UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL
MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIFÚNGICA in vitro DO VENENO DAS
SERPENTES AMAZÔNICAS Bothrops atrox (LINNAEUS, 1758) E Crotalus
durissus ruruima (HOGE, 1965)
MARCELO DOS SANTOS NEVES
MANAUS
2008
ii
MARCELO DOS SANTOS NEVES
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIFÚNGICA in vitro DO VENENO DAS
SERPENTES AMAZÔNICAS Bothrops atrox (LINNAEUS, 1758) E Crotalus
durissus ruruima (HOGE, 1965)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Medicina Tropical da
Universidade do Estado do Amazonas em
Convênio com a Fundação de Medicina
Tropical do Amazonas para a obtenção do
grau de Mestre em Doenças Tropicais e
Infecciosas.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luis López Lozano
Co-orientadora: Profa. MSc. Maria Zeli Moreira Frota
MANAUS
2008
iii
FICHA CATALOGRÁFICA
NEVES, Marcelo dos Santos
Avaliação da atividade antifúngica in vitro do veneno das
serpentes amazônicas Bothrops atrox (LINNAEUS, 1758) e
Crotalus durissus ruruima (HOGE, 1965)
xiv. 36 pág.
Dissertação de Mestrado em Doenças Tropicais e Infecciosas.
1. Venenos de serpentes
Atividade antifúngica
2. Bothrops atrox
3. Crotalus durissus ruruima 4.
iv
FOLHA DE JULGAMENTO
AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIFÚNGICA in vitro DO VENENO
DAS SERPENTES AMAZÔNICAS Bothrops atrox (LINNAEUS, 1758)
E Crotalus durissus ruruima (HOGE, 1965)
MARCELO DOS SANTOS NEVES
“Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas,
aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical da Universidade do Estado do
Amazonas em convênio com a Fundação de Medicina Tropical do Amazonas”.
Banca Julgadora:
______________________________________________
Profº. Jorge Luiz López Lozano, Dr.
Presidente
______________________________________________
Profª. Maria Rosa Lozano Borras, Dra.
______________________________________________
Profº. José Camilo Hurtado Guerrero, Dr.
v
Aos meus pais Greicy e Manoel.
Às minhas irmãs Ingrid e Inger.
Dedico-lhes esta conquista.
vi
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Dr. Jorge Luis López Lozano pelo estímulo constante,
pelos ensinamentos, por este presente e pela realização deste sonho.
À minha co-orientadora Profa MSc. Maria Zeli Moreira Frota pela amizade,
apoio e colaboração neste trabalho.
A Universidade do Estado do Amazonas e a Fundação de Medicina Tropical
pela oportunidade de realização deste curso.
A Superintendência da Zona Franca de Manaus pelo apoio ao Curso de
Mestrado em Doenças Tropicais e Infecciosas.
A Profa Dra. Maria das Graças do Vale Barbosa, coordenadora do Mestrado
em Doenças Tropicais e Infecciosas pelo apoio prestado no decorrer do curso.
A todos os colegas que auxiliaram na realização das análises laboratoriais
com os fungos, Ivaneide Lima Maciel, Edilamar, Fabiano de Souza Vargas, Luciana
Paula de Amaral Coelho, em especial a Maria Zeli Moreira Frota pela paciência e por
ter acreditado no trabalho desde a sua elaboração.
Ao Prof. Dr. Emerson Silva Lima do Laboratório de Bioquímica Clínica da
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UFAM, por disponibilizar as drogas e
equipamentos que foram indispensáveis na realização das análises laboratoriais.
A Ana Claudia Cortez e Augusto Almendros de Oliveira do Laboratório de
Micologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) por
disponibilizarem a cepa padrão de Candida albicans.
Aos colegas do Laboratório de Toxinologia Molecular da Fundação de
Medicina Tropical do Amazonas, Fabiana Oliveira da Rocha, André Miasato Higa,
Thiago Ferreira de Araújo, Maria das Dores Nogueira Noronha e Emiro Gnutzmann
Muniz pelo apoio prestado na análise dos venenos.
Aos colegas de Mestrado, Fabiane Giovanella Borges, Suiane da Costa
Negreiros do Valle, Maria das Graças Gomes Saraiva, Kleber Pinheiro de Oliveira,
Débora Laís dos Santos Justo, Laura Patrícia Viana Maia, Jander Tôrres da Silva,
Flávio Silveira de Barros e Rosilene Viana de Andrade, pela convivência e
companheirismo.
vii
Aos professores do Mestrado em Doenças Tropicais e Infecciosas pelos
ensinamentos.
Aos Professores Doutores Maria Rosa Lozano Borrás e José Camilo Hurtado
Guerrero por participarem da banca de defesa contribuindo para o desenvolvimento
desta dissertação.
A Emanuella Corrêa Alves pelo estímulo e companhia fundamental nesta
jornada.
Aos funcionários do Mestrado Maria da Conceição dos Santos Tufic,
Samantha Teixeira Vasconcelos, Marcos André de Oliveira e Casta e Lucilene
Guerra Pinheiro pelo carinho e colaboração.
A amiga Andréia Queiroz de Camargo pelo apoio e colaboração na execução
deste trabalho.
A todos aqueles, que de forma direta ou indireta, me incentivaram a concluir
este trabalho.
Agradeço em especial, a minha família, sem a qual não teria conquistado esta
vitória.
viii
“Nada é supérfluo na natureza”
Averróis
ix
RESUMO
Em conseqüência do desenvolvimento de microrganismos antibióticoresistentes, peptídeos antibacterianos e antifúngicos despertaram o interesse nos
últimos anos para estudos sobre novos agentes terapêuticos. O objetivo deste
estudo foi avaliar a atividade inibitória in vitro de venenos brutos de duas serpentes
amazônicas das espécies Bothrops atrox e Crotalus durissus ruruima frente ao
crescimento de Candida albicans em meio de cultura líquido YPD. Os ensaios de
inibição foram realizados a partir de uma adaptação do protocolo M27-A2 (NCCLSCLSI, 2002) para macro e microdiluição. Perfil molecular dos constituintes protéicos
dos venenos foi obtido por cromatografia líquida de alta performance em fase
reversa (high performance liquid chromatografy-reversed phase, HPLC-RP) e
eletroforese utilizando dodecil sulfato de sódio/gel de poliacrilamida (SDS-PAGE).
Os resultados obtidos mostraram discreta inibição para ambos os venenos
estudados e não haver diferença estatisticamente significante ao nível de 5% entre
as médias obtidas das diferentes concentrações testadas tanto para o veneno de
Bothrops atrox quanto para o de Crotalus durissus ruruima, todavia os mesmos
apresentaram diferenças quanto ao perfil molecular segundo análise cromatográfica
e eletroforética. O procedimento técnico empregado mostrou-se de simples
execução, de baixo custo além de ter acurácia e reprodutibilidade satisfatórias para
a avaliação in vitro da atividade antifúngica de venenos de serpentes.
Palavras-chaves: Venenos de serpentes; Bothrops atrox; Crotalus durissus ruruima;
Atividade antifúngica.
x
ABSTRACT
As a consequence of the development of antibiotic-resistant microorganisms,
antibacterial and antifungal peptides woke up the interest in the last years for studies
on new therapeutic agents. The objective of this study was to evaluate the inhibitory
activity in vitro of rude venoms of two amazonian snakes, Bothrops atrox and
Crotalus durissus ruruima, in the growth of Candida albicans in liquid culture middle
YPD. The inhibition rehearsals were accomplished starting from an adaptation of the
M27-A2 protocol (NCCLS-CLSI, 2002) for macro and microdilution. The molecular
profile of the proteics representatives of the venoms was obtained by high
performance liquid chromatography-reversed phase (HPLC-RP) and sodium dodecyl
sulfate polyacrylamide gel electrophoresis (SDS-PAGE). The obtained results
showed discreet inhibition for both studied venoms and there not to be differentiates
statistically significants at the level of 5% among the obtained averages of the
different concentrations tested so much for the venom of Bothrops atrox as for the
one of Crotalus durissus ruruima, though the same ones presented differences as for
the molecular profile second chromatography and electrophoresis analysis. The
technician employed procedure was shown of simple execution, of low cost besides
having accuracy and satisfactory reproducibility for the evaluation in vitro of the
antifungal activity of snake venoms.
Key-words: Snake venoms; Bothrops atrox; Crotalus durissus ruruima; Antifungal
activity.
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Perfil cromatográfico de veneno de Bothrops atrox –
4mg/500µl, velocidade de fluxo de 1mL/minuto, Solução A –
0,1% de TFA, Solução B - 0,1% de TFA em acetonitrila,
Coluna – RP C18. .................................................................................... 24
Figura 2. Perfil cromatográfico de veneno de Crotalus durissus ruruima –
4mg/500µl, velocidade de fluxo de 1mL/minuto, Solução A –
0,1% de TFA, Solução B - 0,1% de TFA em acetonitrila,
Coluna – RP C18. .................................................................................... 25
Figura 3. Perfil SDS/PAGE dos venenos em condições redutoras onde:
1. Controle de B.atrox (10µg/µl); 2. Controle de C.d.r
(10µg/µl); 3. C.d.r (0,4 µg/µl); 4. B.atrox (0,2 µg/µl).................................. 26
Figura 4. Perfil SDS/PAGE dos venenos em condições não-redutoras: 1.
Controle de B.atrox (10µg/µl); 2. Controle de C.d.r (10µg/µl);
3. B.atrox (0,2 µg/µl); 4. C.d.r (0,4 µg/µl). ................................................. 26
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Percentuais de inibição do crescimento de Candida albicans
obtidos em testes de microdiluição em caldo YPD a 35oC de
dois derivados triazólicos com ação antifúngica. ..................................... 20
Tabela 2. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em
macrodiluição, do veneno de Bothrops atrox sobre o
crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C,
Manaus – AM. .......................................................................................... 21
Tabela 3. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em
macrodiluição, do veneno de Crotalus durissus ruruima sobre
o crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C,
Manaus – AM. .......................................................................................... 21
Tabela 4. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em
microdiluição, do veneno de Bothrops atrox sobre o
crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C,
Manaus – AM. .......................................................................................... 22
Tabela 5. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em
microdiluição, do veneno de Crotalus durissus ruruima sobre o
crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C,
Manaus – AM. .......................................................................................... 23
xiii
LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS
%
µg
µl
µm
AgNO 3
ATCC 3632
B.atrox
C. albicans
C. d. r
Ca2+
CLSI
CO 2
DP
ECA
FMTAM
FUAM
g
GLP1
H+
hERG
HIV
HPLC- RP
K+
kDa
L
M27-A2
mg
min
mL
mm
Na 2 S 2 O 3
NaCl
NaCO 3
NCCLS
nm
ºC
p
pH
SDS-PAGE
SIDA
T EM
TFA
UEA
UFAM
YPD
Percentagem
Micrograma
Microlitros
Micrômetro
Nitrato de prata
American Type Culture Collection
Bothrops atrox
Candida albicans
Crotalus durissus ruruima
Cálcio
Clinical and Laboratory Standards Institute
Gás carbônico
Desvio padrão
Enzima conversora de angiotensina
Fundação de Medicina Tropical do Amazonas
Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da
Matta
Grama
Glucagon like peptide 1
Hidrogênio
Gene humano regulador de éter
Vírus da imunodeficiência humana
high performance liquid chromatography-reversed phase
Potássio
Kilodalton
Litro
Método de Referência para Testes de Diluição em Caldo
Miligrama
Minutos
Mililitros
Milímetro
Tiossulfato de sódio
Cloreto de sódio
Carbonato de sódio
National Committee for Clinical Laboratory Standards
Nanômetro
Grau Celsius
Nível de significância estatística
Potencial hidrogênio iônico
Sodium Dodecyl Sulfate Polyacrylamide Gel Electrophoresis
Síndrome da Imunodeficiência adquirida
Células T mieloproliferativas
Acido trifluoracético
Universidade do Estado do Amazonas
Universidade Federal do Amazonas
Yeast peptone dextrose agar
xiv
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1
1.1 Constituintes dos venenos .................................................................................. 1
1.2 Peptídeos antimicrobianos .................................................................................. 2
1.3 Aperfeiçoamento de peptídeos de venenos ........................................................ 3
1.4 Farmacologia dos peptídeos de venenos............................................................ 4
1.4.1Peptídeos de canais de cálcio ............................................................................. 4
1.4.2Toxinas de Canais de sódio ................................................................................ 4
1.4.3Toxinas de canais de potássio ............................................................................ 5
1.4.4Toxinas de canais de cloro .................................................................................. 5
1.4.5Peptídeos de venenos utilizados em doenças cardiovasculares......................... 5
1.4.6Inibidores de transportadores de noradrenalina .................................................. 6
1.4.7Peptídeos de venenos úteis em diabetes............................................................ 6
1.4.8Peptídeos com atividade antifúngica ................................................................... 6
1.4.9Possíveis mecanismos de ação .......................................................................... 7
1.5 Importância dos Fungos em Saúde..................................................................... 9
1.5.1Candida ............................................................................................................. 10
2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 12
2.1 Geral ................................................................................................................. 12
2.2 Específicos ........................................................................................................ 12
3 MATERIAL E MÉTODOS ....................................................................................... 13
3.1 Modelo de Estudo ............................................................................................. 13
3.2 Obtenção das amostras .................................................................................... 13
3.2.1Venenos ............................................................................................................ 13
3.2.2Drogas ............................................................................................................... 14
3.2.3Fungo ................................................................................................................ 14
3.3 Preparação das culturas e efeito dos venenos no crescimento fúngico ............ 14
3.3.1Cultivo do fungo ................................................................................................ 14
3.3.2Preparação do inóculo ...................................................................................... 15
3.3.3Técnica de macrodiluição em caldo .................................................................. 15
3.3.4Técnica de microdiluição em caldo ................................................................... 16
3.4 Obtenção e caracterização molecular ............................................................... 17
3.4.1Por métodos cromatográficos ........................................................................... 17
3.4.2Por eletroforese ................................................................................................. 17
4 ANÁLISE ESTATÍSTICA ....................................................................................... 19
5 RESULTADOS ....................................................................................................... 20
5.1 Teste com drogas.............................................................................................. 20
5.2 Testes de inibição em macrodiluição ................................................................ 20
5.3 Testes de inibição em microdiluição.................................................................. 22
5.4 Caracterização molecular dos venenos testados .............................................. 24
5.4.1Por cromatografia .............................................................................................. 24
5.4.2Por eletroforese ................................................................................................. 25
xv
6 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 27
7 CONCLUSÃO......................................................................................................... 30
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 31
1
1
INTRODUÇÃO
Os venenos de animais evoluíram dando origem a um vasto grupo de toxinas
peptídicas, para captura da presa e defesa. Estes peptídeos encontram-se
direcionados contra uma ampla variedade de alvos farmacológicos, tornando-os uma
inestimável fonte de protótipos de drogas, para estudar as propriedades destes alvos
em diferentes processos experimentais. Uma parte desses peptídeos tem sido usada
in vivo para estudos de comprovação de eficácia, sendo submetidos a diversos
ensaios pré-clinicos ou clínicos no intuito de desenvolver tratamentos para dor,
diabetes, esclerose múltipla e doenças cardiovasculares (Garcia e Lewis, 2003).
A maioria dos venenos compreende uma mistura de peptídeos altamente
complexa, geralmente com farmacologia diversa e seletiva. Diante desta
diversidade, os peptídeos de venenos parecem ter evoluído a partir de um número
relativamente pequeno de estruturas que são particularmente bem ajustadas para
atender problemas cruciais de potência e estabilidade. É esta biodiversidade
desenvolvida que faz dos peptídeos de venenos uma fonte única de precursores e
modelos estruturais, dos quais novos agentes terapêuticos podem ser desenvolvidos
(Garcia e Lewis, 2003).
1.1
Constituintes dos venenos
De acordo com Tu (1977), o veneno de serpentes peçonhentas é composto
de substâncias simples e complexas, cuja proporção e características específicas
variam entre as diferentes espécies conhecidas. A toxicidade do veneno das
serpentes deve-se à presença de enzimas e proteínas, e sua ação letal é atribuída
principalmente às neurotoxinas.
Os venenos de serpentes, em especial da família Crotalidae, que comporta os
gêneros Bothrops, Crotalus e Lachesis, contêm um grande número de proteínas
farmacológica e bioquimicamente ativas, são mais complexos que os de outras
famílias e contêm proteínas de maior massa molecular. São ainda particularmente
importantes, pois os gêneros acima citados são abundantes na América do Sul e
causam a maior parte dos acidentes ofídicos em humanos (Varanda e Giannini,
1999).
2
Cerca de 90% a 95% do peso seco dos venenos de serpentes consiste de
proteínas, onde tanto as frações protéicas quanto as não-protéicas são
biologicamente importantes. Os componentes não-protéicos podem ser divididos em
orgânicos: aminoácidos livres e peptídeos, nucleotídeos, carboidratos, lipídios e
aminas biogênicas; e inorgânicos: cátions e ânions (Varanda e Giannini, 1999).
Segundo Varanda e Giannini (1999), dentre os constituintes orgânicos
destacam-se os aminoácidos e pequenos peptídeos por serem biologicamente
ativos. Os venenos contêm somente uma pequena quantidade de aminoácidos livres
e 11 desses foram detectados no veneno da Trimeresurus mucrosquamatos. Em
Vipera ammodytes foram encontrados histidina, ácido aspártico, glicina, ácido
glutâmico, serina, alanina e espermina.
Nos venenos de serpentes estão presentes também vários peptídeos ricos
em prolina que potenciam a ação da bradicinina. Uma seqüência de três peptídeos
potenciadores da bradicinina foi identificada no veneno de Agkistrodon halys
blomhoffi e um desses peptídeos foi isolado do veneno de Bothrops jararaca por
Ferreira et al. (1970).
1.2
Peptídeos antimicrobianos
Os peptídeos antimicrobianos representam um grupo extremamente diverso
de pequenas proteínas assim conhecidas devido a suas atividades antimicrobianas
naturais. A existência de tais proteínas é conhecida há diversas décadas, no entanto
apenas recentemente foram reconhecidas como essenciais à resposta imunitária
animal. Participam primariamente no sistema imunológico inato atuando como
barreira inicial de imuno defesa em muitos organismos, incluindo plantas, insetos,
bactérias e vertebrados (Broekaert et al., 1997; Bulet et al., 1999; Metz-Boutigue et
al., 2003).
Estes peptídeos atuam como primeira linha de defesa do sistema imunológico
à agressão por bactérias na forma de resposta induzida, como no caso das
defensinas de insetos (Hofmann et al., 1992), ou estão presentes de forma
constitucional, como as magaininas na pele de Xenopus laevis (Zaslof, 1987).
3
Como efetores da imunidade inata, tais peptídeos atuam diretamente em um
amplo espectro de microrganismos, incluindo bactérias gram-positivas e gramnegativas, fungos e certos vírus. Além disso, estes peptídeos interagem com o
próprio hospedeiro, desencadeando eventos que complementam seu papel como
antibióticos. Combinadas, as funções destes peptídeos sugerem que os mesmos
são importantes, e anteriormente subestimados, componentes da imunologia animal
(Gallo et al., 2002).
Steiner et al. (1981) identificaram os primeiros peptídeos antimicrobianos, as
cecropinas em Hyalophora cecropia. Nos anos seguintes, tais peptídeos com
atividade antibacteriana foram encontrados em todo o reino animal e vegetal, em
bactérias, diferentes ordens de insetos, anfíbios, mamíferos e humanos (Boman,
1991; Broekaert et al., 1997; Stefanie et al., 2000).
Diferentes grupos de peptídeos antimicrobianos podem ser produzidos
baseados em diferenças estruturais (Haeberli et al., 2000), como por exemplo: as
cecropinas (Boman, 1991); defensinas de insetos e plantas (Lehrer et al., 1991;
Hofmann et al., 1992; Cammue et al., 1992); dois peptídeos ricos em prolina, a
apidaecina e a abaecina (Casteels et al., 1989, 1990); diferentes polipeptídeos
antibacterianos induzíveis: atacinas (Kockum et al., 1984), sarcotoxina, diptericina
(Dimarcq et al., 1988), coleoptericina (Bulet et al., 1991); e magainina, de Xenopus
laevis (Duclohier et al., 1989; Matsuzaki et al., 1997).
1.3
Aperfeiçoamento de peptídeos de venenos
Segundo Chen et al. (1988), simultaneamente ao achado de peptídeos
antimicrobianos em diferentes classes de animais, peptídeos análogos e híbridos
foram sintetizados, por vezes até mais potentes.
Peptídeos de venenos precisam estar suficientemente estáveis para suportar
à degradação química em solução à temperatura ambiente e à degradação
enzimática por proteases presentes no próprio veneno (Milne et al., 2003), assim
como nos tecidos das diferentes espécies de presa. Esta estabilidade usualmente é
adquirida de forma natural por meio de modificações estruturais e/ou ligações
dissulfídicas as quais rearranjam o peptídeo a uma estrutura quimicamente estável.
4
Enzimas específicas são usadas durante a produção destes peptídeos para
introduzir modificações em locais específicos, as quais podem aumentar a
biodisponibilidade, potência e estabilidade (Garcia e Lewis, 2003).
Todos estes compostos compartilham aspectos comuns como carga catiônica
e habilidade para formar estruturas anfipáticas (Maloy e Kari, 1995).
Apesar destas modificações, não é sempre que tais peptídeos de venenos
preenchem todos os requisitos associados a potenciais aplicações terapêuticas.
Discussões envolvendo o uso terapêutico de peptídeos incluem formulação, custo
de produção, estabilidade, seletividade e mecanismo de ação. A síntese química de
análogos permite que relações estrutura-atividade sejam desenvolvidas de forma
que possam levar a melhoria coordenada destes aspectos (Garcia e Lewis, 2003).
1.4
Farmacologia dos peptídeos de venenos
Peptídeos de venenos têm como alvo uma ampla variedade de canais
protéicos de membrana e receptores, conforme descrição abaixo.
1.4.1 Peptídeos de canais de cálcio
Estudos investigando o papel de canais de cálcio voltagem-dependente, na
liberação de neurotransmissores, têm apontado que a liberação de um
neurotransmissor específico está ligada à atividade de diferentes subtipos de canais
de cálcio em diferentes neurônios. Além do que, múltiplas junções variantes de
canais de cálcio existem em tecidos centrais e periféricos. Devido a esta diversidade,
oportunidade considerável existe para se desenvolver inibidores seletivos de canais
de cálcio voltagem-dependente (Lin et al., 1997).
1.4.2 Toxinas de Canais de sódio
Canais de sódio voltagem sensíveis são cruciais ao funcionamento do
sistema nervoso (Goldin et al., 2000). Alguns subtipos estão envolvidos em estados
clínicos tais como dor, apoplexia e epilepsia (Akopian et al., 1996; Rabert et al.,
1998).
5
1.4.3 Toxinas de canais de potássio
Os canais de potássio representam uma família ampla e diversa de proteínas
envolvidas na regulação de muitas funções celulares, tais como, excitabilidade da
musculatura lisa e neuronal, proliferação, secreção de eletrólitos e regulação do
volume de líquidos corporais. Peptídeos inibidores têm auxiliado a elucidar o papel
fisiológico de alguns canais de potássio em tecidos naturais, incluindo canais de
potássio presentes no sistema de inervação entérico (Suarez-Kurtz et al., 1999).
Em humanos, células T mielo-reativas (T EM ) ativadas de pacientes com
esclerose múltipla expressam níveis significativamente mais altos de canais de
potássio em relação a células T de memória centrais ou simples, além do que,
alguns inibidores de canais de potássio suprimem a proliferação de células T EM .
Logo, inibidores seletivos de canais de potássio podem representar uma terapia
apropriada para o tratamento de doenças auto-imunes como esclerose múltipla, bem
como, diabetes tipo 1, psoríase e artrite reumatóide (Beeton et al., 2001; Beeton et
al., 2003; Wulff et al., 2003).
Bloqueadores seletivos de canais de potássio também podem ter potencial
efeito no tratamento de câncer. Semelhante ao gene humano relacionado à entrada
e saída de éter (hERG), canais de potássio parecem estar presentes em diferentes
tumores (Pardo et al., 1999; Bianchi et al., 1998).
1.4.4 Toxinas de canais de cloro
Canais de cloro também estão entre as muitas proteínas de membrana
expressas na superfície de diferentes tipos de câncer. Uma Clorotoxina isolada do
escorpião Leiurus quinquestriatus (Debin et al., 1993) liga-se a canais de cloro
específicos e a certos tumores e gliomas, podendo assim representar potencial
agente no tratamento deste tipo de câncer (Ullrich et al., 1995).
1.4.5 Peptídeos de venenos utilizados em doenças cardiovasculares
O primeiro exemplo de uma droga de sucesso que teve como protótipo um
veneno é o captopril, o qual inibe a enzima conversora de angiotensina (ECA), uma
enzima essencial para a produção de angiotensina, a qual por sua vez é um
6
vasoconstritor associado à hipertensão. O Teprotide, peptídeo isolado do veneno de
Bothrops jararaca, foi escolhido como modelo estrutural de referência devido sua
atividade de longa duração in vivo, mesmo mostrando não ser oralmente ativo
(Ondetti et al., 1971; Ondetti, 1988).
1.4.6 Inibidores de transportadores de noradrenalina
Transportadores de noradrenalina (NET) são importantes na redução da
concentração de noradrenalina liberada nos neurônios, como conseqüência influindo
no aprendizado e memória, bem como nas funções endócrinas e autônomas
(Ressler e Nemeroff, 1999).
Drogas
que
inibem
os
NET
têm
efeitos
antidepressivos
e/ou
psicoestimulantes (Charney, 1998), produzem exacerbação de efeitos nas vias
inibitórias descendentes na medula espinhal (Millan, 2002), o que representa
possível utilidade no tratamento de desordens cardiovasculares e incontinência
urinária (Andersson, 1999).
Conopeptídeos–χ (peptídeos tóxicos encontrados na casca dos caracóis) são
inibidores não competitivos e altamente específicos da captação de noradrenalina
por NET de humanos e ratos (Sharpe et al., 2001).
1.4.7 Peptídeos de venenos úteis em diabetes
O peptídeo 1 similar ao glucagon (GLP1) é um hormônio insulinotrópico,
secretado por células endócrinas do intestino grosso e delgado, de forma nutrientedependente. O GLP-1 inibe o fluxo interno e esvaziamento gástrico, e controla os
níveis sanguíneos de glicose. Um peptídeo relacionado ao GLP, a exendina - 4 do
veneno do monstro de Gila Heloderma suspectum (Eng et at., 1992), mostrou ser
ativo in vivo (Szayna et al., 2000). Com base nesta atividade, exendina - 4 passa por
ensaios clínicos de Fase III visando tratamento de diabetes tipo 2.
1.4.8 Peptídeos com atividade antifúngica
Um peptídeo com atividade antifúngica foi encontrado no veneno de uma
serpente brasileira. Estudos utilizando veneno de Bothrops jararaca revelaram que o
7
composto denominado Pep5Bj, isolado de uma fração peptídica (FV), possui alta
atividade inibitória sobre o crescimento dos fungos fitopatogênicos Fusarium
oxysporum e Colletotrichum lindemuthianum e das leveduras Candida albicans e
Saccharomyces cerevisiae (Gomes et al., 2005).
A concentração inibitória mínima deste peptídeo encontrado no veneno de
Bothrops jararaca foi comparável ao de outros peptídeos antifúngicos como
defensinas de insetos e cecropinas encontradas em uma ampla diversidade de
animais (Sitaram e Nagaraj, 1999; Moerman et al., 2002).
Segundo Garcia e Lewis (2003), como conseqüência de sua alta seletividade,
peptídeos de veneno têm provado que são úteis particularmente para estudos de
comprovação de eficácia in vitro e in vivo. Todavia, para aplicações terapêuticas,
vários aspectos associados à segurança, farmacocinética e liberação precisam ser
esclarecidos. A otimização da liberação de peptídeos em alvos periféricos e centrais
ajudará
a
determinar
se
estes
podem
ser
considerados
candidatos
ao
desenvolvimento de novas drogas. Permanecem a serem estudados quantos dos
peptídeos presentes em venenos animais podem vir a ter utilidade clínica.
1.4.9 Possíveis mecanismos de ação
Segundo Egorov et al. (2005), tornou-se muito nítido nos últimos anos que
peptídeos antimicrobianos desempenham um papel importante na proteção contra
infecções associadas a diferentes microorganismos e que estudos envolvendo estes
compostos contribuem de forma significante ao desenvolvimento de resistência a
diferentes patógenos.
Muitos destes peptídeos têm sido exaustivamente estudados no intuito de
elucidar seus mecanismos de ação. Diferentes modelos para este tipo de atividade
já foram propostos: peptídeos podem formar poros, seja por desorganização ou
desestabilização da membrana celular do patógeno. De maneira geral, os resultados
destes modelos mostram aumento na permeabilidade da membrana e lise da célula
patogênica (Gazit et al., 1995; Heller et al., 2000; Brogden, 2005).
As tioninas foram os primeiros peptídeos para os quais uma atividade
antipatogênica foi relatada, mostrando alterar a permeabilidade da membrana
8
celular. São tóxicas tanto para bactérias gram-positivas quanto negativas, fungos,
leveduras e vários tipos de células de mamíferos. A toxicidade requer uma interação
eletrostática das tioninas com fosfolipídios de membrana carregados negativamente,
seguida ou pela formação de poros ou uma interação específica com certo domínio
na membrana (García-Olmedo et al., 1989; Theevissen et al., 1996).
Thevissen et al. (1996) também afirmam que as tioninas inibem crescimento
fúngico como resultado direto de interações proteína-membrana, agindo por
mecanismos possivelmente mediados por receptores.
Todos estes dados são consistentes com a noção de que tioninas afetam o
crescimento de fungos filamentosos, mais provavelmente devido à ligação à
superfície da membrana e o distúrbio de sua organização do que a formação de
poros. Além disso, a interação entre tioninas e células fúngicas também leva a
efeitos secundários tais como o influxo de Ca
2+
, o qual possivelmente pode resultar
da ativação de um canal de cálcio endógeno (Thevissen et al., 1996).
Peptídeos antimicrobianos como a gramicidina A e alameticina já foram
utilizados para descrever interações peptídeo-membrana. Por serem pequenos e de
fácil disponibilidade têm tornado possível estudar interações com lipídios de
membrana a fundo por uma variedade de técnicas biofísicas. Estudos também
apontam que estes peptídeos apresentam habilidade para modular o fluxo de íons
através de membranas, tornando-se conseqüentemente modelos populares para
compreensão de como proteínas de canais de íons funcionam (Sitaram e Nagaraj,
1999).
Gomes et al. (2005) demonstraram que a inibição do crescimento de fungos
fitopatógenos e de leveduras como Candida albicans, por uma fração peptídica
chamada FV presente no veneno de Bothrops atrox, pode ter sido mediada pela
inibição da enzima ATPase H+ ou pelo aumento na permeabilidade de H+ da
membrana plasmática destes fungos.
Cociancich et al. (1993) demonstraram que defensinas de insetos rompem a
permeabilidade da membrana citoplasmática de Micrococcus luteus, resultante a
formação de canais de íons voltagem dependentes na membrana citoplasmática.
9
Defensinas de plantas induzem o fluxo de íons pela membrana plasmática de
hifas fúngicas in vivo. Diferente de defensinas de insetos e mamíferos, as de plantas
não formam poros permeáveis a íons em membranas artificiais nem mudam as
propriedades elétricas de bicamadas lipídicas artificiais. Este achado indica uma
interação direta com componentes lipídicos da membrana plasmática (kagan et al.,
1990; Cociancich et al.,1993; Thevissen et al., 1996).
Provavelmente estas respostas de membrana são iniciadas através de
interação com um receptor que poderia traduzir um sinal para canais endógenos de
íons na membrana ou, alternativamente, facilitar inserção da defensina de planta na
membrana com subseqüente formação de canais de íons (Thevissen et al., 1996).
De acordo com Theevissen et al. (1996), dois diferentes membros da família
de peptídeos antifúngicos oriundos de defensinas de plantas, Rs-AFP2 e Dm-AMP1,
induziram a uma resposta de membrana em Neurospora crassa, incluindo captação
de Ca2+, saída de K+, alcalinização do meio e alterações no potencial de membrana.
Segundo Galo et al. (2002), análises estruturais da sequência de
aminoácidos, estudos diacrônicos circulares bem como estudos farmacológicos da
ação em diferentes patógenos, auxiliam a elucidar os mecanismos de ação de
peptídeos antimicrobianos presentes em venenos de serpentes.
1.5
Importância dos Fungos em Saúde
Nas últimas décadas, mudanças relevantes na epidemiologia das infecções
fúngicas humanas são observadas nas diferentes regiões do mundo, em especial,
no que concerne ao aumento na freqüência e espectro clínico das mesmas. Algumas
espécies fúngicas figuram atualmente entre as principais causas de infecções
disseminadas em pacientes imunodeprimidos internados, tais como diferentes
espécies de Candida, Aspergillus, Cryptococcus neoformans, dentre outras (Pfaller e
Yu, 2001).
Tais mudanças são resultantes principalmente do aumento das populações
mais suscetíveis a infecções oportunistas, dentre as quais, se destacam os
indivíduos portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA); indivíduos
10
com imunossupressão iatrogênica devido ao uso prolongado de corticoesteróides,
antibióticos e outras drogas imunomoduladoras; pacientes neoplásicos, póstransplantados e portadores de outras doenças graves e debilitantes, os quais
tiveram sobrevida aumentada pelos modernos recursos terapêuticos (Sidrim e
Moreira, 1999).
1.5.1 Candida
A candidíase ou candidose é uma infecção primária ou secundária causada
por microrganismos do gênero Candida, comprometendo pele e anexos, mucosas e
semimucosas, podendo ocasionalmente disseminar-se produzindo lesões em órgãos
distintos, em pacientes com algum tipo de imunodepressão (Negroni et al., 2001).
Ocupa lugar de destaque entre as doenças tropicais, pois vem sendo relatada
como uma das principias infecções que acometem predominantemente pacientes
imunossuprimidos (Ferreira e Ávila, 2001).
Apesar deste gênero compreender 163 espécies, mais de 60% das infecções
são causadas por Candida albicans.
A Candida faz parte da microbiota de
indivíduos sadios e está amplamente distribuída no meio ambiente, na fauna, na
flora, no solo e na água (Ferreira e Ávila, 2001; Negroni et al., 2001). O clima quente
e úmido da região Amazônica contribui favoravelmente para o desenvolvimento
desta infecção fúngica.
Estudos realizados por Negroni et al. (2001), evidenciaram que nas infecções
causadas pelo gênero Candida, C. albicans foi a espécie mais freqüente (70%).
Outras espécies descritas são C. tropicalis, C. parapsilosis, C. krusei, C. glabrata, C.
stelladoidea, C. guilliermondii e C. dubliniensis.
A candidíase é a infecção fúngica mais freqüente e de ocorrência mais
precoce em indivíduos HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) positivos, sendo a
C. albicans a espécie mais comumente encontrada (Trope, 1995), o que também foi
comprovado por Cruz (2004), ao estudar pacientes HIV positivos na Fundação de
Medicina Tropical do Amazonas, onde o gênero Candida também foi o mais
freqüentemente isolado.
11
Outro aspecto que tem aumentado a predominância de infecções fúngicas,
principalmente a candidíase, é o desenvolvimento de mecanismos de resistência
primária e secundária aos antimicóticos, podendo ser explicada, em parte, pela ação
fungistática e pela terapêutica prolongada, o que permite a seleção de clones
resistentes (Arango et al., 2004).
Apesar da disponibilidade no mercado de fármacos para o tratamento da
candidíase cutânea, cutâneomucosa ou sistêmica, tais como Anfotericina B,
Fluconazol, Cetoconazol, entre outros, existem limitações à utilização dos mesmos,
como problemas com cepas resistentes, efeitos adversos (hepatoxicidade,
nefrotoxicidade) além do custo elevado (Sidrim e Moreira, 1999; Arango et al., 2004).
Nas últimas décadas houve não só um notável aumento das infecções
fúngicas em todo o mundo, mas também um incremento na resistência
farmacológica de diversas espécies de fungos, entre eles o gênero Candida aos
diferentes antimicóticos que se utiliza na prática médica (Arango et al., 2004).
Diante do exposto, é de total relevância a busca de novos antifúngicos de
origem natural, para o tratamento das candidíases, objetivando aliar menores efeitos
secundários, maior espectro de ação e menor custo que os fármacos disponíveis
atualmente.
12
2
2.1
OBJETIVOS
Geral
Avaliar a atividade antifúngica dos venenos de serpentes amazônicas por
meio de ensaios in vitro sobre o crescimento de cepa de levedura de interesse
clínico.
2.2
•
Específicos
Testar uma metodologia simplificada de diluição em caldo adaptada do protocolo
M27-A2 (CLSI – Clinical and Laboratory Standard Institute) para avaliação da
atividade inibitória in vitro de venenos de serpentes amazônicas sobre o
crescimento de levedura do gênero Candida.
•
Detectar, por meio de técnica de diluição em caldo, a atividade inibitória dos
venenos de serpentes amazônicas das espécies Bothrops atrox e Crotalus
durissus ruruima sobre o crescimento de cepa clínica de Candida albicans.
•
Determinar a concentração inibitória mínima dos venenos de Bothrops atrox e
Crotalus durissus ruruima sobre o crescimento de cepa clínica de Candida
albicans.
•
Caracterizar
molecularmente,
por
meio
de
métodos
cromatográficos
e
eletroforéticos, os venenos das serpentes amazônicas Bothrops atrox e Crotalus
durissus ruruima.
13
3
3.1
MATERIAL E MÉTODOS
Modelo de Estudo
Estudo experimental descritivo, onde se avaliou a atividade inibitória in vitro
de moléculas com potencial antifúngico, provenientes de venenos de serpentes
amazônicas, sobre cepa de Candida albicans.
Foram realizados seis testes utilizando a técnica de macrodiluição e quinze
testes utilizando a técnica de microdiluição em caldo, em que foi testada a ação
inibitória de diferentes concentrações dos venenos sobre o crescimento fúngico.
Foram realizados ainda testes utilizando-se drogas antifúngicas como controle de
eficácia do método utilizado.
3.2
Obtenção das amostras
3.2.1 Venenos
As amostras de veneno de exemplares adultos das serpentes Bothrops atrox
e Crotalus durissus ruruima foram obtidas de espécimes provenientes de diferentes
localidades da Amazônia, mantidas nos serpentários do Centro de Ofidismo “Prof.
Paulo Friedrich Bührnhein” da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas
(FMTAM), por meio de pressão manual sobre as glândulas de veneno, após
anestesiar as serpentes com gás carbônico (CO 2 ). O sobrenadante das amostras
coletadas foi centrifugado, filtrado utilizando-se filtro de 0,45 μm, liofilizado e
estocado a -20ºC.
A concentração inicial (ou estoque) do veneno de Bothrops atrox utilizada
para os testes de inibição em macrodiluição foi de 16.000 µg/mL, e 20.000 µg/mL
para os testes de inibição em microdiluição. Do veneno de Crotalus durissus
ruruima, as concentrações iniciais utilizadas para os testes de inibição em
macrodiluição e microdiluição foram respectivamente 10.000 µg/mL e 20.000 µg/mL.
A partir destes valores iniciais e de diluições sucessivas de cada um dos
venenos amostrados foram selecionadas as concentrações teste (em µg/mL) de
14
0,78125; 1,25; 1,5625; 2,5; 3,125; 5; 6,25; 10; 12,5; 20; 25; 40; 50; 100; 200; 250 e
400 para realização dos ensaios de inibição.
3.2.2 Drogas
No intuito de avaliar a eficiência do método simplificado de diluição em caldo
YPD empregado no presente estudo foram realizados ensaios com duas drogas
antifúngicas da família dos triazóis, sintetizadas no Laboratório de Química da
Universidade Federal Fluminense, fornecidas pelo Laboratório de Bioquímica da
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UFAM. Estas drogas foram identificadas
com os códigos IVS-0320 e IVS-0322 e foram testadas nas concentrações de 8 e 16
µg/mL.
3.2.3 Fungo
Foi utilizada nos testes in vitro para avaliação da atividade antifúngica dos
venenos, cepa de Candida albicans isolada de paciente com diagnóstico clínico e
laboratorial de candidíase vulvovaginal de evolução crônica ou recorrente, que
apresentava resistência clínica à terapêutica convencional, atendida no centro de
referência para Doenças Sexualmente Transmissíveis - Fundação de Dermatologia
Tropical e Venereologia Alfredo da Matta (FUAM). Esta cepa foi identificada com o
código KL-07. Como amostra padrão foi utilizada cepa de Candida albicans ATCC
3632, fornecida pelo Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA).
3.3
Preparação das culturas e efeito dos venenos no crescimento fúngico
A preparação das culturas de leveduras utilizadas nos testes de inibição, a
padronização dos inóculos e o ensaio quantitativo foram realizadas a partir de uma
adaptação do protocolo M27-A2 (NCCLS, 2002) para macro e microdiluição.
3.3.1 Cultivo do fungo
Das cepas de levedura isoladas de material clínico foram realizadas
subculturas (repiques), em tubos estéreis com ágar YPD, incubando-os em estufa a
15
35°C durante 24 horas. Durante todo o período que envolveu os ensaios foram
executadas passagens para assegurar pureza e viabilidade das cepas.
3.3.2 Preparação do inóculo
Dos repiques de 24 horas foram retiradas colônias com diâmetro aproximado
de 1 mm. As colônias foram então suspensas em 5mL de solução salina estéril
0,145 mol/L (8,5g/L NaCl; salina a 0,85%).
A suspensão resultante foi homogeneizada em agitador vortex por 15
segundos e a densidade celular ajustada com espectrofotômetro, acrescentando-se
solução salina suficiente para obter absorbância equivalente a de uma soluçãopadrão de 0,5 na escala de Mc Farland (no caso, 0,1 de absorbância), em
comprimento de onda de 530 nanômetros (nm).
Esse procedimento permitiu a obtenção de uma suspensão-padrão de
levedura contendo 1 x 106 a 5 x 106 células por mL.
3.3.3 Técnica de macrodiluição em caldo
Para a técnica de macrodiluição foi realizada uma diluição 1:100 seguida de
uma diluição de 1:20 da suspensão-padrão em meio líquido YPD, obtendo-se assim
uma concentração de 5,0 x 102 a 2,5 x 103 células por mL2 na suspensão teste após
a mistura com o veneno.
Foram transferidos 0,2 mL das diferentes concentrações do veneno
previamente diluído em solução salina, em tubos de ensaio 12 x 75mm. Os testes
foram realizados em triplicata utilizando-se concentrações que variaram entre
0,78125 e 400 µg/mL. Para controle de crescimento do inóculo fúngico utilizou-se
0,2 mL do diluente dos venenos, sem veneno. Acrescentou-se 1,8 mL do inóculo
ajustado, a cada tubo de ensaio da série de concentrações, homogeneizando-se em
vortex por 15 segundos. Este procedimento resultou em diluição 1:10 de cada
concentração de veneno testada e uma diluição do inóculo em 10%.
Os tubos foram incubados sem agitação em estufa a 35°C, durante um
período de 24 horas. Leituras ópticas foram realizadas em espectrofotômetro com
16
comprimento de onda de 530nm, no intuito de avaliar o crescimento do inóculo
fúngico nos diferentes tubos contendo os venenos diluídos. Os percentuais de
crescimento e de inibição do crescimento nos tubos teste foram estimados
comparando-se com as leituras obtidas nos tubos controle usados em cada série de
análises.
3.3.4 Técnica de microdiluição em caldo
Os testes foram realizados em placas de microdiluição estéreis de 96 poços
com fundo plano.
A suspensão padrão de levedura foi homogeneizada durante 15 segundos em
vortex, e depois diluída na proporção de 1:50. Desta última foi obtida uma diluição
de 1:20 subsequentemente com o meio de cultura YPD, obtendo-se assim um
inóculo 2X concentrado na suspensão teste (de 1 x 103 a 5 x 103 células por mL).
As diferentes concentrações de veneno foram dispensadas em quadriplicata
nos poços da microplaca em volumes de 100µL, iniciando-se na fileira 1 com a
diluição mais concentrada (400 µg/mL), concluindo-se na fileira 5 com a diluição de
menor concentração do veneno (0,781µg/mL).
Para os controles positivos foram adicionados 100µL de meio de cultura,
isento de veneno, nos quais foram acrescentados 100µL das suspensões 2X
concentradas dos inóculos. Realizou-se ainda o controle negativo inoculando-se em
uma das fileiras da placa apenas o meio de cultura com solução salina, isento de
veneno e de inóculo.
Desta maneira, o inóculo 2X concentrado foi então acrescentado na
proporção 1:1 ao ser inoculado nos poços, obtendo-se assim uma concentração final
de 0,5 x 103 a 2,5 x 103 células por mL.
Uma vez misturados veneno e meio com inóculo, as placas de microdiluição
foram incubadas em estufa a 35° C por 24 horas. Após a incubação, leituras ópticas
a 630 nm foram realizadas do conteúdo dos poços com os venenos em diferentes
concentrações e os controles, em leitora de placa (Thermo Plate TP Reader)
obtendo-se os valores em absorbância.
17
3.4
Obtenção e caracterização molecular
A obtenção e caracterização do perfil molecular das frações protéicas dos
venenos com atividade inibitória sobre o crescimento dos fungos amostrados foram
realizadas conforme técnicas descritas abaixo.
3.4.1 Por métodos cromatográficos
As frações protéicas dos venenos utilizados nos testes de inibição foram
obtidas utilizando-se método cromatográfico convencional de fase reversa,
associado a fracionamento por solventes orgânicos e soluções tampão segundo
López-Lozano (2002).
A detecção do perfil molecular dos constituintes protéicos dos venenos das
serpentes foi obtida usando-se cromatografia líquida de alta performance em fase
reversa (high performance liquid chromatografy-reversed phase, HPLC-RP), com
coluna semipreparativa ODS Shim-Pack C18 (10 mm x 250 mm, 10 µm), equilibrada
com 0,1% de ácido trifluoracético (TFA, solução A). A eluição dos constituintes dos
venenos era iniciada com fluxo da solução A por 10 min e continuada com gradiente
0,1% de TFA em acetonitrila (solução B), de 0 a 60% em 70 minutos (min). A
velocidade de fluxo para eluição dos constituintes era de 2,5 ml/min, monitorando-se
com detector analítico sob radiação luminosa a 216 nm. Para cada processo
cromatográfico eram aplicadas 4 mg de amostra e, para cada amostra, realizavamse duas análises cromatográficas.
3.4.2 Por eletroforese
Foi utilizada técnica descrita por Laemmli (1970) utilizando dodecil sulfato de
sódio/gel de poliacrilamida (SDS-PAGE), conforme descrito a seguir.
A concentração do gel de corrida foi de 15%, enquanto que a do gel de
empilhamento foi de 4%. As amostras de venenos foram diluídas volume a volume
com tampão da amostra Tris 0,125M, SDS 2%, glicerol 10% e azul de bromofenol
0,05%, com e sem β – mercaptoetanol, resultando frações reduzidas e não
reduzidas respectivamente, e aquecidas por 5 minutos a 100°C (reduzidas) 40ºC por
30 minutos (não reduzidas).
18
Foram submetidas à eletroforese amostras de veneno de Bothrops atrox na
concentração de 0,2 µg/µl (diluição equivalente a 200 µg/ml) e Crotalus durissus
ruruima na concentração de 0,4 µg/µl (diluição equivalente a 400 µg/ml), juntamente
com dois controles de corrida para Bothrops atrox e Crotalus durissus ruruima
ambos com concentração de 10 µg/µl.
As amostras aplicadas no gel foram submetidas a uma corrente elétrica
constante de 20 mA / gel, usando Tris-glicina pH 8,3 (Tris 0,025M, glicina 0,192M,
SDS 0,1%) como tampão de corrida.
Após a corrida os géis foram corados com Nitrato de Prata conforme descrito
abaixo.
Os géis foram lavados durante 5 minutos com água destilada e em seguida
imersos em 150 ml de solução fixadora (composta por metanol 50%, ácido acético
12% e formaldeído 0,1%) por 24 horas. Após este período, os géis foram submetidos
a três lavagens com etanol. Cada lavagem durou 20 minutos, sob agitação,
utilizando-se 300 ml de solução de etanol 50%. A próxima etapa foi deixar os géis
imersos em 300 ml de solução de tiossulfato de sódio 0,02% por 1 hora. Os géis
foram então submetidos a três ciclos de lavagem com água destilada, sob agitação,
por cerca de 20 minutos cada ciclo. Após lavagem, os géis foram imersos em
solução de nitrato de prata (AgNO 3 0,2% e formaldeído 0,075%) e água destilada,
por 30 minutos, sob agitação. Logo em seguida, foram lavados com água destilada
por não mais que 1 minuto e imersos em solução reveladora (Na 2 CO 3 6%;
formaldeído 0,008%; Na 2 S 2 O 3 ) sob agitação até surgimento das bandas e spots.
Evidenciadas as bandas, os géis foram então imersos em solução de interrupção
(composta de ácido acético 5%) por 10 minutos finalizando assim o processo de
coloração.
O perfil molecular obtido nos géis foi registrado utilizando-se Image Scanner
(GE) com auxílio do software Platino 6.0 (GE).
19
4
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Todos os experimentos foram realizados em triplicata, e os dados obtidos
utilizados para cálculo das médias das leituras, medianas e desvio-padrão (DP).
Na comparação das medianas dos diferentes níveis de diluição utilizou-se o
teste Não-paramétrico de Kruskal-Wallis com nível de significância de 5%.
O software utilizado na análise foi o programa Epi-Info 3.3 for Windows
desenvolvido e distribuído pelo CDC (www.cdc.org/epiinfo).
20
5
5.1
RESULTADOS
Teste com drogas
Ensaios realizados com duas drogas antifúngicas da família dos triazóis, (IVS
– 0320 e IVS – 0322) visando demonstrar eficiência do método de microdiluição em
caldo YPD, mostraram potente atividade inibitória sobre o crescimento de Candida
albicans. Foi possível observar correlação positiva entre concentração e atividade
inibitória
Tabela 1. Percentuais de inibição do crescimento de Candida albicans obtidos em testes de
o
microdiluição em caldo YPD a 35 C de dois derivados triazólicos com ação antifúngica.
*Concentração
Atividade
(µg/mL)
Inibitória (%)
IVS-0320
8
IVS-0320
DP
Mediana
50,08
3,01
50,88
16
81,23
1,37
80,49
IVS-0322
8
99,70
0,58
100
IVS-0322
16
100
0,00
100
Drogas
DP – desvio padrão, * concentrações obtidas a partir de diluições da droga purificada.
5.2
Testes de inibição em macrodiluição
Nos ensaios utilizando-se diluições do veneno de Bothrops atrox, obteve-se
maior atividade inibitória (16,05%) sobre a cepa clínica KL-07 com uma
concentração de 10 µg/mL de veneno
e
menor atividade (3,61%) com
concentração de 2,5 µg/mL, conforme apresentado na Tabela 2. Com relação à cepa
padrão
ATCC
observou-se
maior
atividade
inibitória
(14,26%)
com
uma
concentração de veneno de 400 µg/mL e menor (5,45%) com concentração de
veneno de 1,25 µg/mL. Nossos dados sugerem similar efeito inibitório, nas
concentrações testadas, do veneno de B. atrox sobre ambas as cepas de Candida
albicans.
21
Tabela 2. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em macrodiluição, do veneno de
Bothrops atrox sobre o crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C, Manaus – AM.
Atividade Inibitória (%)
Concentração* (µg/mL)
KL-07
ATCC
DP
KL- 07
Mediana
ATCC
KL-07
ATCC
400
12,32
14,26
1,33
1,05
9,42
8,43
40
5,21
12,71
2,57
1,51
3,23
7,87
20
5,56
10,93
8,52
1,48
3,65
6,39
10
16,05
14,07
11,72
1,06
10,50
9,70
5
12,64
7,8
20,48
1,17
8,46
3,87
2,5
3,61
7,07
25,56
1,14
3,16
4,70
1,25
13,93
5,45
26,99
1,20
10,39
3,54
DP - desvio padrão, * concentrações obtidas a partir de diluições do veneno bruto de Bothrops
atrox, p-valor = 0,785(KL-07) e p-valor = 0,220 (ATCC) - (Teste de Kruskal-Wallis).
Ao testar o veneno de Crotalus durissus ruruima, observou-se frente à cepa
clínica KL-07 maior atividade inibitória (9,19%) com concentração de 12,5 µg/mL e
menor atividade (0,35%) com 1,5625 µg/mL. Frente a cepa padrão ATCC a maior
atividade inibitória (13,21%) foi obtida na concentração de 3,125 µg/mL e a menor
(2,84%) na concentração de 250 µg/mL. Em vista destes dados, observa-se
atividade inibitória semelhante para este veneno sobre ambas as cepas analisadas
(Tabela 3).
Tabela 3. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em macrodiluição, do veneno de Crotalus
durissus ruruima sobre o crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C, Manaus – AM.
Concentração*
(µg/mL)
Atividade Inibitória (%)
KL-07
ATCC
DP
KL-07
Mediana
ATCC
KL-07
ATCC
250
2,98
2,84
8,14
1,02
2,85
2,84
25
1,01
12,73
5,03
4,50
1,01
12,73
12,5
9,19
12,0
24,44
1,95
9,19
12,0
6,25
1,34
8,69
1,68
3,76
1,34
8,69
3,125
5,91
13,21
7,00
2,0
5,91
13,21
1,5625
0,35
9,34
13,51
2,23
0,35
9,34
0,78125
7,50
9,26
5,65
1,03
7,50
9,26
DP – desvio padrão, * concentrações obtidas a partir de diluições do veneno bruto de Crotalus
durissus ruruima, p-valor = 0,785 (KL-07) e 1 (ATCC) - (Teste de Kruskal-Wallis).
22
5.3
Testes de inibição em microdiluição
De acordo com os dados apresentados na Tabela 4, ao se testar o veneno da
espécie Bothrops atrox, a maior atividade inibitória alcançada (9,09%) sobre a cepa
KL-07 foi observada com concentração de 200 µg/mL, e a menor (1,86%) com
concentração de 3,125 µg/mL. Não houve inibição pelo veneno de B. atrox, em
nenhuma das concentrações testadas, frente à cepa ATCC.
Tabela 4. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em microdiluição, do veneno de
Bothrops atrox sobre o crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C, Manaus – AM.
Atividade Inibitória (%)
Concentração* (µg/mL)
KL-07
ATCC
DP
KL-07
Mediana
ATCC
KL-07
400
5,54
7,04
2,73
200
9,19
9,79
7,03
100
5,88
6,56
3,27
50
4,96
5,47
4,93
25
6,87
12,5
4,31
6,25
6,08
5,01
5,37
3,125
1,86
5,06
1,19
1,5625
4,32
10,04
2,0
0,78125
5,45
5,58
4,57
0,00
10,12
3,57
0,00
2,91
5,80
ATCC
0,00
DP – desvio padrão, * concentrações obtidas a partir de diluições do veneno bruto de Bothrops
atrox, p-valor = 0,785 (KL-07) e 0,20(ATCC) - (Teste de Kruskal-Wallis).
A Tabela 5 mostra que ao se testar o veneno da espécie Crotalus durissus
ruruima frente à cepa clínica KL-07, a atividade inibitória mais elevada (7,88%) foi
obtida com concentração de 400 µg/mL e a menor (1,91%) com 25 µg/mL e que
diante da cepa padrão ATCC não foi observada atividade inibitória em nenhuma das
concentrações utilizadas do veneno supramencionado.
23
Tabela 5. Efeito das diferentes concentrações analisadas, em microdiluição, do veneno de
Crotalus durissus ruruima sobre o crescimento de Candida albicans em meio YPD a 35º C,
Manaus – AM.
Atividade Inibitória (%)
Concentração* (µg/mL)
KL-07
ATCC
DP
KL-07
ATCC
Mediana
KL-07
400
7,88
2,38
6,61
200
5,29
2,25
4,07
100
4,29
0,53
4,05
50
6,47
1,87
7,49
25
1,91
12,5
2,83
6,25
3,30
1,08
3,19
3,125
5,42
1,73
6,35
1,5625
3,14
0,41
3,09
0,78125
4,25
1,91
4,86
0,00
2,84
4,12
0,00
2,13
1,42
ATCC
0,00
DP – desvio padrão, * concentrações obtidas a partir de diluições do veneno bruto de Crotalus
durissus ruruima, p-valor = 0,785(KL-07) e 0,04(ATCC) - (Teste de Kruskal-Wallis).
Na análise dos resultados obtidos nos testes de inibição, realizados em macro
e microdiluição, observou-se não haver diferença estatisticamente significante ao
nível de 5% entre as médias obtidas segundo as diferentes concentrações testadas
tanto para o veneno da espécie Bothrops atrox (Tabelas 2 e 4), como da espécie
Crotalus durissus ruruima (Tabelas 3 e 5).
24
5.4
Caracterização molecular dos venenos testados
5.4.1 Por cromatografia
A análise comparativa dos perfis cromatográficos HPLC-RP-C18 dos venenos
de Bothrops atrox (Figura 1) e Crotalus durissus ruruima (Figura 2), obtidos segundo
procedimento cromatográfico descrito no item 4.6.1, mostrou diferenças quanto ao
número, intensidade e tempo de retenção dos picos.
1,25
1,25
80
60
0,50
40
0,75
Volts
0,75
1,00
Acetonitrila (%)
1,00
Volts
Absorbância (λ 216 nm)
100
Detector A - 1 (214nm)
B.atrox
teste2
0,50
0,25
0,25
20
0,00
0,00
0
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Minutes
Figura 1. Perfil cromatográfico de veneno de Bothrops atrox –
4mg/500µl, velocidade de fluxo de 1mL/minuto, Solução A –
0,1% de TFA, Solução B - 0,1% de TFA em acetonitrila,
Coluna – RP C18.
90
25
100
Detector A - 1 (216nm)
cdr
thiacasam10.dat
3,0
3,0
80
1,5
1,5
40
1,0
1,0
0,5
Volts
2,0
60
Acetonitrila (%)
2,5
2,0
Volts
Absorbância (λ 216 nm)
2,5
0,5
20
0,0
0,0
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0
Minutes
Figura 2. Perfil cromatográfico de veneno de Crotalus
durissus ruruima – 4mg/500µl, velocidade de fluxo de
1mL/minuto, Solução A – 0,1% de TFA, Solução B - 0,1% de
TFA em acetonitrila, Coluna – RP C18.
5.4.2 Por eletroforese
Segundo o perfil por SDS-PAGE dos venenos testados (Figuras 3 e 4),
observaram-se variações quanto ao perfil molecular, tanto em condições redutoras
(presença de β mercaptoetanol) quanto em condições não redutoras (ausência de β
mercaptoetanol), com ausência de algumas bandas protéicas nas amostras mais
diluídas e predomínio das bandas com 14, 23 e 50 kDa (kiloDaltons) em ambos os
venenos analisados.
26
MM (kDa)
50
23
14
1
2
3
4
Figura 3. Perfil SDS/PAGE dos venenos em condições
redutoras onde: 1. Controle de B.atrox (10µg/µl); 2.
Controle de C.d.r (10µg/µl); 3. C.d.r (0,4 µg/µl); 4. B.atrox
(0,2 µg/µl).
MM (kDa)
50
23
14
1
2
3
4
Figura 4. Perfil SDS/PAGE dos venenos em condições
não-redutoras: 1. Controle de B.atrox (10µg/µl); 2.
Controle de C.d.r (10µg/µl); 3. B.atrox (0,2 µg/µl); 4. C.d.r
(0,4 µg/µl).
27
6
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, diversos peptídeos antimicrobianos têm sido encontrados
em venenos de diferentes fontes animais e intensamente estudados no sentido de
elucidar suas habilidades em inibir o crescimento de potenciais microorganismos
patógenos (Gallo et al., 2002).
No presente estudo foi avaliada a atividade inibitória in vitro de venenos
brutos de duas serpentes amazônicas das espécies Bothrops atrox e Crotalus
durissus ruruima frente o crescimento de Candida albicans, empregando-se uma
metodologia simplificada de diluição em caldo YPD, a partir do protocolo M27A CLSI.
De uma maneira geral, a atividade inibitória foi discreta em ambos os venenos
testados. As médias de inibição relativas as diferentes concentrações selecionadas
para os ensaios, com veneno de Bothrops atrox e de Crotalus durissus ruruima, não
mostraram diferenças estatísticamente significativas entre si, sugerindo que os
níveis de concentração não interferiram no grau de inibição ao se utilizar o veneno
bruto.
O perfil molecular, segundo as análises cromatográficas, mostrou diferenças
quanto ao número, intensidade e tempo de retenção dos picos nos dois venenos
estudados. Nas análises eletroforéticas foi possível observar ausência de algumas
bandas protéicas nas amostras mais diluídas e predomínio das bandas com 14, 23 e
50 kDa em ambos os venenos analisados.
Nos ensaios realizados em macrodiluição foi possível notar médias de
inibição mais elevadas que as obtidas nos ensaios em microdiluição para ambos os
venenos utilizados, entretanto estes valores distribuiram-se em diferentes níveis de
concentração. Por conseguinte não foi possível se evidenciar uma correlação entre
concentração e atividade inibitória.
Ao se analisar a atividade inibitória nos ensaios realizados em microdiluição
nota-se similaridade com os ensaios macro, tendo em vista a distribuição das
médias de inibição onde não foi possível estabelecer correlação entre concentração
e atividade inibitória. Observou-se também, discreta inibição frente a cepa clínica
28
identificada como KL-07, e curiosamente a ausência de efeito inibitório sobre a cepa
padrão ATCC 3632.
Com base nestes dados, é possível inferir se no veneno bruto a concentração
de princípios ativos pode ser inferior ou não ideal se comparada a de venenos
fracionados (Ribeiro et al., 2007) ou que talvez os compostos presentes no veneno
bruto venham a sofrer algum tipo de interferência quanto à atividade inibitória por
não se encontrarem plenamente ativos, uma vez que o veneno é constituído por um
“pool” de proteínas e peptídeos, que apresentam diferenças no que se referem à
quantidade e natureza química, e que desta forma ao interagirem em uma mesma
reação podem gerar efeitos antagônicos entre si, anulando assim algum tipo de
atividade biológica (Haeberli et al., 2000; Konno et al., 2001; Moerman et al., 2002).
Estudos de Gomes et al. (2005) podem corroborar estes achados ao
demonstrarem que uma fração peptídica (FV) isolada, presente no veneno de
Bothrops jararaca, apresentou maior atividade inibitória sobre o crescimento de
Candida albicans quando comparada ao efeito do veneno bruto.
Sugere-se ainda, segundo os dados obtidos, a hipótese de que os venenos
avaliados podem ter sofrido proteólise advinda de mecanismos de defesa do fungo,
no caso a Candida albicans, haja vista a existência de cepas providas de genes
específicos ligados à resistência clínica como MDR1 e CDR1 codificadores de
proteínas que provocam a eliminação de um fármaco, com isso reduzindo seu
acúmulo intracelular (Hernáez et al., 1997).
Importante frisar a ausência de inibição frente à cepa padrão ATCC,
levantando-se o questionamento se não existiriam diferenças entre as duas cepas
testadas no que diz respeito a interações proteína-membrana mediadas por
receptores (Thevissen et al., 1996), sugerindo que a cepa padrão em nosso estudo
apresente mecanismos de defesa que impedem a ligação de proteínas específicas
presentes no veneno a receptores na membrana da célula fúngica, levando assim a
neutralização de um possível efeito inibitório.
Uma outra hipótese a cerca dos resultados apresentados no presente
trabalho seria a de que os venenos testados podem ter sido auto-degradados
durante a fase de incubação com a suspensão de leveduras por proteases próprias
29
num processo conhecido como autoproteólise (Milne et al., 2003). Tanto o veneno
de Bothrops atrox como o de Crotalus durissus ruruima apresentam na sua
composição altas concentrações de serino e metaloproteases (Muniz, 2002; LópezLozano, 2002).
Em referência aos métodos de avaliação da atividade antifúngica empregados
neste estudo, verificou-se que os procedimentos técnicos, oriundos de adaptação do
protocolo M27-A2 (NCCLS-CLSI, 2002), demonstraram boa reprodutibilidade,
eficiência e acurácia, haja vista os resultados obtidos ao se testar as drogas
antifúngicas IVS-0320 e IVS-0322, além de simplicidade quanto à execução, uma
vez que não houve necessidade de aparato técnico de grande complexidade e o
baixo custo que envolveu a realização dos mesmos.
A complexidade metodológica; o alto custo; a demora do teste; e a dificuldade
na leitura, são as principais limitações apontadas por diferentes autores em relação
ao método padrão-ouro preconizado no protocolo M27-A do referido Comitê. Deste
modo, através dos experimentos realizados sugere-se a aplicação de um protocolo
alternativo que possibilita testar princípios ativos outros, além dos de serpentes,
oriundos de fontes animais ou vegetais com potencial atividade antifúngica.
30
7
•
CONCLUSÃO
Os venenos de Bothrops atrox e Crotalus durissus ruruima mostraram discreta
inibição in vitro frente ao crescimento de Candida albicans em meio de cultura
líquido YPD;
•
Não foi possível estimar a concentração inibitória mínima dos venenos de
Bothrops atrox e Crotalus durissus ruruima sobre o crescimento das cepas de
Candida albicans empregadas nos testes.
•
Não houve diferença significativa no grau de inibição entre as concentrações
selecionadas para análise em ambos os venenos testados tanto em macro
quanto em microdiluição;
•
Os venenos de Bothrops atrox e Crotalus durissus ruruima mostraram diferenças
quanto ao perfil molecular segundo análise cromatográfica e eletroforética;
•
Por meio deste estudo foi possível demonstrar que as técnicas de macro e
microdiluição em caldo são eficazes para se avaliar a taxa de inibição de
substâncias como venenos animais.
•
Com o presente trabalho surge a possibilidade de isolar e averiguar se frações
protéicas e peptídicas, presentes em venenos de serpentes das espécies
Bothrops atrox e Crotalus durissus ruruima, apresentam alguma atividade
inibitória frente a cepas de Candida albicans.
31
8
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