ProgrESs - Desafio Clínico Paciente de 61 anos, do sexo feminino, casada, caucasiana, obesa, do lar, diabética, dislipidêmica, hipertensa em seguimento ambulatorial irregular. Paciente veio ao consultório com história de ter apresentado diarréia há aproximadamente 5 dias, tendo então melhorado completamente dos sintomas; entretanto, durante exame físico realizado no dia da consulta de urgência por motivo da diarréia, foi notada pelo médico assistente a presença de volumosa massa pélvica e intra-abdominal, estendendo-se acima da cicatriz umbilical; e por este motivo veio à consulta oncológica. 6 de junho de 2009 Volume VII Massas pélvicas com extensão abdominal podem originar-se de diversas estruturas, mais comumente: · Ovário · Útero · Retroperitôneo (partes moles) · Epíplon · Parede abdominal · Aneurisma · Cólon presença de massa bem delimitada, relativamente móvel, palpável há 5 centímetros acima da cicatriz umbilical; ausência de linfonodomegalias inguinais ou de qualquer outro tecido linfático examinado; ausência de edema de membros inferiores, com pulsos normais bilateralmente. Epidemiologicamente, tumores do endométrio são mais comuns em pacientes com características exatas às da paciente supracitada. Infelizmente, o sinal mais marcante da mesma é o sangramento vaginal, muitas vezes responsável por anemia, porém ausente na história clínica da paciente em questão. Tumor de ovário também é uma hipótese plausível de acordo com a clínica apresentada, tendo preenchidos diversos dos seus sinais e sintomas na clínica apresentada pela paciente. A dor abdominal não foi o motivo que trouxe o paciente ao consultório, e sim a presença da massa abdominal. Uma possível patologia associada ao quadro em questão é o tumor de cólon, principalmente de ceco, freqüentemente associado à diarréia e anemia. Apesar de tudo, não é tão freqüente a apresentação com massa pélvica e abdominal, principalmente sem dor. Durante a consulta médica, a paciente negou a ocorrência freqüente ou atual de febre, ou de dor abdominal. Referiu, apenas, episódios prévios de diarréia, porém sem saber referir exatamente com que freqüência. A paciente nega emagrecimento, astenia ou sinais consuptivos. É importante lembrar que a informação de tempo de evolução não é um dado concreto, podendo a massa ter apresentado crescimento insidioso e passado despercebida, ou ter crescido rapidamente e então motivado uma série de sintomas que levaram ao seu descobrimento. Digno de nota ao exame físico, a massa abdominal e pélvica volumosa; queda do estado geral; e anemia, apresentando-se a paciente hipocorada 3+/4+. A despeito destes achados clínicos, a paciente encontrava-se acianótica, anictérica, afebril; com murmúrio vesicular presente bilateral sem ruídos adventícios; presença de ritmo cardíaco regular em dois tempos sem sopros; abdômen globoso, flácido, indolor à palpação, sem sinais de irritação peritoneal, com Seguindo a linha de raciocínio de crescimento insidioso, tumores de partes moles ainda fazem parte do diagnóstico diferencial, entretanto, os mesmos geralmente cursam com dor, principalmente quando volumosos. 1 ProgrESs - Desafio Clínico A ausência de febre afasta a hipótese inicial abcesso intra-abdominal, assim como ausência da dor ou de sinais de irritação peritoneal. A paciente trouxe uma tomografia de abdômen superior e pelve que segue com fotos previamente apresentadas no artigo da revista. Devemos lembrar também que tumores benignos de ovário também são freqüentes causas de volumosas massas intra-abdominais. A paciente foi internada para compensação clínica e tratamento cirúrgico. Fo i t r a n s f u n d i d a , t e v e a g l i c e m i a controlada, controlada6adehipertensão, junho de 2009melhorado Volume VII o estado nutricional, colhido culturas, realizado exames pré-operatórios. Quando a paciente veio ao consultório, já havia realizado alguns exames complementares a pedido do médico assistente que prestou atendimento prévio por motivo da diarréia. Depois foi submetida à intervenção cirúrgica. A paciente trazia hemograma. Neste apresentava: Qual é a hipótese diagnóstica? Hemoglobina 6,9 E depois destas imagens? Leucócitos 20.000 Plaquetas 700.000 Neste momento vale voltar na história clínica e procurar por presença ou não de febre. Pode perguntar à paciente de novo não faz mal. A resposta vai ser a mesma... Não. Porém a idéia de um processo infeccioso, bem delimitado, contido, afastado de outras estruturas intra-abdominais, não deve ser afastada; explica a queda do estado geral na ausência de sinais consuptivos, explica a anemia, pode estar associado ou ter piorado com o quadro de diarréia, pode explicar a presença de volumosa massa intra-abdominal. Acrescenta-se que pode surgir na ausência de febre, lembrando principalmente que se trata de paciente de 61 anos, diabética, motivo pelo qual, também, processos infecciosos são opções plausíveis. A paciente trouxe também diversos exames ginecológicos prévios mostrando um padrão de miomatose uterina com crescimento progressivo, porém sem mais alterações. 2 ProgrESs - Desafio Clínico Qual seria a mais provável hipótese diagnóstica? Vale lembrar que comprovado a presença de massa de ceco evidenciada em tomografia de pelve em momento intra-operatório, associado à história clínica da paciente, deve-se proceder com tratamento cirúrgico oncológico de tumor de cólon direito, com remoção en-bloc de toda a lesão, incluindo massa anexial, com inclusão de mesocólon e ligadura de vasos na origem, com congelação da massa anexial e inventário 6 de junho de 2009 Volume VII completo da cavidade para estadiamento adequado. Qual o tratamento proposto? A primeira vista, uma ooforectomia com congelação seria uma excelente conduta. O intestino delgado encontra-se apenas aderido à massa ovariana, assim como o ceco. Existe plano de clivagem entre ambos. Que tal começar separando as estruturas e depois ressecar o ovário direito, congelar, aguardar o resultado e se positivo para malignidade, proceder com ooforectomia contra-lateral + histerectomia total + linfadenectomia pélvica e retroperitoneal + biópsias de goteiras, diafragma e omentectomia. Infelizmente, se essa fossa a conduta adotada, certamente esta paciente teria sido severamente prejudicada, incorrendo no risco de não realizar o diagnóstico mais importante das patologias apresentadas por esta paciente. Foi realizada colectomia direita com inclusão total de mesocólon com íleo-transverso anastomose, linfadenectomia retroperitoneal (amostragem de gânglios aumentados de tamanho), ressecção em-bloc de anexo direito com congelação. As congelações foram negativas para malignidade. 3 ProgrESs - Desafio Clínico O laudo anatomopatológico mostrou: • · 23 linfonodos dissecados livres de neoplasia • · Apêndice cecal: sem invasão • · Omento: sem invasão neoplásica ou metástases 6 de junho de 2009 Volume VII • · Ovário direito + anexo: cistoadenofibroma abcedado • · Líquido ascítico: negativo para malignidade • · Íleo terminal: serosite aguda inespecífica • · Cólon direito: o Adenocarcinoma invasor de ceco o Bem diferenciado o Lesão de aspecto vegetante o Substrato de adenoma viloso com atipias de alto grau o Invasão até submucosa – pT2 o Não se observou perfuração tumoral ou invasão de estruturas adjacentes o Ausência de invasão vascular ou perineural o Margens livres pT2 pNo sM0 A paciente evoluiu sem intercorrências. Não foi submetida a tratamento adjuvante. Encontra-se com 4 anos de seguimento pós-operatório, sem sinais de recidiva de doença. Guilherme Crespo - Cirurgião Oncológico 4