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Olhar Peregrino
algumas caminhadas. Quando você resolveu ir para o Caminho de
Santiago de Compostela, antes, já tinha padecido bloqueios no
coração, dos quais ainda não se desfez. Não é fácil assim, uma vez
que suporta pesada cruz e pensa desfazer-se dela em algum lugar.
Vai aos poucos, de bolha em bolha, de sombra em sombra, de
tropeço em tropeço, de queda em queda, dia a dia, abrindo suas
veredas - apenas uma janela para o porvir: o Caminho de Santiago
é somente o primeiro passo! Há de pisar ainda em muitos torrões,
sofrer escorregões e levantar-se, sacudir a poeira, limpar o barro
da bota e seguir o seu próprio caminho.
O milagre está no coração de quem o percorre. Este é o
verdadeiro caminho, que sozinhos não caminhamos. Não há setas
amarelas: a vida é uma estrada sem marcas e muito longa... Suas
pernas, quem sabe, não chegarão... e ainda que cheguem, você se
desfez do ter? – tudo aquilo que o prende ao dia a dia, quando você
volta de lá? Não. Impossível! Foi apenas uma pequena fuga ou
tentativa de se encontrar, se esse foi realmente o motivo da
caminhada. Você volta para a sua família, para o seu emprego,
para as suas coisas, para uma sociedade doentia, nas mesmices e
doidices de sempre, que o trazem à realidade. A dura realidade do
recomeço. E já não vivencia a pureza das planícies nem o cheiro do
gado nos celeiros de lá. Nem a fragrância das ores ou de uma erva
medicinal à beira do caminho. As hóstias daqui já não têm o
mesmo gosto e tampouco o vinho. Onde anda o seu cajado, seu
dileto companheiro? Há um conito interno e você já não sabe em
qual caminho está. Você quer voltar a Santiago de Compostela,
mas ainda não está pronto, não caminhou o suciente dentro de si
mesmo. Há algo que não sabemos e que somente o tempo vai nos
revelar... esse, sim, é o Verdadeiro Caminho. O Caminho de
Santiago apenas colocou uma luz no seu coração...
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