O Caminho de Santiago O Caminho de Santiago, caminho que durante milénios conduziu os europeus antigos até ao fim-da-terra (Finisterra) e que, desde meados do século IX, foi cristianizado e percorrido por peregrinos que rumam a Compostela, continua a exercer um fascínio iniludível sobre os homens do nosso tempo. Entre os milhares de peregrinos que todos os anos confluem na Praça do Obradoiro, diante da extraordinária fachada da Catedral de Santiago, Cees Nooteboom — um dos mais interessantes escritores holandeses contemporâneos — experimentou redescobrir esses antigos caminhos, não fazendo-o de um modo convencional, mas deixando-se perder. Em O (des)caminho de Santiago Nooteboom narra essa experiência de deriva que, ainda assim, enfatiza a densidade do momento em que se atinge a meta do nosso caminho — tantas vezes feito de (des)caminhos: Não há prova possível, mas mesmo assim acredito que seja verdade: existem lugares no mundo onde à nossa chegada ou partida se acrescentam, de forma misteriosa, as emoções de todos os que lá chegaram ou de lá partiram antes de nós. No pórtico da catedral de Santiago de Compostela encontra-se uma coluna em mármore com marcas profundas de dedos, uma garra comovida, expressionista, moldada por milhões de mãos, entre as quais a minha. Mas dizer «entre as quais a minha» já é uma forma de adulterar, pois nunca me agarrei à coluna com toda a emoção que se sente ao fim de uma viagem a pé que levou mais de um ano. Não vivia na Idade Média, não era crente e vinha de automóvel. Se desconsiderarmos a minha mão, se eu nunca ali tivesse estado, aquela garra lá continuaria, graças aos dedos de todos os mortos que desgastaram o mármore duro. Mesmo assim, ao colocar a minha mão naquele negativo de uma mão, participei de uma maneira misteriosa numa obra de arte colectiva. Uma ideia que se materializa é sempre um fenómeno espantoso. A força de uma ideia levou soberanos, lavradores e monges a pôr a mão exactamente naquele sítio naquela coluna, cada mão individual tirava uma ínfima quantidade do mármore duríssimo, tornando visível, justamente pelo mármore que tinha desaparecido, a forma de uma mão. Cees Nooteboom, O (des)caminho de Santiago. Guia de reflexão 1. Em que medida o Caminho de Santiago e a condição de peregrino terão possibilitado a este homem um novo sentido para a sua vida? 2. Que significado pode ter a expressão: “rumará finalmente a casa, onde espera vir a encetar uma nova vida plena de coisas simples”?