07/01/2015
Inteiro Teor (6782122)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS
RELATOR
APELANTE
APELADO
:
:
:
:
INTERESSADO
:
ADVOGADO
INTERESSADO
ADVOGADO
:
:
:
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA
UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA
(CERVBRASIL)
GUSTAVO BINENBOJM
ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TV
LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI
FRANCISCO PREHN ZAVASCKI
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES AFASTADAS. REUNIÃO
DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS PARA JULGAMENTO CONJUNTO EM
FACE DA CONEXÃO. SUSPENSÃO PROCESSUAL ­ ADO 22/STF ­
DESNECESSIDADE. PROPAGANDA COMERCIAL DE BEBIDAS
ALCOÓLICAS. RESTRIÇÕES LEGAIS. INTERPRETAÇÃO
SISTEMÁTICA DA LEI SEGUNDO SEUS FINS SOCIAIS E AS
EXIGÊNCIAS DO BEM COMUM. ABRANGÊNCIA NACIONAL.
1. A Anvisa e a União são partes legítimas para responder a ação que busca
aplicar às propagandas comerciais o conceito de bebida alcoólica mais restritivo.
2. Não se cogita de litisconsórcio passivo necessário com a Associação
Brasileira de Bebidas, uma vez que se busca tutelar questão de saúde pública.
3. Desnecessária a suspensão do processo em face de ação direta de
inconstitucionalidade por omissão ajuizada (ADO nº 22/STF), uma vez que não se está a
dirimir acerca da omissão do Poder Legislativo.
4. A adoção do programa de política pública para pautar a atuação
administrativa com a ampliação do conceito de bebida alcoólica estabelecido na lei para fins
de propaganda leva em conta a evolução legislativa e social, calcada em preceitos
constitucionais brasileiros. Também o legislador, supervenientemente, com a Lei de Trânsito,
passou a adotar mesmo entendimento.
5. O legislador da Lei nº 11.705/08 não teve a intenção de bolir com o conceito
de bebida alcoólica, previsto na Lei nº 9.494/96, para fins de publicidade. Entretanto, é sabido
que, uma vez promulgada a lei, ganha vida própria, libertando­se da "mens legislatoris", a
qual poderá ou não se adequar à interpretação sistemática do direito.
6. Existe incompatibilidade total (revogação tácita) entre os conceitos de bebida
alcoólica contidos em ambas as leis. Não podem coexistir no ordenamento jurídico dois
conceitos distintos de bebida alcoólica; um, para fins de propaganda, e outro, para fins de
proteção ao trânsito.
7. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp
1.243.887/PR) concluiu que os efeitos e eficácia da sentença proferida em ação civil pública
não ficam circunscritos aos limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que
foi decidido.
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8. Para a consideração e aplicação do conceito de bebida alcoólica como sendo
aquela que possui grau Gay­Lussac maior que 0,5, também às propagandas de rádio e
televisão, fica estabelecido o prazo de 180 (cento e oitenta dias), a contar da publicação do
presente acórdão, prazo esse razoável para a alteração dos critérios a serem seguidos em
contratos comerciais com o objeto da presente demanda.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar
provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2014.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle,
Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução
TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está
disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o
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Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a):
Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Data e Hora:
17/12/2014 13:10
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS
RELATOR
APELANTE
APELADO
:
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:
INTERESSADO
:
ADVOGADO
INTERESSADO
ADVOGADO
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:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA
UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA
(CERVBRASIL)
GUSTAVO BINENBOJM
ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TV
LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI
FRANCISCO PREHN ZAVASCKI
RELATÓRIO
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Trata­se de ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, buscando o
Ministério Público Federal a procedência da ação para determinar:
c.1) à ANVISA e à UNIÃO para que, por seus órgãos competentes, passem a aplicar as
restrições legais à publicidade de bebidas alcoólicas com teor igual ou superior a 0,5 (meio)
grau Gay­Lussac:
c.1.1) somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras
de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas (art. 4º, caput, da Lei 9.294/96),
c.1.2) somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras
de televisão entre as vinte e uma hora e as vinte e três horas nos casos de obras audiovisuais
não recomendadas para menores de 18 anos, nos termos da classificação indicativa em vigor
(Portaria nº 1.220, de 11 julho de 2007, do Ministro da Justiça),
c.1.3) a propaganda de bebidas alcoólicas não poderá associar o produto ao esporte olímpico
ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a
imagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas ( § 1º do artigo 4º da Lei
9.294/96);
c.1.4) os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes
termos: 'Evite o consumo excessivo de álcool' (§ 2º do artigo 4º da Lei 9.294/96);
c.1.5) na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixada
advertência de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool,
punível com detenção (art. 4º­A da Lei 9.294/96);
c.1.6) é vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, para
veicular a propaganda de bebidas alcoólicas (art. 6º da Lei 9.294/96);
c.1.7) as restrições acima enumeradas aplicam­se para eventos alheios à programação
normal e rotineira das emissoras de rádio e televisão e à propaganda estática existente em
estádios, veículos de competição e locais similares;
c.1.8) bebidas alcoólicas não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição de
prêmios (artigo 10 do Decreto 70.951, de 09 de agosto de 1972) que dispõe sobre a
distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale­brinde ou concurso, a título de
propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular');
c.2) à ANVISA para que passe a aplicar, em caso de descumprimento das restrições
relacionadas no item 'a', supra, as sanções previstas no art. 9º da Lei nº 9.294/96, nos termos
de sua competência exclusiva ou concorrente com a vigilância sanitária municipal, inclusive
com relação às agências de publicidade responsáveis por propaganda de âmbito nacional (art.
9º, § 4º, I, da Lei 9.294/96);
c.3) à União Federal (órgão de regulamentação da aviação civil do Ministério da Defesa)
para que, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item 'a', supra, passe a
aplicar as sanções previstas no art. 9º da Lei nº 9.294/96 em relação a infrações verificadas
no interior de aeronaves (art. 9º, § 4º, II, da Lei 9.294/96);
c.4) à União (órgão do Ministério das Comunicações responsável pela fiscalização das
emissoras de rádio e televisão) para que, em caso de descumprimento das restrições
relacionadas no item 'a', supra, passe a aplicar as sanções previstas no art. 9º da Lei nº
9.294/96 ­ (art. 9º, § 4º, III, da Lei nº 9.294/96);
c.5) à União Federal (órgão de regulamentação de transportes do Ministério dos Transportes)
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para que, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item 'a', supra, passe a
aplicar as sanções previstas no art. 9º da Lei nº 9.294/96 em relação a infrações ocorridas no
interior de transportes rodoviários, ferroviários e aquaviários de passageiros (art. 9º, § 4º,
IV, da Lei nº 9.294/96);
..................
e) a fixação de multa diária no valor de R$ 50.000,00, a ser revertida para o Fundo de Defesa
dos Direitos Difusos (art. 13 da Lei 7347/85), para o caso de descumprimento da
determinação judicial, inclusive derivada da antecipação dos efeitos da tutela.
O pedido de antecipação de tutela foi indeferido (fls. 311 a 313 ­ evento 2 ­
DECISÃO/20). Interposto agravo de instrumento pelo Ministério Público Federal (nº
0035426­75.2010.404.0000/RS), o mesmo foi convertido em retido.
Com contestação pela União (evento2 ­ CONTESTA7) e pela ANVISA
(CONTESTA19) adveio sentença julgando improcedente o pedido. Sem condenação em
honorários advocatícios.
Apela o Ministério Público Federal (evento2 ­ APELAÇÃO32) aduzindo
considerações sobre a possibilidade de sentença aditiva e a necessidade de o Poder Judiciário
proteger o direito difuso à vida, à saúde, principalmente a das crianças e adolescentes contra a
publicidade irrestrita de determinadas bebidas alcoólicas. Postula a prevalência do artigo 220,
§ 4º da Constituição Federal.
Com contrarrazões (evento2 ­ CONTRAZ 34 e 36), vieram os autos a esta
Corte, perante a qual o Ministério Público Federal ofertou parecer pelo provimento do apelo
(evento4).
Deferidos os pedidos de ingresso na lide como assistentes da requerida,
formulados por CERVBRASIL ­ Associação Brasileira da Indústria da Cerveja e por ABERT
­ Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, friso que em torno da mesma matéria, tramitam neste Tribunal,
sob minha Relatoria ­ em virtude de precedente reconhecimento da necessidade de julgamento
em conjunto ­ mais outras duas ações civis públicas, as de nº 5012924­20.2012.404.7200 e nº
2008.70.00.013135­1.
Considerando que as referidas ações buscam a mesma prestação jurisdicional,
tenho por apresentar os feitos em conjunto, estabelecida que foi a reunião dos processos
perante este mesmo Relator, em face de conexão.
Considerando o julgamento conjunto dos apelos, para facilitar a apreciação e
julgamento, entendi por apreciar os apelos em conjunto. É ao que passo.
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Ações nº 2008.70.00.013135­1/PR, nº 5012924­20.2012.404.7200 e nº
5017742­24.2012.404.7100
Preliminares ­ Litisconsórcio passivo necessário com a Associação
Brasileira de Bebidas ­ Ilegitimidade passiva da União
As preliminares foram bem apreciadas na v. sentença proferida nos autos da AC
nº 5012924­20.2012.404.7200, sendo válida a transcrição como razões de decidir:
A ANVISA é parte legítima, já que, nos termos da lei que a criou, compete­lhe promover a
proteção da saúde da população por meio do controle sanitário da produção e da
comercialização (incluída aqui a publicidade) de produtos, dentre eles bebidas.
Já o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça,
pertencente à União Federal, também possui, concorrentemente, atribuições no campo da
fiscalização da publicidade de produtos potencialmente nocivos à saúde do consumidor,
conforme prevêem os artigos 27, XIV, e da Lei 10.683/03 e Lei 8078/90, artigos 4º, incisos I,
II, II e IV, artigo 55, § 1º, 3º, 4º e artigo 106, incisos I e VII. Assim, também não há que se
falar em ilegitimidade da União.
De outra parte, não há que se falar em litisconsórcio passivo necessário com a Associação
Brasileira de Bebidas, tal como alegado pela União, considerando que se visa unicamente a
tutelar questão de saúde pública. Ora, as repercussões decorrentes da decisão judicial a
alcançar empresas fabricantes de bebidas alcoólicas serão reflexos fáticos referentes à
atuação pública dos réus, não significando legitimidade processual para a lide. Eventuais
limitações à publicidade de bebidas alcoólicas dizem respeito apenas à atuação da União e
ANVISA, não cabendo à Associação Brasileira de Bebidas responder por fatos que são de
responsabilidade dos entes públicos.
Em embargos de declaração, nos autos da ACP foi afastada a alegação de
litispendência com ACP nº 2009.71.00.019713­7 (5017772­24.2012.404.7100).
Na ACP ajuizada em 2012, nº 5012924­20.2012.404.7200, o Ministério Público
Federal entende, em síntese, que a legislação ordinária mudou com o tempo e postula a
aplicação do conceito de bebida alcoólica previsto na Lei nº 11.705/2008 ­ Lei de Trânsito,
também às restrições para propaganda.
Na ACP ajuizada em 2009 (RS), nº 2009.71.00.019713­7 (5017742­
24.2012.404.7100), a inicial da ação assevera, em síntese, a omissão da União e da ANVISA
no cumprimento do dever de proteção à pessoa contra a propaganda de produtos nocivos (CF,
art. 220, § 3º, II) e à prioridade absoluta à saúde de crianças e adolescentes (CF, art. 227,
caput).
Na ACP ajuizada em 2008 (PR), nº 2008.70.00.01335­1, o pleito diz com a
prejudicial de declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei nº 9.494/96 e
determinação para que a União edite em 40 dias atos administrativos gerais e nacionais,
necessários à restrição, em todo o território nacional, da veiculação das propagandas
comerciais de cerveja e demais bebidas alcoólicas de teor igual ou superior a 0,5 GL, fora
do horário compreendido entre 23 horas e 06 horas. Discorre a inicial, em síntese, acerca dos
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demais diplomas legais que atentam para essa definição e também para a necessária
prevalência do direito à vida, especialmente das crianças e adolescentes, sobre o direito de
expressão comercial.
Sendo assim, no meu entendimento e diante da análise que pretendo realizar,
não há litispendência entre as ações, mas conexão, o que resultou na reunião dos processos
sob a mesma Relatoria e inclusão em pauta conjuntamente.
Analisarei a questão da necessidade ou não da suspensão processual em razão
do trâmite da ADO 22/STF no decorrer da análise do mérito.
Mérito
1. A análise constitucional
Ao julgar procedente a ação civil pública nº 5012924­20.2012.404.7200, assim
fundamentou o MM. Juiz Federal Marcelo Krás Borges sua convicção:
Ora, a controvérsia reside em saber se pode o legislador estabelecer dois conceitos jurídicos
para a bebida alcoólica, um para a publicidade e outro para a suspensão do direito de dirigir.
Entendo que o legislador não possui poderes ilimitados, ou seja, não pode legislar
contrariando os princípios insculpidos em nossa Constituição.
A Constituição Federal estabelece que a saúde é um direito de todos e concedeu superlativa
importância a tal direito, tanto que determinou expressamente a limitação da publicidade de
bebidas alcoólicas no artigo 220, já transcrito.
Entendo que o constituinte não poderia criar tão evidente limitação se não concedesse
importância fundamental ao direito à saúde.
Com efeito, é sabido por todos dos efeitos nocivos da utilização de bebidas alcoólicas por
crianças e adolescentes, que iniciam a vida adulta já com os caminhos direcionados a outras
drogas, ao invés de se dedicarem aos estudos e ao trabalho.
Neste sentido, o legislador não poderia excluir dos limites da publicidade as bebidas
alcoólicas com menos teor alcoólico, já que está evidentemente contrariando o texto
constitucional. A Constituição Federal, no artigo 220, § 3º, inciso II estabelece que haverá
limitação na publicidade de produtos nocivos à saúde, como se infere:
'estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se
defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o
disposto no artigo 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que
possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.'
Neste sentido, o legislador, ao afastar a limitação constitucional de algumas bebidas
alcoólicas, tal como o vinho e a cerveja, afrontou diretamente o texto constitucional,
colocando o interesse econômico da indústria de bebidas acima da saúde pública.
Desta forma, entendo que o legislador, ao atender exclusivamente aos interesses financeiros
da indústria de bebidas, acabou por burlar uma determinação expressa do texto
constitucional. Tal liberação de algumas bebidas alcoólicas seria o mesmo que considerar que
a cerveja e os vinhos não são nocivos à saúde. É certo que o consumo moderado não
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prejudica a saúde. Todavia, como os meios de comunicação lidam com adolescentes, que
estão a começar a vida, o próprio constituinte tratou de limitar a publicidade, de modo a
diminuir a influência nociva sobre aqueles que possuem pouco discernimento sobre que rumos
a tomar em sua vida.
Por conseguinte, considerando que o legislador não cumpriu o seu papel determinado pela
Constituição, o Poder Judiciário, quando acionado, não poderia ficar inerte. Com efeito, não
se trata de intromissão na esfera do Poder Legislativo, mas sim em garantir a eficácia da
Constituição. A saúde pública é um bem jurídico que não pode ser simplesmente
desconsiderado e colocado em plano secundário pelo legislador ordinário, como se os
interesses econômicos da indústria de bebidas alcoólicas fosse um bem jurídico de mais valia.
Destarte, é notória a inversão de valores operada pelo legislador, que não atendeu ao
comando constitucional e deixou de limitar a publicidade de algumas bebidas alcoólicas que
são igualmente nocivas. Saliente­se que, em razão da publicidade de bebidas alcoólicas,
milhares de vidas de jovens são diariamente perdidas.
Verifica­se, pois, que a sentença proferida nos autos da AC nº 5012924­
20.2012.404.7200 fundamentou­se também no fato ter a Lei nº 9.294/96 incorrido no vício da
inconstitucionalidade, por ter excluído dos limites horários protegidos da publicidade as
bebidas de menor teor alcoólico, contrariando os princípios insculpidos nos arts. 220 e 221 da
Constituição Federal.
Entretanto, não pode ser ignorado o fato de que a constitucionalidade de tal
legislação já passou pelo crivo do Col. STF, através da ADIn nº 1.755­5, logo após sua
vigência, tendo o Pretório Excelso assim decidido:
"CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL. RESTRIÇÕES AO USO E À PROPAGANDA DE
PRODUTOS FUMÍGEROS, BEBIDAS ALCOÓLICAS, ETC. IMPUGNAÇÃO DO
DISPOSITIVO QUE DEFINE O QUE É BEBIDA ALCOÓLICA PARA OS FINS DE
PROPAGANDA. ALEGADA DISCRIMINAÇÃO LEGAL QUANTO ÀS BEBIDAS COM TEOR
ALCOÓLICO INFERIOR A TREZE GRAUS GAY­LUSSAC. A SUBTRAÇÃO DA NORMA
DO CORPO DA LEI, IMPLICA EM ATUAR ESTE TRIBUNAL COMO LEGISLADOR
POSITIVO, O QUE LHE E VEDADO. MATÉRIA PARA SER DIRIMIDA NO ÂMBITO DO
CONGRESSO NACIONAL. PRECEDENTES. AÇÃO NÃO CONHECIDA." (ADIN 1.755­
5/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 15/10/98).
Tal constatação levou a MM. Juíza Federal Substituta Helena Furtado da
Fonseca a julgar improcedente a ACP 2009.71.00.019713­7 ­ AC nº 5017742­
24.2012.404.7100 como segue:
Em que pese o não­conhecimento da aludida ADIN, insta reconhecer que, por via oblíqua, a
Corte Suprema assentou a impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador
positivo no caso em discussão. E, em verdade, é exatamente o que pretende o autor na
presente demanda.
Dessa maneira, observo que não há omissão do Poder Legislativo, uma vez que, por meio da
Lei 9.294/96, restringiu a propaganda comercial de bebidas alcoólicas. O alcance da
restrição e seus limites devem ser dados pelo Poder constitucionalmente legitimado para
tanto e não por meio do Poder Judiciário.
Nessa toada, sem descurar da relevância dos argumentos metajurídicos apresentados na
exordial, tem­se que o legislador decidiu soberanamente que os cidadãos brasileiros fiquem a
descoberto da propaganda de bebidas que tenham teor alcoólico inferior ao determinado pela
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lei.
A despeito de toda a documentação científica, impende­se concluir que compelir o Poder
Público a efetuar tal classificação importaria em malferir o princípio da separação de
poderes, sobre o qual se assenta a República Federativa do Brasil. Estaria o Poder Judiciário
usurpando a função legislativa, atribuída precipuamente, pela Magna Carta, ao Congresso
Nacional.
Instado, por meio de declaratórios, a se manifestar sobre a decisão da Corte
Suprema acima transcrita, o prolator da sentença nos autos da AC nº 5012924­
20.2012.404.7200 assim se pronunciou:
O Poder Legislativo não tem o poder discricionário para decidir se cumpre ou não a
Constituição. Jamais o Poder Judiciário poderia obrigar o Poder Legislativo a editar uma lei,
pois isto seria uma indevida interferência entre os poderes. Todavia, isto não significa que o
Poder Judiciário não possa garantir a eficácia do texto constitucional. Assim, não vislumbro
contradição alguma com a ADIN 1.755­5, eis que naquela ação pretendia­se a subtração da
norma legal. Nesta ação não se pretende subtrair a norma legal, mas dar­lhe eficácia,
interpretar a norma em conformidade com os mandamentos constitucionais. Desta forma, este
Juízo não pretende rediscutir a citada ADIN e até concorda com tal decisão, pois não
vislumbro nenhuma inconstitucionalidade evidente no artigo 1º da Lei nº 9.294/96, eis que tal
lei apenas restringiu a publicidade de algumas bebidas alcoólicas. Tal norma, por si só, não é
inconstitucional. Inconstitucional, sim, é a atuação da União e da ANVISA, que está a
desobedecer aos artigos 220, § 4º, combinado com os artigos 220, § 3º, inciso II, da
Constituição Federal em relação a algumas bebidas alcoólicas, tais como as cervejas e os
vinhos.
Não há como afastar a superioridade hierárquica da decisão proferida, por fas ou
por nefas, pelo STF. Logo, não há como reconhecer a alegada inconstitucionalidade do
parâmetro quantitativo estabelecido na Lei nº 9.294/96, por mais que ele possa ferir o
interesse público, aliás, conforme expressamente reconhecido pela Administração Federal,
que, ao editar o Decreto nº 6.117/07, aprovando a "Política Nacional sobre o Álcool",
considerou como bebida alcoólica "aquela que contiver 0.5 graus Gay­Lussac ou mais de
concentração".
Saliente­se que tramita perante o Supremo Tribunal Federal a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão (ACO nº 22). A questão não pode ser enfrentada como
omissão legislativa. Para tanto, a via excepcional da referida ação. Na referida ação por
omissão busca­se o reconhecimento da mora legislativa parcial quanto à regulamentação do
art. 220, § 4º, da Constituição Federal, com extensão das normas previstas na Lei nº 9.294/96
a todas as bebidas alcoólicas, independentemente do grau de teor alcoólico.
De aí, tenho que o direcionamento e a conclusão do feito devem ocorrer com
base na interpretação das leis infraconstitucionais, na evolução legislativa e no maior alcance
das normas e princípios que regem o ordenamento legal e constitucional, o que é dado ao
Julgador fazer.
2. A análise infraconstitucional
Assim, afastada a possibilidade de conclusão pela inconstitucionalidade da Lei
nº 9.294/96, abre­se a possibilidade, em nível infraconstitucional, de verificar se a referida
legislação teve ela sua força cogente alterada com o advento da Lei nº 11.705/08.
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Em se tratando de embate entre regras, e não mais de princípios, sabida é a lição
de ROBERT ALEXY no sentido de ser inviável qualquer espécie de ponderação: "un
conflicto entre reglas solo pude ser solucionado o bien introduciendo en una de las reglas
una cláusula de excepción que elimina el conflicto o declarando inválida, por lo menos, una
de las reglas" (Teoria de los derechos fundamentales. CEPC, Madrid, 2002, p. 88).
No caso concreto, cumpre verificar se a lei posterior nº 11.705/08, em seu artigo
6º ("consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos dessa Lei, as bebidas potáveis que
contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meio
grau Gay­Lussac" ), revogou o art. 1º, par. único, da Lei nº 9.294/96 ("consideram­se bebidas
alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze
graus Gay­Lussac").
Obviamente, de revogação expressa não se trata, visto que a Lei nº 11.705/08
apenas refere alteração da Lei nº 9.294/96 no que respeita ao acréscimo do art. 4º­A a esta
última: "somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas
emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas". Logo, resta claro que a
intenção do legislador da lei posterior foi de não abolir com o conceito de bebida alcoólica
previsto na lei anterior, para efeitos de publicidade. Entretanto, sabido é que, uma vez
promulgada a lei, ganha vida própria, libertando­se da mens legislatoris, a qual poderá ou não
se adequar à interpretação sistemática do direito. Assim, cumpre verificar se ocorreu a
revogação tácita da lei anterior pela nova disposição relativa ao conceito de bebida alcoólica.
Não procede a alegação da União Federal no sentido de que a lei especial (Lei nº
9.294/96) prevalece sobre a geral (Lei nº 11.705/08), visto que ambas as leis são especiais:
uma trata das restrições à propaganda de bebidas alcoólicas e a outra altera o Código de
Trânsito Brasileiro, em aspectos pontuais. Comentando tal regra, assim se pronunciou
CARVALHO SANTOS:
"9 ­ A disposição especial não revoga a geral. Esta é a regra. A exceção é prevista e
formulada pela Introdução nestes termos: senão quando a ela ou ao seu assunto se referir,
alterando­a implícita ou explicitamente.
Nestes dois casos o legislador visou regular o assunto sob dois pontos de vista diversos,
encarando cada um seu objetivo próprio e especial ­ um amplo e geral e outro restrito e
especial. Aquele constitui a regra, este a exceção. O legislador, pois, nada mais faz do que
declarar na lei especial que ela é uma exceção à regra geral, consubstanciada na disposição
geral.
Conseqüência imediata do princípio ­ legi speciali per generalem non derogatur é que as leis
especiais não podem, em geral, ser tacitamente abrogadas senão por leis especiais novas"
(Código civil brasileiro interpretado. Freitas Bastos, Rio, 1942, p. 64).
Caso se tratasse de lei posterior geral, tampouco aplicar­se­ia à espécie o art. 2º,
§ 2º, da LICC, como quer ver a ANVISA ("a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior"). Segue o mesmo
autor:
"10 ­ E a lei geral posterior não revoga a especial? Não o diz o artigo supra. É preciso que a
revogue explicita ou implicitamente e, se não o faz, é porque o legislador não quis revogar a
regra divergente que já existia: não quis, em suma, acabar com a exceção. Se a intenção do
legislador fosse revogar a lei especial, que já existia contendo uma regra divergente que já
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existia; não quis, em suma, acabar com a exceção. Se a intenção do legislador fosse revogar
a lei especial, que já existia contendo uma regra divergente, o seu dever era isso dizer
claramente na lei geral nova ou dispor de modo a contrariá­la, regulando o mesmo assunto"
(op. cit. p. 65).
Na mesma toada, lição sempre presente e lúcida de VICENTE RAO:
Não é pelo fato de ser especial que a lei nova revoga a lei antiga de natureza geral; e,
reciprocamente, não é apenas por ser geral que a disposição superveniente revoga a
disposição particular e anterior.
Para que a revogação se verifique, preciso é que a disposição nova, geral ou especial, altere
explicitamente (revogação expressa) ou implicitamente (revogação tácita) a disposição
antiga, referindo­se a esta, ou ao seu assunto, isto é, dispondo sobre a mesma matéria.
Se as disposições nova e antiga (gerais e especiais) não forem incompatíveis, podendo
prevalecer umas e outras, umas 'a par' de outras, não ocorrerá revogação alguma.
Quando, porém, a lei nova regular por inteiro a mesma matéria contemplada por lei ou leis
anteriores, gerais ou particulares, visando substituir um sistema por outro, uma disciplina
total por outra, então toda as leis anteriores sobre a mesma matéria devem considerar­se
revogadas" (Os direitos e a vida dos direitos. RT, SP, 5ª ed. 1999, p. 343).
3. A interpretação literal
Resta, pois, verificar se se aplica ao conflito ora examinado o § 1º, que lhe
antecede: "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".
Sob o ponto de vista estritamente formal, não haveria qualquer
incompatibilidade entre as duas regras em questão, mesmo porque elas expressamente
referem que suas diretrizes se aplicam exclusivamente para os seus efeitos próprios. Assim,
seria perfeitamente lógico imaginar que uma gradação alcoólica valha para efeitos de
publicidade e outra valha para efeitos de habilitação para trafegar.
Tal nível hermenêutico, porém, não atende ao preceituado no art. 5º da LICC:
"na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum". Conforme afirmado pelo MM. Juízo sentenciante nos autos da ACP nº
5012924­20.2012.4047200/SC, esta interpretação "atende exclusivamente aos interesses
financeiros da indústria de bebidas".
Ao enumerar as regras fundamentais que disciplinam a ab­rogação das leis,
referiu VICENTE RAO, na obra já mencionada:
"c) no choque entre duas normas de categoria hierárquica distinta, prevalecerá a norma de
categoria superior. Assim, também, em princípio, a norma principal sobrepujará a acessória;
a norma cogente vencerá a simplesmente dispositiva; a inequívoca dominará a duvidosa; a
que melhor corresponder aos fins sociais do direito normativo, afastará aquela que a estes
fins não atende" (op. cit., p. 500).
Em decorrência, outra leitura, que não a literal, pode ser feita, em consonância
com os princípios constitucionais previstos nos arts. 220 e 221 da CF e art. 5º, da LICC,
acima transcrito.
4. A interpretação sistemática
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Ao comentar a LICC, assim se pronunciou WILSON DE SOUZA CAMPOS
BATALHA, sobre a possibilidade de revogação tácita da lei:
"Depende do prudente critério do juiz discernir a existência dessa incompatibilidade, mercê
do exame sistemático da lei anterior e da lei posterior, para verificar se regulam de maneira
diversa idêntica matéria, ou se a interpretação desumida da lei posterior não se coaduna com
a lei anterior devidamente interpretada. (LICC. Max Limonad, SP, v. I, p. 117).
A respeito da interpretação sistemática, preleciona FRANCESCO FERRARA:
"Um princípio jurídico não existe isoladamente, mas está ligado por nexo íntimo com outros
princípios.
O direito objetivo, de fato, não é um aglomerado caótico de disposições, mas um organismo
jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, em que cada um tem o seu
posto próprio. Há princípios gerais de que outros são deduções e corolários, ou então vários
princípios condicionam­se ou restringem­se mutuamente, ou constituem desenvolvimentos
autônomos em campos diversos. Assim todos os princípios são membros dum grande todo.
Desta conexão cada norma particular recebe luz. O sentido duma disposição ressalta nítido e
preciso, quando é confrontada com outras normas gerais ou supra­ordenadas, de que constitui
uma derivação ou aplicação ou uma exceção, quando dos preceitos singulares se remonta ao
ordenamento jurídico no seu todo" (Interpretação e aplicação das leis. Saraiva, SP, 1940, p.
39/40).
5. A evolução legislativa
Para bem aquilatar a correta interpretação sistemática das normas em questão,
nada melhor do que a análise da evolução legislativa da matéria.
A Constituição Federal estabelece em seu Capítulo V, diretrizes e dever de
restrições legais à propaganda comercial de produtos nocivos à saúde, assim dispondo:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º ­ Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º ­ É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º ­ Compete à lei federal:
I ­ regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a
natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada;
II ­ estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se
defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no
art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente.
§ 4º ­ A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º ­ Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio.
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§ 6º ­ A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Sobre os princípios que regem as produções e programações de rádio e
televisão, o texto constitucional refere:
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos
seguintes princípios:
I ­ preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II ­ promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive
sua divulgação;
III ­ regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei;
IV ­ respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Dentre os ditames constitucionais acima elencados, tenho por destacar, no artigo
220:
§ 3º ­ Compete à lei federal:
...................
II ­ estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se
defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no
art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente.
§ 4º ­ A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
Bem ainda, no artigo 221:
IV ­ respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Conquanto a CF, no artigo 65 da ADCT, tenha fixado prazo de doze meses para
a regulamentação do artigo art. 220, § 4º, somente em 1996, com o advento da Lei nº 9.294,
adentrou em nosso ordenamento jurídico disposição acerca das restrições ao uso e propaganda
de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas.
Naquela oportunidade, o legislador estabeleceu conceito de bebida alcoólica
como sendo as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay­Lussac
(parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.294/96).
O Decreto nº 6.871/2009, que regulamenta a Lei nº 8.918, de 14 de julho de
1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a
fiscalização de bebidas, já manifestava informação contrária ao conceito de bebida alcoólica
dispondo que:
Art. 12. As bebidas serão classificadas em:
I ­ bebida não­alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento em volume,
a vinte graus Celsius, de álcool etílico potável, a saber:
a) bebida não fermentada não­alcoólica; ou
b) bebida fermentada não­alcoólica;
II ­ bebida alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica acima de meio por cento em
volume até cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius, a saber:
a) bebida alcoólica fermentada: é a bebida alcoólica obtida por processo de fermentação
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alcoólica;
b) bebida alcoólica destilada: é a bebida alcoólica obtida por processo de fermento­
destilação, pelo rebaixamento do teor alcoólico de destilado alcoólico simples, pelo
rebaixamento do teor alcoólico do álcool etílico potável de origem agrícola ou pela
padronização da própria bebida alcoólica destilada;
c) bebida alcoólica retificada: é a bebida alcoólica obtida por processo de retificação do
destilado alcoólico, pelo rebaixamento do teor alcoólico do álcool etílico potável de origem
agrícola ou pela padronização da própria bebida alcoólica retificada; ou
d) bebida alcoólica por mistura: é a bebida alcoólica obtida pela mistura de destilado
alcoólico simples de origem agrícola, álcool etílico potável de origem agrícola e bebida
alcoólica, separadas ou em conjunto, com outra bebida não­alcoólica, ingrediente não­
alcoólico ou sua mistura.
Assim também eram as disposições dos decretos iniciais (nº 2.314/97 e
3.510/00).
Ao depois, adveio o Decreto Federal nº 6.117/2007, que aprovou a Política
Nacional sobre o Álcool, dispondo sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e
sua associação com a violência e criminalidade, entre outras providências.
Dele extraio considerações importantes:
I ­ OBJETIVO
1. A Política Nacional sobre o Álcool contém princípios fundamentais à sustentação de
estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool,
contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos
sociais, à saúde e à vida causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de
violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população
brasileira.
II ­ DA INFORMAÇÃO E PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO QUANTO AO CONSUMO DO
ÁLCOOL
2. O acesso e recebimento de informações sobre os efeitos do uso prejudicial de álcool e
sobre a possibilidade de modificação dos padrões de consumo, e de orientações voltadas para
o seu uso responsável, é direito de todos os consumidores.
3. Compete ao Governo, com a colaboração da sociedade, a proteção dos segmentos
populacionais vulneráveis ao consumo prejudicial e ao desenvolvimento de hábito e
dependência de álcool.
4. Compete ao Governo, com a colaboração da sociedade, a adoção de medidas discutidas
democraticamente que atenuem e previnam os danos resultantes do consumo de álcool em
situações específicas como transportes, ambientes de trabalho, eventos de massa e em
contextos de maior vulnerabilidade.
III ­ DO CONCEITO DE BEBIDA ALCOÓLICA
5. Para os efeitos desta Política, é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0.5 grau
Gay­Lussac ou mais de concentração, incluindo­se aí bebidas destiladas, fermentadas e
outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparações
farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5 grau Gay­Lussac.
IV ­ DIRETRIZES
6. São diretrizes da Política Nacional sobre o Álcool:
1 ­ promover a interação entre Governo e sociedade, em todos os seus segmentos, com
ênfase na saúde pública, educação, segurança, setor produtivo, comércio, serviços e
organizações não­governamentais;
2 ­ estabelecer ações descentralizadas e autônomas de gestão e execução nas esferas federal,
estadual, municipal e distrital;
3 ­ estimular para que as instâncias de controle social dos âmbitos federal, estadual,
municipal e distrital observem, no limite de suas competências, seu papel de articulador dos
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diversos segmentos envolvidos;
4 ­ utilizar a lógica ampliada do conceito de redução de danos como referencial para as
ações políticas, educativas, terapêuticas e preventivas relativas ao uso de álcool, em todos os
níveis de governo;
5 ­ considerar como conceito de redução de danos, para efeitos desta Política, o conjunto
estratégico de medidas de saúde pública voltadas para minimizar os riscos à saúde e à vida,
decorrentes do consumo de álcool;
6 ­ ampliar e fortalecer as redes locais de atenção integral às pessoas que apresentam
problemas decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas, no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS);
7 ­ estimular que a rede local de cuidados tenha inserção e atuação comunitárias, seja
multicêntrica, comunicável e acessível aos usuários, devendo contemplar, em seu
planejamento e funcionamento, as lógicas de território e de redução de danos;
8 ­ promover programas de formação específica para os trabalhadores de saúde que atuam na
rede de atenção integral a usuários de álcool do SUS;
9 ­ regulamentar a formação de técnicos para a atuação em unidades de cuidados que não
sejam componentes da rede SUS;
10 ­ promover ações de comunicação, educação e informação relativas às conseqüências do
uso do álcool;
11 ­ promover e facilitar o acesso da população à alternativas culturais e de lazer que possam
constituir alternativas de estilo de vida que não considerem o consumo de álcool;
12 ­ incentivar a regulamentação, o monitoramento e a fiscalização da propaganda e
publicidade de bebidas alcoólicas, de modo a proteger segmentos populacionais vulneráveis
ao consumo de álcool em face do hiato existente entre as práticas de comunicação e a
realidade epidemiológica evidenciada no País;
13 ­ estimular e fomentar medidas que restrinjam, espacial e temporalmente, os pontos de
venda e consumo de bebidas alcoólicas, observando os contextos de maior vulnerabilidade às
situações de violência e danos sociais;
14 ­ incentivar a exposição para venda de bebidas alcoólicas em locais específicos e isolados
das distribuidoras, supermercados e atacadistas;
15 ­ fortalecer sistematicamente a fiscalização das medidas previstas em lei que visam coibir
a associação entre o consumo de álcool e o ato de dirigir;
16 ­ fortalecer medidas de fiscalização para o controle da venda de bebidas alcoólicas a
pessoas que apresentem sintomas de embriaguez;
17 ­ estimular a inclusão de ações de prevenção ao uso de bebidas alcoólicas nas instituições
de ensino, em especial nos níveis fundamental e médio;
18 ­ privilegiar as iniciativas de prevenção ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas nos
ambientes de trabalho;
19 ­ fomentar o desenvolvimento de tecnologia e pesquisa científicas relacionadas aos danos
sociais e à saúde decorrentes do consumo de álcool e a interação das instituições de ensino e
pesquisa com serviços sociais, de saúde, e de segurança pública;
20 ­ criar mecanismos que permitam a avaliação do impacto das ações propostas e
implementadas pelos executores desta Política.
Em 2008, ingressou no ordenamento jurídico a Lei nº 11.705, que alterou a Lei
no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que 'institui o Código de Trânsito Brasileiro', e a Lei no
9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos
termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica
por condutor de veículo automotor, e dá outras providências.
Naquela oportunidade, o legislador mais uma vez fixou o conceito de bebida
alcoólica como sendo as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, com
grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay­Lussac (art. 6º).
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6. Conclusão
De todo o exposto, força é concluir pela existência de incompatibilidade total
entre o conceito contido na Lei nº 9.294/1996 e o constante das normas aqui examinadas. Não
podem coexistir no ordenamento jurídico duas normas que dêem conceituações
matematicamente diversas às bebidas alcoólicas. Não pode existir um conceito de bebida
alcoólica para fins de publicidade e outro para fins de proteção ao trânsito, por exemplo.
Sobre o tema em questão ­ publicidade de bebidas alcoólicas ­ este Regional já
foi instado a manifestar­se sobre a inclusão nos atos publicitários da advertência de forma
clara e ostensiva, modo escrito ou sonoro, do indicativo de que o consumo de bebidas
alcoólicas acarreta riscos e potenciais danos à saúde (AC nº 2002.04.01.000611­1), bem
ainda, nos rótulos de bebidas alcoólicas e em todas as publicidades patrocinadas da
advertência "O ÁLCOOL PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA E EM EXCESSO É
PREJUDICIAL À SAÚDE" (AC nº 2002.04.01.00061­0).
Quando dos julgamentos das apelações, a Eminente Relatora Des. Federal
Marga Inge Barth Tessler assim se manifestou:
Prossigo e passo a enfrentar a questão de fundo, e afasto a fundamentação acolhida pela r.
sentença no sentido de que é impossível ao Judiciário, por ato seu, impor a produtores e
fabricantes em geral, a inclusão de determinada mensagem em seus produtos, sem que a lei
preveja tal obrigação aos produtores e sem que o próprio teor da mensagem venha impressa
na lei.
A tese não pode mais ser aceita no atual estágio do desenvolvimento da cultura jurídica e da
missão do Judiciário como poder.
Desconsiderou totalmente a noção de "políticas públicas" no caso políticas públicas
diretamente decorrentes da Constituição Federal de 1988. Norberto Bobbio já observava a
mudança de paradigmas no direito público, vendo­se o
Estado como forma complexa de organização social, no qual o direito, a lei, é um dos
elementos constitutivos. O prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto de longa data observa
estes aspectos. A questão das políticas públicas é desenvolvida por Maria Paula Dallari
Bucci que constrói o conceito de política pública advertindo que é um construído social e
um construído de pesquisa, tratando­se de um programa de ação governamental para um
setor da sociedade ou um espaço geográfico.
Segundo a autora citada, tratando­se de instrumentos de ação dos governos, o government by
polices que desenvolve e aprimora o government by law, redirecionando o eixo de governo,
do governo da lei para as políticas. As políticas, diz a autora, são uma evolução em relação à
idéia de lei em sentido formal, assim como essa foi uma evolução em relação ao government
by men, anterior ao constitucionalismo. Ronald Dworkin fornece uma idéia fundante sobre a
questão ao referir que a política, isto é, a política pública designa uma espécie de padrão de
conduta, standart, que assinala uma meta a alcançar gerando ou procurando uma melhoria
em alguma característica econômica, política ou social da comunidade. Já os princípios
expressos na Carta Política tendem a estabelecer um direito individual a ser oposto ao
Estado enquanto as políticas públicas têm uma meta, ou uma finalidade coletiva. Por
exemplo o "combate à inflação". O modelo das políticas públicas não exclui o da legalidade,
mas convive com ela. As políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle da
discricionariedade. Verifique­se que o art. 196 da Constituição 88 elenca o dever do Estado
em estabelecer políticas públicas de saúde e que tais políticas (art. 157 da Constituição) são
de relevância pública.
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Existem políticas e programas governamentais de combate ao alcoolismo. É possível ao
Judiciário, sim, determinar a implementação e dar efetividade às políticas públicas
sanitárias. Afasto o óbice da inexistência de lei específica a comandar o teor das mensagens.
Por outro lado, a Constituição de 1988, no art. 170, V, elege como princípio geral a defesa
do consumidor e o art. 220, § 3º, II e § 4º, estabelece a competência federal na questão da
comunicação social de modo a permitir que "as pessoas possam defender­se de agressões à
sua saúde", estabelecendo que a propaganda de bebidas alcoólicas está sujeita a restrições,
e este dispositivo abre oportunidade à plena justicialidade da questão no aspecto
multidisciplinar. O consumo de alcoólicos não interessa só à comunicação social e
propaganda, ao comércio de tais produtos para os quais a Lei nº 9.294/1996 poderia ser
suficiente, o que se admite para argumentar. Interessa sob o aspecto da saúde pública, sob o
aspecto da proteção do menor e do adolescente, no aspecto da segurança veicular, no
aspecto do direito de informação e de proteção ao consumidor; vê­se, assim, que a Lei nº
9.294/96 não esgotou o assunto e não é a única pauta que deve ser obedecida pelos
produtores e comerciantes de alcoólicos. A questão é multidisciplinar tal qual no direito
ambiental, e o empreendedor do comércio de bebidas deve obediência a todas as regras que
incidem sobre o produto de sua fabricação ou comércio. Utilizo o artigo 335 do CPC e
considero que são notórias a nocividade e periculosidade do consumo excessivo de bebidas
alcoólicas. O álcool causa dependência química e é causa de acidentes de trânsito, assim,
sob o aspecto da legislação consumerista, o condutor veicular e o consumidor em geral
precisam saber com transparência o teor alcoólico real daquilo que consomem. São direitos
básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre o produto e sobre os riscos que
apresenta. No caso, tratando­se de produto potencialmente nocivo à saúde a informação
deve ser feita de maneira ostensiva, é o comando claro do artigo 9º, do Código do
Consumidor, sendo que Zelmo Denari apresenta o seguinte comentário:
"O dispositivo faz alusão aos produtos e serviços que podem ser colocados no mercado de
consumo, apesar de potencialmente nocivos ou perigosos, como sugerem os seguintes
exemplos:
­ fornecimento de bebidas alcoólicas, fumo e agrotóxicos (produtos nocivos à saúde);
­ fornecimento de fogos de artifício (produto perigoso);
­ fornecimento de material radioativo (produto nocivo à saúde e perigoso a um só tempo;
­ dedetização de prédios (serviço nocivo à saúde);
­ demolição de prédios (serviço perigoso).
De todos, os que mais preocupam são os fornecimentos de bebidas alcoólicas e de fumo, cujos
níveis de consumo são mais altos. Os fabricantes de cigarros vêm cumprindo, de forma
satisfatória a exigência legal de informar a respeito da nocividade do produto e dos riscos
inerentes ao respectivo consumo. No entanto, os fabricantes de bebidas alcóolicas ainda não
se conscientizaram do dever de prestar informações adequadas a respeito dos riscos
inerentes à ingestão imoderada do álcool, principalmente durante o período de gestação.
Nas hipóteses elencadas, o fornecedor deverá informar de maneira ostensiva e adequada a
respeito da respectiva nocividade ou periculosidade.
Uma informação é ostensiva quando se exterioriza de forma tão manifesta e translúcida que
uma pessoa, de mediana inteligência, não tem como alegar ignorância ou desinformação. É
adequada quando, de uma forma apropriada e completa, presta todos os esclarecimentos
necessários ao uso ou consumo de produto ou serviço".
Por fim, a edição da Lei nº 9.294/1996 implica em reconhecimento parcial do pedido, o que já
rende ensejo à parcial procedência da lide.
Sobre a edição da Lei nº 9.294/1996, alertando sobre o teor alcoólico de vinhos e cervejas, o
pedido de declaração de inconstitucionalidade por ter a referida lei afrontado decisões
judiciais, não cabe declaração de inconstitucionalidade sob este viés.
Já no que respeita a alegação de que a Lei nº 9.294/1996 teria afrontado o § 4o do artigo 220
da Constituição Federal de 1988, em razão de ter deixado fora de sua abrangência o vinho e
a cerveja, por classificar como alcoólicas "para efeitos da lei as com teor alcoólico superior
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a 13 Gay Lussac", desconsiderando a classificação científica e internacional do Decreto nº
73.267/1973, § 2o (mais de 0,5 Gay Lussac) e por praticamente restringir­se a acolher os
dispositivos expedidos pelos próprios fabricantes, há efetivamente fortes indícios de que a lei
se desviou das políticas públicas sobre a questão, tanto no que se refere ao aspecto sanitário
quanto de proteção e informação ao consumidor, não se mostrando obediente aos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade, contudo, há possibilidade solucionar a demanda sem
enfrentar a questão da constitucionalidade.
Como se vê, já, naquela oportunidade, este Tribunal, direcionado pelos
fundamentos da E. Relatora, Des. Marga Inge Barth Tessler, concluiu sobre a existência de
fortes indícios de que o conceito de bebida alcoólica desvirtuou­se das políticas públicas
lançadas pelo próprio Executivo sobre o consumo de álcool no País.
Prosseguindo, tenho que a questão não deve ser resolvida pela conclusão de que,
existindo legislação específica (Lei nº 9.296/94), com base nela deve pautar­se a atuação
administrativa enquanto não sobrevenha outra que revogue o conceito de bebida alcoólica
para os fins específicos de publicidade.
Também, tenho que não é caso de tratar como omissão legislativa, o que refoge
da atuação deste Colegiado. Para tanto, como referido, serve a via excepcional da ação direta
de inconstitucionalidade por omissão perante o Supremo Tribunal Federal.
Por que não se direcionar, atento à política pública já implementada em nosso
País, para uma maior efetividade ao ditame constitucional e infralegal que alcança ao
conceito de bebida alcoólica aquele mais abrangente e protetor do direito de proteção à
saúde, à família, à criança, ao adolescente e ao consumidor?Por que não dar efetividade ao
disposto no Programa Nacional sobre o Álcool, que nada mais é que a política pública erigida
como parâmetro na adoção de medidas para enfrentamento de problemas relacionados ao
consumo de álcool e tendo como uma de suas diretrizes o incentivo à regulamentação, o
monitoramento e a fiscalização da propaganda e publicidade de bebidas alcoólicas, de modo a
proteger segmentos populacionais vulneráveis ao consumo de álcool em face do hiato
existente entre as práticas de comunicação e a realidade epidemiológica evidenciada no País?
Dizer que o legislador optou por conceituar bebida alcoólica para fins de
restrição de propaganda como sendo aquela superior a 13º graus Gay­Lussac e para toda a
gama de atuação diversa manter o conceito de que bebida alcoólica é aquela acima de 0,5º
grau Gay­Lussac e, que essa opção é legítima em face da inexistência de prejuízo à
coletividade, é negar a realidade social em que vivemos, dando maior proteção ao setor
econômico e aos interesses privados dos ramos ligados à indústria de bebidas alcoólicas, em
especial os da indústria cervejeira.
É notório que as propagandas de bebidas alcoólicas, em especial as de cerveja,
associam o consumo a imagens e situações atraentes, divertidas, pessoas bonitas, erotismo e
juventude. Considerando que não há restrição em relação ao horário para a divulgação e
veiculação de referidas imagens, elas tendem a ser recebidas por crianças e adolescentes,
influenciando­as, portanto, em virtude de sua vulnerabilidade na liberdade de escolha.
Consoante o I Levantamento Nacional Sobre Padrões de Consumo de Álcool na
População Brasileira (Elaboração, redação e organização: Ronaldo Laranjeira ... (et. al.);
Revisão técnica científica: Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte. Brasília: Secretaria
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Nacional Antidrogas,2007):
­ Do uso social ao problemático, o álcool é a droga mais consumida no mundo. Segundo dados
da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem
bebidas alcoólicas. Seu uso indevido é um dos principais fatores que contribui para a
diminuição da saúde mundial...
­ É neste contexto que o Governo Brasileiro apresenta resultados desde o I Levantamento
Nacional sobre os Padrões de Consumo do Álcool. Este estudo representa um grande passo
no processo de construção da política brasileira para o álcool. ...
­ o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, promovido
pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) em 2005, em parceria com o Centro Brasileiro
de Informações sobre Drogas (CEBRID), da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),
aponta que 12,3% das pessoas pesquisadas, com idades entre 12 e 65 anos, preenchem
critérios para a dependência do álcool e cerca de 75% já beberam pelo menos uma vez na
vida. Os dados também indicam o consumo de álcool em faixas etárias cada vez mais
precoces e sugerem a necessidade de revisão das medidas de controle, prevenção e
tratamento.
­ Fica claro nos estudos epidemiológicos realizados até o momento que o consumo de bebidas
alcoólicas no Brasil, particularmente entre os jovens, é um importante problema de saúde
pública.
­ O consumo de drogas, incluindo o álcool, é bastante alto entre crianças e adolescentes de 9
a 18 anos;
­ O consumo de bebidas alcoólicas é um comportamento adaptado à maioria das culturas. Seu
uso é associado com celebrações, situações de negócio e sociais, cerimônias religiosas e
eventos culturais. ... O consumo nocivo de álcool é responsável por cerca de 3% de todas as
mortes que ocorrem nos plantões, incluindo desde cirrose e câncer hepáticos até acidentes,
quedas, intoxicações e homicídios ( Meloni e Laranjeira, 2004).
­ As bebidas alcoólicas são as substâncias psicotrópicas mais utilizadas por adolescentes
(Faden, 2005; Galduróz e cols. 2005). Adolescentes que consomem bebidas alcoólicas podem
ter consequências negativas tão diversas como problemas nos estudos, problemas sociais,
praticar sexo sem proteção e/ou sem consentimento, maior risco de suicídio ou homicídio e
acidentes relacionados ao consumo (Fade, 2005). O consumo de bebidas alcoólicas no Brasil
só é legalmente permitido após os 18 anos de idade; no entanto, os empecilhos são pequenos
para que os adolescentes comprem e consumam álcool (Romano e cols. In press).
­ ... pesquisas demonstram que começar a beber em idade precoce é um fator muito
importante que influenciará problemas futuros com o álcool.
­ grande parte dos jovens de 14 e 17 anos, aqui pesquisados, vive transição de um estado de
dependência dos pais para uma condição de autonomia pessoal. Eles estão, por isso mesmo,
na fase de sua vida em que mais carecem de apoio e quando mais desafiam essa ajuda. Seus
cérebros, ainda em formação, são mais suscetíveis a agentes externos, como o álcool e
demais substâncias psicotrópicas, e a diferentes fatores psicossociais. É quando a inserção no
grupo se torna fundamental e o beber pode aparecer, por exemplo, como um meio de
integração (Pinsky e Bessa, 2004).
­ aproximadamente, metade das doses consumidas por adolescentes é de cerveja e chope....
os vinhos tiveram também uma participação importante, com mais de 30% das doses
consumidas por adolescentes. Registro importante esse que identifica a cerveja e vinho,
bebidas alcoólicas que não sofrem as restrições da propaganda, como sendo os mais
consumidos entre os jovens adolescentes.
Segundo publicação no jornal Correio do Povo ­ edição de 25 de maio deste ano,
"Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apontam que o alcoolismo é o
principal motivo de pedidos de auxílio­doença por transtornos mentais e comportamentais
por uso de substância psicoativa. O número de pessoas que precisaram parar de trabalhar e
pediram o auxílio devido ao uso abusivo de álcool aumentou 19% em quatro anos, ao passar
de 12.055, em 2009, para 14.420, em 2013. "O impacto do álcool, hoje, na vida das pessoas,
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é muito maior. Muitos casos, inclusive, estão associados com a situação de desemprego. E a
juventude tem iniciado experiências cada vez mais cedo", alerta o assistente social Fábio
Alexandre Gomes."
Embora a censura seja proibida em nosso ordenamento pátrio, a nossa
Constituição, em seu art. 220, impôs limites à veiculação desse tipo de publicidade, quando
refere a defesa das famílias em relação à publicidade nociva à saúde e à segurança.
Frise­se que em relação ao cigarro, medidas restritivas já foram adotadas para a
repressão à propaganda. Por que ainda não em relação às bebidas alcoólicas? A evolução
legislativa caminha a passos largos para o banimento total da publicidade de bebidas
alcoólicas ­ a exemplo do que ocorreu com o tabaco ­, e não apenas para restrições horárias. É
tendência mundial que não admite retrocesso. É questão de tempo. Enquanto tal não acontece
no direito pátrio, força é reconhecer a restrição horária já existente na legislação, estendendo­a
às bebidas com teor alcoólico acima de 0,5 gay­lussac.
Segundo o Professor Dr. Ronaldo Laranjeira, quando da primeira reunião
ordinária do conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, em 2006, em palestra
"O álcool e a comunicação", a resposta da não aplicação do mesmo critério de teor alcoólico
pode estar no crescente poder de influência da indústria de bebidas, particularmente, da
indústria cervejeira".
Importante referir que tramitam no Congresso Nacional inúmeros projetos de lei
envolvendo a discussão acerca da restrição de propagandas de bebida alcoólica, inclusive,
para adequação do disposto na Lei nº 9.294/96 ao conceito de bebida alcoólica como sendo a
bebida potável que contenha álcool em sua composição com grau de concentração de meio
grau Gay­Lussac ou mais. Em pesquisa ao site da Câmara dos Deputados
(www.camara.gov.br) tive a oportunidade de verificar o PL 2.733/2008, que reduz de treze
para meio grau Gay­Lussac o grau de teor alcoólico a partir do qual, para todos os efeitos
legais, uma bebida será considerada alcoólica. Este projeto, juntamente com mais 142 ­ friso
142 ­ foram apensados ao PL 4.846/1994, que estabelece medidas a serem adotadas para
restringir consumo de bebida alcoólica.
De fato, a questão acerca da omissão ou não do Poder Legislativo, não se
submete ao crivo desta Corte, conforme já referi precedentemente, sendo objeto de ação
específica perante o egrégio Supremo Tribunal Federal. De aí porque a desnecessidade de
suspensão processual. Nesta quadra, no entanto, cabe ao Judiciário perquirir acerca da
ampliação do conceito de bebida alcoólica para fins de cumprimento do disposto na
Constituição Federal e aplicação da política pública já implementada no País, buscando a
redução do consumo de álcool, fazendo através de uma interpretação sistemática do
ordenamento legal de nosso sistema pátrio.
Nesse passo, pede­se vênia, em parêntese, para trazer ao bojo deste voto, pelo
inusitado, a justificativa apresentada pelo Senado Federal, através de sua Advocacia­Geral,
para que malogre a Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão nº 22, intentada pelo
Senhor Procurador­Geral da República, em face de alegada omissão parcial legislativa em
regulamentar a publicidade de bebidas alcóolicas com teor inferior a treze graus Gay Lussac,
ora em tramitação. Narra a peça, cuja juntada determino aos autos, que o projeto de lei que
resultou na Lei nº 9.294/96, que conceituava como bebidas alcóolicas as bebidas com teor
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alcóolico superior a 13 graus GL recebeu parecer de plenário, da lavra do Senador CID
SABÓIA DE CARVALHO, posicionando­se contrariamente à distinção entre bebidas
alcóolicas fortes ou fracas, como segue:
"Ora, a exclusão de bebidas alcóolicas de titulação abaixo de 13 graus vem frustrar
completamente o escopo da própria lei, pois favorece ainda mais aquelas bebidas chamadas
pela literatura especializada 'de iniciação', que se situam em graus alcoólicos abaixo dos
treze graus, sendo as mais comuns o vinho e a cerveja. Esta, sobretudo, é responsável pelo
estupendo aumento do consumo de álcool, no mundo, nos últimos vinte anos, coincidentemente
pela elevação rápida e exponencial de seu uso na América Latina, na Ásia, e nos países
africanos, geralmente após a implantação de cervejarias transnacionais, o que parece não ser
o caso do Brasil, mas que de qualquer forma entrou na onda de publicidade massificante. É de
se ressaltar que seu uso é de longe mais frequente entre a população jovem, inclusive
adolescentes, daí o seu epíteto de 'bebida de iniciação'".
Transformado em substitutivo, foi tal proposição rejeitada com base em parecer
da lavra do Senador GILVAM BORGES, "por modificar substancialmente regras já
estabelecidas e aceitas por toda a sociedade como o CONAR, além de desprezar três anos de
discussão da matéria com entidades da sociedade civil".
A justificar a manutenção do texto original, a Advocacia do Senado afirmou que
houve expressa manifestação do Poder Legislativo no sentido da suficiência dos padrões já
utilizados quanto às limitações de publicidade de cervejas e vinhos, "notadamente em virtude
da autorregulamentação publicitária realizada pela sociedade civil por meio do CONAR".
Disse incidir, no caso, o princípio da subsidiariedade, a determinar que "a sociedade maior (o
Poder Público) somente deve agir quando as sociedades menores não puderem, por suas
próprias forças, deixar suficientemente a salvo as exigências do bem comum". Exemplificou:
"o Poder Público não deve tomar o lugar na proteção de um determinado bem jurídico se uma
comunidade menor (a família, a associação profissional, etc.), por outros meios, tutela o
mesmo bem suficientemente)." E arrematou ­ e, aqui, a razão do presente parêntese pelo
inusitado adredemente referido ­ que "a idéia de subsidiariedade tem como principal fonte a
doutrina social da Igreja, e foi expressa, sobretudo, na Encíclica Quadragesimo Anno, do Papa
Pio XI ("o fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí­
los nem absorvê­los; deixe pois a autoridade pública ao cuidado de associações inferiores" ­
no caso, o CONAR ­ "aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam
demasiado"). Em resumo, a partir da argumentação expendida pela douta Casa Legislativa, é
possível chegar­se à conclusão de que a impossibilidade de eficaz regulamentação da
propaganda de bebidas de iniciação corresponde a imperativo imposto pela doutrina social da
Igreja!
Fechado o parêntese, e pedindo escusas pela digressão, retomo o voto afirmando
que a questão trazida ao crivo do Judiciário, pela via da ação civil pública, merece ser
analisada sem que se possa indigitar de decisão que ofenda as regras sobre hermenêutica,
interpretação e aplicação do direito, conforme já acima afastado.
A adoção do programa de política pública para pautar a atuação administrativa
com a ampliação do conceito de bebida alcoólica estabelecido na lei para fins de propaganda
leva em conta a evolução legislativa e social, calcada em preceitos constitucionais brasileiros.
Também o legislador, supervenientemente, com a Lei de Trânsito, passou a adotar mesmo
entendimento.
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Considerando que os princípios jurídicos desempenham papel importante em
nosso ordenamento e que, em relação à comunicação social, há em nossa Constituição a
determinação de que a produção e programação das emissoras de rádio e televisão atenderão,
dentre outros, o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, tenho que a
manutenção de uma interpretação legal e restrita da legislação e a inutilização de conceito
mais amplo, posteriormente erigido pelo mesmo legislador, acaba por afrontar a proteção
constitucional que deva ser dada à família, à saúde (art.196), à criança e ao adolescente (art.
226 e ss.), bem ainda ao consumidor (art. 5º. XXXII e art. 170).
Após o advento da Lei 9.294/96, tanto o legislador como o administrador
adotaram um conceito mais amplo de bebida alcoólica. A manutenção do conceito legal
embutido na legislação referida é negar a possibilidade de diminuição de uma das
mazelas sociais, qual seja, o uso indevido de álcool, e não atentar para a
incompatibilidade decorrente da própria atuação legislativa que adota conceito diverso
para os demais segmentos.
Ao Judiciário, conquanto não possa atuar como legislador positivo, cumpre
interpretar a lei de forma a alcançar uma maior efetividade aos direitos constitucionais. E, no
caso em tela, verificando­se que o próprio legislador atuou dessa forma, e que o programa
específico de política pública nacional assim prevê, apresenta­se possível a aplicação do
conceito de bebida alcoólica como sendo aquela que contenha acima de meio grau gay­lussac,
para todo e qualquer fim, inclusive para o segmento publicitário. Em relação a elas (bebidas
alcoólicas com teor superior a 0,5 gl), também deverão ser aplicadas às restrições
estabelecidas na legislação de referência.
O fato de existir o CONAR ­ Conselho Nacional de Auto­Regulamentação
Publicitária, setor publicitário que controla a atuação publicitária não afasta o controle
soberano a ser exercido pelo Estado e realizado pelos seus três poderes, in casu, pelo
Judiciário, quando implementa ou alcança condições para a implementação de políticas
públicas, inclusive, já adotadas pelo Administrador/Legislador.
7. Da decisão proferida em ação civil pública ­ abrangência
Quanto à abrangência da decisão proferida em ação civil pública, o egrégio
Superior Tribunal de Justiça, revisando a jurisprudência acerca da matéria, em sede de
repetitivo de controvérsia, concluiu que os efeitos e a eficácia da sentença não estão
circunscritos a limites geográficos, mas a limites objetivos e subjetivos do que foi decidido
(Recurso Especial nº 1.243.887­PR, DJe 19/10/2011).
Ao analisar a regra estabelecida pelo artigo 16, da Lei 7.347/85, assim referiu
Arnaldo Rizzardo in Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa, 2ª Ed. ­ Rio
de Janeiro, 2012:
Entretanto, especialmente em vista dos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, a regra traz grandes dificuldades de aplicação, além de ensejar a multiplicação
de demandas, sobrecarregando as instâncias da Justiça. Realmente, muitos interesses são
indivisíveis, não podendo ficar delimitados a uma determinada localidade. A propaganda
enganosa, v.g., dissemina­se a uma extensão territorial nem sempre viável de ser definida,
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abrangendo várias comarcas ou regiões, e até transpondo as fronteiras dos Estados. De igual
modo uma espécie de produtos defeituosos, adquiridos por consumidores estabelecidos em
diferentes pontos do País. Por conseguinte, a rigor, deveriam ser propostas tantas ações
quantas as comarcas atingidas, situação que se afigura inviável, com a eventualidade de
decisões opostas sobre o mesmo tema, criando um verdadeiro caos.
Bem sintetiza Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior o equívoco da Lei:
"Na verdade, a extensão da coisa julgada não está ligada à competência do juízo que julgará a
causa, mas sim ao objeto do processo".
Deve o assunto ser enfocado a partir do legitimado para veicular a ação. Em sendo o
Ministério Público, a competência amplia­se e estende­se para limites vastos, de acordo com
a ordem da organização judiciária local.
Os interesses em jogo levam a definir as regras de competência. ...
...
Levam­se em conta as pessoas que se encontram na mesma situação. Dirige­se a ação em
vista de um fato, podendo a sentença irradiar a eficácia a todo o território nacional. Havendo
a contaminação da atmosfera pela expansão de gases nocivos à respiração, centra­se o litígio
na comarca onde se encontra estabelecido o agente causador, ou numa das comarcas
atingidas pelos efeitos.
De modo que imprescindível dar a correta exegese ao art. 16 da Lei nº 7.347. O alcance da
expressão "limites da competência territorial do órgão prolator" corresponde à extensão de
espaço ou território onde se expandem ou refletem os danos ou os efeitos lesivos ao ato
provocador.
..................
De aí, considerando que a decisão contempla aplicação de diretrizes
estabelecidas em Programa de Política Pública erigida pela Administração Federal;
considerando que não se pode diferenciar na proteção de famílias, crianças e adolescentes,
saúde de cidadãos e consumidor de um ou outro Estado Brasileiro; considerando que os
princípios constitucionais insculpidos na Constituição Federal protegem todo o cidadão
brasileiro, tenho que a decisão proferida não se circunscreve aos limites territoriais do órgão
prolator, estendendo­se a todo o território nacional.
8. Do prazo para cumprimento
Para a consideração e aplicação do conceito de bebida alcoólica como sendo
aquela que possui grau Gay­Lussac maior que 0,5, também às propagandas de rádio e
televisão, tenho por razoável estabelecer o prazo de 180 dias (cento e oitenta dias), a
contar da publicação do presente acórdão, prazo esse que me parece razoável para a
alteração dos critérios a serem seguidos em contratos comerciais que tenham como objeto
propaganda de bebidas alcoólicas.
9. Multa pelo não cumprimento
Tenho que a multa fixada pela sentença nos autos da AC nº 5012924­
20.2012.404.7200, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de
descumprimento, mostra­se proporcional e razoável para a proteção do objeto veiculado
através das ações civil públicas em análise.
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10. Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação na ACP nº
2008.70.00.013135­1/PR, dar provimento à apelação na ACP nº 5017742­
24.2012.404.7100/RS e negar provimento aos apelos da ANVISA, CERVBRASIL e UNIÃO
na ACP nº 5012924­20.2012.404.7200/SC.
Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle,
Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução
TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está
disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o
preenchimento do código verificador 6782121v8 e, se solicitado, do código CRC 34B7A334.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a):
Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Data e Hora:
03/09/2014 13:43
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS
RELATOR
APELANTE
APELADO
:
:
:
:
INTERESSADO
:
ADVOGADO
INTERESSADO
ADVOGADO
:
:
:
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA
UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA
(CERVBRASIL)
GUSTAVO BINENBOJM
ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TV
LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI
FRANCISCO PREHN ZAVASCKI
VOTO­VISTA
Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre a controvérsia sub judice e, após
longa reflexão, acompanho o eminente Relator, pelas razões que passo a expor.
As ações civis públicas n.º 2008.70.00.013135­1/PR, n.º 5012924­
20.2012.404.7200 e n.º 5017742­24.2012.404.7100 foram ajuizadas com o objetivo de que
fossem consideradas como alcoólicas as bebidas com teor alcoólico igual ou superior a 0,5
graus Gay Lussac, para fins de restrição de publicidade.
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O pleito liminar não foi acolhido (DECISÃO/20 do evento 2 dos autos
originários), por não ter sido verificada, pelo juízo a quo, a plausibilidade do direito invocado.
Contra a decisão, foi interposto o agravo de instrumento n.º 0035426­
75.2010.404.0000/RS, convertido em retido.
Posteriormente, sobreveio sentença, afastando a preliminar de ilegitimidade
passiva da União e julgando improcedente o pedido, nos seguintes termos:
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Preliminares
As preliminares de impossibilidade jurídica do pedido em razão da separação de
poderes e inadequação da via eleita confundem­se com o mérito e serão
oportunamente apreciadas.
Já a alegação de ilegitimidade passiva da União não prospera, na medida em que é
seu dever constitucional, através de lei federal, estabelecer os meios pelos quais os
cidadãos serão protegidos de propagandas nocivas à Saúde, nos termos do art. 220,
parágrafo 3°, inciso Il da CF. Referido dispositivo constitucional estabelece a relação
de pertinência subjetiva da União com a presente demanda. Outrossim, as atribuições
legalmente estabelecidas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária não deslegitima a
figura da União como ré da presente ação civil pública.
2.2. Mérito
No que toca ao mérito da ação, melhor sorte não se reserva à pretensão. E que não há
como decidir diferentemente dos argumentos tão bem explanados pelo magistrado que
indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, que trilhou o caminho traçado pelo
Pretório Excelso ao julgar a ADI 1.755­5. Em razão da correção de ambas as
decisões, e tendo em vista que já houve manifestação do órgão judicial Supremo a
respeito da matéria, adoto os fundamentos daquela decisão como ratio decidendi.
Pois bem, o art. 220 da Constituição da República, sobre a qual se fundamenta o
pedido do autor estabelece:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição. (...)
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos
e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo
anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios
decorrentes de seu uso." [grifo nosso]
A Lei n° 9.294/96 foi editada em cumprimento ao parágrafo quarto da norma acima
transcrita. Cabe à lei, e não ao Poder Judiciário, definir o que é bebida alcoólica. Esse
diploma legal, em seu artigo 1°, traça os limites de sua aplicação, verbis:
Art. 1° O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de
bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos
às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4 ° do art. 220 da
Constituição Federal.
Parágrafo único. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas
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potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gag Lussac." [grifo nosso]
A constitucionalidade da norma em comento já foi questionada perante o Supremo
Tribunal Federal na ADI n° 1.755­5:
CONSTITUCIONAL. LEI FEDERAL. RESTRIÇÕES AO USO E À PROPAGANDA DE
PRODUTOS FUMÍGEROS, BEBIDAS ALCOÓLICAS, ETC. IMPUGNAÇÃO DO
DISPOSITIVO QUE DEFINE O QUE É BEBIDA ALCOÓLICA PARA OS FINS DE
PROPAGANDA. ALEGADA DISCRIMINAÇÃO LEGAL QUANTO ÀS BEBIDAS COM
TEOR ALCOÓLICO INFERIOR A TREZE GRAUS GAY LUSSAC. A SUBTRAÇÃO DA
NORMA DO CORPO DA LEI IMPLICA EM ATUAR ESTE TRIBUNAL COMO
LEGISLADOR POSITIVO, O QUE LHE É VEDADO. MATÉRIA PARA SER
DIRIMIDA NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL. PRECEDENTES. AÇÃO
NÃO CONHECIDA. (ADIN 1.755­5/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 15/10/98).
Em que pese o não­conhecimento da aludida ADIN, insta reconhecer que, por via
oblíqua, a Corte Suprema assentou a impossibilidade de o Poder Judiciário atuar
como legislador positivo no caso em discussão. E, em verdade, é exatamente o que
pretende o autor na presente demanda.
Dessa maneira, observo que não há omissão do Poder Legislativo, uma vez que, por
meio da Lei 9.294/96, restringiu a propaganda comercial de bebidas alcoólicas. O
alcance da restrição e seus limites devem ser dados pelo Poder constitucionalmente
legitimado para tanto e não por meio do Poder Judiciário.
Nessa toada, sem descurar da relevância dos argumentos metajurídícos apresentados
na exordial, tem­se que o legislador decidiu soberanamente que os cidadãos
brasileiros fiquem a descoberto da propaganda de bebidas que tenham teor alcoólico
inferior ao determinado pela lei.
A despeito de toda a documentação científica, impende­se concluir que compelir o
Poder Público a efetuar tal classificação importaria em malferir o princípio da
separação de poderes, sobre o qual se assenta a República Federativa do Brasil.
Estaria o Poder Judiciário usurpando a função legislativa, atribuída precipuamente,
pela Magna Carta, ao Congresso Nacional. (grifei)
Em face desse provimento, apelou o Ministério Público Federal, invocando
fundamentos exemplarmente elencados pelo eminente Relator, aos quais me reporto, a fim de
evitar tautologia.
Após a análise dos autos, principio acompanhando­o integralmente no tocante às
preliminares de legitimidade passiva e litispendência.
De fato, são partes legítimas a ANVISA e o Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor do Ministério da Justiça, vinculado à União, tendo em vista o teor dos pleitos
do autor ­ em especial os que dizem respeito à suposta ausência de fiscalização por parte dos
aludidos órgãos sobre a publicidade, em tese indevida, de bebidas alcoólicas classificadas em
grau entre 0,5 e 13 na medida Gay Lussac.
Diversa, no entanto, é a situação da Associação Brasileira de Bebidas, tendo em
vista que a ação não visa a atingir as entidades interessadas na publicidade de bebidas
alcoólicas, mas sim aquelas que se abstiveram de cumprir o dever de limitá­la.
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Igualmente impecáveis as razões exaradas no voto do eminente Relator quanto à
ausência de litispendência e conexão entre as três ações civis públicas, tendo em vista as
sutilezas de cada processo.
Passo, então, à apreciação do mérito.
A controvérsia instaurou­se a partir da duplicidade de significados legais para
um mesmo conceito ­ "bebida alcoólica". Efetivamente, para fins de publicidade, a Lei n.º
9.294/96 não considera bebida alcoólica aquela que possui teor alcoólico inferior a 13 graus
na escala Gay Lussac, critério que exclui das limitações legais a maioria das cervejas e
vinhos. Já em diversas outras normas ­ legais ou administrativas ­ adota­se o parâmetro de 0,5
graus Gay Lussac, de maior abrangência e rigor científico.
Em resposta, o MPF apresentou diversos dados demonstrando que são
justamente esses os produtos mais consumidos entre os jovens, o público mais visado pela
propaganda de bebidas. Foi também afirmado que, quanto maior a exposição à publicidade,
maior o consumo entre os jovens, visto que envolvem não raro associações entre o consumo
de tais bebidas e sucesso social e pessoal, o que causa significativos danos a bens jurídicos
tutelados constitucionalmente.
Primeiramente, impõe­se a definição do alcance das alterações introduzidas pela
Lei n.º 11.705/08, relativamente aos dispositivos da Lei n.º 9.294/96.
Cito a ementa e o art. 1º da Lei n.º 9.294/96:
LEI Nº 9.294, DE 15 DE JULHO DE 1996.
Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas,
medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da
Constituição Federal.
Art. 1º O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de bebidas
alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições
e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição
Federal.
Parágrafo único. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas
potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.
Assim foi redigida a ementa da Lei n.º 11.705/08:
LEI Nº 11.705, DE 19 DE JUNHO DE 2008.
Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que 'institui o Código de Trânsito
Brasileiro', e a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à
propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos
agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de
bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências.
Com efeito, é mencionado pelo legislador o propósito de promover alteração na
Lei n.º 9.294:
Art. 1º. Esta Lei altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o
Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor
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penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei nº
9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos
termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos
comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, aviso
de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool.
À primeira vista, não teria havido derrogação de outra norma, em face da
literalidade do texto do artigo 1º da Lei n.º 11.705/08.
Todavia, o art. 6º da Lei n.º 11.705/08 dispõe claramente que, para efeitos
daquela Lei, é aplicável o critério de 0,5 graus Gay Lussac:
Art. 6º. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis que
contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meio
grau Gay­Lussac.
É bem verdade que a Lei n.º 11.705/08, ao alterar dispositivos da Lei n.º
9.294/96, não fez referência expressa ao seu art. 1º, parágrafo único (que dispõe que
Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor
alcoólico superior a treze graus Gay Lussac), limitando­se a acrescer o art. 4º­A, com o
seguinte teor:
Art. 7º. A Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º­
A:
"Art. 4º­A. Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado
advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de
álcool, punível com detenção."
Entretanto, apesar de ser pese lógica e juridicamente possível a coexistência de
conceitos distintos para um mesmo instituto ou objeto ­ como, p.ex., maioridade, empresa etc.
­, é relevante notar que o art. 6º da Lei n.º 11.705/08 ­ que, repita­se, promoveu alterações nas
Leis n.ºs 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e
9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas ­
estabeleceu uma nova definição de bebida alcoólica, para seus efeitos (Consideram­se
bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua
composição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay­Lussac.), sem
restringi­lo ou atrelá­lo a uma ou outra Lei por ela modificada.
É fato que não foi adotada a melhor técnica legislativa para expressar a opção do
legislador, mas esse fato não impede o operador do Direito de valer­se de recursos
hermenêuticos para alcançar uma compreensão do texto legal constitucionalmente defensável.
Também não se desconhece que, durante a análise do projeto de lei de
conversão da Medida Provisória n.º 415/2008, houve proposta de emenda (n.º 43) para
alteração do disposto no § único do art. 1º da Lei n.º 9.294/96, que restou expressamente
rejeitada. No entanto, isso não significa que seu conteúdo tenha sido refutado pelo Congresso
Nacional.
Em consulta ao endereço virtual da Câmara dos Deputados, tem­se que emenda
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aditiva nº 43 foi apresentada em 07/02/2008. Em parecer apresentado em plenário pelo
Relator designado para manifestar­se pela Comissão mista incumbida da apreciação da
matéria, o Deputado Hugo Leal apreciou cada emenda apresentada no projeto de lei de
conversão. Na ocasião, votou pela rejeição da emenda nº 43, visto que já existia projeto de
lei em regime de urgência tratando da matéria.
Outras emendas restaram rejeitadas por motivos ideológicos, mas esse não foi o
caso da que pretendia estabelecer o critério de 0,5 grau Gay Lussac para definir as limitações
à propaganda de bebidas alcoólicas.
De fato, existem diversos projetos objetivando fim idêntico (p.ex. PL n.º
5.517/2009 e PLS n.º 692/2011), ou semelhante ­ caso do PLS 531/2007, cuja proposta é
estabelecer como bebida alcoólica as bebidas potáveis com qualquer teor alcoólico registrado
na tabela Gay­Lussac.
O PL n.º 5.517/2009 encontra­se apensado ao PL n.º 3.037/1997, e traz como
justificativa os seguintes argumentos:
A preocupação atual da OMS com os crescentes índices de alcoolismo registrados pela
juventude tem colocado diversos agentes públicos em alerta. Os malefícios do consumo do
álcool são amplamente conhecidos: causa diversas doenças, acidentes de trânsito, incita a
violência e é o grande responsável pelos óbitos registrados nas ocorrências policiais. Como
comprovação dessas desvantagens, conforme publicou o Estado de São Paulo em 19 de
janeiro de 2009, o Ministério da Saúde constatou, entre os anos de 2000 e 2006, um aumento
na taxa de mortalidade por doenças associadas ao alcoolismo de 10,7 para 12,6 óbitos por
100 mil habitantes.
A propaganda de bebidas alcoólicas, com todas as outras, procura associar ao bem estar e
aos efeitos positivos causados pela prática esportiva à ingestão de produtos que contêm
álcool. Nesse sentido, agregar a imagem de esportistas famosos a marcas de cervejas
preocupa pelo impacto imediato e midiático que a imagem possui na mente das crianças e
jovens. Essa prática deve ser mitigada.
Para coibir esse tipo de merchandising oferecemos o presente projeto de lei que altera a lei
9.294/96 que impõe restrições à propaganda de cigarros e álcool. Em primeiro lugar, como
forma de incluir as cervejas no âmbito da lei, optamos por reduzir o limite, lá estabelecido
em 13 graus Gay Lussac, para apenas 0,5 graus. Dessa maneira, sucos de frutas ou outras
bebidas que possuam resíduos de fermentação não seriam consideradas como bebidas
alcoólicas.
Todavia, cervejas, que possuem em média teor alcoólico entre 4 e 6%, estariam
compreendidas nas novas limitações propostas. A seguir, o projeto estabelece que não
poderão ser utilizados em locais de práticas esportivas matéria is esportivos, adereços ou
roupas de torcidas organizadas que contenham alusão a bebidas alcoólicas.
Pela contribuição ora ofertada, cremos contribuir para a diminuição dos crescentes índices
de alcoolismo aqui citados e mitigar os males que as bebidas alcoólicas causam a nossa
sociedade. (grifei)
Confira­se também a justificativa do Projeto de Lei do Senado n.º 692/2011, que
tramita atualmente na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e
Informática:
Há muito nosso país clama por medidas mais severas para conter o uso abusivo de álcool e a
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violência que ele gera. O consumo de bebidas alcoólicas traz malefícios para toda a
sociedade, pois está na origem da maior parte dos atos violentos e dos acidentes de transito
que vitimam milhares de brasileiros a cada ano.
Assim, motivado por iniciativas legislativas do Governo e da Assembléia Legislativa do
Estado de São Paulo, apresento este projeto de lei que tem o propósito de reduzir a exposição
visual dos nossos jovens às bebidas alcoólicas, exposição essa que representa um apelo para
que eles consumam álcool como se isso fosse um ato natural da vida.
Como bem enfatizado pelo Relator, "a evolução legislativa caminha a passos
largos para o banimento total da publicidade de bebidas alcoólicas ­ a exemplo do que
ocorreu com o tabaco ­, e não apenas para restrições horárias. É tendência mundial que
não admite retrocesso. É questão de tempo" (grifei).
Esse quadro, por si só, é suficiente para desconstruir a tese sustentada pelas rés,
porque, definitivamente, não houve rejeição do mérito da proposta de definição de bebida
alcoólica em 0,5 graus Gay Lussac, para fins de publicidade.
Reconheço que o tema é controvertido (considerando que as três ACPs de que
aqui se trata não obtiveram julgamento uniforme no primeiro grau). E uma análise superficial
do litígio induziria o julgador a acolher a linha de raciocínio adotada pela defesa, que invoca o
princípio da legalidade estrita, devolvendo o problema ao Legislativo.
Observo, porém, que o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na já
citada ADI n.° 1.755/DF­1998 ocorreu em outro contexto normativo, em que havia somente a
Lei n.º 9.294/96 regulamentando a matéria, com fundamento no art. 220, § 4º, da Constituição
Federal. O Relator da referida ADI, inclusive, referiu que, à época, havia opiniões divergentes
acerca do Projeto de Lei n.º 3.358/97, e o impetrante, o Partido Liberal, estaria desrespeitando
o rito correto perante o Congresso ao buscar, em um "atalho", o resultado desejado perante o
Judiciário.
Na ocasião, inclusive, o Min. Carlos Velloso foi vencido, ao votar pelo
conhecimento da ADI:
Penso que ocorre, no caso, inconstitucionalidade direta, material. A Constituição estabelece
que a bebida alcoólica estará sujeita à restrição. O que está sujeito à restrição legal? A
bebida alcoólica. Vem a lei e discrimina dizendo: bebida alcoólica acima de treze graus. As
restrições, na propaganda, a Constituição quer que sejam para bebida alcoólica.
(...)
A Constituição confere ao legislador o poder para dizer o que é bebida alcoólica? Não! Ela
quer que o legislador, tratando­se de bebida alcoólica, estabeleça restrições na propaganda
(...). Quero dizer a V.Exa. que a Constituição simplesmente estabelece que a propaganda de
bebidas alcoólicas conterá, sempre que necessário, advertência. E o que o legislador fez?
Disciplinou a respeito e estabeleceu: não se considera bebida alcoólica a bebida com teor
alcoólico inferior a treze graus Gay Lussac. Não haverá restrições, então, tratando­se de
bebida alcoólica com teor alcoólico inferior a treze graus. Todos sabemos, entretanto, que
bebida com teor [menor que] de treze graus de álcool é bebida alcoólica. Cervejas e vinhos,
por exemplo.
No ponto, é esclarecedor o conteúdo do Parecer apresentado nesta instância
(evento 04 dos autos eletrônicos):
Quedou­se muito bem explanada na apelação a radical mudança paradigmática acerca do
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papel do Poder Judiciário no panorama nacional nos últimos anos. Isso pode ser visualizado
especialmente na atuação jurisdicional para colmatar vácuos normativos deixados pelos
outros Poderes, ou para reverter danos ocasionados pela deficiência de políticas públicas em
áreas muito sensíveis ao bem­estar da população. (...)
Ao examinar o Mandado de Injunção 721­7/DF (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 30/11/2007), o
mesmo Pleno, alterando posição até então predominante, adotou comportamento concretista
e, ao invés de pura e simplesmente instar o Congresso Nacional a suprir lacuna legislativa
que inviabilizava o exercício de direito constitucional ­ aposentadoria especial de servidor
público (art. 40, §4º, da Constituição Federal) ­, procedeu ele mesmo ao preenchimento dessa
lacuna, determinando a aplicação analógica de normas existentes para outros casos.
Demonstrado aí está, consequentemente, que o Poder Judiciário também enfrentou a omissão
legislativa, emprestando a caso concreto, carente de lei em sentido formal regulamentadora,
solução normativa.
(...) Nos últimos anos, a dinâmica da divisão dos Poderes não mais é estanque, sendo assim
permitido que, na inércia dos demais Poderes, em especial quando vulnerados direitos e
garantias fundamentais, seja dado à função jurisdicional prerrogativa de sanar a celeuma, de
modo a conferir, às situações concretas, a materialização dos comandos constitucionais. E
isso se dá não enquanto legislador meramente negativo. Reclama, muito mais, atuação
comissiva do julgador, que se investe da condição de concretizador de direitos fundamentais
olvidados pelo Poder Público.
Além disso, é oportuno destacar que, desde então, o alcoolismo, especialmente
entre os jovens, vem ceifando a vida de milhares de brasileiros a cada ano. E, para minimizar
essa lamentável realidade, houve o incremento de medidas de combate aos efeitos nocivos do
álcool, com campanhas públicas de conscientização, imposição de alertas na publicidade e
restrições ao consumo. Não bastasse isso, as normas constitucionais adquiriram efetividade e
o Judiciário assumiu postura ativa na concretização de direitos fundamentais.
Vale dizer, passados 16 (dezesseis) anos, alterou­se a conjuntura fática e
jurídica.
A propósito, vejam­se trechos da Nota n.º AGU/GV ­ 16/2007 e do Despacho do
Consultor­Geral da União n.° 249/2007 (Processos n.°s 00400.001339/ 2007­03 e
00400.001244/ 2007­81), aprovados pelo então Advogado­Geral da União, o atual Ministro
do STF José Antonio Dias Toffoli:
Sem embargo de entender absolutamente correta, no mérito, a atualização do conceito de
bebida alcoólica contido no Anexo I do Decreto em causa ­ já que a tecnologia atual permite a
fabricação de vinhos e cervejas, sem alteração de sabor, não apenas com menos de 0,5 grau
de teor alcoólico, mas até com teor rigorosamente zero ­ do ponto de vista jurídico é
necessário que o novo conceito não fique apenas no anexo I do Decreto, mas passe a ser a
nova redação do parágrafo único do art. 1º da lei 9294, de 15 de julho de 1996, sem o que a
discrepância entre os dois dispositivos ensejará procedimento judicial que a petição do
CONAR já insinua.
Um projeto de lei a respeito teria o inconveniente de ensejar, sob o patrocínio de lobby dos
interessados, prolongada batalha em que as baixas continuariam a penalizar a sociedade com
os mortos de incontáveis famílias brasileiras, vitimadas pela violência da criminalidade e do
trânsito, em níveis já insuportáveis.
Outro aspecto relevante, a reforçar a convicção de que a Lei n.º 11.705/08
consagrou um novo conceito de "bebida alcoólica", inclusive para fins de publicidade, é a
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amplitude da discricionariedade conferida ao legislador para defini­lo.
Destaco os termos da manifestação da ANVISA acostada à contestação da
União:
A Legislação infraconstitucional, que rege a publicidade de bebidas alcoólicas, em especial, a
Lei n° 9.294/96, não possui eficácia, considerando seu caráter tímido, ao adotar como
conceito de bebida alcoólica, toda bebida potável com teor alcoólico superior a 13 (treze)
graus Gay Lussac. Esta legislação, ao ter adotado tal conceito fictício e atécnico, acaba por
se afastar da Mens Legis constitucional, pois deixa de fora do âmbito restritivo de
regulamentação legal justamente as cervejas (preferência nacional de consumo, sobretudo
no segmento jovem) e os vinhos (art. 1°, Parágrafo único).
Cristina Corso Ruaro, Promotora de Justiça do Estado do Paraná, abordou o
ponto, conforme texto publicado em http://bit.ly/1rFwApU, in verbis:
Parece redundante falar o óbvio, ou seja, que cerveja também é álcool. Contudo, por
mais contraditório que pareça, a Lei 9.294/96, que estabelece restrições à publicidade
de tabaco e de bebidas alcoólicas, previu que, para os fins daquela lei, somente seriam
consideradas bebidas alcoólicas aquelas com teor etílico superior a 13 graus Gay­
Lussac. Portanto, para fins de publicidade, cerveja não é bebida alcoólica e, em
decorrência, permitiu­se a publicidade de cervejas vinculada ao futebol. A lei
resultou em significativa mudança na publicidade de cigarros, antes associados à
aventura, esportes e sucesso, fixando na mente dos consumidores a mensagem
subliminar que os incentivava ao hábito de fumar. A intensa publicidade da indústria
cervejeira associada a artistas famosos e a desportistas tem o mesmo efeito subliminar,
apesar de o consumo de bebidas alcoólicas ser incompatível com a prática de esportes.
Por outro lado, o Decreto 6.117/2007, que instituiu a Política Nacional sobre o
Álcool e pretendia reduzir o uso indevido do álcool, definiu bebidas alcoólicas como
aquelas com concentração igual ou superior a 0,5 grau Gay­Lussac, o que abarca a
cerveja. Já a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas no interior dos
estádios de futebol decorreu da constatação de que tal providência era determinante
para a diminuição da violência nos estádios. Infelizmente, a Lei Geral da Copa previu
a suspensão do dispositivo do Estatuto do Torcedor que fundamenta tal proibição, por
imposição de um patrocinador oriundo da indústria cervejeira, e as bebidas
alcoólicas foram liberadas por ocasião da Copa das Confederações e da Copa do
Mundo.
É oportuno lembrar que, em 17/10/2013, o Ministério Público do Estado de São
Paulo lançou a campanha intitulada "Cerveja Também é Álcool", propondo a alteração do
parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.294/96, para restringir a publicidade de bebidas com
graduação alcoólica igual ou superior a 0,5 graus Gay Lussac, conforme definição técnica do
Decreto n.º 6.117/2007, que instituiu a Política Nacional Sobre o Álcool.
O abaixo assinado em prol da campanha "Congresso Nacional: Inclua
qualquer bebida alcoólica dentro das restrições à propaganda de álcool" hoje conta com
aproximadamente 41.400 de sua meta de 50.000 assinaturas. Em março de 2014, a soma das
assinaturas em meio físico e eletrônico chegava a mais de 75 mil.
A par disso, diversas instituições que combatem o uso de álcool e drogas e
defendem os direitos de crianças e adolescentes manifestaram apoio ao projeto
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(http://bit.ly/1oqqXH0).
Dita a Política Nacional sobre o Álcool ­ Decreto n.º 6.117/2007:
5. Para os efeitos desta Política, é considerada bebida alcoólica aquela que contiver
0.5 grau Gay­Lussac ou mais de concentração, incluindo­se aí bebidas destiladas,
fermentadas e outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além
de preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5
grau Gay­Lussac.
Logo, bebidas como a cerveja, com teor entre 0,5º GL e 13º GL, são bebidas
alcoólicas.
Nessa perspectiva, cumpre averiguar se a Lei está vinculada a esse critério ou
poderia estabelecer outro, a partir da interpretação do art. 220 da Constituição Federal, in
verbis:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º Compete à lei federal:
I ­ regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a
natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada;
II ­ estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se
defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no
art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio.
§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
(grifei)
Depreende­se do texto normativo que a propaganda comercial de bebidas
alcoólicas não é proibida pela Constituição Federal, mas apenas sujeita a restrições legais,
matéria que deve ser regulamentada por lei federal.
As rés argumentam no sentido de que restrição não se confunde com proibição,
e dentro da esfera de discricionariedade do legislador encontra­se a definição do teor alcoólico
capaz de qualificar uma bebida como alcoólica.
Em que pese ponderável o argumento, e com a vênia dos que pensam em
contrário, a Constituição Federal não parece atribuir discricionariedade ao legislador
para isentar de restrições determinadas espécies de bebidas alcoólicas, a partir de um
"suposto grau de lesividade inferior ou mínima": ela o insta a restringir a publicidade
de bebidas alcoólicas, não lhe conferindo tal escolha. A vingar tal possibilidade, o
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legislador estaria contornando ­ ao meu ver, indevidamente ­ a norma constitucional, ao
escolher o que é ou não bebida alcoólica, com o fim de resguardar outros interesses.
No âmbito do STF, por a ocasião do julgamento da ADI n.º 1.755/DF­1998, foi
discutido se a mesma norma teve igual interpretação no tocante a medicamentos e às bebidas
alcoólicas. Isso porque a Lei n.º 9.294/96 dispôs acerca de quais medicamentos terão sua
publicidade limitada. O Min. Carlos Velloso sustentou, então, que há muita diferença entre
afirmar que o medicamento deste ou daquele grupo sofrerá ou não restrições, e sustentar que
aquela mesma substância não é medicamento.
Veja­se trecho da ADI nº 1755/DF­2008:
o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente): (...)
A Constituição confere ao legislador o poder para dizer o que é bebida alcoólica? Não! Ela
quer que o legislador, tratando­se de bebida alcoólica, estabeleça restrições na propaganda
para que se proteja ...
o Sr. Ministro NELSON JOBIM (Relator)
Igual para todas?
o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente):
Isso é outra questão! Perdoe­me V.Exa., mas, com relação a medicamento, não se fez a
distinção.
o Sr. Ministro MOREIRA ALVES:
Fez­se. Há alusão a medicamento.
o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente)­
Diz o parágrafo único do art. 1° da Lei nº 9.294/96:
"Parágrafo único. Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei, as bebidas
potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac".
Não diz que se consideram medicamentos, para efeitos desta lei, os medicamentos tais e tais.
E isso não foi feito porque a Constituição não autoriza o legislador ordinário a fazê­lo.
o Sr. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:
Sr. Presidente, V.Exa. me permite um aparte só para acompanhar seu raciocínio? V. Exa.
extrai da Constituição a necessidade de que as restrições sejam idênticas para todas as
bebidas?
o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Presidente): ­
Quero dizer a V.Exa. que a Constituição simplesmente estabelece que a propaganda de
bebidas alcoólicas conterá, sempre que necessário, advertência. E o que o legislador fez?
Disciplinou a respeito e estabeleceu: não se considera bebida alcoólica a bebida com teor
alcoólico inferior a treze graus Gay Lussac. Não haverá restrições, então, tratando­se de
bebida alcoólica com teor alcoólico inferior a treze graus. Todos sabemos, entretanto, que
bebida com teor de treze graus de álcool é bebida alcoólica. Cervejas e vinhos, por exemplo.
(...)
Isto quer dizer que cervejas e vinhos, por exemplo, não estarão sujeitos à restrição. Por que
a Constituição quer que se faça a restrição? Porque, na verdade, o uso de bebidas alcoólicas
causa danos à saúde.
A Constituição deseja que os consumidores sejam alertados que cigarro é prejudicial à
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saúde, que álcool é prejudicial à saúde. O legislador, não sei por que motivo, excluiu as
bebidas alcoólicas de teor alcoólico inferior a treze graus.
Isto é: a Lei foi transparente ao diferenciar um ou outro tipo de medicamento, ao
invés de, por ficção, excluir do âmbito da norma restritiva um remédio afirmando que ele não
o é.
E justamente isso foi feito quanto às bebidas alcoólicas: ao invés de afirmar que
bebidas alcoólicas com teor entre 0,5º GL e 13º GL receberiam um tratamento e aquelas com
grau acima de 13º GL receberiam outro, o legislador optou por determinar que as bebidas do
primeiro grupo não são alcoólicas. Pode­se entender que poderia ser realizada essa
diferenciação assim como o fez em relação aos medicamentos. Se, porém, interpretar­se que
lhe foi negada essa possibilidade, a norma é irregular por contrariar previsão constitucional.
O Ministro afirmou não saber o motivo da opção pelo critério de 13 graus Gay­
Lussac.
A propósito, a sentença proferida na ação civil pública n.º 5012924­
20.2012.404.7200 responde a esse questionamento:
O legislador, ao afastar a limitação constitucional de algumas bebidas alcoólicas, tal
como o vinho e a cerveja, afrontou diretamente o texto constitucional, colocando o
interesse econômico da indústria de bebidas acima da saúde pública.
A saúde pública é um bem jurídico que não pode ser simplesmente desconsiderado e
colocado em plano secundário pelo legislador ordinário, como se os interesses
econômicos da indústria de bebidas alcoólicas fosse um bem jurídico de mais valia.
Para reforçar os argumentos do magistrado, vale lembrar que, conforme
manifestação da própria ANVISA, o critério de 13 graus na escala Gay Lussac é atécnico e
fictício.
Com efeito, as bebidas com teor alcoólico abaixo de 0,5 graus na escala Gay
Lussac, como sucos com resquícios de fermentação, podem ser ingeridos em quantidade
razoável sem risco de alcoolizar o consumidor. O mesmo não se pode dizer da cerveja, cujo
potencial alcoolizante está sempre presente.
Há, sem dúvida, divergências acerca da interpretação do dispositivo
constitucional. Pode­se dizer que a palavra "restrição" implica certa flexibilidade, permitindo
que se restrinjam as bebidas com teor superior a X ou Y, sem restrições às demais. O
argumento para tanto seria de que somente o teor alcoólico elevado poderia tornar a bebida
um fator de risco à saúde pública.
Contudo, a tese de que a cerveja e outras bebidas de teor alcoólico inferior a 13º
GL não possuem potencial destrutivo à saúde semelhante ao das demais bebidas alcoólicas,
justificando tratamento diferenciado, não procede.
Confiram­se dados do I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo
de álcool na população brasileira (Elaboração, redação e organização: Ronaldo Laranjeira ...
[et al.]; Revisão técnica científica: Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte. Brasília:
Secretaria Nacional Antidrogas, 2007. Disponível em: http://bit.ly/1xtVUSY):
http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=6782122&termosPesquisados=alcool
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A cerveja é a bebida nacional. Ela é ingerida preferencialmente por ambos os sexos e
em todas as idades, regiões e classes sociais. (...) Aproximadamente, metade das doses
consumidas por adolescentes é de cerveja ou chope. (...)
A literatura internacional estabelece em 5 doses ou mais para os homens e 4 doses ou
mais para as mulheres, num único episódio ­ o limite do beber em "binge", expressão
que indica um estado de consumo de risco. (...)
O beber com maior risco em um curto espaço de tempo, ou o beber em "binge", é a
prática que mais deixa o adolescente exposto a uma série de problemas de saúde e
sociais. Os riscos vão desde acidentes de trânsito ­ o evento mais comum e com
conseqüências mais graves ­ até o envolvimento em brigas, vandalismo e a prática do
sexo sem camisinha. (...) Pouco menos de um quarto dos meninos e 12% das meninas
já beberam em "binge" ao menos 1 vez nos últimos 12 meses, o que é uma diferença
estatisticamente significativa. (...)
O beber em grandes quantidades é um fenômeno que diminui com a idade. Enquanto
40% dos jovens de 18 a 24 anos já beberam em "binge", este número cai para 20%
entre aqueles com 45 e 59 anos, e desce para 10% entre os mais velhos. Existe uma
relação inversa entre as taxas de abstinência e as taxas de "binge", ou seja, a
abstinência aumenta com a idade e o "binge" diminui. Esse fenômeno é importante do
ponto de vista de políticas, pois a população mais jovem é a mais vulnerável a
apresentar maiores problemas com o álcool.
Dos grupos populacionais , os adolescentes são os que apresentam os maiores riscos
em relação ao beber. No mundo todo existe uma preocupação especial com esse grupo
e a monitoração das taxas de padrão de beber é uma das medidas mais importantes a
serem desenvolvidas. Não existe um padrão de beber de baixo risco entre os
adolescentes, pois as evidências mostram que nessa faixa da população mesmo o
baixo consumo está relacionado com alto risco de acidentes. No presente estudo
encontrou­se uma alta freqüência de adolescentes (9%) que bebem mais do que 1 vez
por semana (12% meninos e 6% meninas). Em relação à dose usual, quase 50% dos
meninos bebeu mais do que 3 doses por situação habitual e cerca de um terço deles
consumiu 5 doses ou mais.
As bebidas alcoólicas são as substâncias psicotrópicas mais utilizadas por
adolescentes (Faden, 2005; Galduróz e cols, 2005). Adolescentes que consomem
bebidas alcoólicas podem ter conseqüências negativas tão diversas como problemas
nos estudos, problemas sociais, praticar sexo sem proteção e/ou sem consentimento,
maior risco de suicídio ou homicídio e acidentes relacionados ao consumo (Faden,
2005). (...)
Por mais que o consumo de álcool por adolescentes na sociedade possa parecer
banalizado (não é incomum a presença de bebidas alcoólicas em festas de
adolescentes, patrocínios de bebidas alcoólicas ­ especialmente cerveja e bebidas
"ice"), pesquisas demonstram que começar a beber em idade precoce é um fator
muito importante que influenciará problemas futuros com o álcool (Maggs e
Schulenberg, 2005).
Atente­se à informação constante do II Levantamento, de que mulheres,
especialmente as mais jovens, são as que estão expostas a maior risco (Laranjeira R, Madruga
CS, Pinsky I, Caetano R, Ribeiro M, Mitsuhiro S. II Levantamento Nacional de Álcool e
Drogas ­ Consumo de Álcool no Brasil: Tendências entre 2006/2012. São Paulo: INPAD;
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2013. Disponível em http://bit.ly/1pmgZGO).
Confiram­se também dados constantes de análise de intoxicações alcoólicas em
pediatria do Hospital Universitário da USP (http://bit.ly/1vroQb3): hoje, o jovem começa a
fumar aos 11/12 anos, beber aos 13/14, alguns fumam maconha aos 14/15 e outros partem
para o crack aos 17/18 anos. A prevenção das drogas lícitas é relevante para evitar o
escalonamento para as ilícitas. Apenas 2% dos que não bebem partem para as drogas ilícitas.
São inegáveis, portanto, os danos causados pelas bebidas alcoólicas, em especial
aquelas com teor alcoólico entre 0,5º GL e 13º GL, por seu apelo junto ao público
adolescente.
Na literatura especializada, é possível encontrar resposta para questões
pertinentes à demanda: afinal, há nexo de causalidade entre a propaganda de cervejas e os
danos à vida e à saúde pública? Há influência dessa publicidade sobre a mente dos
jovens? Existe intenção de obter lucro através da manipulação de um público mais
vulnerável?
Para elucidação do ponto, leia­se trecho do artigo "Propaganda de álcool e
associação ao consumo de cerveja por adolescentes" (FARIA, Roberta et al. Propaganda de
álcool e associação ao consumo de cerveja por adolescentes. Rev. Saúde Pública, São
Paulo, v. 45, n. 3, June 2011. Disponível em http://bit.ly/1rykUou):
No Brasil, além de poucos programas de prevenção ao consumo de álcool, há poucas
restrições à propaganda de bebidas alcoólicas. O País adotou o modelo de auto­
regulação do Conselho de Auto­Regulamentação Publicitária (Conar) e as regras
relacionam­se, principalmente, ao conteúdo e à exposição de menores de idade às
peças. Considerando a eficácia dessa autoregulamentação questionável, o governo
brasileiro tentou restringir as propagandas de cerveja na televisão em 2008 por meio
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Ministério da Saúde.
Entretanto, movimentos encabeçados pelas indústrias cervejeiras e por associações
representantes dos meios de comunicação conseguiram reverter essas propostas, e
atualmente não há restrição de horário para propagandas dessas bebidas. (...)
Variáveis ligadas diretamente às propagandas estiveram associadas ao consumo de
cerveja nos últimos 30 dias. A crença de que os comerciais de bebidas alcoólicas
falam a verdade mostrou associação com o consumo (OR = 2,122; p = 0,000), assim
como a percepção de similaridade entre os comerciais e a vida real dos estudantes,
definida por "as festas que eu freqüento parecem com as dos comerciais" (OR = 1,712;
p = 0,009). Prestar atenção aos comerciais ofereceu risco aumentado de consumo de
bebidas (OR = 1,563, p = 0,028), mas a associação mais forte foi observada em ter
uma marca preferida de bebida alcoólica (OR = 5,150; p = 0,000). (...)
Este é um estudo original no Brasil que mostra a associação das propagandas de
bebidas alcoólicas ao consumo de cerveja por alunos de ensino fundamental, os
quais não atingiram a idade legal mínima de 18 anos para beber. Essa associação
ocorre por meio de pelo menos quatro aspectos: similaridade percebida entre as
propagandas e suas vidas, atenção prestada aos comerciais, crença de que eles falam
a verdade e promoção da fidelidade à marca. Isso é observado mesmo controlando
para outros aspectos tradicionalmente associados ao consumo de bebidas alcoólicas
em adolescentes, como idade, gênero, monitoração por parte dos pais (fator protetor),
classe social, consumo de cigarros e importância da religião5 na vida dos estudantes.
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Em relação à religiosidade, recente estudo nacional afirma que um indivíduo ser
criado em um lar em que a religião não é relevante aumenta a chance da adoção de
padrão de consumo regular de álcool. Nossos resultados são compatíveis com os de
outros estudos que ligam consciência da propaganda (advertising awareness) e
propensão para beber. Collins et al (2005) afirmam que a atenção prestada aos
comerciais é o fator preditivo mais relevante de consciência da propaganda e de
consumo de bebidas alcoólicas em meninos. (...)
Pesquisas sugerem que a forma mais eficaz de controlar a influência da propaganda
sobre o consumo de álcool seria diminuir a exposição dos mais jovens, restringindo a
veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas, incluindo cerveja, na televisão e
em outros meios de comunicação. Tal restrição inexiste no Brasil para a propaganda
de cerveja. (...)
A responsabilidade pela elaboração, codificação e apropriação das mensagens
transmitidas pela mídia reside tanto no produtor quanto no receptor da mensagem.
Certamente a mídia não é causa direta de consumo de bebidas alcoólicas. Porém, há
associação entre essas mensagens vindas da mídia e o comportamento dos jovens. É
nessa conversão da idéia para a prática social que reside uma parte da chamada
"responsabilidade social" da propaganda de maneira geral e, particularmente, da
indústria do álcool, que não pode ser negligenciada.
A "responsabilidade social" mencionada não existe na prática. As propagandas
do setor apelam nitidamente para o público jovem, inclusive o adolescente, associando álcool
ao êxito em várias esferas da vida.
Cito estudo específico sobre a questão ­ "Apreciação de propagandas de
cerveja por adolescentes: relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo de
álcool" (VENDRAME, Alan et al . Apreciação de propagandas de cerveja por adolescentes:
relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo de álcool. Cad. Saúde Pública, Rio
de Janeiro , v. 25, n. 2, Feb. 2009. Disponível em http://bit.ly/1ux2yH9 ):
A publicidade influencia o consumo de bebidas alcoólicas de acordo com fatores
como a exposição, lembrança e apreciação das propagandas. Assim, adolescentes
mais expostos às propagandas relataram expectativas mais positivas em relação aos
efeitos do álcool, bem como a intenção de beber quando mais velhos. Da mesma
maneira, quanto mais o indivíduo lembra e gosta da propaganda maior será a
chance de que consuma álcool no futuro. De fato, há mais de uma década pesquisas
com adolescentes vêm demonstrando a correlação entre gostar das propagandas com
crenças positivas sobre o álcool bem como com a expectativa positiva de consumir
álcool no futuro. Esses achados, no entanto, são provenientes exclusivamente de países
desenvolvidos, com mercados regulados (com forte regulamentação e fiscalização
sobre as bebidas alcoólicas) e maduros (acirrada competição interna, pouco espaço
para o crescimento de níveis globais de consumo de álcool).
No Brasil, país com mercado desregulado e imaturo, o tema das propagandas de
cerveja foi alvo de grandes polêmicas no ano de 2001, protagonizadas pelo Ministério
da Saúde e pelos setores da publicidade da Indústria do álcool. O governo brasileiro
tem demonstrado preocupação com a liberalidade das propagandas de cerveja, fato
que o levou a incluir limitações a este tipo de comercial no plano nacional de
políticas sobre o álcool, lançado no início do mês de Junho de 2001 pelo Ministério
da Saúde. O principal foco foi a tentativa de modificar a definição de bebida
alcoólica, para fins de limitação de circulação de propagandas na televisão. Pela
http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=6782122&termosPesquisados=alcool
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legislação atual, apenas bebidas com teor acima de 13ºGL são consideradas
a1coólicas, de modo que as cervejas e vinhos não se enquadram na definição de
bebida a1coólica para fins de publicidade. Tal medida causou inflamadas reações,
principalmente por parte da Indústria do álcool e dos setores da publicidade e
propaganda, que argumentam inexistir qualquer relação das propagandas com o
público adolescente, bem como que elas não se associam ao aumento de consumo de
álcool. (...)
A presente pesquisa mostra de forma objetiva, além de meras impressões, que os
adolescentes brasileiros quanto mais expostos às propagandas de cerveja mais
gostam delas e consomem álcool em maiores quantidades em relação àqueles menos
expostos, ainda que menores de idade.
É importante avaliar os resultados encontrados aqui levando em conta o fato de que o
consumo de bebidas alcoólicas ainda é tratado no Brasil com poucas e frágeis
regulamentações. Diferentemente dos países de origem dos estudos de propaganda de
álcool existentes na literatura, não há, na prática e em níveis nacionais, restrições ao
acesso, preços razoáveis e nem prevenção ampla no Brasil. (...)
A contribuição do presente artigo e outros que estão tendo o financiamento da
FAPESP é investigar a maneira como a propaganda de bebidas alcoólicas influencia o
consumo de adolescentes em um país com frágil regulamentação, sem redes de
prevenção consistentes e com possibilidades de aumento de volume de consumo de
álcool pela população.
A alta exposição encontrada no presente estudo dos adolescentes menores de idade
em relação às propagandas de álcool questiona o objetivo protetivo das regras de
auto­regulamentação publicitária e a eficácia do controle ético das propagandas de
álcool. O público que deveria ser protegido está exposto, de modo significativo, à
grande quantidade de propagandas de álcool, com mensagens notadamente atraentes
para os adolescentes menores de idade.
Ao analisar os dados, deve­se levar em conta que as propagandas 1ª e 2ª colocadas,
na realidade, promoviam uma marca preferencialmente voltada ao público jovem.
Não só foram as propagandas mais assistidas, com maiores índices de exposição,
mas foram também as que os adolescentes mais gostaram. É importante observar que
a diferença entre as duas primeiras colocadas e as outras, do grupo das cinco
primeiras, é maior do que a diferença entre a terceira, quarta e quinta colocadas,
entre si.
Temas relacionados ao humor e ao erotismo talvez possam explicar, em parte, a
existência da relação exposição/nota de apreciação: tais temas predominaram nas
cinco primeiras colocadas. Inversamente, a última colocada, por exemplo, destacou a
pureza da água como tema do comercial.
Esses achados podem servir de fundamento para a criação de políticas públicas, no
sentido de restringir e regulamentar a veiculação e o conteúdo das propagandas de
bebidas alcoólicas. O argumento das indústrias de bebidas e dos setores da
publicidade e propaganda de que os anúncios não se direcionam ao público
adolescente menor de idade, porque visam única e exclusivamente à fidelidade à
marca não se sustenta, diante dos dados aqui expostos.
Para exemplificar o que aqui se afirma, vejam­se as descrições das cinco
propagandas melhor avaliadas pelos adolescentes no estudo supracitado:
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­ 1ª: durante um jogo de futebol da seleção brasileira, um torcedor sem roupas entra
em campo e impede um gol. Um jovem aparece na arquibancada do estádio e diz: "se o
cara que inventou a [marca da cerveja] tivesse inventado o torcedor europeu, ele não
seria assim. Ele seria assim...". Então, a propaganda mostra o torcedor sem roupas
invadindo o campo e fazendo gols, de diversas formas, para a seleção brasileira. A
polícia tenta prendê­lo, mas ele engana­os, com um drible de corpo. No final, corre em
direção aos jogadores brasileiros para comemorar um gol, mas eles fogem.
­ 2ª: a propaganda começa mostrando uma partida de futebol entre as seleções do
Brasil e da Argentina. Um jogador argentino dá um "carrinho" violento em um
jogador brasileiro. Nesse momento, aparece um jovem na arquibancada do estádio
dizendo: "se o cara que inventou a [marca de cerveja] tivesse inventado o carrinho, ele
não seria assim. Ele seria assim...". A seguir, a propaganda mostra os jogadores
argentinos deslizando para fora do campo, após dar "carrinhos", chocando­se com as
placas de publicidade e caindo nas escadas dos vestiários. Os jogadores brasileiros
driblam com facilidade os argentinos e marcam um gol. Ao final, um jogador
argentino, após um "carrinho", escorrega no gramado e se choca, de pernas abertas,
com a trave.
­ 3ª: mostra um casal fazendo compras em um supermercado. A mulher pergunta ao
marido quais produtos eles devem levar. O marido está entediado, quando aparece
uma ilustração do que seria o cérebro dele, com vários homens por lá, dizendo o que
ele deve decidir. Esses homens do cérebro dizem não a tudo e sugerem que se compre
a cerveja ("não, [marca de cerveja]!"), até que a mulher pergunta sobre amendoim.
Quando todos no cérebro esboçam dizer não, um deles se levanta e diz: "espera aí,
[marca de cerveja] e amendoim combina!", ao passo que todos, convencidos, começam
a cantar "[marca de cerveja], amendoim". Nesse instante, o marido se anima e
concorda com a mulher. No final, mostra uma caixa de cerveja e um pacote de
amendoim em cima dela.
­ 4ª: a propaganda começa com uma pergunta: "já notou como as pessoas saíam sérias
nas fotos de antigamente?". Então, mostra uma festa, com pessoas em trajes de época,
dançando. Mulheres dançam sensualmente em cima de mesas. Quando acaba a
cerveja, todos ficam tristes e sérios, então uma foto é tirada.
­ 5ª: três rapazes, cada um segurando um copo repleto de cerveja, chegam a uma
festa e percebem que a grande maioria das pessoas é homem. Um casal (os atores
Juliana Paes e Bussunda), que figura como os "donos" do clube B.O.A. (bebedores
oficiais da [marca de cerveja]), chega para ajudá­los. Bussunda tira a camisa, passa
um "repelente de homens" no corpo e vai dançar no meio das pessoas. Todos os
homens saem da festa. Então, os três rapazes vão dançar com as mulheres.
Ilana Pinsky, coautora dos dois artigos mencionados (PINSKY, Ilana. A
Propaganda de Bebidas Alcoólicas do Brasil. Disponível em http://bit.ly/1nAGYQ0), pondera
que:
A propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil é regulada pela lei n. 9.294, de 1996.
Segundo essa lei, que também regulamenta os cigarros, entre outros produtos, bebida
alcoólica é somente aquela com mais de 13 GL, ou seja, exclui cervejas e vinhos. (...)
No início de 2003, o governo pareceu mais consciente do que nunca sobre a
importância de introduzir restrições mais profundas com a intenção de reduzir os
problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas. No que diz respeito às
http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=6782122&termosPesquisados=alcool
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propagandas de álcool, o ministro da saúde propôs a inclusão das cervejas na
restrição de horário de veiculação.
A cerveja possui papel de destaque entre as bebidas alcoólicas consumidas no Brasil.
Dos cerca de U$ 106,000,000 gastos em propaganda de álcool na mídia em 2001,
80% foi em cerveja. Da mesma maneira, o consumo de cerveja representa 85% das
bebidas alcoólicas consumidas. Apesar dessa quantidade ser muito menor se
levarmos em conta apenas o álcool puro das bebidas alcoólicas, a cerveja certamente
é uma bebida alcoólica e tem um papel importante em muitos dos problemas
relacionados ao álcool, principalmente no que diz respeito aos jovens.
Os números de problemas associados ao álcool no Brasil não deixam dúvida quanto
ao potencial devastador deste, principalmente junto aos jovens. Em acidentes com
motoristas alcoolizados, episódios de violência relacionado ao álcool, intoxicação
alcoólica, etc., os jovens têm uma participação importante e início cada vez mais
precoce. As propagandas e marketing das bebidas alcoólicas no Brasil são parte
integrante da criação de um clima normatizador, associando­as exclusivamente a
momentos gloriosos, à sexualidade e a ser brasileiro, esquecendo­se dos problemas
associados.
Restringir a propaganda de álcool é uma estratégia importante? Estudos recentes e
utilizando metodologia avançada têm conseguido mostrar associações importantes
entre a propaganda de bebidas alcoólicas e o consumo de álcool entre os jovens. (...)
Qualquer pessoa que já tenha assistido a alguma propaganda de álcool na televisão
brasileira, verifica a agressiva utilização da sexualidade nas propagandas,
especialmente no caso da cerveja. Também é fácil verificar que os (muito) jovens são
certamente alvos das propagandas, com temas evidentemente voltados a eles (ex:
desenhos animados, festas rave, etc.). (...)
Esse tipo de associação das bebidas alcoólicas com o que temos de mais característico
no nosso país normatiza o álcool. Em especial, esse é mais um exemplo de como a
propaganda do álcool mostra apenas uma face do uso do álcool, esquecendo ou
associando a uma minoria de "pessoas problemáticas" sua importante contribuição
para a morbidade, mortalidade e prejuízos sociais, inclusive no que se refere a criar
um ambiente hostil e ridicularizador às mensagens e medidas de saúde pública.
Por que essa situação é importante? Um fator é a virtual inexistência de
contrapartida da indústria do álcool no Brasil, no que se refere ao desenvolvimento
de atividades sérias, coerentes e efetivas de prevenção ao abuso do álcool. Com
exceção de uma atividade de pequenas proporções desenvolvida por uma das maiores
indústrias de álcool no Brasil, a indústria como um todo não dá sinais de reconhecer
sua responsabilidade social, nem para fins de relações públicas. Ou seja, a indústria
das bebidas alcoólicas não assume e não se responsabiliza por qualquer tipo de
problema relacionado ao álcool. (...)
Consoante o disposto na Lei n.º 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos
da criança e do adolescente" (art. 70), e "as revistas e publicações destinadas ao público
infanto­juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de
bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais
da pessoa e da família" (art. 79).
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A vedação legal constante do ECA remete ao mesmo conceito genérico de
anúncio de "bebidas alcoólicas". Ora, se o anúncio de bebidas alcoólicas, enquanto
publicidade, é regulamentado pela Lei n.º 9.294/96, estaríamos diante de permissão para
propaganda de cervejas em revistas infantis? O bom senso sinaliza que não.
É incoerente, portanto, proibir que as revistas infantis veiculem propagandas de
cerveja, mas permitir que a programação de televisão diurna, inclusive a desportiva, transmita
a publicidade dessa bebida alcoólica e com grande potencial de dano, mediante propagandas
voltadas ao público jovem e de menores de idade.
Constata­se que a opção do legislador resguarda interesses econômicos, ao invés
de atentar para questões relevantes, como vida, saúde e segurança pública. Escolhe fortalecer
o apelo de bebidas alcoólicas, especialmente entre os jovens, estimulando o seu consumo e
contribuindo para as estatísticas de acidentes e mortes. Deixa de respeitar a finalidade que a
Constituição exige e obsta a concretização dos princípios constitucionais.
Reitere­se que, dentre os pedidos formulados pelo órgão ministerial, estão a
aplicação de restrições legais à publicidade de bebidas alcoólicas com teor igual ou superior a
0,5 (meio) graus Gay Lussac, proibição de propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas
emissoras de rádio e televisão, a não ser entre as vinte e uma e as seis horas, proibição de tais
propagandas entre as vinte e uma hora e as vinte e três horas, exceto nos casos de obras
audiovisuais não recomendadas para menores de 18 anos, proibição da propaganda de bebidas
alcoólicas associada ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de
qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou idéias de maior êxito ou
sexualidade das pessoas, vedação da utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes
olímpicos, para veicular a propaganda de bebidas alcoólicas, inclusive para eventos alheios à
programação normal e rotineira das emissoras de rádio e televisão e à propaganda estática
existente em estádios, veículos de competição e locais similares, e proibição de bebidas
alcoólicas como objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios.
Mais uma vez, reporto­me à sentença da ação civil pública n.º 5012924­
20.2012.404.7200:
Destarte, é notória a inversão de valores operada pelo legislador, que não atendeu ao
comando constitucional e deixou de limitar a publicidade de algumas bebidas
alcoólicas que são igualmente nocivas. Saliente­se que, em razão da publicidade de
bebidas alcoólicas, milhares de vidas de jovens são diariamente perdidas. É o que
explica o Professor de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dr. José
Mauro Braz de Lima no artigo intitulado 'Propaganda de Bebidas Alcoólicas como
Fator de Aumento de Consumo ­ Uma questão de Saúde Pública e de Responsabilidade
Social:
"É preciso parar para refletir um pouco e discutir, com bases nas evidências,
pesquisas e dados epidemiológicos e de diversas fontes, a questão das elevadas (e
crescentes) taxas de mortalidade e de morbidade relacionadas aos acidentes de
trânsito registrados neste país. Lógico que existem aspectos conflitantes de interesses
da indústria e do comércio das bebidas alcoólicas e os da saúde e segurança das
pessoas, além dos econômicos pelo lado da arrecadação e dos empregos gerados e,
por outro lado, os prejuízos em vidas humanas ­ imensuráveis ­ e materiais. Não se
pode negar a complexidade deste problema. Daí a urgência de se avançar no
desenvolvimento de medidas efetivas como a pretendida pelo PL. 2 733/2008 sobre a
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restrição da propaganda de bebidas alcoólicas, no caso, principalmente da cerveja
que é veiculada maciçamente pela mídia dia e noite. (...) Uma destas medidas é a
restrição do horário de propaganda da cerveja, que não é bebida alcoólica fraca,
como se tentou passar quando da elaboração da Lei nº 9 294/1996, que regulamentava
a publicidade de bebidas alcoólicas, deixando a cerveja separada do vinho e dos
destilados (cachaça, vodka, etc..), por levar em conta o teor de álcool desta (5%) e não
a quantidade de álcool puro que é a mesma por dose padrão das outras bebidas, ou
seja, 12 a 14 gr. de álcool. Será que foi um erro de concepção na época? Pode ser até
coincidência, o fato do grande aumento da produção e do consumo de cerveja nos
últimos dez anos, fazendo do Brasil um dos países de maior destaque no mercado da
cerveja. Os jovens e mulheres foram os grandes, e ainda são, contribuintes deste
sucesso, conforme mostra os recentes estudos da SENAD.
São muitas as evidências de que os abusos de álcool são responsáveis por sérios
agravos para Saúde, além das conseqüências e prejuízos para família, para as
empresas e para a comunidade em geral. As diversas formas de manifestação de
violência urbana têm no abuso de bebidas alcoólicas um dos principais fatores:
acidentes de trânsito, de trabalho, domésticos, atos de agressão pessoal contra outrem,
contra mulher, contra si próprio (suicídio) e homicídios (caso da cidade de Diadema).
Todos sabem que um grande número de mortes secundárias aos acidentes de trânsito
se deve a influência do álcool (colisões, atropelamentos...). O Brasil ocupa lugar
destacado no rol dos países que mais matam nas estradas: mais de 37.000 pessoas /
ano (ou quase 20 / 100.000 hab./ano) em 2006; o que faz com que seja esta a primeira
causa de morte entre os jovens de 18 a 29 anos em nosso país. Poderia enumerar uma
serie de problemas relacionados ao abuso e dependência do álcool. Os custos para o
estado e para a sociedade em geral, decorrente destes, são também conhecidos e
bastantes elevados algo que beira aos 7% do PIB.
Considerando que, sem duvida alguma, o consumo de bebidas alcoólicas vem
aumentando, significativamente, nos últimos anos, e, naturalmente, os problemas
relacionados também, o estímulo ao consumo através das propagandas maciças,
sobretudo de cerveja, nos coloca uma situação de responsabilidade maior diante desta
questão. Obviamente que não existe uma solução única e mágica; diversas ações e
estratégicas, mormente de informação e de educação, devem ser consideradas à guisa
de atenção e de prevenção dos problemas relacionados ao abuso e dependência do
álcool. Umas destas ações se impõem a exemplo do que já é feito em outros países
que enfrentam problemas semelhantes, é, portanto, a restrição da propaganda de
bebidas alcoólicas, no horário comercial (de 06:00 às 21:00), pelo simples fato de
que a propaganda tem como principal objetivo, o sucesso da venda daquele produto,
inclusive das cervejas ou outra bebida alcoólica. Se assim não for para que investir
tanto dinheiro, em torno de 1 bilhão de reais na propaganda de bebidas alcoólicas.
O estimulo ao consumo de cerveja veiculado, claramente, através das matérias de
publicidade, na mídia em geral e através da promoção de eventos esportivos e
culturais (shows de grandes artistas populares, por exemplo), nos últimos anos, em
nosso país, guarda grande e nítida relação com o aumento do consumo de cerveja,
principalmente, pelos jovens. Os dados do 'II Levantamento Nacional de Consumo de
Substancias Psicoativas' (2006), entre estas o álcool, realizado pelo SENAD*
(CEBRID, 2006), mostram esta séria realidade: de 2001 a 2006, os casos de
Alcoolismo entre os jovens aumentou cerca de 25 a 30%. Por outro lado, é deveras
interessante observar o que relata artigo publicado na revista 'Guia da Cerveja'
(2007), editada pela Editora Casa Dois, na pagina 40, sob o titulo 'Vendas em Alta'.
Dentre as várias e importantes informações sobre a produção e o comércio de cervejas
no Brasil, tendo como fonte o próprio Sindcerv, diz o texto na pagina 42, no que se
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refere à publicidade:
'Como você pode acompanhar na mídia, os fabricantes de cerveja são um dos mais
representativos anunciantes. Gastam cerca de R$ 850 milhões por ano em anúncios
na mídia. E as inteligentes e criativas propagandas geralmente remetem ao público
mais jovem. Por que será? A explicação é simples: o maior consumidor de cerveja
está na faixa etária dos 18 aos 29 anos'.
Portanto, neste momento em que a sociedade discute a restrição responsável da
propaganda de bebidas alcoólicas, onde a cerveja é uma das mais consumidas, com o
objetivo de reduzir o nível dos problemas relacionados (doenças, violências, crimes,
acidentes de transito e outros agravos), que atinge não só 'os mais jovens', mas a
todos os cidadãos de qualquer idade (até a criança ainda na barriga da mulher
grávida), cai por terra qualquer argumento de defesa das 'ingênuas propagandas'
que não pretendem promover o aumento do consumo, sobretudo entre os jovens de
18 a 29 anos, faixa etária esta em que a primeira causa de morte são os acidentes de
trânsito, onde, principalmente nos fins de semana, o álcool está presente na grande
maioria das vitimas fatais, quer sejam motoristas ou passageiros ou pedestres. Os
dados destas tragédias anunciadas que pesam sobre cerca de 38.000 (2007) familiares
de vitimas fatais e centenas de milhares de feridos nas estradas e vias urbanas do
nosso país, são por si só assustadores, e vêm aumentando nos últimos anos. Países
como EUA, França, Espanha etc, vem adotando já há muito, fortes e consistentes
políticas de fiscalização e de repressão ao dirigir sob efeito do álcool. Poderíamos
citar vários casos de ações promovidas por estes países com o objetivo de redução da
morbi­mortalidade relacionadas com os acidentes de trânsito.
Entretanto, deve­se ressaltar que, em todos estes países, um dos focos de maior
atenção se refere à fiscalização e à repressão do consumo de bebidas alcoólicas. Por
fim, vale repetir que não existem soluções simples para problemas de maior
complexidade como este dos acidentes de trânsito envolvidos com o álcool; contudo a
experiência e a evidência dos fatos mostram que a singela recomendação de 'beber
com moderação' não basta, é preciso muito mais: informar, educar, responsabilizar,
fiscalizar e punir.'
Desta forma, a única conclusão que se pode chegar é que jamais o legislador poderia
adotar dois conceitos jurídicos de bebidas alcoólicas, um para a suspensão do direito
de dirigir e outro para a restrição de publicidade. Ao adotar um critério de
discriminação tão absurdo e ferir o texto constitucional, não há outra alternativa a não
ser julgar a ação procedente, a fim de se obter a eficácia do texto constitucional. Do
contrário, nossa Constituição será um mero pedaço de papel, o que não poderia ser
admitido, já que os valores insculpidos, como a saúde pública de milhares de pessoas,
não podem ser considerados valores secundários. Se o Poder Legislativo não
observou o texto constitucional, o Poder Judiciário, quando chamado, tem a
obrigação de fazer com que a União e a ANVISA respeitem a Constituição. Afinal, o
Princípio da Legalidade não se resume ao respeito das leis vigentes, mas também que
as leis vigentes não entrem em contradição com a Constituição. Neste sentido, a
determinação desta sentença apenas está a assegurar a eficácia do texto
constitucional, que jamais deixou a saúde pública em plano secundário, como o fez o
legislador ordinário.
Por final, deve ser salientado que o atraso do legislador em limitar a publicidade de
bebidas alcoólicas está a causar danos irreparáveis à saúde pública, já que está sendo
estimulado diariamente o uso de bebidas alcoólicas a jovens e adolescentes. Assim,
não há como se esperar mais pela concretização do direito fundamental à saúde,
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devendo o comando sentencial ser imediatamente obedecido, a fim de evitar mais
danos e prevenir que novas vidas sejam ceifadas pelo estímulo ao consumo
inconseqüente de bebidas alcoólicas.
Há que se esclarecer, desde já, que a questão constitucional é peculiar e causou
perplexidade quando do julgamento da ADI n.º 1755/DF­2008, in verbis:
O SR. MINISTRO MOREIRA ALVES: No caso, há uma circunstância peculiaríssima:
nos casos de extensão, geralmente, é preciso que se atue positivamente. Aqui, a
hipótese é de extensão com a retirada do dispositivo, o que aparentemente daria
margem a ação direta, porque se retirariam palavras, mas, na realidade, com isso se
estaria ampliando o alcance da norma.
o SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Gramaticalmente, sim, daria para
cortar palavras. Mas, na verdade, o que se pretende é abranger hipótese que o
legislador não quis compreender na norma proibitiva. (...)
o SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA: No que concerne ao conteúdo da lei, tem­
se aberto uma exceção para o não­conhecimento, desde logo, quando se cuida,
efetivamente, pela natureza da matéria, de uma inconstitucionalidade por omissão.
Entendemos que não se pode converter a ação direta em inconstitucionalidade por
omissão, conhecido da ação, e, por isso mesmo, não temos conhecido da ação. (...)
o SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Afora a circunstância, sem relevo,
de que aqui se pede para estender uma restrição e não um benefício, acho que o caso é
assimilável à primeira afirmação peremptória do descabimento da conversão, que é da
lavra do Ministro Néri da Silveira. Um ato normativo do Ministério da Fazenda
declarava não incidir o IPMF sobre a aquisição de papel destinado à impressão de
livros, jornais e periódicos; pediu­se a inconstitucionalidade desse dispositivo, não
porque ele violasse em si a Constituição, mas porque não abrangera operações
financeiras de movimentação e transferência de valores, vinculadas à feitura dos
referidos veículos de comunicação: entendeu­se ser a hipótese de
inconstitucionalidade por omissão, pois se arguía de inconstitucional o dispositivo
editado com respeito ao que ele omitira e não ao que ele abrangia (ao seu conteúdo
positivo: refiro­ me à ADIn 986, de 10.2.94).
Por tais razões, e contextualizando as alterações promovidas pela Lei n.º
11.705/08, é perfeitamente defensável a tese de que houve derrogação tácita da norma
prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei n.º 9.294/96 (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro), com a redefinição do conceito de bebida alcoólica (art. 6º),
para fins de publicidade, sendo essa solução a que se coaduna com a finalidade protetiva do
art. 220, § 4º, da Constituição Federal, e harmoniza sistematicamente o ordenamento jurídico.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
É o voto.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO
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CAMINHA, , na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e
Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 02/09/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS
ORIGEM: RS 50177422420124047100
RELATOR
PRESIDENTE
PROCURADOR
:
:
:
SUSTENTAÇÃO
ORAL
:
APELANTE
APELADO
:
:
:
INTERESSADO
:
ADVOGADO
INTERESSADO
ADVOGADO
:
:
:
:
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Dr. Juarez Mercante
Dr. Francisco Prehn Zavascki p/ ASSOCIACAO BRASILEIRA DE
EMISSORAS DE RADIO E TV e Drª. Alice Bernardo Voronoff de
Medeiros p/ CERVBRASIL e preferência Drª. Katia Narita p/ União
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA
UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA
(CERVBRASIL)
GUSTAVO BINENBOJM
ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TV
LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI
FRANCISCO PREHN ZAVASCKI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02/09/2014, na
seqüência 276, disponibilizada no DE de 20/08/2014, da qual foi intimado(a) UNIÃO ­
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais
PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO
AURVALLE NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO NA ACP
Nº 2008.70.00.013135­1/PR, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO NA ACP Nº 5017742­
24.2012.404.7100/RS E NEGAR PROVIMENTO AOS APELOS DA ANVISA,
CERVBRASIL E UNIÃO NA ACP Nº 5012924­20.2012.404.7200/SC. PEDIU VISTA A
DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA. AGUARDA O DES. FEDERAL CÂNDIDO
ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR. DETERMINADA A JUNTADA DE NOTAS
TAQUIGRÁFICAS.
PEDIDO VISTA
DE
: Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
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VOTANTE(S)
Inteiro Teor (6782122)
: Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 11/12/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS
ORIGEM: RS 50177422420124047100
RELATOR
PRESIDENTE
PROCURADOR
:
:
:
PEDIDO DE
:
PREFERÊNCIA
APELANTE
APELADO
:
:
:
INTERESSADO
:
ADVOGADO
INTERESSADO
ADVOGADO
:
:
:
:
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas
Drª. Liliana Maria Prehn Zavascki p/Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e TV e Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas pelo Ministério Público
Federal
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ­ ANVISA
UNIÃO ­ ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
ASSOCIACAO BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CERVEJA
(CERVBRASIL)
GUSTAVO BINENBOJM
ASSOCIACAO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RADIO E TV
LIANA MARIA PREHN ZAVASCKI
FRANCISCO PREHN ZAVASCKI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 11/12/2014, na
seqüência 303, disponibilizada no DE de 01/12/2014, da qual foi intimado(a) UNIÃO ­
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a
DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO­VISTA DA DES.
FEDERAL VIVIAN CAMINHA NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E
O VOTO DO DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
ACOMPANHANDO O RELATOR. A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR
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Inteiro Teor (6782122)
PROVIMENTO À APELAÇÃO NA ACP Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS.
DETERMINADA A JUNTADA DE NOTAS TAQUIGRÁFICAS.
RELATOR
ACÓRDÃO
VOTO VISTA
VOTANTE(S)
:
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
:
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região
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NOTAS DA SESSÃO DO DIA 02/09/2014
4ª TURMA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS (276P)
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5012924­20.2012.404.7200/SC (275P) (*)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.00.013135­1/PR (279P)
RELATOR: Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
RELATÓRIO (no Gabinete)
Dr. FRANCISCO PREHN ZAVASCKI (TRIBUNA):
Exmo. Sr. Presidente, Des. Cândido, Exmo. Des. Aurvalle, Exma. Des. Vivian,
Ilmo. Representante do Ministério Público, Dr. Juarez, caros colegas advogados, senhoras e
senhores:
Primeiramente, queria registrar minha satisfação. É a primeira vez que tenho a
oportunidade de fazer sustentação oral nesta composição da 4ª Turma. É um prazer para mim
estar aqui porque respeito muito V. Exas.
Estamos diante de três ações civis públicas. V. Exas. têm pleno conhecimento
do caso. Elas parecem bastante complexas, mas, na verdade, todas se resumem em um ponto
central: o desafio do Ministério Público, em todas as ações, é saber o que fazer com o
parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294. É este o problema central de todas as ações.
Enquanto esse parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294 continuar vigendo e produzir os
efeitos que o Ministério Público reconhece que ele produz, todos os pedidos serão
improcedentes.
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E aqui me permita, já de início, uma pequena retificação, Des. Aurvalle: a ação
que foi julgada procedente foi a terceira, de Santa Catarina, foi a última a ser ajuizada. As
duas primeiras, do Paraná e do Rio Grande do Sul, foram julgadas improcedentes.
Então, o Ministério Público tinha esse desafio. Ele queria ampliar as restrições
sobre a publicidade de bebidas alcoólicas, mas ele tinha que dar um jeito de tirar esse
parágrafo único do ordenamento jurídico. Com esse parágrafo único, certamente não há como
se julgarem procedentes as ações, os pedidos.
Para se retirar do ordenamento jurídico, ou se declara inconstitucional ou, de
alguma forma, se entende que esse artigo foi revogado. A primeira ideia do Ministério
Público é aquela ideia normal de todo mundo. Quando a gente não gosta de um artigo, ele é
inconstitucional, embora nem sempre a gente saiba porquê. A primeira ação foi justamente
isso, questionando, inclusive expressamente, a constitucionalidade do parágrafo único do art.
1º da Lei nº 9.294. Só que essa opção pelo reconhecimento da inconstitucionalidade enfrenta
um primeiro problema já gravíssimo: o fato de que o Supremo Tribunal Federal já apreciou,
nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.755, essa questão, e o Supremo Tribunal
Federal disse que não é inconstitucional. Mais que isso: o Supremo disse que esse debate
sobre as restrições a bebidas alcoólicas é um debate lá do Legislativo, não podendo o Poder
Judiciário adentrar nessa matéria.
Ademais, além disso, o argumento da inconstitucionalidade do artigo enfrentaria
um outro óbice, qual seja o de ter o reconhecimento da inconstitucionalidade com eficácia
erga omnes, efeito vinculante, os autos de uma ação civil pública, mas há jurisprudência aos
montes dizendo que não pode porque usurpa competência do Supremo Tribunal Federal. E
aqui, caso se tentasse ir por esse caminho, também se deveria observar o princípio da reserva
de Plenário, que não poderia ser declarado, então, inconstitucional esse artigo na sessão de
hoje. E o Ministério Público percebeu isso. Fechou­se o caminho da inconstitucionalidade.
Ele não consegue retirar aquele parágrafo único pela inconstitucionalidade. Percebendo isso,
ele foi ajuizando outras ações até chegar na terceira ação, em que ele traz o seguinte
fundamento: "Bom, se não é inconstitucional, então vamos dar um jeito desse artigo ter sido
revogado". E qual é o argumento do Ministério Público? A partir da edição da Lei nº 11.705,
pelo seu art. 6º, que conceitua bebida alcoólica, o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294
teria sido revogado. Bom, a revogação, todos nós sabemos, é expressa ou tácita. Revogação
expressa não houve, basta ler a Lei nº 11.705, que em nenhum momento expressamente fala
na revogação. Ao contrário, quando ela quis alterar a Lei nº 9.294, inclusive foi expressa; está
lá o art. 7º alterando a Lei nº 9.294.
Então, resta saber se houve uma revogação tácita desse parágrafo único. Aí
vamos à leitura dos artigos. O que diz o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294?
Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei ­ e de nenhuma outra mais ­, as
bebidas potáveis com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac. O que diz o art. 6º da
Lei nº 11.705? Consideram­se bebidas alcoólicas, para efeitos desta lei ­ e de nenhuma outra
mais ­, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição com grau de
concentração igual ou superior a meio grau Gay Lussac.
Ora, o âmbito de aplicação material de ambos os dispositivos está muito bem
delimitado em qualquer uma das leis, não há conflito nenhum entre esses artigos. Isso é mera
técnica legislativa. A redação de ambas as leis poderia ser diferente, mas, pela técnica
legislativa, resolveu se conceituar, dar um conceito de bebida alcoólica para a finalidade de
cada lei. Na verdade, Excelências, o que o Ministério Público, ao fim e ao cabo, pretende
fazer é pegar as restrições da Lei nº 9.294 e importar aquele conceito de bebida alcoólica da
Lei nº 11.705, criando uma terceira lei que o legislador, em momento algum, quis fazer. A
pretensão do Ministério Público é criar uma terceira lei, que pega uma parte que lhe convém
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da Lei nº 9.294 e pega a parte que lhe convém da Lei nº 11.705. Essa revogação não existiu,
mas, a título até de exercício jurídico, vamos levar adiante o argumento do Ministério Público.
Ele entende que não podem subsistir dois conceitos de bebida alcoólica no ordenamento
jurídico ao mesmo tempo. Isso conflitaria e então deveria prevalecer o conceito mais recente.
Então, se realmente nós acreditarmos nisso, nós vamos ter de admitir que, a partir da edição
da Lei nº 9.294, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi parcialmente revogado para
entender que, para crianças e adolescentes, pode se vender bebida com teor alcoólico inferior
a 13 graus Gay Lussac. Essa é a consequência desse raciocínio que o Ministério Público faz
na terceira ação de Santa Catarina.
E agora eu pergunto a V. Exas.: essa é uma interpretação razoável? A mim
parece que não. É evidente que não. Por quê? Nós temos o Estatuto, uma Lei nº 9.294, que
regula aquela matéria dela, e uma segunda lei que regula a sua matéria, e cada uma, para fins
seus, estipula o conceito de bebida alcoólica como mera técnica legislativa.
Então, não havendo a inconstitucionalidade e não havendo a revogação do
artigo, a verdade é que o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.294 continua em vigor, e
produzindo seus efeitos.
Nessa condição, com a devida vênia do Ministério Público, não tem como serem
julgados procedentes os pedidos das três ações civis públicas.
Além do mais, é importante ressaltar, a despeito dessas questões, que o art. 220,
§ 3º, da Constituição Federal, é expresso ao determinar que a regulamentação das restrições à
publicidade de bebida alcoólica vai ser feita por lei federal. Lei federal é lei federal, não é
sentença judicial, não é ato administrativo, como até o Ministério Público especificamente
pede para que a União edite um ato para regulamentar esse artigo, regulamentar a publicidade
de bebidas alcoólicas. Com todo o respeito, mas isso é reserva expressa do Legislativo, como,
inclusive, o Supremo Tribunal Federal reconheceu.
Ademais disso, é um pouco perigoso se desde logo, como pretende o Ministério
Público, a sentença fixe, na interpretação constitucional, quais seriam as restrições à
publicidade de bebida alcoólica, porque essa sentença uma ora vai ter coisa julgada. E, se o
legislador lá para frente quiser alterar, seja para diminuir ou até aumentar a restrição, ele vai
esbarrar na coisa julgada, vai se estar engessando o próprio legislador nessa discussão de
como conduzir as restrições.
E um terceiro ponto diz respeito à pretensão de controle in abstracto de atos
normativos secundários. Numa das ações, uma ou duas, o Ministério Público expressamente
pede a anulação de determinadas portarias do Ministério da Justiça. Ora, o nosso sistema
jurídico não prevê controle in abstracto de atos secundários. Só existe controle (falha no
áudio) de atos primários no Supremo Tribunal Federal e, em alguns casos, nos Tribunais de
Justiça. Então, há uma flagrante impossibilidade jurídica do pedido relativamente a essa
declaração de nulidade.
Por fim, uma questão importante: a ideia do Ministério Público é proteger
crianças e adolescentes com relação ao consumo e à publicidade de bebidas alcoólicas, mas a
venda de bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes é proibida.
Então, quem sabe não se trabalha mais nisso aí do que na restrição da
publicidade? Até porque é um fato notório ­ não tenho filho, mas vejo pelo meu exemplo e o
das pessoas que conheço ­ de que uma criança e um adolescente começa a beber pelo exemplo
do pai e da mãe, não porque ele assiste televisão. Até porque rádio criança e adolescente não
escutam, televisão cada vez menos, a internet vai ficar livre nesse caso.
Excelências, agradeço muito a atenção, desejo uma boa sessão de julgamentos, e
pedimos o julgamento de total improcedência das ações.
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Dra. ALICE BERNARDO VORONOFF DE MEDEIROS (TRIBUNA):
Exmo. senhor Desembargador­Relator, em nome de quem cumprimento os
demais presentes, dizendo que para mim é uma honra estar vindo do Rio de Janeiro fazer
sustentação oral neste tão ilustre Tribunal.
Estão em julgamento, como foi relatado, três ações civis públicas por intermédio
das quais o Ministério Público Federal, insistentemente, pretende alterar para tornar mais
restritiva a definição de bebida alcoólica prevista no parágrafo único do artigo primeiro da Lei
nº 9.294 para fins de restrição à publicidade de bebidas alcoólicas. Em outras palavras, o
Ministério Público entende que esse dispositivo, porque estabeleceu uma diferenciação entre
bebidas com teor alcoólico maior e menor, seria inconstitucional. Inconstitucional por não
atender a um dever de proteção previsto na Constituição, inconstitucional por supostamente
não ter regulado, como exigiria o art. 220. Fato é que são recolhidos ou agrupados diversos
fundamentos em prol de uma suposta inconstitucionalidade.
A primeira ação foi ajuizada em 2008, em 2008 foi sentenciada pela
improcedência. A segunda ação foi ajuizada em 2009, em 2011 adveio uma sentença de
improcedência. A terceira ação foi ajuizada em 2012, no final de 2012 adveio uma sentença
de procedência pautada no argumento de que: "O legislador jamais poderia ter adotado dois
conceitos jurídicos distintos; um na Lei Seca, para fins de controle do álcool durante a
direção, que é a Lei nº 11.705, e outro na Lei nº 9.294. Esta distinção seria: "absurda",
"evidentemente contrária à Constituição Federal".
É com todo o respeito que a CervBrasil vem perante este Tribunal entender,
pedir pelo provimento de seu apelo, por entender que esta decisão está equivocada. A
CervBrasil reconhece, prestigia todo o esforço que tem sido feito pelos Tribunais, pelo
Supremo Tribunal Federal, no sentido de concretizar a Constituição, de suprir as lacunas
legislativas e as omissões legislativas. É um trabalho desenvolvido que concretiza e efetiva
direitos dos mais importantes, à saúde, à educação. A questão é que o caso presente nessas
ações não trata disso. E não trata porque não existe omissão, não existe lacuna legislativa. O
que existe é uma decisão justificada que foi adotada no ano de 1996, quando foi editada a Lei
nº 9.294, uma decisão que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da
ADIN nº 1.755, e uma decisão que foi reafirmada com o advento da Lei Seca, porque no bojo
do processo legislativo se quis expressamente alterar a redação do parágrafo único do artigo
1º, e esta tentativa por intermédio de emenda ela foi rejeitada. Explico em pormenores esses
argumentos: o primeiro é de que não há omissão, e isto está muito claro na exposição de
motivos do projeto de lei que culminou na Lei nº 9.294, esse projeto que contou com ampla
motivação e participação da sociedade civil. E nele consta expressamente:
Os produtos alcoólicos completam o elenco daqueles sujeitos à propaganda
com restrições. Há que, desde logo, distinguir­se a bebida leve da bebida forte. O projeto de
lei que ora apresentamos procura equilibrar todos estes aspectos. Considerar que a
publicidade é um fator ponderável ao estímulo do consumo, consequentemente, da produção
e da geração de empregos.
E nem se diga, com as devidas vênias, que o art. 220 da Constituição imporia
um dever absoluto de restrição da publicidade de todo e qualquer produto previsto ali no rol
do art. 220. Com as devidas vênias não é isso, a Constituição diz que a publicidade desses
produtos e serviços estará sujeita a restrições legais e não que deva haver restrições legais em
todo e qualquer caso. Como não há, por exemplo, em relação à publicidade dos
medicamentos. E veja­se que a Lei nº 6.360 de 1976 disciplina de maneira diferenciada a
publicidade de medicamentos sujeitos à prescrição médica e não sujeitos à prescrição médica.
Então há claramente um espaço de discricionariedade conferido ao legislador. E foi desta
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maneira que entendeu o Supremo Tribunal Federal. Aliás este foi argumento decisivo na
sentença de improcedência nas duas primeiras ACPs. Embora o Supremo Tribunal Federal
não tenha conhecido da ADIn, por via oblíqua, ele enfrentou o mérito, e nada mais evidente e
claro do que reproduzir as palavras em primeiro lugar do Relator, Min. Nelson Jobim:
Na verdade o autor da ação pretende ao fim e ao cabo ampliar o âmbito de
aplicação da lei, que foi expressamente definido pelo legislador. Não será este Tribunal pela
via da declaração de inconstitucionalidade que irá decidir qual a melhor forma de tratar o
tema. O lugar próprio para a pretensão do autor é o Congresso Nacional. Agora, as palavras
do ilustre Min. Sepúlveda Pertence: Indaga­se, a Constituição manda estendê­la? É dizer: a
restrição. Não, a Constituição submete a propaganda de bebidas alcoólicas às restrições da lei,
não obriga a existência de tais restrições e, sobretudo, não pode obrigar a que as restrições da
lei sejam estendidas à universalidade das bebidas alcoólicas. O legislador será o Juiz do
alcance das restrições que estabelecer. E nesse sentido existem precedentes esclarecedores
desta egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de alguns eu colho
precedente da relatoria da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha: Ementa:
Administrativo. Razões de apelação remissivas, Sistema Único de Saúde: O acolhimento do
pedido de vincular atualização das tabelas do SUS a índice de correção monetária importaria
em atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, criando uma nova norma em
assunto de atribuição do Poder Executivo.
Chamo a atenção também para precedente da relatoria da Des. Federal Marga
Barth Tessler:
Processual Civil. Ação ordinária. Prorrogação de pensão por morte de ex­
servidor. Curso universitário: À míngua de disposição expressa da legislação de regência, a
condição de universitário não se pode constituir em mote para prorrogação da vigência da
prestação previdenciária sob pena de usurpação da função legiferante, assumindo o Juiz
posição de legislador positivo.
E o terceiro dos argumentos e talvez o mais importante, e que foi absolutamente
distorcido na terceira ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal diz respeito
à suposta derrogação da definição de bebida alcoólica prevista na Lei nº 9.294. Na verdade, o
advento da Lei Seca, se bem examinada, reafirma que a definição da Lei nº 9.294 está vigente.
Diz o Ministério Público na sua ação:
Considerando que a Lei nº 11.705 teve como um dos seus objetivos alterar a Lei
nº 9.294, atualmente vige no Brasil a definição de que as bebidas potáveis com teor alcoólico
superior a meio grau Gay­Lussac devem sofrer a restrição legal de publicidade.
Ora, é verdade que a Lei nº 11.705 teve por objetivo alterar a Lei nº 9.294, mas
para uma finalidade específica, inserir o art. 4º, a, na Lei nº 9.294, para, no contexto do
programa do combate à direção alcoolizada, obrigar os pontos de venda a terem advertências
de que dirigir bêbado é crime, foi para isso apenas. O legislador poderia ter feito mais, poderia
ter alterado outros dispositivos, poderia inclusive ter alterado o parágrafo único do art. 1º. Foi
o que tentou fazer o Deputado Luiz Hauly, por meio da
Emenda Aditiva nº 43,ele propõe a seguinte redação:
Considera­se bebidas alcoólicas para todos os efeitos legais as bebidas potáveis
que contenham álcool em sua composição com grau de concentração de meio grau­Gay
Lussac ou mais.
E essa emenda foi expressamente rejeitada. De modo que, sob todos os ângulos
pelos quais se analise a questão, aplicando­se ao caso as regras de direito intertemporal da Lei
de Introdução ao Direito Brasileiro, que dizem:
Lei posterior revoga anterior quando expressamente o declare ­ aqui não houve
revogação expressa ­, quando seja com ela incompatível ­ aqui não há incompatibilidade,
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porque os diplomas tratam de matérias distintas ­ ou quando regule inteiramente a matéria de
que tratava a lei anterior, o que também não é o caso. Pelo contrário o art. 6º da Lei nº 11.705
diz expressamente que a definição ali adotada é para os fins daquela lei e não de outras leis.
Por fim, e apenas complementando, a CervBrasil não defende, não entende que
a publicidade de bebidas com teor alcoólico inferior esteja insuscetível de controle. Na
verdade ­ e isso constou da exposição de motivos da Lei nº 9.294 ­ o sistema de controle é um
sistema de autorregulamentação pelo CONAR e um sistema de controle pelas regras do CDC,
que tratam de publicidade enganosa e abusiva.
De modo que, já me encaminhando para o final, em síntese, a impressão do
douto magistrado de Florianópolis de que o critério legislativo seria absurdo, com as devidas
vênias, não pode passar de uma impressão pessoal. Do ponto de vista estritamente jurídico, a
única solução que se coaduna com a Carta Maior é a de reconhecer a validade desse critério,
sob pena, Excelências, de se violar aí sim, o núcleo essencial do princípio da separação de
poderes, que recomenda que essas decisões sejam do Poder Legislativo, assim como outras
decisões que interferem em nossas vidas, regulando o que a gente come, regulando o que a
gente faz e por onde a gente anda.
Valem as palavras do Ministro Pertence: O legislador aqui é o Juiz do alcance
das restrições que ele próprio estabelecer.
É por isso que a CervBrasil pede que seja provida a sua apelação em primeiro
lugar para que se reconheça a litispendência, listispendência porque as causas de pedir giram
em torno de uma mesma matéria, de um mesmo objeto e porque o resultado útil pretendido é
invariavelmente o mesmo.
Nessa linha, de acordo com a jurisprudência do STJ ­ cito os Embargos de
Declaração no RESP nº 610520 ­ "A ratio essendi da litispendência obsta que a parte
promova duas ações visando a um mesmo resultado." Inclusive os pedidos das duas últimas
ACPs são idênticos.
Pede­se primeiramente então, o reconhecimento da litispendência. Em segundo
lugar, a improcedência dos pedidos autorais por todas as razões expostas.
Por eventualidade, se assim não se entender, que se suspenda o julgamento das
ACPs para que não haja decisões conflitantes, já que sabemos que tramita no STF a ADO, a
ADIn por Omissão nº 22, e ainda, por eventualidade, se esta egrégia Turma entender por
afastar a redação da Lei nº 9.294, sabendo­se que é uma redação, que é um dispositivo válido
em vigor, que se observe então a cisão funcional e instaure a arguição de
inconstitucionalidade, observando­se a reserva de Plenário.
Agradeço imensamente. Boa tarde.
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE (RELATOR):
VOTO (no Gabinete)
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (REVISOR):
Cabe a mim prosseguir no julgamento, seria o próximo a votar. Não posso fazê­
lo sem antes dizer o quanto o trabalho dos dois Procuradores e o trabalho do Relator vou
facilitar tanto o meu quanto o trabalho da Des. Vivian, creio, porque nos colocaram as
questões que devem ser enfrentadas, nos colocaram assim com uma clareza ímpar as questões
que estão em jogo neste processo. Então para mim como Revisor e para a Des. Vivian como
terceira votante tenho certeza que o trabalho fica muito facilitado por esse verdadeiro trabalho
de garimpagem que foi feito, quanto à argumentação, colocando­se as questões que estão em
jogo. Então, parabenizo especialmente o nosso colega Relator pelo esforço feito de colocar as
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questões de forma bem precisa.
Eu vejo que a Des. Vivian antecipou um destaque. Não sei se manteria o
destaque?
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA:
Vou pedir vista. Só retifico, não vai ser muito fácil fazer uma análise assim, um
confronto dos argumentos que são ambos bastante consistentes. Vou pedir vista dos autos.
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (REVISOR):
Eu aguardaria o voto da Des. Vivian.
DECISÃO:
Após o voto do Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, no sentido de
dar parcial provimento à apelação na ACP nº 2008.70.00.013135­1, PR, dar provimento à
apelação na ACP nº 5017742­24.2012.404.7100, RS, e negar provimento aos apelos da
Anvisa, Cervbrasil e União na ACP nº 5012924­20.2012.404.7200, SC, pediu vista a Des.
Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha; aguarda o Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal
Junior. Determinada a juntada de notas taquigráficas a título de sustentações orais.
Cláudia Jaqueline Mocelin Balestrin
Supervisora
Documento eletrônico assinado por Cláudia Jaqueline Mocelin Balestrin, Supervisora, na forma
do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17,
de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço
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Data e Hora:
03/09/2014 16:19
NOTAS DA SESSÃO DO DIA 11/12/2014
4ª TURMA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5017742­24.2012.404.7100/RS (303P) (*)
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5012924­20.2012.404.7200/SC (089M)
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.00.013135­1/PR (091M)
RELATOR: Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA:
VOTO­VISTA (no Gabinete)
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Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (PRESIDENTE):
Examinei atentamente a questão, os dois votos são bastante substanciosos e
trazem bastantes subsídios. Estou acompanhando o Relator e também adotando a
fundamentação da Des. Vivian, no mesmo sentido dos provimentos que constam nos
respectivos votos.
Dr. PAULO GILBERTO COGO LEIVAS (REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO):
QUESTÃO DE ORDEM
O Ministério Público gostaria de pedir o imediato cumprimento desta decisão,
na medida em que o feito pediu tutela antecipada no primeiro grau. É uma reiteração desse
pedido de imediato cumprimento da decisão.
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA:
Não sei qual seria a posição do eminente Relator, mas no seu voto ele adota uma
medida que me pareceu bastante sensata, de estabelecer um prazo de 180 dias, porque não
podemos considerar que existem contratos já firmados em execução, e também esta questão já
está desde 2000. A lei é de 2008, podemos aguardar, dar um prazo razoável, pelo menos essa
é a minha opinião, para que se faça esses ajustes no cumprimento da decisão.
DR. PAULO GILBERTO COGO LEIVAS (REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO):
A partir de hoje correria este prazo?
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE (RELATOR):
Sim, exatamente, a partir da decisão.
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (PRESIDENTE):
Consta: Tenho por razões, estabelecer o prazo de 180 dias a contar da
publicação do presente acórdão, prazo este que me parece razoável para...
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE (RELATOR):
Posso ler a parte dispositiva: Para consideração e aplicação do conceito de
bebida alcoólica como sendo aquela que possui... (lê) ...propaganda de bebidas alcoólicas.
V. Exa. está acompanhando.
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR (PRESIDENTE):
Ficaria prejudicada a questão de ordem.
DECISÃO:
Quanto ao processo de nº 303 da pauta, prosseguindo no julgamento, após voto­
vista da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no sentido de dar provimento à
apelação e do voto do Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior acompanhando o
Relator, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação na ACP nº
2008.70.00.013135­1/PR, deu provimento à apelação na ACP nº 5017742­
24.2012.404.7100/RS e negou provimento aos apelos da Anvisa, Cervbrasil e União na ACP
nº 5012924­20.2012.404.7200/SC. Quanto ao processo de nº 89 em mesa, prosseguindo no
julgamento, após voto­vista da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no sentido de
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negar provimento às apelações e do voto do Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior
acompanhando o Relator, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação na
ACP nº 2008.70.00.013135­1/PR, deu provimento à apelação na ACP nº 5017742­
24.2012.404.7100/RS e negou provimento aos apelos da Anvisa, Cervbrasil e União na ACP
nº 5012924­20.2012.404.7200/SC. Quanto ao processo de nº 91 em mesa, prosseguindo no
julgamento, após voto­vista da Des. Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no sentido de
dar provimento à apelação e do voto do Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior
acompanhando o Relator, a Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação na
ACP nº 2008.70.00.013135­1/PR, deu provimento à apelação na ACP nº 5017742­
24.2012.404.7100/RS e negou provimento aos apelos da Anvisa, Cervbrasil e União na ACP
nº 5012924­20.2012.404.7200/SC.
Cláudia Jaqueline Mocelin Balestrin
Supervisora
Documento eletrônico assinado por Cláudia Jaqueline Mocelin Balestrin, Supervisora, na forma
do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17,
de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço
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Data e Hora:
12/12/2014 12:28
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