RBTI / RELATO DE CASO
Amaurose Cortical Pós-Parto. Relato de Caso*
Postpartum Cortical Blindness. Case Report
Wladmir Faustino Saporito1, Marcelo Eduardo Sproesser1, Fábio José Concilio Fucci1, Adilson Casemiro Pires2.
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Eclampsia and Preeclampsia occur during gestation especially in primigravidas, and are
characterized by arterial hypertension associated with proteinuria and edema. In spite of intense investigation, its pathophisiology has not been well defined. One proposed mechanism is that hypertension causes brain vasoconstriction resulting in
brain ischemia or vasogenic edema. The incidence of visual perturbations in eclampsia/preeclampsia is reported to be 20%25% in the medical literature and that of transient cortical blindness, in this condition, is 1%-3%. Therefore, transient cortical blindness is an uncommon disease, that is however distressing to the medical community, patients and their relatives.
CASE REPORT: Transient cortical blindness in a 23-year old primigravida. After cesarean section the patient’s course was
complicated by mild arterial hypertension requiring treatment with captopril. Six days after delivery, she developed sudden
loss of vision with severe headache and hypertension. Magnetic resonance angiography showed narrowing of the left posterior brain artery and mapping demonstrated a predominance of bilateral slow waves in the temporal parietal regions.
CONCLUSIONS: She was therefore transferred to the intensive care unit and hydration, phenytoin and analgesics were
prescribed. After 36 hours, blindness completely resolved.
Key Words: Cortical blindness, Preeclampsia, Pregnancy complications.
A
eclâmpsia/pré-eclâmpsia surge durante a gestação, principalmente em primigestas, sendo caracterizada clinicamente após a 20° semana, devido
ao início de uma hipertensão induzida pela gravidez associada a proteinúria e edema. Apesar dos intensos estudos sobre esta doença, sua patogênese ainda não esta
muito bem esclarecida. A amaurose cortical temporária é
um exemplo de manifestação clinica atípica, associada ao
quadro de hipertensão durante a gestação. Os autores relatam um caso de cegueira cortical associada à hipertensão
gestacional.
fálica posterior esquerda. No eletroencefalograma com
mapeamento encefálico evidenciou-se a presença de ondas
lentas com predomínio têmporo-parietal bilateral.
Foi encaminhada para a unidade de terapia intensiva
(UTI) e instituída hidratação, infusão de fenitoína em dose
de ataque de 20 mg/kg e manutenção de 4 mg/kg, dexametasona 16 mg/dia e analgesia. Ocorreu melhora progressiva
do quadro clínico, com reversão completa após 36 horas
do início do tratamento.
RELATO DO CASO
A eclâmpsia/pré-eclâmpsia é uma manifestação da
doença hipertensiva específica da gestação (MHEG) que
acomete preferencialmente, primigestas, dentre estas,
aquelas que ocupam os extremos das faixas etárias. Os
estados de eclâmpsia/pré-eclâmpsia seguem sendo, junto
com as infecções e hemorragias uma das principais causas
de mortalidade materna1. As manifestações neurológicas
mais graves ocorrem na eclâmpsia, onde o típico quadro
convulsivo pode evoluir para alterações da consciência e
coma. Além disso, é a causa principal de acidentes cerebrovasculares hemorrágicos e da maior parte das mortes
causadas por hipertensão em gestantes sem conseqüência
de hemorragias intracranianas1.
A incidência de alterações visuais nas mulheres com
pré-eclâmpsia grave são cerca de 20% a 25%2, sendo que
as principais manifestações oftalmológicas descritas são
descolamento de retina, vasoespasmo da artéria retiniana,
trombose da artéria retiniana central e amaurose cortical
reversível3.
A amaurose cortical é uma manifestação passageira
Paciente com 23 anos, primigesta, realizou seu pré-natal sem anormalidades, submetida à cesariana sob anestesia peridural sem intercorrências. Após o parto a paciente apresentou hipertensão arterial sistêmica (HAS), sendo iniciado o uso de captopril. No sexto dia pós-parto,
apresentou quadro de perda súbita da visão associado à
cefaléia intensa e HAS leve (150/100 mmHg), sem outras
alterações. Foi submetida a exames complementares que
apresentaram os seguintes parâmetros: análise bioquímica
de líquor sem alteração, exame de fundo de olho normal
(resposta pupilar, sem descolamento de retina ou qualquer
outra alteração), hemograma normal. uréia, creatinina, sódio, potássio, glicemia e TGO/TGP todos normais e VHS
aumentada (92 mm). Realizado também tomografia computadorizada de crânio (TC) e ressonância nuclear magnética da cabeça (RNM) apresentando-se normais, sendo
evidenciado a angiorressonância de artérias encefálicas,
uma redução do calibre do segmento P1 da artéria ence-
DISCUSSÃO
1. Intensivista do Hospital Nossa Senhora de Lourdes - Especialista pela AMIB/SP
2. Intensivista do Hospital Nossa Senhora de Lourdes - SP
* Recebido do Hospital Nossa Senhora de Lourdes, São Bernardo do Campo, SP
Apresentado em 10 de maio de 2004 - Aceito para publicação em 04 de outubro de 2004.
Endereço para correspondência: Dr. Wladmir Faustino Saporito - Rua Silva Jardim, 470 - São Bernardo do Campo, SP - E-mail: [email protected]
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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que pode durar de 4 horas até 8 dias após o parto1,2. No
entanto, Mion e col. relataram que pode durar até o 21°
dia4, sendo que, evolui com completa normalização após
esse período e, portanto possui bom prognóstico. Sua incidência em casos de eclâmpsia/pré-eclâmpsia varia de 1% a
3%2, mas alguns autores relataram incidência de até 15%4,5.
A amaurose cortical é caracterizada por resposta pupilar normal frente ao estímulo luminoso e sem alterações
de fundo de olho1,2. A anóxia encefálica tem sido atribuída
como causa da cegueira cortical temporária, mas a etiologia e o mecanismo de desenvolvimento dessa rara desordem visual não foi muito bem elucidado.
Beal6, Lorincz7 e Stein8 citaram a trombose venosa
encefálica como causa da amaurose cortical, porém seus
casos referiam-se a pacientes com hipotensão pós-parto e
não a casos de eclâmpsia/pré-eclâmpsia.
Estudos mais recentes tem outro ponto de vista inclusive comprovados pelos resultados de ressonância nuclear
magnética. Apollon e col.3 acreditaram que a patofisiologia é baseada no aumento da permeabilidade a líquidos
e proteínas em torno dos tecidos, resultando em edema
vasogênico e hiperperfusão da circulação encefálica posterior. Já outros autores acreditam que essa alteração visual
é uma conseqüência do vasoespasmo cerebrovascular com
lesão isquêmica5 e da maior susceptibilidade dos lobos occipitais à redução de fluxo sangüíneo por estarem localizados em zona de perfusão limite1. Além disso, a inervação
simpática da circulação dos lobos occipitais é deficitária
e, portanto pode causar vasoconstrição seletiva da artéria
encefálica posterior e grave redução do aporte sangüíneo
nessa região1. No caso relatado evidenciou-se vasoespasmo através da angiorressonância de artérias encefálicas e
a presença de ondas lentas com predomínio têmporo-parietal bilateral no mapeamento encefálico, sugerindo uma
crise convulsiva iminente.
Na ausência de qualquer lesão patológica do olho, nervo óptico e trato óptico, a amaurose cortical temporária
deve ser questionada e a hipertensão arterial rapidamente
revertida.
O tratamento da hipertensão arterial impõe-se com
urgência uma vez que a amaurose cortical é considerada
como uma manifestação análoga à crise convulsiva caracterizando, deste modo, uma situação de eclâmpsia. A
maioria dos autores inicia o tratamento com hidralazina
por via venosa na dose de 5 mg não havendo, entretanto,
consenso quanto ao tipo de droga a ser utilizado. Enquanto Verdile e col.9 recomendam o uso de labetalol tanto por
via venosa (na fase aguda) quanto via oral no tratamento
continuado, Hara e col.10 recomendaram a nicardipina por
via venosa na fase aguda na dose de 0,3 µg/kg/min.
O uso de sulfato de magnésio venoso por 24 a 48 horas é
recomendável pela maioria dos autores e diazepam venoso
no momento de eventual crise convulsiva é necessário11.
A prevenção de crises convulsivas subseqüentes é recomendável através do uso de fenitoína não havendo consenso a respeito do tempo de duração deste tratamento11,12.
Por tratar-se de uma síndrome caracterizada por vasoespasmo e edema encefálico o uso de corticosteróide como
a dexametasona, análogos de manitol e bloqueadores de
canais de cálcio estariam indicados10.
Volume 16 - Número 3 - Julho/Setembro 2004
Quanto ao prognostico a maioria dos autores é veemente em citar a reversão do quadro de amaurose em poucos dias sem seqüelas visuais uma vez instituído o controle
da hipertensão arterial sistêmica e da crise convulsiva.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A eclâmpsia/préeclâmpsia surge durante a gestação, principalmente em
primigestas sendo caracterizada por hipertensão arterial
sistêmica (HAS) associada a proteinúria e edema. Apesar
de intensos estudos sua patogênese ainda não está bem definida, podendo resultar de vasoespasmo com lesão isquêmica ou de um edema vasogênico. A incidência de eclâmpsia/pré-eclâmpsia varia de 20% a 25% e da amaurose cortical temporária, nesta condição, de 1% a 3% preocupando
a comunidade médica, os pacientes e os familiares quando
ocorre.
RELATO DO CASO: Amaurose cortical temporária
em paciente primigesta de 23 anos. Após cesariana, cursou com hipertensão arterial sistêmica leve iniciando-se o
uso de captopril e no 6° dia após o parto apresentou quadro de perda súbita da visão associada à cefaléia intensa
e HAS. Submetida a exames complementares apresentou
à angiorressonância uma redução do calibre da artéria
encefálica posterior esquerda e ao mapeamento encefálico com predomínio de ondas lentas em região têmporoparietal bilateral.
CONCLUSÕES: A paciente foi encaminhada para
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e tratada com hidratação, fenitoína e analgesia, ocorrendo reversão completa
do quadro, após 36 horas do início do tratamento.
Unitermos: Cegueira cortical, Pré-eclâmpsia, Complicações na gravidez.
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