106 Olhar Peregrino algumas caminhadas. Quando você resolveu ir para o Caminho de Santiago de Compostela, antes, já tinha padecido bloqueios no coração, dos quais ainda não se desfez. Não é fácil assim, uma vez que suporta pesada cruz e pensa desfazer-se dela em algum lugar. Vai aos poucos, de bolha em bolha, de sombra em sombra, de tropeço em tropeço, de queda em queda, dia a dia, abrindo suas veredas - apenas uma janela para o porvir: o Caminho de Santiago é somente o primeiro passo! Há de pisar ainda em muitos torrões, sofrer escorregões e levantar-se, sacudir a poeira, limpar o barro da bota e seguir o seu próprio caminho. O milagre está no coração de quem o percorre. Este é o verdadeiro caminho, que sozinhos não caminhamos. Não há setas amarelas: a vida é uma estrada sem marcas e muito longa... Suas pernas, quem sabe, não chegarão... e ainda que cheguem, você se desfez do ter? – tudo aquilo que o prende ao dia a dia, quando você volta de lá? Não. Impossível! Foi apenas uma pequena fuga ou tentativa de se encontrar, se esse foi realmente o motivo da caminhada. Você volta para a sua família, para o seu emprego, para as suas coisas, para uma sociedade doentia, nas mesmices e doidices de sempre, que o trazem à realidade. A dura realidade do recomeço. E já não vivencia a pureza das planícies nem o cheiro do gado nos celeiros de lá. Nem a fragrância das ores ou de uma erva medicinal à beira do caminho. As hóstias daqui já não têm o mesmo gosto e tampouco o vinho. Onde anda o seu cajado, seu dileto companheiro? Há um conito interno e você já não sabe em qual caminho está. Você quer voltar a Santiago de Compostela, mas ainda não está pronto, não caminhou o suciente dentro de si mesmo. Há algo que não sabemos e que somente o tempo vai nos revelar... esse, sim, é o Verdadeiro Caminho. O Caminho de Santiago apenas colocou uma luz no seu coração...