizem sentir que “o diabo está e o sacrifício, a violência doméstica encontra uma tentando seu m arido” . Insiste-se que ela deve cum plicidade no sofrim ento em m ulheres que perdoar o marido porque ele é violento unicamente tem em a c o n d e n a ç ã o da c o n g re g a ç ão ou da sociedade. sob a influência de um espírito violento. Então, 47 C a p ít u l o 3 - T r a n s f o r m a ç ã o M e d id a s d a ig r e j a e d a s o c ie d a d e p o s it iv a s q u e p o d e m s e r t o m a d a s • A igreja pode tomar a iniciativa e oferecer diálogos e debates inter-religiosos sobre: - a relação entre violência e religião; - o papel da instituição-igreja na redução da violência; - nossa compreensão da não-violência em nossa realidade violenta; - direitos humanos e liberdade religiosa; - salvaguardar a religião do fanatismo; - a situação de matar em nome da religião; - extremismo religioso como expressão de crentes fervorosos e pensadores em vez de “satânicos”. • Utilização de recursos de outras áreas, como a psicologia, para entender o fanatismo, sua identificação, suas manifestações e meios de contê-lo. • Promover discussões sobre quem tem direito a interpretar e falar em nome das religiões. • Revisar o conceito de secularização como modelo ideal a ser adotado pelos países, do individualismo* *. » e do egoísmo na orientação comunitária e nossa relação com Deus; tradições eclesiásticas, outras tradições e suas conseqüências nos contextos atuais. • Examinar o comportamento agressivo do “eu ” incapaz de compartilhar e de respeitar a personalidade de outras pessoas. R ecu rso s a d ic io n a is H. MEYER-WILMES . Práticas de violência em nome da religião: sobre os amplos limites permitidos à violência contra a mulher. Concilium Vol./No. 272 (1997), p. 75-85. Berlindes Astrid KUECHEMANN e Moema L. VIEZZER, (Orgs.) Superando obstáculos nas estratégias de prevenção e combate à violência contra a mulher. São Paulo, Rede Mulher de Educação, 1998. Wanda DEIFELT. A prática da teologia em perspectiva feminista: o caso da violência doméstica. In. ZWETCH, Roberto e BOBSIN, Oneide (orgs.) Prática Cristã: novos rumos. São Leopoldo : IEPG Sinodal, 1999. Marlise Vinagre SILVA. Violência contra a mulher: quem mete a colher? São Paulo : Cortez, 1992 RIBLA. Violência sexista. Vol./No. 41 (2002). São Paulo. Elizabeth SCHÜSSLER FIORENZA; Mary COLLINS. A mulher invisível na teologia e na Igreja. Revista Concilium 202. Petrópolis, RJ, Vozes 1985. / Oração para quem sofre devido a estupro e agressão. Anexo IV B. Jesus, cura-nos. Anexo IV C. C o n clusão Este docum ento é um convite às igrejas para que tom em medidas positivas a fim de trazer vida em toda a sua plenitude às mulheres e aproveitar os diversos dons que Deus lhes deu para enriquecer a vida e fortálecer o testemunho da igreja. As m ulheres sem pre foram fiéis. E a igreja como instituição foi so lid ária, com elas, assim domo Jesus foi durante sua vida e seu m inistério? A igreja foi pioneira em m uitas ações libertadoras. A eliminação da violência contra a m ulher poderia ser mais uma. 49 A notações A nexos de colocá-las, em segurança, junto com seu relato por escrito do ocorrido. Esta informação facilitará o procedimento quando decidir entrar com uma ação legal no futuro para conseguir um a ordem de restrição, imputar penas ou, se for o caso, obter a custódia dos filhos. 4. Combinar com pessoas da vizinhança um sinal para que elas saibam quando você necessita de ajuda (por exemplo, acender a luz da entrada em plena luz do dia ou fechar a cortina de uma determinada janela). 5. Guardar algum dinheiro em um lugar secreto para dispor dele em caso de emergência ou "sé decidir partir; não esquecer de um cartão telefônico para o caso de ter que telefonar de um telefone público. Também pode separar um a m uda de roupa, m aterial de h igiene p e sso a l, o u tro s ó c u lo s, d o c u m e n to s importantes etc., para si mesma e paia os filhos, e pedir a um vizinho ou a um amigo que os guarde junto com um jogo de chaves em caso de ter que partir rapidamente. 6. Um refúgio seguro Se decidir partir, levar consigo os documentos im p o rta n te s (c e rtid ã o de n a sc im e n to , p a ssa p o rte , se g u ro de saú d e, fo to s de identidade e carteira de motorista, certificado de vacinação, cheques, m edicam entos etc.), I. AJIJDA ÀS VÍTIMAS seus e de seus filhos e filhas. A. O que fazer para proteger-se a si mesma43 B, Textos bíblicos que podem servir de consolo 1. 2. Falar do que está acontecendo com um a amiga, amigo ou parente de confiança e que pode ser Salmo 7.1-4,6,8-11,10,12,13; 16.7-9,11,17,20,23; 25.1- um a boa fonte de apoio. 5; 27.1-3,7-9; 30.1-5; 31.14-16; 35.22-28; 38.6-10; 43; Fazer contato com o program a local de luta 46.1-7; 55.1-8; 62.2-7, 70; 77.1-4,6-9,11-14; 103.68,11,12; 116.3,4,8-11,15,16; 121; 139.1-24; 143.4-8; contra a violência doméstica para informar-se 145.13-21 sobre as leis e os recursos disponíveis na Isaías 40; 41.10-13; 4 3 .l - 3 a ; 49.15 co m u n id a d e (a b rig o s , a c o n s e lh a m e n to , Jó 21.7,9,14-16 assistência jurídica), antes de necessitar deles. M ateus 11.28-30 Isto pode ajudar a se manter em segurança. Lucas 11.5-13 Romanos 8.18-25, 29a 3. João 14.27; 16.21-24 Pedir ao agente de saúde ou a um amigo que tire fotografias de suas lesões (hem atom as, arranhões, olhos roxos etc.) e assegurar-se de que sejam anexadas ao seu histórico clínico e 52 A nexos ii. A ju d a à s p e s s o a s q u e a s s is t e m a s VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA A. Identificação da mulher m altratada Apesar de que cada mulher corre potencialmente o risco de ser maltratada, nem todas são capazes de revelar ou expor a violência sofrida por causa do estigma social e a vergonha associada a ele. Ela também pode ocultá-la para evitar uma vitimização posterior. Contudo, um olho treinado pode detectar as seguintes características da mulher maltratada: baixa auto-estima; insegurança e o desejo de querer sem pre agradar; incapacidade de p la n e ja r o fu tu ro ; d e p re ssã o ; te n d ê n c ia su icid a; m udanças de hum or; nervosism o; irritab ilid ad e e incapacidade de se concentrar. Também pode apresentar tendências autodestrutivas, como consumo de bebidas alcoólicas e drogas, direção perigosa, pode machucar a si mesma ou desenvolver transtornos alim entares. Pode ter sérios ataques de dependência e independência, culpando os outros ou a si mesma. Uma hora pode querer se vingar, porém logo procura desculpas para o agressor. Também se fará perguntas, tais como: De qualquer maneira, qual é o sentido de tudo isso? É este o meu destino? Quem se importa de verdade? etc. B. Identificação do agressor Encontrar uma subida Em geral, existem duas categorias: p ro v a s • O a g re s so r a u to c o n tro le a n tis s o c ia l, com que fa c ilid a d e p e rd e o do “m au c o m p o rta m e n to ” , fa z e r-lh e interrogatórios ou telefonar-lhe m uitas vezes para controlá-la. e q ue é extremamente irritadiço e violento em muitas • ocasiões; Os agressores, muitas vezes, têm idéias tradicionais e O agressor clássico, que é violento somente com sua companheira e seus filhos. muito conservadoras acerca da mulher e de seus papéis. Estão sempre querendo demonstrar sua superioridade, mesmo que seja agredindo suas companheiras. Em geral, Os homens da segunda categoria têm temperamentos dependem muito delas e não sabem como atender suas explosivos, mas se limitam à esfera privada. Em público, próprias necessidades. Não fazem amizades facilmente parecem bem educados e cordiais. Porém, sofrem de ta m p o u c o e x p re ssa m seu s se n tim e n to s, nem se baixa auto-estima e precisam controlar as pessoas e os com unicam livrem ente. Pode ser que tenham sido objetos. Têm medo de ser perdedores e, portanto, são testemunhas das surras que seus pais davam em suas muito possessivos. Podem im aginar que sua esposa é mães ou que tenham sido vítimas de violência quando infiel, acusá-la e agredi-la apenas por ter falado com eram crianças. Não assumem a responsabilidade por sua outros homens. Podem ser muito desconfiados e xeretar conduta negativa, m inim izam ou negam seus atos violentos. os pertences pessoais de sua parceira para encontrar 53 A nexos Ajudar a vítima a curar e o agressor a arrepender-se e a mudar constituem o âmago da reconciliação. Porém deve-se ter o cuidado de compreender que a reconciliação do ponto de vista da vítima é totalmente diferente da reconciliação do ponto de vista de quem comete o ato de violência. 2. É importante acreditar. Muitas vítimas são ameaçadas com vexações piores se contarem sua história. Em alguns casos, o agressor pode ser alguém que você conhece e em que você confia, por isso as vítimas podem temer que você não acreditará nelas. Felicite-as pela coragem e estimule-as a falar. Falar exige coragem e força, e talvez seja importante falar isto para as vítimas. 3. Valorizar os sentimentos. As vítimas estão assustadas, muitas vezes envergonhadas e, às vezes, temem ficar loucas se continuar tendo pesadelos ou súbitas lembranças do acontecido. H Estes sentimentos são normais em alguém que atravessa tal crise. 4. Enfatizar a segurança. Muitas vezes, as vítimas minimizam ou negam a dor que sentem e que ameaça seu bem-estar. Se você usar a palavra “segurança” quando falar com elas, ajudará com que elas próprias dêem prioridade à sua segurança. 5. Afirmar que NÃO culpam a vítima. Em muitas culturas, diz-se às vítimas que a violência é culpa delas. As vezes, os próprios agressores dizem-no às vítimas. E oportuno que você lhes diga com firmeza: “Você não merecia ser agredida” ou “Não creio que seja culpa sua”. 6. Respeito, apoio e recursos. Você pode ter idéias muito claras a respeito do que a vítima deveria fazer. Você pode querer, por exemplo, que a mulher maltratada abandone seu marido; porém, se lhe der ordens ou dizer o que deve fazer, em certa medida você estará fazendo o mesmo que o agressor. Ao contrário, você deve informá-la sobre os recursos e as possibilidades disponíveis em sua comunidade. Ela talvez não saiba que existem organismos que podem ajudá-la. Apoie as decisões que ela tomar, inclusive aquelas que não agradam a você ou das quais você discorda. Seu apoio agora pode ajudá-la a tomar decisões diferentes mais tarde. Ajude-a a ampliar suas perspectivas, mesmo que minimamente. Juntos poderão imaginar algumas possibilidades criativas que talvez ela C. Entender a vítima de estupro A recuperação da vítima engloba várias etapas, começando com a intervenção, seguida de vários anos de apoio. • A primeira etapa denomina-se “síndrome do trauma do estupro”, em que a vítima passa por desorientação e interrupção dos mecanismos de defesa habituais, choque, medo (incluindo o medo de represálias), ansiedade; retraimento, pranto, ataques imprevisíveis de raiva; autoacusação; lembranças dos atos de estupro que surgem repentinamente, e outros sintomas póstraum áticos habituais, como pesadelos, transtornos do sono, sobressaltos e hipervigilância, e sintomas físicos como náuseas e dores de cabeça.44 • A segunda etapa é de “recuo ou pseudoajustamento”45. Esta etapa pode durar vários meses ou anos, quando parece que a vítima superou a situação e que pode assumir atividades normais. Nesta etapa, a vítima necessita sentir-se segura de que não aborrece o conselheiro com sua preocupação com o crime. • A terceira etapa é de “integração”, mas qualquer lembrança do ato passado pode evocar o horror de sua experiência. D. Medidas a serem tomadas quando uma mulher relata a você sua experiência de vitimização46 1. Criar um clima de segurança e acolhimento em que as vítimas sobreviventes podem falar. As vítimas sabem muito bem quando sua presença não é bem-vinda. Se você colocar cartazes e anúncios com informação sobre a violência experimentada pelas mulheres, elas começarão a se aproximar de você. 54 A nexos sozinha não teria conseguido descobrir. Se a mulher maltratada decide ficar lá onde poderá voltar a ser maltratada, pode temer que você a abandone e, por isso, é apropriado dizer-lhe alguma frase, assim como: “Se ficar com ele, preocupo-me com sua segurança, mas estarei aqui se necessitar”. Também pode ajudá-la a pensar em novas maneiras de se manter a salvo em seu lar e trabalhar em seus outros recursos para que, mais cedo ou mais tarde, decida partir. 7. 8. Lembrar os outros membros da família e os amigos. Quando alguém é vítima de abusos, há outras vítimas além daquela que fica machucada diretamente. Por exemplo, filhos que testemunham a violência familiar também são prejudicados. Pessoas quem amam as vítimas da violência também sofrem com elas. Numa família em que haja evidências de incesto, esta distorção da dinâmica familiar é nociva para todos os seus membros. Muitas vezes, quando as mulheres são ajudadas a entender que a violência que sofrem diretamente também prejudica seus filhos e suas filhas, isto ajuda para que optem por outras alternativas. As vítimas podem ter crises espirituais por causa da violência sofrida. A teologia pode ser um poderoso instrumento de empoderamento social e econômico. Escutar as conexões com a fé que as vítimas fazem pode ser um aprendizado importante para você. Dê boas informações sobre os fortes modelos de papéis que aparecem na Bíblia e sobre as influências do sexismo na tradição. Ofereça algumas opções novas, de um Deus que ama ao contrário de um Deus que julga. Podem surgir perguntas cujas respostas exigem uma boa preparação, como por exemplo: »“Por que Deus permitiu que me acontecesse isso?” “Onde ^eslava Deus enquanto eu sofria”. Tenha consciência de que a graça está presente na cura e no apoio da comunidade para aquela pessoa que sofre violência. Deus chama-nos para “anunciar a libertação aos escravos e a liberdade para os que estão na prisão” (Isaías 61.1). Sobretudo, a vítima deve poder confiar em que será mantido confidencial tudo o que ela relatar. Se for necessário, deve-se chegar a um breve e claro acordo sobre que partes da conversa podem ser compartilhadas e com quem. 55 A nexos a desigualdade por questões de gênero; os papéis estereotipados; o conceito de poder e de relações de poder; as raízes da violência; a conexão entre estruturas, sistemas e forças sociais que criam conflitos entre homens e mulheres. 2. Analisar os próprios atos e atitudes que podem perpetuar o sexismo e a violência e esforçarse para mudá-los. 3. Condenar publicamente os comentários e as piadas sexistas que denigrem a mulher. 4. Não comprar revistas, livros, vídeos, cartazes, discos ou qualquer outro objeto de arte que reduz a mulher a um objeto sexual ou objeto de violência. M onitorar a internet e advertir sobre qualquer site pornográfico. 5. Apoiar os candidatos a cargos diretivos que estejam a favor da plena igualdade social, econôm ica e p o lítica da m ulher. O por-se ativamente àqueles candidatos de quem se sabe Apoio e solidariedade que abusam da mulher. Defender um investimento maior em abrigos p ara m ulheres m altratadas e centros para pessoas que atravessam a crise pós-estupro. O fe re cer-se v o lu n ta ria m e n te q u ando são necessários homens para defender a causa, falar III. REDES DE SOLIDARIEDADE MASCULINA em instituições educativas, em centros para jovens e em reuniões político-partidárias. A. Como os homens poderiam ajudar a erradicar a violência masculina contra a mulher 7. Organizar grupos de homens, ou unir-se a um deles, na igreja e na sociedade para trabalhar 1. Ler, refletir e compreender c o n tra o sex ism o e a v io lê n c ia . A p o ia r • o processo e o efeito das relações sociais na erradicar a violência contra a mulher. Elogiar família, sociedade e igreja; os homens que estabelecem novos modelos de movimentos de mulheres que trabalham para solidariedade e de ação afirmativa em relação • a respeito da masculinidade e feminilidade; às mulheres. 56 A nexos problema. B. Exemplo de um jovem advogado que luta contra o tráfico de meninas 47 3. Aprender por que alguns homens são violentos. Um exemplo simples é o do sr. Joshi, jovem advogado 4. Participar da campanha usando um laço branco. 5. Desaprovar publicamente os termos sexistas e as piadas que degradam as mulheres. 6. Aprender a reconhecer e combater o assédio de Nepal que combate o tráfico de meninas. Certa vez, estava visitando um povoado e viu um homem que estava agredindo sua esposa. Pediu-lhe para parar de bater nela. O homem respondeu que podia agredi-la sempre que lhe desse vontade porque sua esposa era sua propriedade. “Você é mais forte?”, perguntou o advogado. “Sim”, respondeu o homem. “Então, que tipo de homem é você sexual e a violência no local de trabalho, na escola e na família. que agride alguém mais fraco?”, perguntou-lhe o sr. Joshi. O homem disse: “Está certo, já sei aonde quer 7. chegar”, e parou de bater na mulher. O sr. Joshi havia A p o ia r p ro g ra m a s lo c a is d e stin a d o s às mulheres. questionado o modelo de masculinidade no povoado, conseguindo com que o homem pensasse a respeito de 8. uma outra perspectiva. Refletir sobre seu próprio comportamento para saber se está contribuindo para o problema. C. A Campanha do Laço Branco48 9. Outro modelo é a Campanha do Laço Branco, em que 10. P a rtic ip a r nos e sfo rç o s e d u c a tiv o s da se enumeram dez coisas que cada homem pode fazer para ajudar a erradicar a violência dos homens contra a mulher: 1. Escutar as mulheres, aprender delas. 2. Tentar compreender a natureza e o alcance do Trabalhar por soluções a longo prazo. Campanha do Laço Branco. A nexos B. Oração para quem sofre por causa de estupro e agressão 49 Deus de amor, escuta minha oração. Venho a ti, machucada e exausta, com raiva e triste. Acolheme em teus braços e enxuga m inhas lágrim as. Ajuda-me a entender que essa loucura não foi obra m inha. C am in h a com igo pelo lo ngo vale da escuridão. Fica comigo quando me sinto sozinha. Consola meu coração porque neste momento o dom da vida que me deste está além dos meus próprios se n tim e n to s e in c lu s iv e conhecimento. do m eu p ró p rio v« * . ! » • Mostra-me como aceitar o cuidado de quem me ama e ora por mim, sobretudo quando eu mesma não consigo encontrar palavras para orar. Derrama sobre mim o espírito de cura, carinhoso Deus, para que meu espírito respire de novo e então reviva e volte a sentir esperança e amor. Peço-te por isto e por tudo o que tu vês que necessito. Amém. (Autoria anônima) C. Jesus, cura-nos50 Líder: Jesus, que ama a humanidade, tu curaste a filha da mulher siro-fenícia, uma estrangeira que veio a ti, um mestre judeu. Com teu dom da vida, mostraste-nos que somos um só povo e que todos merecemos ser amados. Agora viemos a ti, mães em espírito, orando pela cura do mundo, dizendo: Fé e esperança Todos: Jesus, cura-nos. Por este país que sofre com as feridas autoin flig id a s pelo racism o , p e la co b iç a, pelo iv. A c o m p a n h a m e n t o genocídio de seu povo indígena e pela opressão do pobre, ensina-nos que a grandeza só pode e s p ir it u a l A. As E scrituras como guia útil p ara quem atravessa uma crise re s id ir na ju s tiç a , na g e n e ro sid a d e e na Recitar passagens que asseguram a presença de Jesus, cura-nos. compaixão. Pedimos-te: D eus em n o sso s tem o res, p ro v as, d ú v id as e situ a ç õ e s a te rro riz a d o ra s é um Pela paz entre os povos, que os ossos secos p o d e ro so acompanhamento. encontrados nos campos de batalha e nas covas Aconselhamos ler: Salmo 22.1-2, 14-15; 23; 27; comuns cavadas pelos tiranos elevem-se como uma hum anidade ressuscitada, com prom etida 55.1-8; Isaías 52.2, 7-10 e Romanos 8.31-39. com a paz e o b e m -e sta r de to d a a Terra. Pedimos-te: 58 A nexos Jesus, cura-nos. Por tua igreja dividida, que comete erros graves e, muitas vezes, é intolerante, nós esfregamos nossos olhos com a esperança de abrir nossa visão e focá-la sempre em ti. Porém, perdemonos em meio à desilusão, ao temor e à dúvida. Envia-nos a luz orientadora de teu sábio Espírito, a cura do teu amor. Pedimos-te: Liberta-nos hoje da necessidade de nos ocultar a todo custo, da necessidade de esconder-nos atrás da segurança da igreja. Liberta-nos da tentação de comprometer convicções em nome da diplomacia e de mentir em benefício próprio. Jesus, cura-nos. Por todos aqueles que nominamos nesta reunião e que necessitam de cura e de nossas orações (citam-se os nomes...). E assim hoje, quando celebramos a festa da redenção, elevamos diante de tua misericórdia todos os seres vivos e te damos graças pela vida de todos os nossos entes queridos que agora celebram tua glória no paraíso. Liberta-nos. V « •«*. i '• * Cremos que além de nossa dor deve haver cura. Mais além do quebrantamento deve haver integridade. (Irene St. Onge, São F rancisco, C alifórnia, EUA) Mais além da ofensa D. Litania para a cura de assédio sexual51 deve haver perdão. Líder: Em nome de Deus, a cuja imagem foram criados os homens e as mulheres. Que mais além do silêncio, deve haver compreensão. E que na compreensão há amor. Todos: Amém. Confessamos que por nosso pensamento, palavra e obra não temos honrado tua imagem uns nos outros; que o temos limitado, rebaixando-nos uns aos outros; que nos temos afastado da fonte da sabedoria, confiando em nossa própria tolice. ( C ulto na capela d o C entro Ecum ênico, 3 d e novem bro de 1994, em G enebra, Suíça) 59 * A nexos V. RESOLUÇÕES DO CONSELHO DA FLM SOBRE A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER • • capacitando as vítimas da violência a encontrarem refúgio e a buscarem soluções permanentes; • formando comitês para denunciar a violência existente nos meios de comunicação e estabelecer métodos para realizar ações de protesto; • reivindicandp transform ações nas leis, tradições e procedimentos que dNcfirúinam a mulher, convertendo-se em um fator de mudança.” Reunião do Conselho da FLM (Madrás), Chennal, índia, 1992 Após identificar a violação dos direitos da mulher por parte dos homens (e também das mulheres) como um programa prioritário da Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade, do Departamento de Missão e Desenvolvimento (DMDMNIS), recomendaram-se as seguintes estratégias que foram apresentadas na publicação do DMD-MNIS: Um plano de ação claro, 1992, pp. 19-20. “Expor a violação dos direitos da mulher por parte dos homens, das estruturas sociais, políticas e econômicas e das próprias mulheres.” Reunião do Conselho da FLM, Kristiansand, Noruega, 1993 “A igreja pode desempenhar um papel-chave, trazendo cura e integridade à mulher maltratada e à sociedade em seu todo: • • • • • destas e tomar medidas para erradicá-las; criando um espaço seguro onde as mulheres possam falar livremente de suas experiências; Baseado nos pontos levantados no Informe do Diretor a respeito da violência contra a mulher como um problema mundial, e acabando com a conspiração do silêncio em tomo da violência e da sexualidade; “porque a violência permeia toda a sociedade, incluindo as igrejas, o Conselho recomendou às igrejas-membro a: iniciando estudos minuciosos sobre as formas específicas de violência, com o objetivo de compreender melhor como são planejadas e executadas e quais os fatores que contribuem para que se perpetuem; • iniciarem um estudo e darem acesso à educação acerca da violência contra a mulher, tal como propôs a VII Assembléia da FLM, envolvendo principalmente pessoas leigas em programas educativos focados em todas as manifestações de violência contra a mulher (sexual, doméstica, racial, reprodutiva, psicológica e institucional); • reavaliarem e revisarem seu conceito de educação, em particular da educação cristã, tanto de crianças como de adultos; • oferecerem apoio social e assistência prática a vítimas e sobreviventes, assim como àqueles que trabalham com elas e com quem comete esses atos; • iniciarem um trabalho de defesa da mulher, defendendo políticas sociais e uma legislação reconhecendo que a violência contra a mulher é uma realidade e não um mito e que freqüentemente não se acredita nas mulheres quando elas relatam suas dolorosas experiências; dando sermões e promovendo atividades didáticas para refletir sobre o tema (desde os programas da escola dominical, passando pelos grupos de preparação para Batismo e confirmação e todos os demais cursos de educação cristã); organizando oficinas para homens e mulheres, destinadas a identificar coletivamente todas as manifestações da violência, analisar as raízes 60 A nexos • que a proteja; desenvolverem políticas e procedimentos aplicáveis aos casos de abuso e assédio sexuais no âmbito da igreja e criarem um fórum onde se possa falar abertamente do abuso sexual; • apoiarem as m últiplas organizações de mulheres que se ocupam ativamente com a violência contra a mulher, e além disso, • solicitarem aos departamentos pertinentes da FLM que elaborem um plano de ação coordenado para transmitir as decisões do Conselho das igrejas-membro e indicar-lhes material de referência para que abordem a questão da violência, levando em consideração as recomendações da Consulta Internacional de Mulheres Luteranas (México, julho de 1989) e ações semelhantes das igrejas, das Nações Unidas e demais organizações que tratam do tema. • (LWF Documentation, n. 35: An Agenda for Communion, Genebra: LWF Publications, 1994, p. 95) Reunião do Conselho da FLM, Bratislava, Eslovênia, 1999 “Direitos humanos da mulher “A IX Assembléia da Federação Luterana Mundial disse: “Os direitos da mulher são direitos humanos. As mulheres são desproporcionalmente afetadas pela repartição desigual dos recursos e são as mais vulneráveis em grupos marginalizados, tais como os refugiados, os povos indígenas e a população carcerária. Em muitas partes, elas são privadas de seus direitos de propriedade e de herança e têm menos possibilidades de receber instrução e capacitação. A violência contra a mulher é um fenômeno generalizado na sociedade e ocorre também nas igrejas e em lares cristãos. A violência é silenciada, ignorada, aceita indiretamente e, às vezes, defendida mediante interpretações bíblicas. Devemos confessar e reconhecer o pecado da igreja em tolerar a violência contra a mulher, especialmente o abuso na igreja. (LWF Documentation, n. 33: People of God - People ofNations, Genebra: LWF Publications, 1993, p. 120) Reunião do Conselho da FLM, Genebra, Suíça, 1994 “O Conselho decidiu: • opor-se a todos os atos e formas de violência contra a mulher, independentem ente de qualquer costume, tradição ou consideração religiosa que possa ser invocada para sancionar tal violência e, em particular, a mutilação genital feminina; • exortar as igrejas-membro a tomarem medidas concretas para erradicar todas as formas de violência e exploração contra a mulher em suas sociedades e igrejas; • apoiar os objetivos da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher das Nações Unidas, de 1993, incluindo a afirmação de que o tráfico de mulheres é uma forma de violência; sublinhar a importância da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995), convocada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em cuja agenda estavam incluídas estas e outras questões relativas à problemática da mulher, e acolher a participação das igrejasmembro da Federação Luterana Mundial nesta conferência.” “A Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade, do Departmento de Missão e Desenvolvimento, aborda todas as formas de violência contra a mulher e trabalha por uma comunidade solidária em que reine o respeito a todos os seres humanos, homens e mulheres por igual. “O Conselho decidiu: • 61 encorajar as igrejas-membro a abordarem a dolorosa questão da violência contra a mulher em todas as manifestações específicas em seu respectivo contexto, e A nexos • Reunião do Conselho da FLM, Genebra, Suíça, 2001 pedir à Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade que proponha meios de acompanhar as igrejas em seus esforços para abordar esta questão.” “13.1 As igrejas dizem NÃO à violência contra a mulher “O presidente lembrou que, na reunião de junho de 2000, o Conselho solicitara que o projeto de documento ‘As igrejas dizem NÃO à violência contra a mulher’ fosse compartilhado com as igrejas-membro para seu uso imediato e reação. O Comitê do Programa recebeu um relatório do processo, das reações e sugestões recebidas e expressou seu apreço pelo apoio positivo mostrado ao documento. Durante a reunião, também foram recebidas reações de outros Comitês do Programa e Comitês Permanentes. (LWF Documentation, n. 44: The Gospel Transforming Cultures. Genebra: LWF Publications, 1999, p. 158) Reunião do Conselho da FLM, Turku, Finlândia, 2000 “Recordou-se que, no ano anterior, foi solicitado à Secretaria da Mulher na Igreja e na Sociedade que propusesse formas de acompanhamento às igrejas em seus esforços para tratar do tema da violência contra a mulher. Inicialmente, foi apresentado o projeto do documento “As igrejas dizem NÃO à violência contra a mulher”, como uma dessas maneiras, com o objetivo de receber suas reações e comentários antes de o trabalho continuar e o documento ser finalizado para a aprovação do Conselho no ano seguinte. Porém, em vista da urgência do tema, o comitê solicitou que, uma vez que os comentários tivessem sido incorporados, o documento deveria ser compartilhado com as igrejasmembro para ser usado em seus vários contextos e para receber suas contribuições, ao invés de se esperar outro ano mais até que o documento pudesse ser aprovado pelo Conselho. “ O Conselho discutiu e aprovou uma moção de emenda à recomendação inicial de incluir um/uma representante do Comitê de Programas de Serviço Mundial no comitê especial que seria designado para finalizar o documento. Respondendo a uma preocupação acerca do período de tempo de dois anos mencionado no último ponto da recomendação original, o Conselho aprovou uma emenda e “DECIDIU “Sugeriu-se que o documento poderia ser reforçado com uma resolução do Conselho. Contudo, depois de certa discussão, concordou-se em incorporar os comentários do comitê e compartilhar a proposta de documento com as igrejas-membro para imediato uso e reação das mesmas. Uma carta do secretário-geral acompanharia o documento explicando o processo, solicitando que as igrejas-membro lhe dessem atenção e se identificaram outras formas de tratar do tema da violência contra a mulher. Enquanto isso, o projeto compartilhado com o comitê também foi compartilhado com membros do Conselho para sua informação.” (Cf. Atas da reunião do Conselho da FLM, em Turku, Finlândia, junho de 2000, parágrafos 163, 164) 62 • receber o documento com a condição de que a resposta e os com entários adicionais recebidos do Comitê do Programa, do Comitê Pemanente e das igrejas-membro da FLM sejam incorporados na medida do possível; • nomear um comitê especial composto por cinco membros do Conselho (dois de Missão e Desenvolvim ento, um de Assuntos Internacionais e Direitos Humanos, um de Teologia e Estudos e um de Serviço Mundial) para revisar as mudanças e aprovar o documento para sua publicação; • estender o prazo para receber mais respostas ao documento; • terminar a proposta em dezembro de 2001 para sua publicação e tradução e publicação em A nexos • alemão, espanhol e francês, e acompanhar as igrejas-membro que queiram traduzir o documento para idiomas locais e facilitar a distribuição, de forma urgente, a todos os dirigentes das igrejas, líderes leigos, pastores e pastoras nas congregações de todas as igrejas-membro, seminários e mulheres dirigentes. “DECIDIU: “Nomear um Comitê Especial até o final de dezembro de 2001 com os seguintes membros: Reverenda Dra. Kajsa AHLSTRAND Teologia e Estudos “A nomeação dos membros neste comitê especial foi remetido ao Comitê de Nomeações. A ação do Conselho está registrada sob o Ponto 6.5.” Reverendo Thorbjõm ARNASON Assuntos Internacionais e Direitos Humanos Bispo Joseph Paul BVUMBWE Missão e Desenvolvimento (Cf Atas da Reunião do Conselho da FLM, em Genebra, Suíça, junho de 2001, parágrafos 176-186) Reverenda Dra. Prasanna KUMARI Serviço Mundial “6.5 Nomeação dos membros do Comitê Especial “De acordo com a sua ação de estabelecer um comitê especial de cinco membros do Conselho (ver Ponto 13.3), o Conselho, por recomendação do Comitê de Nomeações, Reverenda Ágnes PÁNGYÁNSZKY Missão e Desenvolvimento “com a tarefa de revisar as mudanças e aprovar o documento “As igrejas dizem NÃO à violência contra a mulher” para sua publicação.” (Cf Atas da Reunião do Conselho da FLM, Genebra, Suíça, junho de 2001, p. 4) 63 N otas 1 KESSLER, Diane (Ed.). Together on the Way. Relatório oficial da VIII Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas. Genebra: WCC Publications, 1999, p. 198. 16 SCHÜSSLER FIORENZA, Elisabeth. Ties that Bind: Dom estic Violence against Women. In: M ANANZAN, Mary John; ODUYOYE, Mercy Amba; TÁMEZ. Elsa; CLARKSON, J. Shannon; GREY, Mary C. e RUSSEL, Letty. Women R esisting Violence: Spirituality for Life. Nova Iorque: Orbis, 1996, p. 39. 2LWF DOCUMENTATION N. 44. The Gospel Transforming Cultures. Genebra: LWF Publications, 1999, p. 158. 3 Relatório da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Beijing, 4 a 15 de setembro de 1995, par. 113-115, p.25. 17 G ewalt gegen Frauen ais Thema der Kirche (Teil I). Vorgelegt im Auftrag des Rates der EKD. Ein Bericht in zwei Teilen. Theologische Reflexion. Hanover, 1997, p. 14. 4 HAYW ARD, Ruth Finney. N e e d e d : A N e w M o d e l o f M ascu lin ity to Stop Violence a g a in st G irls a n d Women. Centro das N ações Unidas para a Infância (UNICEF), Katmandú, 1997. 18WICKRAMARATNE-REBERA, Ranjini. Recognising and Naming Power. In: Jou rn al o f A sian W om en’s R esource C en ter f o r C ulture a n d T heology, v. 17, n. 1: In God’s Image, Kuala Lumpur, 1998. 5 Ibid. 6 www.ekd.de/EKD-Texte/2110_1866.html. Gewalt gegen Frauen ais Thema der Kirche (Teil II). Vorgelegt im Auftrag des Rates der EKD. Ein Bericht in zwei Teilen. Denkschrift der EKD 145, Vorwort, 2000. 19 FAMILY CARE INTERNATIONAL. Fichas informativas sobre saúde sexual e reprodutiva, Nova Iorque, 2000:“ *' 20 JOHNSON, Elizabeth A. She Who is. The Mystery o f God in Feminist T heological D iscourse. N ova Iorque: The Crossroad, 1998, p. 23. 7 FAMILY CARE INTERNATIONAL. Fichas informativas sobre saúde sexual e reprodutiva, Nova Iorque, 2000. 21 NAÇÕES UNIDAS. Relatório do Secretário-geral acerca da Aplicação da Plataforma de Ação de Beijing, Documento E/CN.6/2000/PC/2, Nova Iorque, 2000, p. 13. 8 Relatório da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Beijing, 4 a 15 de setembro de 1995, par. 113-115, p. 7374. 22 The Progress o f Nations, p. 7. Fonte: TOUBIA, Nahid. FGM, 1996. Atualização de seu estudo F em ale G en ital M u tilation: A Call for Global Action. Edição revisada, Nova Iorque: Women Ink (United Nations Population Division, World Population Prospects: The 1994 Revision, 1997). 9 SINGH, Priscilla. Cicles o f Violence. In: LWF WOMEN MAGAZINE, n. 54: Resist and Reduce Violence Against Women, Genebra: LWF Publications, 2001, p. 9. 10 SCOTT, Corine. The Context for Feminist Theologizing: Violence Against Women/Women Against Violence. In: KUMARI, Prasanna. F em inist Theology: P ersp ectives and P raxis. Chennai: Gurukul Theological College, 1998, p. 349. 23 KINUKAWA, Hisako. W omen a n d J e su s in M a rk : A Japanese Feminist Perspective. Maryknoll, Nova Iorque: Orbis, 1994, p. 11. 24 Ibid. 11 www.ekd.de/EKD-Texte/2110_1866.html. Gewalt gegen Frauen ais Thema der Kirche (Teil II). Vorgelegt im Auftrag des R ates der E K D . Ein B erich t in z w e i T eilen . Theologische Reflexion. Hanover, 1999, p. 5. 25 Newsletter de RAHAB MINISTRIES, Bangkok, março de 2002 . 26 COOPER-WHITE, Pamela. The C ry o f Tamar. Violence Against Women and the Church’s Response. Minneapolis: Fortress, 1995, p. 82. I2a D U L U T H D O M ESTIC A B U S E IN T ER V E N TIO N PROJECT, 206 West Fourth St., Duluth, Minnesota 55806, EUA. 27 MEDEA, Andra e THOMPSON, Kathleen. A g a in st Rape. Nova Iorque: Noonday, 1974, p. 11. I2bDiagrama 5.4, extraído de COOPER-WHITE, Pamela. The C ry o f Tamar. Violence Against Women and the Church’s Response. Minneapolis: Fortress, 1995, p. 107. 28 www.womenaction.org/csw44/oltrepspa.htm. Contribuição alternativa sobre a mulher e m eios de com unicação. Baseado na revisão das ONGs da Plataforma de Ação de Beijing, coordenado por Isis Intemational-Manila, em nome de Women Action, 2000, pp. 38-39. 13 Ibid., p. 106. 14 FORTUNE, Mary. K e e p in g th e F aith . Q uestions and Answers for the Abused Woman. San Francisco: Harper & Row, 1987. 29 KINUKAWA, Hisako. W om en a n d J e su s in M a rk : A Japanese Feminist Perspective. Maryknoll, Nova Iorque: Orbis, 1994, p. 10. 15 SINGH, Priscilla. Cicles o f Violence. In: LWF WOMEN MAGAZINE, n. 54: Resist and Reduce Violence Against Women, Genebra: LWF Publications, 2001, p. 14. 30 JOHNSON, Elizabeth A. She Who is. The Mystery o f God in Feminist T heological D iscourse. N ova Iorque: The Crossroad, 1998, pp. 4-5. 64 N otas 31 Ibid. 32 G ew alt gegen F rauen ais T hem a der K irche (Teil II). Vorgelegt im Auftrag des Rates der EKD. Ein B ericht in zwei Teilen. Theologische Reflexion. Hanover, 1999, p. C entro das N ações U nidas para a Infância (U N ICEF), Katmandú, 1997. 48 Folheto da “Cam panha do Laço B ranco” , 1600-365 Bloor St. East, Toronto, Ontario, Canadá, www.lacobranco.org 20 . 33 Ibid., p. 21. 34 Ibid., p. 26. 35 C A R LSO N BRO W N , Joanne e BOHN, Carole R. The Transformation of Suffering. A blblical and Theological Perspective. In: CARLSON BROW N, Joanne e BOHN, Carole R. Christianity, Patriarchy and Abuse. Nova Iorque: Pilgrim, 1989, p. 145. 36 SCHOTTROFF, Luise; SCHROER, Silvia e WACKER, M arie-T h eres. F e m in ist In terp reta tio n : T h e B ib le in W omen's Perspective. M inneapolis: Augsburg, 1998, pp. 153-160. 37 Ibid. 38 PROCTER-SM ITH, Marjorie. Foreword. Telling Stories. In: HENDERSON, J. Frank. Remem bering the Women. Ed. c o m p ila d a e a n o ta d a . C h ic a g o : L itu rg y T ra in in g Publications, 1999, p. viii. 39 SCHÜSSLER FIORENZA, Elizabeth e COLLINS, Mary. Women Invisible in Church and Theology. In: Concilium, n. 182 (6/1985). Feminist Theology. Edinburgh: T&T Clark, 1985, p. 52. 40 PROCTER-SM ITH, Marjorie. Foreword. Telling Stories. In: HENDERSON, J. Frank. Remem bering the Women. Ed. c o m p ila d a e a n o ta d a . C h ic a g o : L itu rg y T ra in in g Publications, 1999, p. viii. 41 SCHÜSSLER FIORENZA, Elizabeth e COLLINS, Mary. Women Invisible in Church and Theology. In: Concilium, n. 182 (6/1985). Feminist Theology. Edinburgh: T&T Clark, 1985, pp. 51-52. 42 P R O C T E R -S M IT H , M a rjo rie . In H e r O w n R ite : C onstructing F em inist L itu rg ical T radition. N ashville: Abingdon, 1990. 43 THE FAMILY VIOLENCE PREVENTION FUND, If You Are Being Abuse at Home... You Are Not Alone, EUA. 44 COOPER-W HITE, Pamela. The Cry o f Tamar. Violence A gainst Women and the C hurch’s Response. Minneapolis: Fortress, 1995, p. 82. 45 WOLBERT BURGESS, Ann e HOLSTROM , Linda. Rape Victims in Crisis. M aryland: Robert J. Brady Co., 1979. 46 Women and Development: Crisis and A ltem ative Visions. Seminário do Instituto Ecum ênico em Bossey, Genebra, 414 de junho de 1992. 47 HAYW ARD, R uth Finney. N eeded: A N ew M o d el o f M asculinity to Stop Violence against Girls and Women. 49 MARTENSEN, Jean. Sing Out Our Visions. Prayers, Poems and R eflections by W omen. R ecom pilação ecum ênica produzida em colaboração com o grupo de trabalho Justiça para a Mulher, do Conselho N acional de Igrejas de Cristo nos Estados Unidos. M inneapolis: Ausgburg, 1998, p. 53. 50 Ibid., p. 64. 51 Ibid., p. 65. APÊNDICE A p ê n d ic e Endereços para contatos, articulação e assessorias de mulheres na IECLB • Fórum de Reflexão da Mulher Luterana Rua Senhor dos Passos, 202 - 3o andar Caixa Postal 2876 90001-970 Porto Alegre (RS) • Programa Mulheres e Relações de Gênero da Pastoral Popular Luterana (PPL) Caixa Postal 1025 89520-000 Curitibanos (SC) Fone: (49) 245.1721 E-mail: [email protected] Site: www.pastoral.org.br • Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas (OASE) Rua Duque de Caxias, 210 96450-000 Dom Pedrito (RS) Fone: (53) 243.2021 • Núcleo de Pesquisa de Gênero (NPG) - IEPG/EST Caixa Postal 14 93001-970 São Leopoldo (RS) Fone: (51) 590- 1455 E-mail: [email protected] 67 A p ê n d ic e Endereços na Internet http://www.redesaude.org.br/ http://www.fnuap.org.br/ http://copodeleite.rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/capa_portal.shtml http://www.ibam.org.br/viomulher/aprviomu.htm http://www.cepia.org.br/Textos_online/cartilha2000.pdf http://www.cfemea.org.br/ http://www.bemquerermulher.com.br/ http://www.sof.org.br/ http://www.cevam.org.br/ www.justica.gov.br/sedm/cndm http://www.abrapia.org.br/ http://www.lacobranco.org/ www.catolicasonline.org.br, www.themis.org .br/ www.soscorpo.org.br www.redemulher.org.br 68 *