UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Estudando relações entre configuração espacial, artifícios de segurança e violência urbana no bairro Manaíra, João Pessoa, Paraíba. Lia Tavares M. Orientadora: Profa. Dra. Edja Trigueiro Natal/RN 2012 Lia Tavares M. ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Estudando relações entre configuração espacial, artifícios de segurança e violência urbana no bairro Manaíra, João Pessoa, Paraíba. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, sob a orientação da professora Dra. Edja Trigueiro. Natal/RN 2012 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial de Arquitetura Tavares, Lia. Arquitetura da (in)segurança: estudando relações entre configuração espacial, artifícios de segurança e violência urbana no bairro Manaíra, João Pessoa, Paraíba. / Lia Tavares Monteiro. – Natal, RN, 2012. 192 f.: il. Orientadora: Edja Trigueiro. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Tecnologia. Departamento de Arquitetura. 1. Violência urbana – Arquitetura – Dissertação. 2. Violência – João Pessoa/PB – Dissertação. 3. Segregação espacial – Dissertação. 4. Insegurança – Dissertação. I. Trigueiro, Edja. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BSE-ARQ CDU 72:323.285 Lia Tavares M. ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Estudando relações entre configuração espacial, artifícios de segurança e violência urbana no bairro Manaíra, João Pessoa, Paraíba Aprovada em ____/_________/2012. Natal/RN __________________________________________________ Prof. Dra. Edja Bezerra Faria Trigueiro (orientadora) – UFRN __________________________________________________ Prof. Dra. Gleice de Azambuja Elali - UFRN __________________________________________________ Prof. Dra. Circe Gama Monteiro - UFPE __________________________________________________ Prof. Dr. Lucas Figueiredo Medeiros - UFPB Ofereço aos meus avós, Luiz Tavares Junior e Silene Barrocas Tavares. AGRADECIMENTOS Este trabalho surgiu a partir de reflexões e inquietudes a respeito da qualidade arquitetônica e urbana que está sendo produzida nas cidades brasileiras, decorrentes principalmente do medo, da (in)segurança. Para sua concretude, contei com o apoio de pessoas e instituições que foram essenciais neste caminho que foi trilhado. Venho agradecer... À Minha Família; Às Minhas Orientadoras: Edja Trigueiro e Gleice Elali; Aos Meus Educadores: Edja Trigueiro, Gleice Elali, Françoise Dominique, Edna Pinto, Nelci Tinem, Virgínia Dantas, Angelina Costa, Lucas Figueiredo, José Pinheiro, Frederico Holanda; Aos Professores que contribuíram para a qualidade deste trabalho: Circe Monteiro e Lucas Figueiredo; Aos funcionários e colaboradores do PPGAU-UFRN; À Secretaria de Segurança Pública da Paraíba: Especialmente à Major Valtânia F. da Silva e ao Secretário de Segurança, Dr. Gustavo Ferraz Gominho; Aos funcionários da 10° Delegacia Distrital de João Pessoa; Aos amigos que conquistei nesse caminho: Kelly Cabral, Alysson, Fernanda Linard, Juliana Sá, Carol Costa, Rodrigo Nascimento, Eugênio Medeiros, Luci Donega, Eudes Raony, Ana Paula Gurgel, Josimar Corcino, Lia Mamede, Fúlvio Teixeira, Marieta Tavares, Matheus Peixoto, Christiane Rolim, Cecília Nicodemos; Aos familiares que me acolheram: Grace Barrocas, Lara, Michele e Dudu Esmeraldo e A todos que contribuíram direta ou indiretamente para esta conquista. Muito Obrigada! RESUMO João Pessoa, apesar de ser considerada uma capital tranquila, no litoral do nordeste brasileiro, assim como acontece nas grandes metrópoles, o medo, a violência e a segregação acompanham o crescimento dessa cidade. A nova situação vem evidenciando as desigualdades sociais, com a criação de espaços restritos, que segregam e provocam o enclausuramento dos habitantes, acarretando a morte dos espaços públicos, restando-nos a herança de espaços sem vida e, portanto, perigosos que se pode definir como “desurbanos”. O estudo apresentado investiga aspectos físicos ambientais e sua relação com dois tipos de crime: roubo a pessoas e furto a imóveis, registrados em 2008 e 2009 pela Secretaria de Segurança Pública da Paraíba, no Manaíra, bairro de classe média alta de João Pessoa, também considerado um dos mais violentos da cidade. Buscou -se compreender nexos entre essas ocorrências e aspectos morfo-sociais do ambiente construído, sendo examinadas propriedades espaciais, tais como acessibilidade da malha urbana, a presença de medidas de controle e segurança dos edifícios e seus usos. Propriedades espaciais foram, também, validadas mediante a observação de fluxos de pedestres em pontos estratégicos da área objeto de estudo. Concluiu-se que, enquanto a presença de fluxos mais intensos contribui para atrair potenciais “meliantes”, medidas físicas de controle e segurança pouco oferecem em termos de proteção. PALAVRAS-CHAVE medo. insegurança. segregação. violência urbana. ABSTRACT João Pessoa, the capital city of the state of Paraíba (Northeast Brazil), is reputed throughout the country as a quiet place, although it has been acquiring, over the past years, an urban character with social implications similar to those of major metropolitan Brazilian areas. The new situation is evident by the social inequalities, with the creation of confined spaces, which segregate and cause enclosure of the inhabitants, leading to death the public space. This study correlates accessibility in spatial structure with two types of crime data, burglary and robbery, recorded in 2008 and 2009, by the Secretaria de Segurança da Paraíba (The government agency public in charge of safety), in the district of Manaíra, an upper middle class neighborhood, which has, in recent times, been considered one of the most violent areas in João Pessoa. Sought to understand connections between these events and morpho-social aspects of the built environment, where examined the spatial properties, such as accessibility of the urban net, the presence of control measures, the safety of buildings and their uses. Spatial properties were also validated by the observation of pedestrian flows at strategic points of the study area. It was concluded that the presence of intense flows helps to attract potential thieves, physical security and control offers little protection. KEY-WORDS fear, insecurity, segregation, urban violence. LISTA DE SIGLAS ArqViol - Arquitetura da Violência BNH - Banco Nacional de Habitação BO - Boletim de Ocorrência CEF - Caixa Econômica Federal CIOP - Centro Integrado de Operações Policiais CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CPTED - Crime Prevention Through Environmental Design CURA - Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada DAC - Design Against Crime EUA - Estados Unidos da América FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano LATTICE - Laboratório de Tecnologias de Investigação da Cidade PMJP - Prefeitura Municipal de João Pessoa Rn - Radius global R3 - Radius local SARA - Scanning, Analysis, Response and Assessment SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo SEPLAN - Secretaria Estadual de Planejamento SFH - Sistema Financeiro de Habitação SIG - Sistema de Informação Geográfica STTRANS - Superintendência de Transportes e Trânsito UFPE - Universidade Federal de Pernambuco ZT - Zona Turística ZR - Zona Residencial ZA - Zona Axial LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 1 Figura 1.1 - Relações sociais responsáveis pela desestruturação da urbe. Figura 1.2 - Capa de abertura do DVD ArqViol do grupo Arquitetura da Violência – UFF. Figura 1.3, 1.4, 1.5, 1.6 - Imagens DVD ArqViol - Arquitetura da Violência, UFF, 2008. Figura 1.7, 1.8, 1.9, 1.10 - Imagens DVD ArqViol - Arquitetura da Violência, UFF, 2008. Figura 1.11 - Cabrini High-Rises, 1959. Figura 1.12 - Stateway Gardens, 1959, Chicago, prédios de habitação popular. Figura 1.13 - Pruitt-Igoe, construído em 1960, St. Louis Figura 1.14 - Pruitt-Igoe, demolição em 1972. Figura 1.15 - Tipos de habitações familiares. Figura 1.16 - Tipos de habitações familiares no Brasil. Figura 1.17 - Organograma das abordagens do crime. Figura 1.18 - Cartilhas de Segurança, desenvolvidas pela polícia militar e financiadas pelo CREA-PR. Figura 1.19 - Análise Sintática Espacial da rede viária, de um bairro em Londres, x roubo residencial Figura 1.20 - Análise Sintática Espacial da rede viária, de um bairro em Londres, x roubo a pessoa Figura 1.21 - MUGGING : Ocorrências de roubos por dia da semana Figura 1.22 - THEFT: Ocorrências de furtos por dia da semana Figura 1.23 – Profundidade x crime. FONTE: MONTEIRO E IANNICELLI, 2009. Figura 1.24 - Hot-spots de roubos de automóveis em Los Angeles Figura 1.25 - Padrões de atividade criminosa. 24 32 33 33 34 34 36 36 37 39 41 48 54 54 56 56 56 57 57 CAPÍTULO 2 Figura 2.1 - Mapa intitulado Afbeelding Der Stadt En Fortressen Van Parayba. Figura 2.2 - À esquerda, mapa de João Pessoa Imagens do Brasil Colonial, Frederica Civitas 1640 à 1647. Figura 2.3 - A direita, planta da cidade da Parahyba por volta de 1640. Figura 2.4 - Planta da cidade da Parahyba, em 1855. Figura 2.5 - Linha férrea Cruz do Peixe, 1924, futura Avenida Epitácio Pessoa. Figura 2.6 - Avenida Epitácio Pessoa de encontro com o mar, 1950 Figura 2.7 - Planta geral da cidade de João Pessoa em 1953. Figura 2.8 - Mapa da ocupação urbana de João Pessoa. Figura 2.9 - Mapa de João Pessoa, destaque da orla marítima. Figura 2.10 - Anúncio Loteamento no Manaíra, 1957 Figura 2.11 - Anúncio Loteamento Jardim Panamérica, Tambaú, 1958 Figura 2.12 - Anúncio Edifício de Apartamentos Manaíra, 1960 Figura 2.13, 2.14 e 2.15 – Residências unifamiliares do bairro, período de construção de 1970 a 1980. Figura 2.16 - Mapa do Zoneamento e Uso Ocupacional de João Pessoa Figura 2.17, 2.18 e 2.19 - Residências unifamiliares, 2010, muros altos e artifícios de segurança. Figura 2.20 - Shopping Manaíra Figura 2.21 - Mapa de localização Figura 2.22 - Mag Shopping Figura 2.23 - Mapa de localização Figura 2.24 - Praça Desembargador Silvio Porto. Fonte: arquivo pessoal, 2010. Figura 2.25 - Praça Alcides Carneiro. Fonte: PMJP, 2010. Figura 2.27 - Praça Chateaubriant de Souza Arnaud. Fonte: arquivo pessoal, 2010. Figura 2.28 - Quadra do Manaíra. Fonte: arquivo pessoal, 2010. Figura 2.26 - Mapa de Localização das praças Figura 2.29, 2.30, 2.31, 2.32, 2.33, 2.34 - Paisagens do bairro Manaíra, 2010. 59 60 60 62 63 63 64 66 67 69 69 69 70 71 72 72 72 73 73 74 74 74 74 74 77 CAPÍTULO 3 Figura 3.1 - Esquema do CIOP Figura 3.2 – Exemplo de planilha de ocorrências criminais nos bairros de João Pessoa, 2008. 81 82 Figura 3.3 - Exemplo de registro de ocorrências no bairro Manaíra, 2008. Figura 3.4 - Exemplo, continuação Figura 3.5 - O bairro Manaíra e seu entorno. Figura 3.6 - Vista das principais vias do bairro Manaíra. Figura 3.7 - Mapa de tipologia residencial. Figura 3.8 - Mapa de uso do solo. Figura 3.9 - Mapa de classificação e codificação dos usos do solo. Figura 3.10 - Tipologia mural dos lotes do bairro Manaíra. Figura 3.11 - Tipos de nível de segurança por lote, no bairro Manaíra. Figura 3.12 – Representação cartográfica, com definição linear, destaque Manaíra, João Pessoa. Figura 3.13 - Representação linear, destaque Manaíra, João Pessoa. Figura 3.14 - Três representações axiais de uma mesma curva Figura 3.15 – Representação linear no mapa axial - integração global Figura 3.16 - Representação linear do mapa de continuidade - integração global Figura 3.17 - Mapa axial, integração global Figura 3.18 - Mapa de continuidade, integração global 82 83 87 88 90 91 93 97 100 102 102 103 105 105 106 106 CAPÍTULO 4 Figura 4.1 - Pedaço da Malha Axial de João Pessoa Figura 4.2 - Mapas de continuidade - integração global, de João Pessoa. Figura 4.3- Mapas de continuidade integração local, de João Pessoa. 109 111 113 CAPÍTULO 5 Figura 5.1 - Manchete do Jornal O NORTE Figura 5.2 - Mapa de Ocorrências criminais nos bairros de João Pessoa e a Média do rendimento nominal mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes. Figura 5.3 - Mapa de Ocorrências criminais nos bairros de João Pessoa e a Média do rendimento nominal mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes. 117 124 125 CAPÍTULO 6 Figura 6.1 – Pontos de observação no bairro Manaíra. Figura 6.2 - Pontos de Roubo e Mapa de Continuidade (Integração Local) 2008. Figura 6.3 - Mapa de Continuidade (Integração Local) x roubo 2009. Figura 6.4 Mapa de Continuidade (Integração Local) x furto 2008 Figura 6.5 - Mapa de Continuidade (Integração Local) x furto 2009 139 141 143 150 152 CAPÍTULO 7 Figura 7.1 - Mapa de Kernell: crimes roubo e furto, 2008 e 2009. Figura 7.2 - Mapa de Kernell: roubo, 2008 e 2009. Figura 7.3 - Mapa de Kernell: furto, 2008 e 2009. Figura 7.4 - Mapa de Kernell: roubo 2008 Figura 7.5 - Mapa de Kernell: roubo 2009 Figura 7.6 - Mapa de Kernell: Furto 2008 Figura 7.7 - Mapa de Kernell: Furto 2009 Figura 7.8 - Ocorrências Criminais, 2008 e 2009. Figura 7.9 - Principais atratores de crime: grandes empreendimentos comerciais Figura 7.10 - Outros atratores de crime: praças. Figura 7.11 - Outros atratores de crime: zona turística Figura 7.12 – Destaque: lugares com pouca ocorrência Figura 7.13 – Destaque: lugares com pouca ocorrência: Praça Chateaubriant Souza Arnaud Figura 7.14 – Destaque: lugares com pouca ocorrência: Praça Gilvandro Carreira de Almeida Figura 7.15 – Destaque: lugares com pouca ocorrência, Av. Sapé, próximo a Praça Alcides Carneiro. Figura 7.16 – Mapa: roubo e uso do solo, 2008 Figura 7.17 – Destaque: proximidade de colégios 2008 160 160 160 161 161 162 162 163 163 163 163 164 164 164 164 165 165 Figura 7.18 - Mapa: roubo x ocupação do solo 2009 Figura 7.19 – Destaque: roubos, 2009 Figura 7.20 - Mapa: roubo a pessoa x ocupação do solo Figura 7.21 - Mapa: roubo a pessoa x altura do muro, 2008. Figura 7.22 - Mapa: roubo a pessoa x proteção mural Figura 7.23 - Mapa Axial x ônibus x roubo a pessoa Figura 7.24 – Roubo a pessoa x ocupação do solo 2009. Figura 7.25 – Roubo a pessoa x altura do muro 2009. Figura 7.26 – Roubo a pessoa x proteção mural 2009. Figura 7.27 - Mapa de axial x ônibus x roubo a pessoa 2009. Figura 7.28 - Mapa: furto x ocupação do solo 2008. Figura 7.29 – Destaque: furtos 2008. Figura 7.30 - Furto 2009 x ocupação do solo Figura 7.31 e 7.32 – Destaque: furtos Figura 7.33 – Furto a imóvel 2008 x uso e ocupação do solo Figura 7.34 – Furto estabelecimento x muro, 2008. Figura 7.35 – Furto estabelecimento x proteção, 2008. Figura 7.36 - Furto imóveis x mapa axial x parada de ônibus Figura 7.37 – Furto a imóvel 2009 x uso e ocupação do solo Figura 7.38 – Furto a imóvel x altura muro Figura 7.39 – Furto a imóvel x proteção mural Figura 7.40 – Furto a imóvel x mapa axial x parada de ônibus Figura 7.41 - Roubo a pessoa x altura do muro. Figura 7.42 e 7.43 - Ruas do bairro Manaíra, 2010. Figura 7.44 - Roubo a pessoa x Nível de Proteção Mural Figura 7.45 - Furto a imóvel x Altura do muro. Figura 7.46 e 7.47- Ruas do bairro Manaíra, 2010. Figura 7.48 – Furto em Estabelecimento x Nível de Proteção Mural. 165 165 166 166 166 166 167 167 167 167 168 168 168 168 169 169 169 169 170 170 170 170 171 172 173 174 175 176 LISTA DE GRÁFICOS CAPÍTULO 3 Gráfico 3.1 - Porcentagem dos tipos murais em Manaíra Gráfico 3.2 - Altura dos Tipos Murais, Manaíra. Gráfico 3.3 - Nível de segurança pelo tipo mural Gráfico 3.4 - Porcentagem do nível de segurança 98 98 100 100 CAPÍTULO 4 Gráfico 4.1 - Relação entre integração global e local, variável de João Pessoa e do entorno do bairro. Gráfico 4.2 - Relação entre integração global e local, variável somente do bairro Manaíra. 115 115 CAPÍTULO 5 Gráfico 5.1 - Condutas Criminais em João Pessoa, 2008 e 2009. Gráfico 5.2 - Comportamento da criminalidade nos bairros de João Pessoa, 2008 e 2009. Gráfico 5.3 - Ocorrências Criminais nos 4 bairros mais violentos de João Pessoa, 2008 e 2009. Gráfico 5.4 - Incidências criminais no bairro Manaíra, 2008 e 2009. Gráfico 5.5 - Crimes no bairro Manaíra, 2008 e 2009, respectivamente. Gráfico 5.6 - Principais crimes de furto e roubo no bairro Manaíra, 2008 e 2009. Gráfico 5.7 - Ocorrência Anual de Criminalidade, Manaíra: Roubo 2008 Gráfico 5.10 - Tipos de ocorrências mais freqüentes de roubo em 2008. Gráfico 5.8 - Categorias de roubo 2008 Gráfico 5.9 - Horário: Roubo 2008 Gráfico 5.11 - Ocorrência Anual da Criminalidade: Roubo 2009 Gráfico 5.12 - Categorias de roubo 2009 Gráfico 5.13 - Horário: Roubo 2009 Gráfico 5.14 - Tipos de ocorrências mais freqüentes de roubo em 2009. Gráfico 5.15 - Ocorrência Anual da Criminalidade: Furto 2008 Gráfico 5.18 - Tipos de ocorrências mais freqüentes de furto em 2008. Gráfico 5.16 - Categorias de furto 2008 Gráfico 5.17 - Horário: Furto 2008 Gráfico 5.19 - Ocorrência Anual da Criminalidade: Furto 2008 Gráfico 5.20 - Categorias de furto 2009 Gráfico 5.21 - Horário: Furto 2009 Gráfico 5.22 - Tipos de ocorrências mais freqüentes de furto em 2009. 120 121 121 122 123 123 126 127 127 127 128 128 128 129 130 131 131 131 132 132 132 133 CAPÍTULO 6 Gráfico 6.1 - Valores de integração x Quantidade de Roubo. Gráfico 6.2 - Valores de integração x Quantidade de Furto. Gráfico 6.3 - Quantidade de Pedestres no final de semana, dia 20/11/2011. Gráfico 6.4 - Quantidade de Pedestres na semana, dia 21/11/2011 Gráfico 6.5 - Integração Local x Ocorrências de roubo, 2008 Gráfico 6.6, 6.7 e 6.8 - Combinações de Roubo, 2008 Gráfico 6.9 - Integração Local x Ocorrências de roubo, 2009. Gráfico 6.10, 6.11 e 6.12 - Combinações de Roubo 2009. Gráfico 6.13 - Gráfico de barras – Integração Local(R3) Gráfico 6.14 - Gráfico de barras - Roubo 2009 Gráfico 6.15 - Quant. de roubos nos eixos, 2008. Gráfico 6.16 - Quant. de roubos nos eixos, 2009. Gráfico 6.17 - Comprimento Total dos Níveis de Acessibilidade. Gráfico 6.18 - Comprimento do nível de acessibilidade pela quantidade de roubo, em 2008 e 2009. Gráfico 6.19 - Comprimento do nível de acessibilidade pela tipo de roubo específico, em 2008 e 2009. 136 137 139 140 142 142 144 144 146 146 146 146 147 147 148 Gráfico 6.20 - Acessibilidade, Turno e Roubo a pessoa, em 2008. Gráfico 6.21 - Acessibilidade, Turno e o Roubo a pessoa, em 2009. Gráfico 6.22, 6.23 e 6.24 - Combinações de Furto2008 Gráfico 6.25 - Integração Local x Ocorrências de furto, 2008 Gráfico 6.26, 6.27 e 6.28 - Combinações de Furto2009 Gráfico 6.29 - Integração Local x Ocorrências de furto, 2009 Gráfico 6.30 - Gráfico de barras – Integração Local(R3) Gráfico 6.31 - Índice de Integração local x Furto 2009. Gráfico 6.32 - Quant. de furtos nos eixos, 2008. Gráfico 6.33 - Quant. de furtos nos eixos, 2009. Gráfico 6.34 - Comprimento do nível de acessibilidade dividido pela quantidade de furto, em 2008 e 2009. Gráfico 6.35 - Comprimento do nível de acessibilidade pela tipo de furto específico, em 2008 e 2009. Gráfico 6.36 - Acessibilidade, Turno e Furto em estabelecimento, em 2008. Gráfico 6.37 - Acessibilidade, Turno e Furto em estabelecimento, em 2009. 148 149 151 151 153 153 154 154 154 154 155 156 156 157 CAPÍTULO 7 Gráfico 7.1 - Roubo x Caixa Mural Gráfico 7.2 - Muro Total X Percentual de Roubo Gráfico 7.3 - Roubo x Nível de Segurança Gráfico 7.4 - Nível de segurança total e Roubo Gráfico 7.5 - Muro total x Percentual de Furto Gráfico 7.6 - Furto x Tipo de Muro Gráfico 7.7 - Nível de segurança total e Furto 2008 Gráfico 7.8 - Furto 2008 x Nível de segurança 172 172 174 174 175 175 176 176 LISTA DE QUADROS CAPÍTULO 3 Quadro 3.1 - Uso e Ocupação do Solo Quadro 3.2 - Classificação e codificação dos usos do solo, Código de Urbanismo PMJP Quadro 3.3 - Níveis de dificuldade, artifícios de proteção utilizados em um invólucro mural 89 92 99 CAPÍTULO 7 Quadro 7.1 - Pontos Quentes e Frios do crime da relação com uso, barreira e proteção. Quadro 7.2 - Pontos Quentes e Frio do crime da relação com a acessibilidade. 177 178 LISTA DE TABELAS CAPÍTULO 2 Tabela 2.1 - Densidade Demográfica Urbana de João Pessoa. 63 CAPÍTULO 3 Tabela 3.1 - Relação entre Categoria e Correlação 107 CAPÍTULO 4 Tabela 4.1 - Resultados Gerais da Conectividade, com relação à cidade, ao entorno e ao bairro. Tabela 4.2 - Resultados gerais de integração global e local, com relação à cidade e ao entorno. 114 115 CAPÍTULO 5 Tabela 5.1 - Ocorrências criminais registradas, em João Pessoa, Paraíba. Tabela 5.2 - Ocorrências criminais registradas 119 119 CAPÍTULO 6 Tabela 6.1 - Resultados gerais de integração global e local, com relação ao bairro. 136 Sumário Introdução 19 1. PISTAS URBANAS: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA 1.1 O MEDO 1.2 A VIOLÊNCIA URBANA 1.3 A SEGREGAÇÃO ESPACIAL 1.4 ESTUDOS URBANOS DO CRIME - REVISÃO DA LITERATURA 1.5 ESTUDOS MORFOLÓGICOS E O CRIME - REFERENCIAL METODOLÓGICO 25 28 30 34 50 1.5.1 O MOVIMENTO NATURAL 1.5.2 A SINTAXE DO ESPAÇO E O CRIME 51 53 2. CONTEXTUALIZANDO: O ESPAÇO OBJETO DE ESTUDO 58 2.1 UM POUCO DE HISTÓRIA 2.2 MANAÍRA, ENQUANTO ESPAÇO URBANO 2.3 MANAÍRA: O “VALE DO MEDO”, “O AMBIENTE HOSTIL” 59 67 75 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE INVESTIGAÇÃO 78 3.1 ANÁLISE SOBRE CRIME 80 3.1.1 LEVANTAMENTO E COLETA DE DADOS 3.1.2 GEORREFERENCIANDO A CRIMINALIDADE 81 83 3.2 ANÁLISE SOBRE ESPAÇO 86 3.2.1 LEVANTAMENTO FÍSICO-ESPACIAL DO BAIRRO 3.2.2 ANÁLISE SINTÁTICA DO ESPAÇO 3.2.2.1 MAPA AXIAL OU MAPA DE CONTINUIDADE? 4. PADRÕES SINTÁTICOS E MORFOLÓGICOS DO OBJETO 87 101 103 DE ESTUDO 4.1 CIDADE GLOBAL OU CIDADE LOCAL? 5. PADRÕES ESPACIAIS DE OCORRÊNCIAS CRIMINAIS 5.1 O QUE OS DADOS OFICIAIS TÊM A DIZER? 5.2 ROUBO 5.3 FURTO 6. SOBRE OCORRÊNCIAS, ACESSIBILIDADE E MOVIMENTO 6.1 ROUBO 6.2 FURTO 23 108 111 117 118 126 130 134 141 150 7. SOBRE OCORRÊNCIAS, USO, OCUPAÇÃO E BARREIRAS FÍSICAS 7.1 PONTOS QUENTES E FRIOS DO CRIME 7.2 CRIME VERSUS USO E OCUPAÇÃO DO SOLO 7.2.1 LUGARES DE DESTAQUE DO CRIME 7.2.2 LUGARES DE DESTAQUE SEM CRIME 7.3 ROUBO VERSUS USO 7.4 FURTO VERSUS USO 7.5 CRIME VERSUS TIPOLOGIA DE BARREIRAS FISICAS 7.5.1 ROUBO A PESSOA 7.5.2 FURTO A IMÓVEL 159 163 163 164 165 168 171 171 174 7.6 SÍNTESE DOS PONTOS QUENTES E FRIOS DO CRIME Considerações Finais 158 A Insegurança da Segurança Referências Bibliográficas 177 178 185 Introdução Esse estudo parte do interesse em identificar se as características urbanas e arquitetônicas teriam alguma repercussão na incidência de roubo e furto, enquanto eventos facilitadores ou inibidores de insegurança urbana no bairro Manaíra, na capital paraibana. Baseado nesse questionamento o trabalho, Arquitetura da (in)segurança - estudando relações entre configuração espacial, artifícios de segurança e violência urbana no bairro Manaíra, João Pessoa, Paraíba, investigou relações entre: tipologias de uso, propriedades morfológicas do espaço e segurança privada, nesse bairro. O trabalho desenvolvido partiu da premissa de que o espaço urbano não é neutro, mas atua como elemento passivo ou ativo para as ocorrências criminais. Enquanto elemento passivo existem atos criminosos que independem das características do lugar, estando mais relacionados com as circunstâncias do delinquente e de questões sociais, que o trabalho não abordará; já na segunda proposição, onde o local é um elemento ativo, percebe-se que as propriedades do espaço urbano: tipologias de uso, propriedades morfológicas e segurança privada, interferem na ocorrência ou não da violência urbana, intra e extramuros. Partindo deste indício, descobriu-se que alguns estudiosos e pesquisadores têm voltado suas pesquisas para análises da arquitetura urbana e suas relações com o crime, alguns desses estudos proporcionaram elaborar um quadro teórico e metodológico para fundamentar o estudo em questão. O trabalho teve como objetivo principal investigar e compreender como se dão as relações entre os padrões espaciais e a violência urbana no Manaíra, identificando através das linhas de acessibilidade, dos campos de visibilidade e do tipo de uso do solo como se comporta o crime. Além de pesquisar uma bibliografia que servisse de embasamento teórico e metodológico, identificou-se junto ao órgão de Segurança Pública da Paraíba como a criminalidade do bairro Manaíra se comporta com relação à cidade de João Pessoa e especificamente dentro de seus limites; foram registradas em uma base SIG (Sistema de Informação Geográfica) as características de uso e ocupação do solo, tipologia mural e barreiras de proteção do bairro Manaíra, para, com isso, correlacionar as propriedades espaciais desse bairro com as ocorrências criminais ali documentadas. A pesquisa bibliográfica correspondeu à primeira etapa do trabalho e visou obter fontes necessárias à execução de um referencial teórico que possibilitasse a compreensão sobre o tema da pesquisa. A bibliografia consultada voltou-se para a análise da violência urbana e seus traços básicos, o medo, a segregação e a violência. Buscou-se, também, recursos analíticos utilizados por pesquisadores no estudo de relações entre forma e usos de espaço e, em particular, entre ocorrência de comportamento anti-social e desenho urbano. Na pesquisa de natureza documental, foram utilizadas informações provenientes da base de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e de trabalhos acadêmicos que esclarecessem informações relativas à evolução urbana, ao tipo de edificações e ao crescimento da população de João Pessoa. Com relação especificamente à criminalidade, foram obtidos dados registrados pelo CIOP (Centro Integrado de Operações Policiais) das ocorrências criminais, nos anos 2008 e 2009, através da Secretaria de Segurança Pública da Paraíba. Na pesquisa de campo realizaram-se levantamentos nas ruas, com observação e registro in loco sobre as edificações do bairro, identificando-se principalmente o tipo de uso, e as barreiras físicas existentes nos pontos onde se deram os crimes. Para o estudo da configuração espacial urbana foram empregados mapas axiais e de continuidade, de João Pessoa, mais especificamente do bairro Manaíra (conforme explicitados no capítulo 3), tendo como intuito analisar a acessibilidade através das linhas de movimento, com base nos fundamentos da teoria da sintaxe espacial. Tais mapas foram trabalhados juntamente com os mapas temáticos de uso e ocupação do solo e de barreiras, tendo como intuito identificar se a acessibilidade das vias públicas e a presença, ou não de visibilidade, influencia o comportamento antissocial delinquente. O crime foi correlacionando entre as variáveis de integração, à tipologia edificada e à forma de proteção. No intuito de fornecer referências sobre o local do estudo buscou-se compor um pequeno histórico acerca do desenvolvimento de João Pessoa, para melhor situar o bairro Manaíra em seu contexto, evidenciando-se elementos que configuram a estrutura espacial do bairro. Em sequência, identificou-se as ocorrências criminais mais freqüentes do objeto do nosso estudo por julgar que estas, por serem mais constantes, teriam peso maior no sentimento de insegurança pública vivido pela população do bairro, além de se poder associar tais ocorrências aos aspectos físicos do ambiente construído. Assim o roubo a 20 pessoas e furto a imóveis se tornaram o foco de estudo. Os dados obtidos foram organizados e tratados estatisticamente em: tabelas, gráficos e mapas, que evidenciam episódios de correlação entre violência, uso e movimento, em áreas do bairro nas quais predominam determinados aspectos físico-ambientais. O trabalho foi desenvolvido na seguinte ordem: o primeiro capítulo exporá a realidade sociocultural do problema em questão, explicitando três circunstâncias que provocam a desestruturação urbana com relação ao crime: o medo, a violência urbana e a segregação social, correspondendo ao referencial teórico; nesse mesmo nível analítico serão relatados alguns estudos urbanos de investigação realizados por pesquisadores, no Brasil e no mundo, que dão base à revisão da literatura; no segundo capítulo apresenta-se uma contextualização do objeto de estudo, com um pequeno histórico do espaço urbano de João Pessoa até chegar à formação do bairro em questão, tendo como intuito compreender o processo de estruturação espacial da cidade e do bairro; o tratamento dos dados será descrito no terceiro capítulo, a metodologia, expondo-se como se deu a coleta dos dados e quais os instrumentos de análise utilizados na sua avaliação; o quarto capítulo abordará os padrões sintáticos e morfológicos do bairro, objeto de estudo; o capítulo quinto explorará os padrões espaciais de ocorrências, na cidade e no bairro em estudo; os capítulos sexto e sétimo correlacionarão dados entre as características morfológicas de movimento do bairro com os padrões espaciais dos crimes analisados; e relações entre os crimes e as variáveis investigadas de uso do solo, tipologia mural e barreiras de proteção, também, enfocou-se, em perspectiva comparativa, algumas áreas específicas que se destacaram pela concentração de delitos ou ausência deles. A conclusão procurará esclarecer até que ponto as medidas arquitetônicas de prevenção privada dos crimes de roubo e furto, adotadas pela população, repercutem positiva ou negativamente nas relações sociais urbanas, bem como no sentimento de segurança da população do bairro Manaíra, na cidade de João Pessoa. A escolha desse tema deve-se ao fato das cidades brasileiras estarem passando por mudanças de cenário, devido a sensações de medo e insegurança, que vêm ocasionando o isolamento e o enclausuramento dos habitantes citadinos. Dentro das atuais circunstâncias urbanas, a violência tornou-se um problema que vem se agravando e preocupando toda a sociedade, provocando uma grande mudança, principalmente na forma do habitar, pois as residências estão virando “verdadeiras fortalezas”, com seus muros altos, estrepes, cercas elétricas, fosso, dentre outros artifícios, tornando-se esconderijo do homem urbano das ameaças e dos perigos cotidianos da cidade. Tornamo-nos reféns de nós mesmos, 21 perdemos nossa liberdade devido à maneira de avaliar, enfrentar e resolver os problemas urbanos. Os reflexos de ineficiência política, sobretudo em relação à segurança, fizeram surgir setores privados que pontuam soluções específicas para amenizar os problemas urbanos, oferecendo ao comércio mercadorias que movimentam o negócio da segurança privada. Como esse comércio só existe devido às políticas que conduzem ao aumento da violência, os encaminhamentos adotados por ele não atingem as questões estruturais, tornam-se apenas procedimentos pontuais que proporcionam momentaneamente a sensação de segurança. Privilegia-se o uso de equipamentos para a área interna dos edifícios, deixando ao espaço externo, o público, a insegurança. As edificações viram as costas para a rua, ocasionando seu abandono e favorecendo as oportunidades sorrateiras dos delinquentes. 22 1. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica Os moradores do bairro Manaíra, na capital paraibana estão em estado de medo por causa da violência [...]. Parte das casas do bairro tem cerca elétrica e vigilância, mas as pessoas continuam sendo vítimas de assaltos na área. Na sexta-feira passada, uma bala perdida atingiu a janela de um apartamento. (GONÇALVES, Lidiane. CORREIO DA PARAÍBA, João Pessoa, 6 mar. 2006. Disponível em: <http://www.portalcorreio.com.br>.Acesso em 10 de Junho de 2010.) João Pessoa, capital paraibana, é considerada uma cidade tranquila e segura, chegando a ser requisitada como local de moradia para pessoas que fogem de cidades maiores, violentas e poluídas. Ela tem 723.515 habitantes (IBGE, 2010), fica localizada no litoral nordestino, conta com belas paisagens, temperatura agradável e população afável. Todavia, atualmente, o medo e a insegurança fazem parte das preocupações de seus habitantes, o que tem levado a população a procurar se proteger através de artifícios de segurança, como demonstrado no recorte de jornal que inicia este capítulo. Como em todo trabalho investigativo buscam-se pistas que orientem o desvelamento do problema, assim, procurou-se identificar nas áreas urbanas da atualidade, mais especificamente na arquitetura vigente, quais as consequências desse modelo arquitetônico para a sociedade. Tendo por paradigma de análise o referencial teórico já produzido sobre o tema, os estudos de Jacobs (1960/2009), Newman (1996), Caldeira (2003), Villaça (2001), Bauman (2009), Foucault (1995), Ferraz (2003/2004), que abordam a vida urbana na atualidade, temos neles revelados circunstâncias sociais que nos levam a identificar três ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA traços marcantes da circunstância social de insegurança urbana, elementos essenciais para o fundamento teórico da pesquisa. O medo, a segregação espacial e a violência urbana, nos parecem elementos básicos para se falar sobre a (in)segurança urbana, pois refletem as relações sociais presentes, tanto nas grandes cidades quanto em pequenos aglomerados urbanos e mesmo em pequenos povoados rurais. Identificados como responsáveis pela desestruturação da urbe, esses fatores interagem entre si, num círculo vicioso presente nas relações citadinas, repercutindo na interação social das cidades e que se configuram esquematicamente na figura 1.1. Figura 1.1 - Relações sociais responsáveis pela desestruturação da urbe. (FONTE: arquivo pessoal.) Assim, para maior esclarecimento pareceu conveniente buscar definições e ideias sobre tais conceitos. Outro aspecto importante é o modo como as edificações deram as costas às ruas, com seus muros altos, afastando-se das relações sociais, do sentimento de co-presença, advindas do ambiente urbano, ocasionando a perda da vida coletiva; alguns estudos identificam que isso salientou a violência urbana e a sensação de insegurança, não só fora, mas dentro dos lares. Partindo desses questionamentos desenvolveu-se uma revisão da literatura que utiliza métodos de análise do espaço com crime, dentre eles tem-se Hillier (2007, 2008), Bondaruk (2007), os grupos ArqViol, LATTICE; também situou-se a existência de guias de orientação contra o crime, que após uma análise dos espaços foram elaborados por departamentos de governo norte americano, europeu, canadense e brasileiro, temos: o CPTED, safer places, design against crime e algumas cartilhas brasileiras. Com o intuito de compreender melhor esse contexto, comum em muitas cidades brasileiras e do mundo, buscou-se fundamentação em pesquisadores que têm desenvolvido trabalhos, dando encaminhamentos para diminuir a insegurança nas cidades. Para proporcionar maior clareza sobre estas expressões urbanas e seus significados sociais, conduziu-se uma síntese elaborada através das análises de vários estudiosos. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 24 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 1.1 O Medo Na vida urbana, o sentimento de ansiedade gerado pelo medo tornou-se uma presença constante para muitas pessoas, mesmo sem terem passado por um trauma, apenas por tomarem conhecimento através de relatos da vizinhança e da mídia de fatos que ocorreram. “A imaginação aumenta imensuravelmente o tipo e a intensidade de medo no mundo dos homens” (TUAN, 2005: 11). Observando a evolução histórica, o medo tem sido companheiro da nossa espécie; muitas sociedades chegam a utilizá-lo para justificar sua intenção política de dominarem outros povos e de controle social, o que explicaria, na atualidade, a política armamentista que ajuda a preservar e desenvolver a indústria bélica, bem como a indústria de segurança. Essa lógica é abordada por Michael Moore nos documentários “Tiros em Columbine” e “Fahrenheit 9/11”. O medo não expressa somente uma mera questão de sobrevivência individual, mas de sobrevivência da espécie como um todo, bem como de estratégia de submissão de um povo. Bauman (2009) indica que o meio urbano oferece expectativas e sensações de confiança e medo aos seus habitantes, pois a cidade aglomera pessoas visando proteção, confiança, solidariedade, trabalho e, ao mesmo tempo, cria circunstâncias que geram insegurança. Os seres humanos temem o caos, a desordem, acontecimentos que proporcionem o descontrole; devido a isso, passaram a almejar a perfeição física, a regularidade, uma ordem socioestética. A cidade, então, foi construída para corrigir a aparente confusão e o caos da natureza, porém ela se transformou em um meio ambiente físico desorientador. “Apesar de cada rua e prédio [...] serem, sem dúvida, os produtos de planejamento e reflexão, o resultado final pode ser um imenso labirinto desordenado” (TUAN, 2005: 234). Nos primórdios da organização da humanidade os primeiros ajuntamentos humanos devem ter sido formas de reação ao medo. Certamente surgiram da idéia central de que, os homens vivendo bem próximos, poderiam apoiar-se mutuamente e se solidarizar ante os perigos que vinham de fora do grupo. Mas à medida que se dá um enorme salto na história, percebe-se que aquilo que passou a existir com vistas à comunhão e à solidariedade foi feito em um simples aglomerado humano para produção. (MORAIS, 1998:31) Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 25 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Evoluindo, tecnologicamente, os artifícios de proteção se adaptaram às diversas circunstâncias sociais. Hoje o homem teme a violência, a cidade e o outro. Os novos medos têm sofisticado os mecanismos de proteção. Nesse sentido, os temores humanos iniciais relativos às adversidades da natureza passaram a ser preenchidos pelos temores do que a cidade passou a oferecer. Os habitantes da cidade, que antes criavam artifícios para se protegerem, com muralhas, dos invasores externos, hoje, enfrentam a “barbárie” vigente nas cidades, que se alimenta das relações sociais aí existentes, onde as desigualdades sociais, os preconceitos, o desrespeito, geram revolta. Atualmente, muitas cidades são atormentadas por fantasmas. No cotidiano urbano, estão presentes fantasias de perseguições, agressão e medo, que assustam os habitantes, gerando cidadãos atormentados pelo vizinho e pela mídia, que alimenta tal ciclo vicioso com relatos sensacionalistas e pontuais da violência. Em Cloé, cidade grande, as pessoas que passam pelas ruas não se reconhecem. Quando se veem, imaginam mil coisas a respeito umas das outras, os encontros que poderiam ocorrer entre elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as mordidas. Mas ninguém se cumprimenta, os olhares se cruzam por um segundo e depois se desviam, procuram outros olhares, não se fixam. [...] Se os homens e as mulheres começassem a viver os seus sonhos efêmeros, todos os fantasmas se tornariam reais e começaria uma história de perseguições, de ficções de desentendimentos, de choques, de opressões, e o carrossel das fantasias teria fim. (CALVINO, 2009:51 e 52, grifo nosso) Este texto retrata o sentimento que surge em uma cidade, onde o outro é um desconhecido e na qual o isolamento impede a descoberta de afinidades ou oposições. Os espaços públicos - o ambiente natural às relações humanas nas cidades - tornou-se cercado por paredões de proteção, transformando as ruas em „Vales do Medo‟. Para Tuan (2005), as infinitas manifestações de se controlar o caos, pela construção humana, mental ou material, definem paisagens do medo. O crescimento urbano desordenado é visto como uma selva, um espaço de caos, determinado por ruas e movimentos que desorientam e assustam seus ocupantes e recém-chegados. Apesar de toda essa desordem, a maior ameaça, que se destaca em uma cidade, vem das outras pessoas. Elas “podem ser a maior fonte de segurança, mas também podem ser a causa mais comum do medo, [pois podem] ser indiferentes às nossas necessidades, trair nossa confiança ou procurar diligentemente nos fazer mal” (TUAN, 2005: 14). Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 26 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA A alienação distorce a percepção da realidade: a sociedade passa a associar violência à pobreza e quem tem poder aquisitivo se isola em guetos de “bem-estar”, contribuindo para o aumento da exclusão social, consequentemente, favorecendo as oportunidades de violência, gerando o medo. O medo é percebido pela sociedade atual, não só pelo comportamento reservado de seus habitantes, ele transparece, também, na forma do habitar, as residências estão cercadas por muros cada vez mais altos e incorporam, a cada dia, mais artifícios de segurança; percebendo tais fatos, discute-se sobre o nível de medo dos moradores do bairro Manaíra, através da quantidade de artifícios de segurança utilizados no fechamento mural dos lotes. Seguindo esse pensamento, o trabalho mostrará a relação de medo dos moradores do bairro, através de uma escala de níveis de proteção (segurança), tendo como intuito verificar se essa forma de reagir ao medo é fator positivo ou negativo para a segurança residencial e do bairro. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 27 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 1.2 A Violência Urbana Os assaltos e roubos no Manaíra, em João Pessoa, estão se tornando cada vez mais violentos, com diversos relatos de agressões físicas e psicológicas contra as vítimas. Na última semana, o aposentado João Batista foi assaltado e agredido a socos e chutes por dois rapazes bem vestidos, enquanto caminhava próximo à Avenida João Câncio da Silva. (CORREIO DA PARAÍBA, João Pessoa, 15 out. 2008. Disponível em: <http://www.portalcorreio.com.br>. Acesso em 10 de Junho de 2010.) A expressão “violência urbana” corresponde a uma contradição histórica, pois os primeiros aglomerados humanos tinham como intenção juntar forças para se protegerem das adversidades da natureza, como destaca Morais (1981:31), segundo o qual “os homens vivendo bem próximos poderiam apoiar-se mutuamente e se solidarizar ante os perigos que vinham de fora do grupo.” O esperado era que a cidade expressasse uma aglomeração de pessoas com parâmetros de relacionamento, cujo princípio seria a solidariedade, a cortesia, a proteção. Como, então, um espaço, que deveria ser „civilizado‟, tornou-se local de violência, onde a barbárie, o desrespeito, o crime e, consequentemente, o medo se tornaram preocupantes? Segundo Morais (1981), a partir de uma visão marxista, a produção tornou-se o fator mais importante nas relações humanas postas pela urbanidade, essas reproduzem as relações de produção vigentes no capitalismo, determinando relações sociais adequadas aos valores do sistema produtivo. Nesse contexto, vigora uma circunstância social que diferencia segmentos sociais segundo condições financeiras, papéis no sistema de produção e posse de bens. A população nas cidades se agrupa por setores, isolando-se espacialmente em segmentos distintos. No perímetro urbano, distinguem-se regiões habitadas pelos donos dos meios de produção; outras, pelos executivos do sistema; outras, pelos burocratas; outras, por operários e trabalhadores avulsos. Para cada um desses segmentos surgem serviços públicos e privados diferenciados. Em decorrência dessa política de diferenciação, os extratos mais baixos da sociedade habitam zonas insalubres e sofrem constante discriminação no atendimento dos serviços sociais prestados, que envolvem questões referentes à saúde, à educação, às condições sanitárias, às moradias, etc. Essa discriminação gera insatisfação e violência. Parte das pessoas desses extratos sociais termina por intuir que lhes resta ser colecionador de frustrações sucessivas. Em Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 28 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA decorrência, tornou-se comum o contato diário da população urbana com fatos ou atos de violência, sejam sofridos pelos indivíduos, relatados por terceiros, ou anunciados pela mídia, situação que se repete na realidade brasileira. Essa circunstância social expressa o projeto político em vigência. Problemas relacionados com o espaço urbano têm a ver com o elemento político, pois o espaço, uma vez habitado por seres humanos, se transforma em uma coisa política, o Estado usa o poder para instituir certa ordem de coisas ou para corroer uma ordem vigente. (Morais, 1981:28) Na atualidade, a violência resultante das desigualdades sociais assumiu o papel principal no enredo da vida cotidiana brasileira, gerando mudanças nas relações sociais e espaciais do ambiente urbano. Tais mudanças são incentivadas pelo medo do outro, do desconhecido e das adversidades do mundo externo. Pautadas nessas sensações as pessoas reagem com atitudes defensivas ou agressivas, para protegerem seus familiares e bens. É evidente que os interesses e conflitos econômicos estão na base de toda esta realidade política. Assim, olharemos para a metrópole e nela veremos favelas, bairros pobres da periferia, regiões habitadas pela chamada classe média e outras habitadas pelos ricos e muito ricos. Isto produzirá necessariamente um clima de disputa e guerra fria . (Morais, 1981:31) Nesse contexto, como agente da ordem/desordem, o estado gere as distinções entre as classes sociais, dividindo os recursos sociais (para saúde, educação, habitação, serviços sanitários, segurança, entre outros), apesar da existência próxima de alguns bairros pobres de bairros ricos, percebem-se duas realidades econômicas distintas. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 29 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 1.3 A Segregação Espacial Em seu constante medo das adversidades da vida, o ser humano capta as ameaças, não mais decorrentes do meio natural, mas das relações sociais. As relações subsidiadas pela divisão de classes sociais se configuram como segregacionistas e se expressam na intolerância e na opressão, tornando-se, portanto, recheadas de perigo. Para se proteger disso, o ser humano deixou de agir conjuntamente e em prol de um grupo, e passou a adotar soluções individuais de isolamento e exclusão social. Ao comentar as relações humanas do contexto vivenciado nas cidades, Calvino (2009) enfoca os aspectos econômicos e sociais e descreve as características físicas do espaço, observando que elas geram tensões próprias as quais identificam a cidade e se expressam em desejos, sonhos, medos e comportamentos específicos de seus habitantes. Tais descrições nos revelam mundos idênticos aos que percebemos nas esquinas, bairros e casas das cidades que conhecemos. Destaca-se a seguir a descrição de Pentesiléia, cidade caracterizada pelo autor como fonte de medo, pois seus habitantes são dominados por fantasmas e alimentados pelo pavor. Nessa circunstância, os visitantes e até mesmo habitantes, pouco conhecidos, são considerados suspeito que convivem em um cidade murada onde os edifícios dão as costas para a rua, para a vida. No planalto poeirento uma cinta de muralhas, [...] vigiada por guardas aduaneiros que fitam com suspeita os seus pacotes. Até alcançá-la, você permanece do lado de fora; depois de passar por uma arcada, você se encontra dentro da cidade. [...] Você avança por horas e não sabe com certeza se já está no meio da cidade ou se permanece do lado de fora. (Calvino, 2009:142) As relações sociais da vida urbana são cercadas por significados simbólicos que definem o grupo social a que pertencem os indivíduos. Tais significados simbólicos referem-se aos hábitos do cotidiano, às relações do morar, aos hábitos de consumo, à forma de circular e como os indivíduos vivenciam suas relações no cotidiano. Como salienta Scocuglia (2000:15), “os grupos sociais são vistos como portadores de convenções, de valores socialmente compartilhados que se atualizam mediante um determinado estilo de vida.” Tais grupos sociais diferenciam-se na forma de se relacionar e se inserir, no meio urbano, estabelecendo sítios sociais específicos. Isso promove a concentração das classes sociais em distintas regiões, com significados simbólicos específicos, definindo um processo de segregação social (Villaça, 2001). Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 30 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Observando esse tipo de relações humanas, Flávio Villaça identificou que “a segregação é um processo dialético, em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros,” (2001:148). Assim, viver em um mundo de exclusão e preconceitos tornou-se realidade constante das cidades e esta realidade denigre quem habita o espaço de exclusão, criando uma atmosfera de rancor e inferioridade, ao mesmo tempo em que gera antipatia e desconfiança. Segundo Lojkine (apud Villaça, 2001:17), existem três tipos de segregação urbana: a primeira, que se dá quando há uma oposição entre o centro e a periferia; a segunda existe quando ocorre uma separação crescente entre zonas de moradia reservadas às camadas sociais mais privilegiadas e zonas de moradia popular; o terceiro tipo de segregação revela o esfacelamento das funções urbanas em zonas geograficamente distintas e cada vez mais especializadas com zona exclusivas para escritório, zona industrial, zona de moradia etc. Villaça (2001:147) considera que o segundo tipo de segregação urbana define melhor “as principais forças atuantes sobre a estruturação do espaço metropolitano no Brasil”, onde existe uma clara disputa por localização dos grupos sociais e entre classes sociais. O autor distingue como motivos fundamentais para a segregação urbana: (i) grupos sociais distinguidos pela etnia ou nacionalidade; (ii) e grupos separados mediante a posse de bens, os ricos e os pobres, aos quais muitas vezes se associam os grupos étnicos. Como a questão de distribuição de renda está estreitamente ligada à divisão das classes sociais, nos detivemos especificamente na relação da segregação vinculada às classes sociais, considerada mais evidente na sociedade brasileira. Os estudos de Kent (1997) sobre as transformações da sociedade ressaltam que, à medida que vão se tornando mais complexos social e politicamente, os centros urbanos se tornam mais segmentados em relação à cultura, ao comportamento, ao uso do espaço e à cultura material ou arquitetônica. Isso ocorre particularmente com respeito à segregação e organização da edificação, em que o padrão espacial, definido por tamanho das áreas, saneamento, pavimentação de vias de circulação, permeabilidade e barreiras, é profundamente influenciado pelas exigências das classes sociais mais altas. Josué de Castro (1946), estudando a distribuição no espaço geográfico urbano da desigualdade social, faz uma analogia entre a localização das classes sociais e as condições alimentares dos habitantes. A figura 1.2, produzida pelo grupo ArqViol1 (2008), sintetiza bem a ideia do autor em sua obra A Geografia da Fome. 1 Grupo de Pesquisa Arquitetura da Violência, Departamento de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense, coordenadora Sônia Ferraz. 2 Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título THE DEATH AND LIFE OF GREAT AMERICAN Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 31 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 1.2 - Capa de abertura do DVD ArqViol do grupo Arquitetura da Violência – UFF. (FONTE: ArqViol, 2008.) Devido a tais circunstâncias indaga-se se o aumento da violência urbana também é um reflexo da segregação social, na maneira como a sociedade enfrenta os problemas fechando-se em guetos. Dessa forma, o estudo visa avaliar as relações entre forma do ambiente construído e comportamento antissocial. Cenas do cotidiano brasileiro retratam a preocupação pela segurança e salientam o processo de segregação, medo e violência, ao quais os habitantes das cidades estão sujeitos. É comum, nas grandes cidades, as pessoas que detêm algum poder aquisitivo (e mesmo as que não têm) procurarem viver dentro de muralhas cercadas de grades, com câmeras de segurança, guarita e vigilância que proporcionem alguma forma de segurança. No entanto, a própria criação desses artifícios impede as relações de vizinhança: não se sabe quem é o vizinho, o próximo, o outro. Tais sensações de medo e insegurança refletem no modo de habitar humano, onde as residências passam a não ser mais uma forma de integração urbana, tornando-se hoje claustros isolados, protegidos do ambiente externo. Sônia Ferraz (2003) destaca a existência de uma „uniformização‟ urbana influenciada pela mídia e o mercado da segurança, identificando a existência de padrões de proteção individuais que se repetem no cenário urbano. Gerando uma visível uniformidade e padronização dos artifícios de segurança nas edificações, o que proporciona o surgimento de uma „nova coletividade‟. Todavia a autora observa que essa coletividade não gera uma sociabilidade, pois não parte de um interesse público e coletivo, simplesmente se define pelo somatório das repetições de aspectos particulares. Nesse sentido, ela identifica essa „nova coletividade‟, caracterizando dois ambientes urbanos: o Rio de Janeiro, como a cidade das grades, e São Paulo, a cidade dos muros. Ver figuras 1.3 a 1.6. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 32 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Rio de Janeiro: cidade das grades São Paulo: cidade dos muros Figura 1.3, 1.4, 1.5, 1.6 - Imagens DVD ArqViol - Arquitetura da Violência, UFF, 2008. (FONTE: ArqViol, 2008.) Nos estudos de Teresa Caldeira (2003/2008) sobre os problemas urbanos de São Paulo, ela refere-se à existência de uma „estética da segurança‟, na qual cercas, barras e muros passam a ser considerados elementos que destacam status social, sendo incorporados a estrutura das edificações, não só como elementos de proteção, mas de beleza, requinte estético e status. “Parece que os moradores de São Paulo estão aprendendo a transformar restrições, limitações, incertezas e medos em seu proveito, ao manipularem a estética da segurança: eles estão transformando suas casas em prisão, mas suas prisões dizem muito sobre sua posição social.” (CALDEIRA, 2008: 297). Ver Figuras 1.7 a 1.10. Estética da segurança: consertina, bunker, grade, câmera Figura 1.7, 1.8, 1.9, 1.10 - Imagens DVD ArqViol - Arquitetura da Violência, UFF, 2008. (FONTE: ArqViol, 2008.) No Brasil, apesar da maior frequência de estudos sobre a violência e a criminalidade ocorrerem nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, observações sobre o surgimento de uma „nova coletividade‟ e de uma „estética da segurança‟ são facilmente identificadas em outras cidades, mesmo de pequeno e médio porte, cada uma com especificidades em relação aos elementos estéticos de segurança adotados. O medo da violência urbana, cada dia mais presente nas emoções dos habitantes citadinos, reflete-se na segregação urbana, acarretando o fechamento da cidade. Partindo dessa percepção, busca-se identificar as propriedades do crime em um bairro de classe média e alta de João Pessoa, com relação ao nível de (in)segurança, a partir da quantidade de artifícios de proteção mural deste bairro, visando avaliar as relações entre forma do ambiente construído e comportamento antissocial. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 33 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 1.4 Estudos Urbanos do Crime - Revisão da Literatura Vários estudiosos e pesquisadores investigam problemas urbanos referentes à arquitetura, ao espaço e ao crime; além de identificarem, criticarem e esclarecerem tais questões, alguns deles fazem sugestões e desenvolvem técnicas para enfrentar o medo e a insegurança e criam artifícios contra ações delituosas e transgressivas. Esse item se baseia em algumas dessas reflexões, tanto em nível internacional quanto nacional. A década de 1960 representa o início de uma fase de preocupações a respeito das desordens urbanas, da criminalidade e da violência. Nos EUA e na Europa estudiosos e críticos urbanos se interessam pelo assunto, visando entendê-lo para solucioná-lo. “O governo federal norte-americano criou fundos para projetos de pesquisa que visassem às conexões entre projeto ambiental e criminalidade em áreas residenciais, especialmente naquelas criadas pelas políticas públicas de habitação popular” (TAYLOR, 2002: 414). Ver figuras 1.11 e 1.12. Figura 1.11 - Cabrini High-Rises, 1959. Figura 1.12 - Stateway Gardens, 1959, Chicago, prédios de habitação popular. (FONTE: www.encyclopedia.chicagohistory.org/pages/253.html) Surgem, então, nos Estados Unidos, mais precisamente em Chicago, grupos de estudiosos preocupados com os problemas urbanos das cidades norte-americanas. A Escola de Chicago, considerada o berço da sociologia moderna norte-americana, passou a discutir os problemas enfrentados por essa cidade, dentre tantas outras, através de estudos sobre o desenvolvimento urbano, a civilização industrial, a morfologia da criminalidade, além de outros estudos relacionados à cidade e à sociedade moderna. Tal escola tornou-se importante devido às contribuições de seus sociólogos para o desenvolvimento de métodos Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 34 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA de investigação empírica, que se tornaram referência para o desenvolvimento de outros grupos de estudo. Jane Jacobs (1961/2009)2 analisa e critica as cidades a partir de fatos reais e de observações in loco, pois considerava necessário sentir, perceber a cidade através de seus olhos e dos olhos da rua. Cidades, [...] um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e sucesso, em termos de construção e desenho urbano. É nesse laboratório que o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. Ao contrário, os especialistas e os professores dessa disciplina têm ignorado o estudo do sucesso inesperado e pautam-se por princípios derivados do comportamento e da aparência [...]; as vantagens e o comportamento das grandes cidades têm sido inteiramente confundidos com as qualidades, as necessidades, as vantagens e o comportamento de outros tipos de assentamentos menos ativos. (JACOBS, 2009:5) Seguindo a própria sugestão, a autora relata em seus textos exemplos vivenciados em sua vizinhança, comentando suas percepções e a percepção das pessoas comuns, consideradas autores principais e coadjuvantes daqueles espaços. Jacobs procura nos orientar sobre como os espaços urbanos podem se transformar, com uso diversificado de comércio, serviço, lazer, entre outros equipamentos, configurando uma diversidade urbana. Comenta, também, sobre espaços que proporcionem a presença de pessoas em diferentes horários, a existência de quadras curtas, a valorização de esquinas e percursos, além da convivência entre edificações antigas e contemporâneas. Para ela a permeabilidade do ambiente urbano permite o movimento circulatório de pedestre por todos os espaços, evitando o ócio e o desuso de locais que podem atrair transgressores. A autora salienta a importância das relações sociais urbanas e a melhoria da qualidade de vida, através dos „olhos da rua‟, que não são vigias fardados, nem câmeras que registram e inibem a espontaneidade dos cidadãos e, sim, as relações humanas, a vizinhança que mantém viva as interações sociais em um espaço público. As luzes não têm efeito algum se não houver olhos e não existir no cérebro por trás dos olhos a quase inconsciente reconfirmação do apoio geral na rua para a preservação da civilidade. (JACOBS, 2009:43) 2 Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título THE DEATH AND LIFE OF GREAT AMERICAN CITIES, em 1961. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 35 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Apesar de ter desenvolvido suas críticas e opiniões sobre o rumo que as cidades estavam tomando na primeira metade do século XX, as observações contidas no livro „Morte e Vida de Grandes Cidades‟ ainda são relevantes nos dias de hoje, sendo uma leitura utilizada correntemente pelos pesquisadores posteriores, cujas observações se pautam nas suas reflexões. Outro estudioso dos problemas das cidades norte-americanas, principalmente com relação à criminalidade e à segregação social, foi Oscar Newman, que desenvolveu estudos sobre os espaços defensáveis, nos quais identifica características espaciais de lugares seguros e inseguros e indica modos de contornar problemas de criminalidade. Segundo Newman (1996), seu interesse em pesquisar o espaço defensável surgiu na década de 1970, quando presenciou a demolição do conjunto habitacional Pruitt-Igoe, em St. Louis, construído para cerca de 2.740 famílias carentes (figuras 1.13 e 1.14). Considerado a princípio um projeto urbano e arquitetônico modelo, baseado nos princípios da arquitetura moderna, devido à falta de controle social e de identidade dos moradores com suas residências o conjunto se tornou um local suscetível a crimes, roubos e vandalismo, principalmente nas áreas comuns, como os corredores, escadas e hall. Figura 1.13 - Pruitt-Igoe, construído em 1960, St. Louis Figura 1.14 - Pruitt-Igoe, demolição em 1972. (FONTE: NEWMAN, 1996.) A partir desta demolição, Newman passou a estudar mecanismos que pudessem oferecer uma melhor qualidade de vida, como o controle comunitário já sugerido por Jane Jacobs, em seus 'olhos da rua'. Apesar de identificar a importância dos habitantes enquanto atuantes na segurança dos espaços públicos, o grupo de Newman constatou que “quanto maior o número de pessoas que compartilham um território, mais difícil para as pessoas identificarem-no como sendo delas, [...] facilitando o acesso e a permanência de estranhos Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 36 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA nas áreas internas do edifício.” (1996:17)3. Tal situação proporcionaria o surgimento de vândalos e o descompromisso cada vez maior do morador para com o prédio em que reside. Newman se preocupou em definir morfologicamente, através de tipologias de edificações, modos para estruturar um „espaço defensável‟, onde o habitante não se sentisse como um sujeito à parte, e sim como alguém responsável por aquilo que é seu e do público. Ele identificou três grupos comuns de edificações de moradia (figura 1.15): residências unifamiliares; edificações com até três pavimentos e sem elevadores; e edifícios verticais, acima de três pavimentos, com elevadores. Em cada grupo, analisou áreas privadas, públicas, semipúblicas e semiprivadas, a partir do que foi possível verificar os melhores pontos de observação e cuidado comunitário. Figura 1.15 - Tipos de habitações familiares. (FONTE: NEWMAN, 1996, adaptado pela autora.) Observações de Newman (1996), quanto às características privadas e públicas das habitações: Nas habitações unifamiliares todos os espaços interiores estão sob o domínio privado da família, a quem pertence o solo dentro do lote. Existe um limite bem definido entre o privado e o público e há um domínio semiprivado sobre a rua. Na habitação multifamiliar com até três andares, sem elevadores, há uma área de circulação comum no interior do edifício, espaço este considerado semiprivado porque é compartilhado por um número reduzido de famílias. O número de famílias e 3 Do original em lingua inglesa: “The larger number of people who share a communal space, the more difficult it is for people to identify it as theirs [or to feel they have a right to control or determine the activity taking place within it.] It is easier for outsiders to gain access to and linger in the interior areas of a building” Tradução livre da autora. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 37 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA pessoas que compartilham essas áreas comuns depende da forma como os acessos, corredores e escadas estão distribuídos. A única área privativa se reduz à parte interna do apartamento. O solo pode pertencer a uma família, mas também pode ser compartilhado com outros habitantes do prédio. A rua faz parte da área de influência da habitação. Na habitação multifamiliar com mais de três andares, a única área privada corresponde ao apartamento; as demais, como os corredores, as escadas, os elevadores, os halls e as áreas externas, são consideradas semipúblicas ou mesmo públicas. Newman identificou que o modo como as pessoas apreendem o espaço é tanto responsabilidade delas quanto da forma das edificações, que influencia diretamente o comportamento de vigilância. A questão central passa a não ser apenas os „olhos da rua‟, mas como esses olhos são capazes de identificar o outro e suas próprias responsabilidades. A vigilância natural passou a apresentar duas correntes de pensamentos similares e distintas, a similaridade corresponde à necessidade de existirem sempre pessoas capazes de observar a dinâmica urbana, a diferença entre Jacobs e Newman corresponde a que Jacobs defende a necessidade de existirem espaços abertos e permeáveis que favoreçam a circulação indistinta de pessoas ao longo do tempo, enquanto Newman sugere espaços fechados e impermeáveis, tornando-o acessível à circulação apenas de seus habitantes, que são capazes de identificar pessoas ou atos estranhos, tornando-se, assim, mais seletivos. [Surgiu] um enorme interesse sobre a idéia de que mudanças no projeto dos conjuntos habitacionais públicos poderiam motivar os residentes a cuidar de suas áreas comuns, a fiscalizar o seu uso, e assim auxiliar na prevenção de crimes. Newman criticou especialmente os projetos de edificações de grande altura, essas torres minimalistas (Wolfe, 1981), construídas em massa nas cidades norte-americanas ao longo dos anos de 1959 e 1960. (TAYLOR, 2002: 416) As reflexões dos dois estudiosos são bastante relevantes e concernentes para a pesquisa, porém, tais críticas e análises foram elaboradas para a realidade norte-americana. De qualquer maneira, busca-se compreender como tais observações são aplicadas na realidade brasileira. Observa-se que as configurações das habitações familiares no Brasil apresentam algumas das características identificadas por Oscar Newman (ver figura 1.15 e 1.16), porém existe um elemento físico que altera bastante as percepções de espaço enquanto responsabilidade social: o muro, artefato que passou a ser incorporado na Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 38 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA residência brasileira no momento em que as casas passaram a ser recuadas em uma das laterais dos lotes, nas chácaras construídas pelos barões do açúcar (no Nordeste) e do café (no Sul). E apesar da proposta modernista de se criar espaços livres de circulação e movimento, no Brasil o muro estava presente, mesmo de forma discreta, com poucos centímetros de altura, elevados de cobogós, ou gradis, mas estava lá delimitando um espaço privado, porém até essa etapa ainda se permitia certo controle da rua, por parte dos moradores e dos pedestres. Nos últimos anos esse elemento foi se tornando cada vez mais alto e impermeável, não existem mais as áreas semipúblicas, e as semiprivadas são restritas aos moradores das habitações multifamiliares, tais espaços proporcionavam um diálogo, uma ligação, uma preocupação, um controle como sugere Jane Jacobs e salienta Oscar Newman. No entanto, observa-se na maioria das cidades brasileiras um fechamento de seus lotes por muros cada vez mais altos, impermeáveis e adornados com equipamentos de segurança. Os espaços ficaram divididos basicamente entre privados e públicos, os “olhos da rua” ficaram limitados pelos pontos cegos dos muros. Verifica-se que tal atitude é adotada como medida de segurança, contudo questiona-se: será que as pessoas estão seguras dentro e fora desses muros. Figura 1.16 - Tipos de habitações familiares no Brasil. (FONTE: NEWMAN, 1996, adaptado pela autora.) Outra presunção a se considerar nesse trabalho é o movimento natural de pessoas nos espaços públicos, que Jacobs denomina de permeabilidade do solo urbano, considerado por ela como um fator positivo que permite o movimento circulatório de pedestre por todos os espaços, pois este por possibilitar a existência do movimento natural, torna assídua a copresença de pessoas que são elementos chaves para a segurança Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 39 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA urbana; tal conjectura também é argumentada por Bill Hillier em sua teoria da Sintaxe Espacial, em que ele analisa a estrutura da malha urbana a partir de suas relações de integração, profundidade, acessibilidade, visibilidade dentre outros padrões de análise; com o intuito de identificar não só uma economia de movimento, mas padrões de seguridade na malha urbana. Assim, surgiu o interesse em identificar em nosso objeto de estudo se o parcelamento do solo e a forma da malha urbana permitem o movimento natural, além de identificar a existência de amostras nas variáveis sintáticas da morfologia urbana que favoreçam ou desfavoreçam a criminalidade. Os problemas concernentes à criminalidade urbana se tornaram preocupações do sistema de justiça e policial dos Estados Unidos, a partir da década de 1970. O órgão responsável por resolvê-los é o Instituto Nacional de Justiça 4, que desenvolve estudos e apresenta propostas para um desenho ambiental apropriado, além de propor uma manutenção mais efetiva de suas recomendações. Tais procedimentos proporcionam espaços mais controlados, prevenindo-se, com isso, ações delinquentes. (TRAVIS, 1996) Dentre os grupos mais antigos, dedicados a esses estudos, está o CPTED (Prevenção do crime através da arquitetura ambiental) 5. A base do Crime Prevention Trough Environmental Design (CPTED) é que o desenho adequado e o uso efetivo do ambiente construído podem reduzir a incidência e o medo do crime. Por sua vez, leva à melhoria da qualidade de vida. (CPTED, 20036) Segundo Bondaruk (2007), a expressão Crime Prevention Through Environmetal Design foi criada em 1971 por Ray Jeffery, no livro “O Comportamento Criminal e o Ambiente Físico”7. A partir de então esse termo passou a ser utilizado pelos pesquisadores e estudiosos que abordavam conceitos relacionados à prevenção da criminalidade urbana através do desenho arquitetônico, principalmente nos Estados Unidos e no Canadá. Apesar de abordar os mesmo conceitos, o Reino Unido e a Austrália utilizavam a expressão Design Out Crime (Projetando a exclusão do Crime). Atualmente, na Inglaterra, utiliza-se o termo Design Against Crime (Desenho contra o crime), e suas propostas, além da questão arquitetônica e urbana, abrangem artigos de consumo em geral, como mobiliário, vestuário e acessórios. O Gabinete do vice-primeiro ministro de Londres, envolvido com questões de 4 National Institute of Justice Crime Prevention Through Environmental Design 6 Do original em lingua inglesa: “The basis of Crime Prevention Through Environmental Design (CPTED) is that proper design and effective use of the built environment can reduce the incidence and fear of crime. This in turn leads to improvements in the quality of life.” Tradução livro da autora. 7 Criminal Behavior and the Physical Environment 5 Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 40 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA sustentabilidade, solicitou a criação, em 2004, de um guia com o intuito de promover os princípios da prevenção da criminalidade, conhecido como Safer Places – The Planning System and Crime Prevention.8 A figura 1.17 mostra como se estruturam as organizações preocupadas com o crime, nos EUA e no Reino Unido, que, ainda hoje, são referência para outros países. Figura 1.17 - Organograma das abordagens do crime. (FONTE:TOWN, DAVEY, WOOTTON, 2003.) Partindo dos conceitos da CPTED (ZAHN, 2007), existem quatro princípios básicos a serem levados em consideração em um projeto arquitetônico, que partiram das indicações de Jane Jacobs (2009) e Oscar Newman (1996) e agem de forma preventiva, a fim de evitar futuros incidentes criminais. Tais medidas não implicam em coagir ou punir a prática criminosa, sendo estas consideradas responsabilidade policial por esses estudiosos. A vigilância natural – o olhar, a visibilidade do outro inibe a ação de criminosos; O controle de acesso (natural) – instalação de barreiras adequadas com o intuito de não autorizar o acesso de estranhos; O reforço territorial – definir fronteiras claras entre áreas públicas e privadas para estimular os moradores a cuidarem do que é seu e ao mesmo tempo respeitarem o território dos outros, desestimulando potenciais infratores. A administração e manutenção desse sistema – o cuidado com o lugar promove o reforço territorial, as pessoas se sentem mais à vontade para frequentar, olhar e cuidar desses espaços. 8 Lugares mais seguros – O Sistema de Planejamento e Prevenção do Crime. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 41 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Tais princípios definem estratégias que podem ser tomadas como referência na elaboração de um projeto que melhore as relações de segurança, são eles: permitir linhas de visão clara; fornecer iluminação adequada; minimizar rotas isoladas e escondidas; evitar o aprisionamento; reduzir o isolamento; promover a mistura de uso do solo; existência de atividades diversificadas no mesmo espaço; criar senso de propriedade por meio da manutenção e gestão; fornecer sinais de informação; e melhorar a concepção global do ambiente construído. Percebe-se que, em alguns países, devido à falta de atitude governamental com relação à segurança pública, a população adota medidas particulares para se prevenir contra o crime. A principal atitude é a criação de um reforço territorial: criam-se condomínios, instalam-se sistemas de controle de acesso único e estipulam-se regras internas de conduta. Observa-se, também, a busca em aplicar alguns pontos básicos indicados por Jacobs e Newman, cabe, todavia, um questionamento: tais procedimentos individuais resolvem o problema ou o agravam? Não existe um consenso entre usuários urbanos e nem estas medidas resultam de estratégias que visem à coletividade, além do principal ponto, a vigilância natural, não ser levado em consideração nas recomendações e nas estratégias seguidas. A seguir são sugeridas algumas estratégias de segurança elaboradas por órgãos internacionais, já comentados anteriormente, que podem servir de base para análise, elaboração e implementação de propostas que venham a melhorar a segurança de uma comunidade. Foi definido pelo CPTED (ZAHN, 2007) um processo de reconhecimento e resolução de problemas conhecido como SARA (scanning, analysis, response, and assessment), que requer um reconhecimento do problema, análise, resposta e avaliação, explicitadas no Quadro 1.1, que apresenta uma estrutura simples e de fácil compreensão para o desenvolvimento de um trabalho de segurança junto à comunidade. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 42 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Processo SARA Resolvendo problemas com CPTED: Reconhecimento do 1. Identificar, definir e investigar a existência / incidência de um problema (Scanning) problema; 2. Identificar as partes envolvidas na solução do problema. 3. Definir a combinação de reuniões e atividades necessárias para resolver o problema e criar uma agenda para o trabalho a ser desenvolvido. Análise (Analysis) 4. Reunir-se com as partes interessadas para esclarecer o problema e definir as metas e os objetivos do processo. 5. Coletar e analisar dados e informações sobre o problema. 6. Avaliar as ligações ou relações entre o problema e as condições ambientais. Resposta (Response) 7. Estabelecer os objetivos a serem alcançados através da implantação das estratégias do CPTED ou outras. 8. Identificar estratégias alternativas para alcançar as metas da implantação. 9. Avaliar a questão social, a viabilidade política, jurídica, financeira e tecnológica para a execução de cada estratégia. 10. Selecionar as estratégias mais promissoras, bem como criar e aprovar um plano para melhoria, que identifique estratégias específicas, necessidades definindo de questões recursos, financeiras além de e outras atribuir uma responsabilidade pela implantação e supervisão do processo, com apresentação de um calendário para a execução do plano e estabelecimento de indicadores de sucesso. 11. Empregar a medida mais promissora e viável (combinação de respostas imediatas), com melhorias de curto e longo prazo. Avaliação (Assessment) 12. Monitorar o progresso em relação aos indicadores de sucesso especificados na etapa 10. 13. Decidir se o processo deve ser repetido, devido à falta de progresso ou o surgimento de novos problemas. Quadro 1.1. - Resolução de problemas: empregando princípios da Prevenção do Crime Através do Desenho Ambiental. (FONTE: ZAHN, 2007) O Design Against Crime (DAC) é outro programa que visa à prevenção da criminalidade através de um projeto de educação e prática profissional, desenvolvido no Reino Unido por uma comissão de projetistas e pelo Departamento de Comércio e Indústria (TOWN, DAVEY, WOOTTON, 2003). O envolvimento dos profissionais do design possibilitou menor uso de equipamentos de segurança, como cadeados, cercas, sistema de TV e alarmes, considerados desagradáveis, pois até podem reduzir a vulnerabilidade de Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 43 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA crimes, porém aumentam a sensação de medo, não oferecendo realmente segurança aos cidadãos. O grupo parte de exercícios sobre como o ladrão invasor se comportaria no espaço, evitando criar artifícios que aumentam o medo e acabam criando problemas sociais, ou aumentando a gravidade dos crimes. Tal grupo identificou algumas características do desenho urbano que podem gerar o medo do crime, como: lugares isolados; falta de vigilância natural; iluminação insuficiente nas ruas e espaços públicos; falta de sinalização (orientação), proporcionando sentimento de vulnerabilidade; e falta de artifícios que possam evitar situações de ameaça. A partir dessas constatações, foram desenvolvidas propostas para reduzir o medo do crime através do design (TOWN, DAVEY, WOOTTON, 2003), entre as quais se destacam: Identificar o problema– descobrir informações sobre a natureza, o medo do crime, e qual o impacto que esse medo causa na sociedade; Definir objetivos e desenvolver uma estratégia – identificar onde e qual o tipo de crime; Trabalhar em parceria – identificar diferentes perspectivas sobre como solucionar o problema atuando junto com a comunidade, os projetistas, os planejadores urbanos, a polícia etc.; Inovar e aprender através dos bons exemplos – informações sobre bons exemplos são necessárias para indicar como proceder melhor; Selecionar e analisar as intervenções específicas – identificar o local do crime e requisitar soluções específicas; Implementar e gerir – buscar uma intervenção correta, eficiente, sustentável e sensata; Avaliar – analisar como o projeto está sendo desenvolvido, quais os resultados junto à comunidade e aos órgãos responsáveis pela segurança. O guia Safer Places é uma proposta do governo inglês, que tem como intuito ajudar a promover o planejamento de comunidades seguras e sustentáveis, preocupadas com a qualidade de vida urbana, proporcionando lugares onde as pessoas se sintam seguras e salvas, onde o crime e a desordem não prejudiquem a qualidade de vida. O grupo que coordena o projeto, juntamente com um conselho administrativo, trabalhou com profissionais da área, a indústria, a polícia e a comunidade. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 44 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA A partir desses estudos e recomendações pode-se inferir que a prevenção do crime e a segurança da comunidade são problemas que autoridades locais deveriam considerar, quando instituírem Planos e Legislação para a vida das cidades, além de procurarem proporcionar espaços que as pessoas queiram ocupar e usar, criando assim um senso de identidade comum entre os habitantes. As propostas do Safer Places (2004) para fazer uma comunidade sustentável são: 1. Economia local que gere emprego e renda para a comunidade; 2. Uma liderança forte que responda positivamente às mudanças; 3. Engajamento e participação local das pessoas; 4. Um ambiente seguro e saudável com espaços públicos bem projetados e verdes; 5. Tamanho, escala e densidade; 6. Bons transportes públicos e planejamento de uma infraestrutura boa de transporte; 7. Edifícios, individual e coletivo, com diferentes usos; 8. Casas bem integradas e decentes para diferentes tipos de vizinhança; 9. Diversidade cultural; 10. “Senso de Lugar”; 11. Integração entre a legislação regional, nacional e da comunidade internacional. O guia é apresentado por meio de estudos de casos bem sucedidos, servindo como lições para o planejamento e concepção de lugares seguros. Tais estudos ilustram os sete atributos propostos a comunidades sustentáveis, relevantes para a prevenção da criminalidade, definidos pelo Safer Places, que são: 1. Acesso e circulação: lugares bem definidos com vias, espaços abertos e entradas que proporcionem o movimento, sem comprometer a segurança; 2. Estrutura: lugares estruturados de modo que diferentes usos não causem conflito; 3. Fiscalização: espaços públicos acessíveis não negligenciados; 4. Propriedade: lugares que promovem uma sensação de propriedade geram respeito, responsabilidade territorial e sentimento de comunidade; 5. Proteção física: lugares que utilizam recursos de segurança bem concebidos; 6. Atividade: locais que oferecem recursos humanos, como atividades de lazer e comércio, são apropriados pela comunidade, criam um risco reduzido de criminalidade e aumentam o sentimento de segurança; 7. Gestão e manutenção: os lugares projetados com gerenciamento e manutenção desencorajam o crime no presente e no futuro. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 45 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA O Safer Places define a ocorrência de um crime, a partir de uma conjunção de oportunidades criminais, definidas pela motivação e disposição de um criminoso numa situação favorável para o crime; a situação compreende um alvo e um ambiente favorável; o alvo pode ser um objeto ou uma pessoa e o ambiente favorável proporciona ao criminoso executar a ação delitiva e fugir sem ser capturado. Com o intuito de evitar ações delitivas, o grupo Safer Places procurou orientar como tais ações ocorriam em um espaço físico, pensando a partir de uma “mente criminosa”, buscando identificar como criminosos exploram e utilizam o ambiente para suas ações, observando como o ambiente afeta a avaliação dos criminosos quanto ao esforço, ao risco e à recompensa na decisão de agir. Há considerações, também, acerca de como o criminoso age, levadas em consideração para o momento de um planejamento coercivo. Esses estudos e propostas são resultado de análises realizadas a partir de circunstâncias de países desenvolvidos que possuem grupos de pesquisas financiados pelo governo e apoiados pelos departamentos de segurança pública, há bastante tempo, e visam desenvolver propostas que melhorem a qualidade de vida urbana com relação à segurança. Como nos centros urbanos de países avançados o Brasil também apresenta problemas relacionados à violência, à insegurança nas ruas, à segregação social, entre outros. Segundo Gilberto Velho (2000), a criminalidade e a insegurança nas ruas não chegam a ser uma absoluta novidade entre nós, mas nos últimos vinte anos têm atingido dimensões epidêmicas, afetando toda a sociedade brasileira. A bibliografia a respeito da criminalidade e do espaço urbano no Brasil é restrita, recente e, ainda, muito atrelada à literatura internacional sobre o tema. Esses estudos começam a surgir entre nós no final da década de 1970 e início da década de 1980, focalizando a criminalidade e o espaço urbano. Alguns autores se fundamentam na Escola de Chicago, como Wagner Freitas (2002), em seu livro „Espaço Urbano e Criminalidade‟, que foca principalmente a sociologia do crime, a delinquência juvenil e o controle social, concluindo que estes proporcionam o aumento da segregação e dos índices de criminalidade. Teresa Caldeira (2008) produziu uma bibliografia sobre os problemas urbanos da cidade de São Paulo, relacionados ao crime, à segregação e ao tipo de política adotada pela comunidade. Com abordagem antropológica a autora faz reflexões acerca da realidade brasileira, analisando como o crime, o medo da violência e o desrespeito aos direitos da cidadania têm se combinado, gerando transformações urbanas, produzindo um novo padrão de segregação espacial, os enclaves fortificados. Para essa estudiosa “muro” é um Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 46 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA elemento que estabelece diferenças, impõe divisões e distâncias, constrói separações, multiplica regras de evitação e exclusão, e restringe o movimento; este elemento, porém, é utilizado como artifício de proteção privada no Brasil, intensificado a partir da década de 1970 com a redemocratização, sendo erigido principalmente nos bairros de classe média e alta, onde a vida social passou a ser privatizada e interiorizada por trás desses muros. Esse tipo de organização do espaço público se espalhou pelo mundo inteiro no momento em que muitas sociedades que o adotam passam por transformações de democratização política, fim de regimes racistas e crescente heterogeneização resultantes de fluxos migratórios, indicando a complexidade das ligações entre formas urbanas e formas políticas (CALDEIRA, 2008: 12). Assim, o medo, a segregação e o desejo de segurança do habitante urbano alteraram a qualidade do espaço público principalmente nos bairros, onde não foram considerados os ideais de heterogeneidade, acessibilidade e igualdade, sugeridos pelos teóricos modernos e pós-modernos, pois a própria observação participativa (método proposto por Caldeira) torna-se inviável neste espaço, já que observadores são sempre vistos como suspeitos e tornam-se alvos dos serviços de segurança privada. As reflexões de Caldeira tornam-se relevantes para o embasamento desse trabalho, que tem como enfoque o problema da criminalidade no bairro Manaíra, já que a pesquisa se aprofunda especificamente sobre este assunto no Brasil, e analisa alguns enclaves fortificados em São Paulo, utilizando como variável o muro. Atualmente, existem grupos de pesquisas em instituições de ensino superior no Brasil desenvolvendo estudos relacionados à violência, crime e medo urbano; dentre tais grupos podemos destacar o da “Arquitetura da Violência”, da Universidade Federal Fluminense, financiado pela FAPERJ (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado de Rio de Janeiro) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Este grupo, coordenado por Sônia Maria Taddei Ferraz, tem desenvolvido trabalhos sobre a arquitetura da violência, principalmente em grandes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo. O grupo de pesquisa LATTICE - Laboratório de Tecnologia e Investigação da Cidade, na UFPE - Universidade Federal de Pernambuco, coordenado por Circe Maria Gama Monteiro e José de Souza Brandão Neto, tem desenvolvido estudos sobre espaço e crime em Recife. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 47 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA O GREM, Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção da Universidade Federal da Paraíba, desenvolve trabalhos dentro da linha de pesquisa Medos urbanos e sofrimento social; tem como coordenador o professor Dr. Mauro Guilherme Pinheiro Koury. Também existem trabalhos desenvolvidos nos departamentos de Polícia e Segurança Pública de alguns estados brasileiros. Em 2006, o Tenente Coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Marco Antonio Amaro, lançou o livro Arquitetura contra o crime: prevenção do crime através da arquitetura ambiental, e, no ano seguinte, o Coronel da Polícia Militar do Paraná, Roberson Luiz Bondaruk, publicou o livro A Prevenção do Crime Através do Desenho Urbano. Tais autores buscam identificar como a criminalidade se comporta no Brasil e indicam procedimentos para impedir a criminalidade. Bondaruk (2007) pesquisou, nos anos de 2005 e 2006, residências com maior ocorrência criminal na cidade de Curitiba. Infere-se nessa pesquisa que certas soluções contra atos delinquentes podem ter efeitos negativos ou contrários à desejada proteção, pois se identificou que ao se fechar um lote residencial por trás de muros altos, para o meliante é uma boa oportunidade de realizar seus crimes, pois a partir do momento que se consegue entrar na residência ninguém de fora consegue ver ou perceber o que se passa por dentro da edificação, fato percebido nas residências vitimizadas e relatado pelos presidiários que comentem furtos. A polícia militar do Estado do Paraná, juntamente com o Coronel Roberson Luiz Bondaruk desenvolveu uma série de cartilhas que orientam cidadãos e moradores a se prevenirem contra atos criminosos; tais cartilhas visam à prevenção através da educação e da prática profissional. As cartilhas (figura 1.18) estão disponíveis na internet e servem de orientação não apenas para os municípios do Paraná, mas para todas as cidades do Brasil, que compartilham dos mesmos problemas urbanos e sociais e veem estes problemas com a mesma ótica do autor desses estudos. Figura 1.18 - Cartilhas de Segurança, desenvolvidas pela polícia militar e financiadas pelo CREA-PR. (FONTE: http://www.antidelito.net/?arquivo=cartilhas.htm) Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 48 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Tanto Amaro (2006) quanto Bondaruk (2007) procuram orientar e encaminhar a população brasileira para uma melhor forma de se planejar e proteger contra o crime em uma edificação ou espaço urbano, sugerindo recomendações que não facilitem atos de criminalidade, nos espaços residenciais, comerciais, públicos e de lazer. Nos dois autores, todavia, identifica-se uma visão mais externa do crime que superficializa uma problemática bem mais complexa, que tem fundamento cultural, político, social e econômico. Os estudos e pesquisas explorados até então, serviram de embasamento ao trabalho quanto aos objetivos de análise, que se referem ao controle social com relação ao tipo edificado e ao crime; aos campos de visão e relações de copresença entre edifício e espaço público. Esclarecem formas de avaliação e observação do problema através de análises e observações, principalmente do elemento construído, para em seguida desempenhar procedimentos que amenizem ou eliminem atos delinquentes. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 49 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 1.5 Estudos Morfológicos e O Crime - Referencial Metodológico Como o trabalho procura identificar possíveis relações entre crime e espaço urbano, houve uma necessidade de se conhecer as características morfológicas do espaço em estudo. No âmbito da cidade, a morfologia estuda e analisa a aparência urbana, procurando compreender como as pessoas interagem no contexto, considerando sua forma e função. A análise urbana a princípio estudava apenas a forma dos elementos topográficos do espaço construído, havia uma deficiência com relação ao processo histórico e às relações estabelecidas nessa forma urbana. Ao longo dos últimos anos, a Morfologia Urbana passou a abordar o planejamento da cidade, o parcelamento do solo, a imagem urbana e o edifício, as permanências e rupturas através de uma visão da história urbana. A edificação passou a ser um elemento relevante nos estudos morfológicos. Existem diferentes tipos de abordagem do comportamento morfológico dos lugares, analisados por diversos pesquisadores, dentre tais abordagens, temos: a Escola de Chicago e Jane Jacobs, que avaliam as expectativas psicossociais, identificando como os indivíduos reagem e se comportam no ambiente; Choay e Barthes, que enfocam as expectativas da informação, em que se trabalha com o significado de símbolos e signos; Kevin Lynch e Gordon Cullen, que abordam a análise topoceptiva da imagem mental; além de outros pesquisadores, que trabalham com estudos das cidades e seus elementos constituintes, mediante análises tipológicas, trama urbana, entre outras abordagens. A Morfologia Urbana, portanto, estuda a forma da cidade ou dos aglomerados humanos, colocando-se em evidência a paisagem e a estrutura global das cidades, sendo definida em: solo, lote, quarteirão, logradouro, conjunto edificado, fachada, rua, traçado, praça, monumento, vegetação, mobiliário, entre outros elementos que são articulados entre si e definem os lugares que constituem o espaço urbano. Um dos elementos primordiais a ser observado nesse estudo é a rua, pois é nesse espaço citadino onde acontece a maioria das ocorrências criminais que integraram nosso estudo. Na visão de Roberto da Matta (1997), a rua é um local ocupado por categorias sociais que ali vivem como se estivessem em casa, porém, segundo a visão do antropólogo, há uma diferença de comportamento na casa e na rua: no primeiro existe um senso de coletividade, não se admite contradição, todos que se apropriam desse espaço participam de uma relação próxima de afinidade; enquanto que a rua é o local da individualização, cada Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 50 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA um está por si. A rua é o local do desconhecido, „terra que pertence ao governo ou ao povo‟, terra de ninguém. [...] até hoje a sociedade parece fiel à sua visão interna do espaço da rua como algo movimentado, propício a desgraças e roubos, local onde as pessoas podem ser confundidas com indigentes e tomadas pelo que não são. (MATTA, 1997: 58) Nesse pequeno trecho, o autor expõe a „rua como algo movimentado‟, onde se realizam ações, porém, ao mesmo tempo, algo perigoso, desconhecido, onde o indivíduo pode ser confundido com indigente ou marginal. Com isso, a rua, além de ser um elemento formal do espaço urbano, também é um local funcional, sendo seus espaços um fator importante na dinâmica da cidade. Estudando a questão formal e funcional da cidade, Bill Hillier (2007: 113) entende que “a maneira como organizamos o espaço em determinada configuração é a chave tanto para as formas da cidade, quanto para a maneira como os seres humanos funcionam nas cidades” 9. O autor identifica as cidades como sistemas de meios e fins, onde os meios são físicos e os fins funcionais, todavia ressalta-se uma ignorância no modo como as cidades estão sendo analisadas e planejadas, pois não existe um compartilhamento de decisões entre o objeto físico e espacial e os processos funcionais, ocasionando uma desestruturação urbana. No estudo morfológico da criminalidade, Hillier distingue dois processos interdependentes que apresentam características específicas. São eles: o movimento natural e a Sintaxe Espacial. 1.5.1 O Movimento Natural O termo movimento natural, foi uma expressão adotada por Hillier (1993, 1996/2007) para explicar a relação entre o movimento na cidade e a configuração da malha urbana. Este movimento é a capacidade de deslocamento dentro de uma estrutura urbana através de suas rotas de acesso, que podem ser mais ou menos acessíveis dependendo da maior ou menor ligação com outras rotas de uma mesma malha urbana. 9 Do original em inglês: “How we organize space into configuration is the key both to the forms of the city, and how human beings function in cities.” Tradução do texto Edja Trigueiro e D. Pereira, para uso em sala de aula. (p.3) Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 51 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA As pessoas apreendem os espaços urbanos e interagem com ele de acordo com as suas impressões: de proximidade ou distância dos percursos que pretendem tomar; dos lugares mais acessíveis; dos lugares mais seguros; dos espaços a se evitar; de como acham a cidade inteligível, dentre outras intenções e referências de quem se locomove. Porém, há um fator em comum, pertinente em todas as cidades às „forças socioeconômicas‟, que são definidas pelo movimento natural e pela estrutura da malha urbana: o primeiro influencia na configuração espacial, e o segundo é o elemento definidor da circulação de pedestres e/ou veículos, como argumenta Hillier (1996/2007). Esse movimento independe dos atrativos físicos ou de magnetos, ele é determinado, apenas, pela configuração da malha urbana, sendo esta definida pelas rotas de acesso, vias de circulação. Para Hillier o fator fundamental de correlação com a configuração espacial é o movimento e os dois estão intrinsecamente relacionados: enquanto o movimento dita a configuração do espaço na cidade, a configuração espacial, por sua vez, determina o movimento, permite a circulação, favorece a relação de copresença entre os diversos grupos que interagem em um espaço urbano, possibilitando a presença e a observação dos que estão dentro e fora desses lugares. Como Jacobs (2009) já argumentava, o movimento é um potencial de segurança e de pertinência com o lugar. Tudo parece relacionar-se com espaço, e, portanto com movimento de alguma forma: comércio varejista, densidade edilícia, a maioria dos tipos de uso do solo parece ter uma lógica espacial que pode ser expressa como uma relação estatística entre as medidas espacial e funcional. Até mesmo crime pode ser espacialmente correlacionado. (HILLIER, 2007: 124)10 Hillier identifica “uma fissura entre compreensão e projetação, entre pensamento e ação.” (2007: 111)11. Para ele não existe uma preocupação em promover a interação entre o elemento edificado e o urbano, entre o físico e o funcional; não se avalia o movimento natural. As decisões projetuais, mesmo pequenas, constroem espaços que serão lidos e apreendidos por seus usuários, na sua configuração, como um conjunto de potencialidades, porém o mau conhecimento das propriedades espaciais pode gerar lugares vulneráveis, perigosos, inseguros e desurbanos. 10 Do original em inglês: “everything seems to relate to space, and therefore to movement in some way: retail, building densities, indeed most types of land use seem to have some spatial logic which can be expressed as a statistical relation between spatial and functional measures. Even crime can be spatially correlated.” Tradução do texto Edja Trigueiro e D. Pereira, para uso em sala de aula. (p.11) 11 Do original em inglês: “a split between understanding and design, between thought and action.” Tradução do texto Edja Trigueiro e D. Pereira, para uso em sala de aula. (p.2) Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 52 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Com o intuito de compreender as características que definem um espaço, Hillier, juntamente com outros estudiosos, desenvolveu a teoria da sintaxe espacial, que tem como um de seus componentes a noção de movimento natural. Tal pesquisador argumenta que não só as tipologias edilícias relacionam-se com o espaço urbano, o crime também pode ser analisado pelas propriedades espaciais. Sendo assim, o trabalho utilizou como ferramenta a sintaxe espacial juntamente com dados criminais, com o intuito de identificar alguma correlação entre a estrutura da malha urbana e o crime. 1.5.2 A Sintaxe do Espaço e o Crime A Sintaxe Espacial teve suas primeiras reflexões no início da década de 1970, com textos que esclareciam as primeiras ideias sobre essa abordagem, produzidos por Hillier e Leaman. Nessa época, Hillier cunhou a expressão “Sintaxe Espacial”, até hoje adotada, para identificar esse instrumento de análise urbana. Na década de 1980, com a publicação do livro - The Social Logic of Space12, de Hillier e Hanson, essa teoria foi trabalhada epistemologicamente, com a definição de conceitos e a criação de categorias analíticas das várias feições dos elementos do espaço urbano (HOLANDA, 2002). Um dos métodos da sintaxe parte da análise axial do espaço, no qual se avalia trechos do espaço urbano, como ruas e praças através das sequências ordenadas ao longo de linhas retas, que são definidas pelo menor número possível das linhas mais longas que cobrem um espaço aberto e formam uma matriz viária. Cada linha tem uma profundidade mínima, que não é definida em função do seu tamanho, mas da relação com todas as outras linhas da malha urbana, identificando-se em cada uma delas, propriedades espaciais relacionadas com a possibilidade de movimento, sendo elas: integração global e local, conectividade, inteligibilidade, dentre outras. A Integração Global, também conhecida por Raio-n ou Rn, é uma variável da sintaxe espacial que analisa o quão profunda é uma linha com relação a todas as outras linhas da malha urbana; essa propriedade é o melhor indicador da escala maior de movimento, principalmente veicular, ou de como a cidade é apreendida com relação ao todo de sua malha urbana. (HILLIER, 2007) A Integração Local, ou variável R3, difere da Integração Global, com relação ao nível de profundidade de análise de cada linha, que é calculado a partir de três passos. Esta variável, segundo Hillier (2007:101), é o melhor indicador da menor escala de movimento, 12 A Lógica Social do Espaço Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 53 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA ou seja, a escala dos pedestres, pois estes tendem a percorrer caminhos mais curtos, observando a malha de uma forma mais localizada. A Conectividade é uma medida de acessibilidade que indica o número de conexões por linha axial; já a inteligibilidade é a relação entre o numero de conexões (conectividade) pela propriedade espacial de integração, ou seja, quanto mais bem conectado e integrado for às linhas axiais de um malha urbana, mais inteligível é o sistema (Hillier, 2007). Através desses mapas, estabeleceram-se padrões de relações entre as barreiras e a permeabilidade dos diversos tipos de espaços; identificou-se a existência de propriedades urbanas que se correlacionavam entre si, e, atualmente, essa técnica de análise abrange uma infinidade de grupos de pesquisas que trabalham com análises não só sobre o ambiente urbano, mas sobre a própria composição dos espaços edilícios (TURNER, 2004). De acordo com Chiaradia, Hillier e Scwander (2009), a maioria das pesquisas de sintaxe e crime enfoca as condições espaciais do desenho urbano, da micro para a macroescala; algumas delas foram utilizadas como referência para o desenvolvimento desse trabalho. Tais pesquisas indicam os vários pontos de vista pelos quais os padrões espaciais podem ser analisados: o ambiente construído, a diferenciação espaço-tempo, e a relação das distribuições de atividades e risco de vítimas. As figuras ilustram um processo de análise sintática espacial da rede viária, de um bairro em Londres, nas quais se identificam os pontos de roubo residencial na figura 1.19, e roubos a pessoas na figura 1.20. Identificase, neste estudo, que o roubo residencial tende a acontecer com maior frequência em vias menos acessíveis, já o roubo a pessoas é mais linear, ocorre nas vias mais integradas, destacadas nas linhas em vermelho e laranja. Esse estudo proporcionou explorar como o crime se comporta com relação às linhas de movimento do objeto de estudo, identificando as especificidades de crime, entre roubo a pessoas e roubo a residências. Figura 1.19 - Análise Sintática Espacial da rede viária, de um bairro em Londres, x roubo residencial Figura 1.20 - Análise Sintática Espacial da rede viária, de um bairro em Londres, x roubo a pessoa (FONTE: CHIARADIA, HILLIER E SCWANDER, 2009) Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 54 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Existem pesquisas que analisam as relações espaciais da rua em termos de espaços públicos e privados, identificando como a configuração espacial afeta as pessoas, além de enfocar aspectos ligados à criminalidade e como a condição espacial da escala macro e micro afeta o roubo a residências (AKKELIES VAN NES, 2005; LÓPEZ e AKKELIES VAN NES, 2007); outras demonstram interesse na relação entre o ambiente construído e o crime, especificamente o roubo, destacando como diferentes aspectos do espaço afetam as diferentes maneiras de roubo (SAHBAZ E HILLIER, 2007). Tais trabalhos enfocam a acessibilidade como fator relevante para a investigação de ações antissociais. BARA, SMITH E TOKER (2007), utilizaram o método de geoprocessamento juntamente com space syntax; no qual analisaram as ocorrências de eventos criminais e a configuração espacial, confirmando a visão de Jacobs, que observa serem a circulação de pessoas e a valorização dos espaços públicos elementos cruciais para a vitalidade urbana e a vigilância natural; SHU (2009) analisa dois estudos de caso em Taiwan e compara com cidades inglesas, enfocando três elementos principais: os tipos de vias, o grau de acessibilidade e como se caracterizam as imediações de cada habitação com relação a incidentes criminais; AWATUCH (2009) trabalhou com dois estudos de caso localizados na Polônia - um é considerado o mais seguro da cidade de Gdansk, enquanto o outro, com características similares, era considerado o mais inseguro, trabalharam diretamente com a relação espacial forma e função. MONTEIRO E IANNICELLI (2009) realizaram uma pesquisa no Brasil, na cidade do Recife, Pernambuco, abordando como estudo de caso um dos bairros mais miscigenados da cidade - Boa Viagem -, com uma variância de população extremamente rica à extremamente pobre. Analisou-se que os crimes urbanos mais comuns dessa região, furto e roubo, estão associados respectivamente com aspectos espaciais: global e local; também foram identificadas a hora mais propícia ao crime e qual a relação da proximidade do crime com as favelas do bairro. As figuras 1.21, 1.22 ilustram os dias e as horas das ocorrências de roubo e furto, respectivamente, no bairro de Boa Viagem. Identifica-se que o roubo é mais frequente na sexta-feira à noite, enquanto que o furto é mais comum no sábado à tarde. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 55 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 1.21 - MUGGING : Ocorrências de roubos por dia da semana Figura 1.22 - THEFT: Ocorrências de furtos por dia da semana (FONTE: MONTEIRO E IANNICELLI, 2009.) Também se identificou nessa pesquisa que os lugares perigosos não ficam imediatamente próximo das favelas, mas está relacionado a um conjunto de fatores como a existência de “equipamentos que atraem um grande volume de público em horários específicos e as questões ambientais” (MONTEIRO E IANNICELLI, 2009). Tal processo foi identificado pela medida sintática de profundidade, que compreende o número de passos a partir de cada via para se chegar a outra via. Na figura 1.20, identifica-se um dos exemplos desse trabalho, observa-se que na Av. Visconde de Jequitinhonha o crime aumenta a partir do segundo e terceiro nível de profundidade a partir da favela do Veloso, onde se encontram bancos, mercados, comércio e hotéis. Enquanto que na Av. Fernando Simões Barbosa, apresenta-se uma grande quantidade de crimes no primeiro nível de profundidade, que aumenta no segundo, e se reduz do terceiro para o quarto nível, fato este identificado pela existência de alguns restaurantes e bares próximo a esta favela. Figura 1.23 – Profundidade x crime. (FONTE: MONTEIRO E IANNICELLI, 2009.) NETTO e JELVEZ (2009) trazem questionamentos a respeito do papel passivo do espaço nos estudos de criminalidade e espaço urbano. Destacam o recurso do geoprocessamento para mapear as incidências criminais e o consideram uma ferramenta Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 56 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA importante para identificar, policiar e intervir, como nos hot-spots (pontos com maior ocorrência criminal), porém, tal recurso traz algumas ressalvas com relação à forma de representação, pois desconsidera a diferenciação entre espaço público, espaço privado e espaço edificado, não identificando as características morfológicas e usuais do espaço, sendo este tratado apenas como pano de fundo. As figuras 1.24 e 1.25 mostram dois mapas de hot-spot, nos quais se pode identificar, pelas cores mais quentes, onde ocorre maior incidência criminal, porém, torna-se difícil especificar como tais crimes se comportam morfologicamente com relação à distribuição de atividades e usos destes espaços. Figura 1.24 - Hot-spots de roubos de automóveis em Los Angeles Figura 1.25 - Padrões de atividade criminosa. (FONTE: http://www.ipam.ucla.edu/programs/chs2007/ apud Netto e Jelvez, 2009.) Os autores, então, passaram a discutir a necessidade de se utilizar instrumentos complementares ao geoprocessamento, levando em consideração o papel ativo do espaço urbano, utilizando ferramentas que definem as características configuracionais das cidades, como a sintaxe espacial de Hillier, a distribuição do uso e ocupação do solo, a identificação da distribuição de densidades e centralidades urbanas, além de trabalhar, também, com variáveis sociológicas. Pesquisas sobre a criminalidade tornaram-se recorrentes ao longo dos últimos cinquenta anos. Estudiosos e pesquisadores partiram de análises sociais, chegando a identificar, através de ferramentas georreferenciadas, ocorrências de criminalidade pontuadas em mapas urbanos, associadas com características urbanas, sendo possível identificar como o espaço urbano favorece a incidência criminal. As propostas atuais procuram ir mais além, antevendo futuras distribuições de crimes e orientando a comunidade através de guias e cartilhas de prevenção. Este trabalho traz um recorte da cidade de João Pessoa, num bairro específico de classe média e alta; desse espaço foram analisados alguns elementos morfológicos, para identificar as correlações entre o crime e a estrutura urbana considerada, desta enfocamos: a rua, a densidade edilícia, os padrões e a diversidade do uso do solo. Neste estudo buscase adotar as abordagens e instrumentos de análises descritos neste capítulo. Pistas Urbanas: Fundamentação Teórica e Metodológica 57 2. Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo O universo do crime oferece imagens que permitem tanto expressar os sentimentos de perda e decadência social [...] quanto legitimar o tipo de reação que se vem adotando: segurança privada para garantir o isolamento, encerramento e distanciamento daqueles que são considerados perigosos. (CALDEIRA, 2008:10) Os reflexos da violência urbana, da segregação espacial, do medo e da insegurança fazem parte da estruturação urbana de muitas cidades do mundo, da América Latina e do Brasil. Visando configurar mais adequadamente o objeto do estudo, pareceu relevante situar o bairro Manaíra no contexto histórico da cidade de João Pessoa. Os espaços geográficos, os bairros, as ruas, etc, embora expressem realidades específicas, distintas, revelam, todavia, traços do contexto social mais amplo onde se situam, no tempo e no espaço. Esse capítulo tem por intuito esclarecer o processo de urbanização da cidade de João Pessoa, onde se revela a segregação social e urbana, presente na formação de muitas cidades brasileiras. Enfoca-se a formação do bairro objeto de estudo, apresentando suas características sociais e morfológicas. Por fim, situa-se as transformações recentes do Manaíra, onde a violência e o medo integram o cotidiano de seus habitantes, percebidas nas medidas adotadas pelos moradores e comerciantes para se prevenirem contra atos delinquentes. ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 2.1 Um Pouco de História Cidade de Nossa Senhora das Neves Fortalezas e Fortes Figura 2.1 - Mapa intitulado Afbeelding Der Stadt En Fortressen Van Parayba. Autor: Claes Jansz Visscher, 1634. À esquerda localização da cidade de Nossa Senhora das Neves (João Pessoa) e à direita os três fortes da Parahyba. (FONTE: Adonias, 1993) A fundação da cidade de Nossa Senhora das Neves, capitania da Parahyba, em 5 de Agosto de 1585, seguiu as recomendações da metrópole portuguesa para com suas colônias. Foi implantada a quarenta metros acima do nível do mar e a vinte quilômetros da foz do Rio Parahyba, sendo gradativamente erguidas algumas fortificações para proteção do território: a Fortaleza de Santa Catarina, ao sul; o Forte de Santo Antônio, ao norte; e o Fortim de São Bento, situado na Ilha da Restinga (ver figura 2.1). O local oferecia fatores importantes para a localização da cidade, como a existência de pedra calcária e a presença de fontes de água doce (PIZZOL, COUTINHO, LIMA, 2006). Por muitos séculos, a malha urbana ficou restrita ao seu núcleo inicial, dividida entre cidade baixa e cidade alta; na primeira área, conhecida como varadouro, localizavam-se as atividades comerciais, com armazéns, lojas, o Porto do Capim e a alfândega; na segunda área se acomodaram as edificações administrativas, religiosas e residenciais. Contribuíram para essa estagnação, não só o processo de ocupação portuguesa nas colônias, explorando Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 59 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA a matéria-prima e instalando apenas pequenos núcleos urbanos para garantir a posse das terras, como a proximidade com as vilas de Recife e Olinda, na capitania de Pernambuco, onde a vida urbana era mais dinâmica. N Figura 2.2 - À esquerda, mapa de João Pessoa Imagens do Brasil Colonial, Frederica Civitas 1640 à 1647. Figura 2.3 - A direita, planta da cidade da Parahyba por volta de 1640. (FONTE: Nestor Goulart Filho, 2000 apud SOUSA e NOGUEIRA, 2008, adaptação da autora.) As figuras 2.2 e 2.3 ilustram a cidade de João Pessoa no século XVII, ilhada entre o rio e a mata atlântica, com trilhas de caminho para leste, em direção às praias de Cabedelo e Tambaú; ao sul, Olinda, Pernambuco; e oeste, interior da capitania da Paraíba. Na segunda metade do século XIX, o Estado da Paraíba passou por sérias crises econômicas, como a do açúcar, provocada pelas secas de 1877 e de 1898, o que causou a migração das pessoas do campo para a cidade. Com o crescimento populacional, a cidade alta se firmou como área residencial, administrativa e financeira e passou por melhorias na infraestrutura, com a instalação de equipamentos urbanos que atendessem às necessidades básicas da população, o que passou a atrair, também, a burguesia rural. A „concentração‟ da zona residencial nas ruas Nova e Direita, e do comércio no Varadouro e nas Convertidas, levava a aristocracia emigrada não mais a procurar o sobrado como simples residência de inverno, [...], mas como único meio viável de estar presente nas zonas socialmente mais importantes da cidade. E morar em sobrado, distante de tudo o que se passasse na rua, resguardado das aventuras imprevisíveis de um contacto mais direto com o exterior [...] morar assim, encastelado, veio a se tornar sinônimo de importância, de prestígio e riqueza. Viver em sobrado queria dizer, portanto, segurança e posição e garantia status social. (AGUIAR e OCTÁVIO, 1989:107): Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 60 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA A descrição dos historiadores paraibanos encontra paralelo nos textos de Gilberto Freyre, indicando que o ambiente da Casa-Grande e Senzala (1933/2006) de um país colônial passou a dar espaço aos Sobrados e Mucambos (1936/1996), com a vinda do príncipe regente e a Primeira República. No habitar urbano, a casa se tornou a unidade basilar, embora os sobrados, residência da população abastada, negassem a rua, considerada o lugar do pobre, espaço apenas de circulação e residual. Como argumenta Leitão, “a arquitetura, que começa a definir o espaço edificado nas cidades brasileiras vai refletir, naturalmente, o lugar social de cada morador, não apenas na forma, no emprego de materiais nobres, mas também no volume edificado.” (2005:236) Assim, as cidades brasileiras continuam a refletir as relações coloniais, com a exclusão social e a segregação dos espaços entre ricos e pobres, configurando-se como espaços de disputa. As dimensões de João Pessoa se expandiam aos poucos, com ocupação dos vazios urbanos e de alguns espaços entre sítios e fazendas vizinhas. Silveira (2004) aponta uma diferenciação na concentração urbana em dois setores distintos: o crescimento sul, pelas avenidas das Trincheiras e Cruz das Armas; e o crescimento nordeste/leste, sentido Bica do Tambiá. Posteriormente, foi instalado o sistema de bondes, favorecendo a ampliação da malha urbana para esses dois sentidos, ver na figura 2.4. “Sobre os trilhos do bonde, ricos e pobres, brancos e negros se deslocavam pela cidade, fosse a trabalho, durante os dias úteis, fosse a passeio, nos finais de semana.” (COUTINHO, 2004:49). Com a instauração da República, o Brasil passou por mudanças econômicas e estruturais, baseadas nos valores burgueses e positivistas dos países europeus, sob o trinômio sanear, circular e embelezar. A mudança na estrutura urbana colonial do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, tornou-se exemplo de reforma urbana para as outras cidades brasileiras, nas quais médicos, engenheiros sanitaristas e inspetores de saúde pública passaram a produzir relatórios que identificavam pontos preocupantes a serem melhorados, nesse período realizou-se a abertura de grandes avenidas, com a consequente eliminação dos cortiços insalubres; foram criados grandes eixos com belas perspectivas; padronizou-se a altura das edificações; construíram praças e parques urbanos. Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 61 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA N LEGENDA: Primeiros aglomerados urbanos: Cidade Alta Cidade Baixa Ocupação espontânea Expansões: Nordeste/Leste (Tambiá) Sul (Jaguaribe) Figura 2.4 - Planta da cidade da Parahyba, em 1855, levantada por Alfredo de Barros e Vasconcelos 1º Tenente do Corpo de Engenheiros. (FONTE: Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, editado pela autora.) No início do século XX, incentivado pelas recomendações higienistas dos ares litorâneos, o governador da cidade da Parahyba, o engenheiro sanitarista João Machado, promoveu alguns benefícios de infraestrutura. Em 1906, a partir dos trilhos da linha de bonde de Tambiá, ele criou a Ferrovia de Tambaú, que saía da Cruz do Peixe, e tinha como destino o atual bairro de Tambauzinho, impulsionando o crescimento da cidade na direção leste. No ano seguinte, com a construção da ponte sobre o Rio Jaguaribe, houve uma expansão dos trilhos até o distrito da Praia de Tambaú. A ocupação dessas novas áreas repercutiu igualmente sobre a construção diferenciada e setorizada do espaço, demarcando a expansão urbana da cidade, como aponta Silveira (2004). Em 1918, seguindo os trilhos da linha férrea, foi aberta uma avenida de trinta metros de largura com cinco quilômetros de extensão, que partia da Usina Cruz do Peixe até a Enseada de Tambaú. No entanto, a construção da ponte sobre o Rio Jaguaribe permaneceu incompleta até a década de 1930, sendo finalizada apenas em 1936, ver figuras 2.5 e 2.6. Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 62 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 2.5 - Linha férrea Cruz do Peixe, 1924, futura Avenida Epitácio Pessoa. (FOTO: Voltaire. FONTE: http://paraibanos.com/joaopessoa/fotos-antigas.htm) Figura 2.6 - Avenida Epitácio Pessoa de encontro com o mar, 1950 (FONTE: PEREIRA, 2008) Com a conclusão da Avenida Epitácio Pessoa, no trajeto entre Cruz do Peixe e Tambaú, e a substituição do bonde a tração animal pelo bonde movido a energia elétrica, na década de 1940 houve uma frequência maior de pessoenses à orla marítima, não só para veraneio, mas para lazer nos fins de semana. O bonde foi desativado, em 1950, e o automóvel passou a exercer influência direta sobre a relação transporte - uso do solo (SILVEIRA, 2004). Os sítios e fazendas, situados à margem do percurso da Ferrovia Tambaú e posteriormente da Avenida Epitácio Pessoa, então valorizados, levaram à criação de vários bairros entre o centro e a praia, e ampliando a malha urbana em direção ao mar. ANO POPULAÇÃO ÁREA (Km²) DENSIDADE HAB/HA 1634 - 0,46 - 1855 20.099 1,86 108,14 1889 18.645 2,14 87,08 1923 52.990 5,06 104,69 1930 73.661 10,72 68,70 1946 106.828 14,45 73,95 1954 136.200 18,23 74,70 1972 221.546 29,01 76,36 1978 308.303 38,05 81.03 1983 395.060 58,68 67,33 1994 549.363 80,32 68,40 2004 649.410 110,61 58,71 2010 723.514 211 34,28 Tabela 2.1 - Densidade Demográfica Urbana de João Pessoa. (FONTE: OLIVEIRA, 2006; IBGE Cidades, 2010.) Entre os anos de 1920 e 1950, tanto a população cresceu, quanto a área urbana de João Pessoa se expandiu, como se pode observar na tabela 2.1. Entre 1923 e 1954, o acréscimo populacional foi de 128,51% habitantes, e a área urbana da capital aumentou Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 63 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA mais de três vezes, de modo que uma diminuição da densidade urbana também evidencia a expansão da área urbana. No final do ano de 1952, a Avenida Epitácio Pessoa estava pavimentada, algumas residências familiares começaram a se fixar nesta região, iniciando um novo processo de ocupação, com o deslocamento das famílias abastadas que viviam nos casarões do bairro Tambiá, nos arredores do Parque Solón de Lucena e do bairro Jaguaribe, para a nova avenida. Nesse período se iniciou um processo de seletividade urbana, a orla marítima passou a abrigar residências fixas, que se espalhavam no eixo dessa avenida, para regiões situadas ao sul e ao norte da cidade (figura 2.7). LEGENDA: Parque Solón de Lucena Praça da Independência Ponto de Cem Réis Jardim Miramar N Figura 2.7 - Planta geral da cidade de João Pessoa em 1953. Av. Epitácio Pessoa Av.PEREIRA, Getúlio Vargas (FONTE: 2008, legenda da autora.) Entre os eixos de crescimento de João Pessoa, leste e sul, observa-se uma diferenciação de classes sociais: no primeiro, localizam-se as áreas mais bem servidas de infraestrutura, habitadas por uma população de maior poder aquisitivo; no segundo eixo situam-se as áreas deterioradas próximas ao centro e aos bairros periféricos, acomodando a Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 64 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA população de menor poder aquisitivo. Silveira (2004) argumenta que a ocupação territorial de João Pessoa está associada ao processo de evolução das redes sociais de alta e média renda na cidade, criando qualidades espaciais características relacionadas à segregação. Na década de 1960, o espaço urbano de João Pessoa passou por novas mudanças estruturais e de ocupação. Para suprir problemas relacionados à moradia popular, foram implementados conjuntos habitacionais, a princípio, financiados pela Fundação da Casa Popular e pelo Instituto de Previdência. Em 1964, o Regime Militar passou a interferir diretamente na ocupação urbana das cidades brasileiras, criando o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), tendo como frente o Banco Nacional de Habitação (BNH), que financiava a construção de conjuntos habitacionais para as classes média e baixa, os quais passaram a “ocupar a linha de frente como vetor de direcionamento dos rumos da expansão da cidade” (Lavieri e Lavieri, 1992:9) O Sistema Financeiro de Habitação (SFH) contribuiu para o desenvolvimento urbano, com a ampliação dos serviços de água e luz da cidade e a valorização seletiva do solo, o que em João Pessoa aprofundou a segregação e a exclusão social. Na década de 1970, o aumento nos financiamentos isolados para habitação pelo SFH contribuiu para a ocupação de bairros de melhor padrão, próximos à Avenida Epitácio Pessoa e à orla marítima, cujas necessidades de infraestrutura urbana foram enfrentadas pela implantação do projeto CURA13, que atuou nos bairros da orla marítima (Cabo Branco, Tambaú e Manaíra) e do Cristo Redentor. As obras de pavimentação de vias, redimensionamento da rede de água, instalação da rede de esgoto e implantação de equipamentos urbanos para áreas de lazer incentivaram a procura por moradia pela classe média e alta nestas regiões, também, beneficiadas pelo SBPE 14, que passou a financiar as unidades individuais de domicílio (SCOCUGLIA, 2000). O projeto CURA proporcionou melhorias urbanas para alguns bairros de João Pessoa, porém, devido às intenções de aumentar a receita fiscal, através do IPTU, tais melhorias se restringiram às áreas mais nobres da cidade. Esse contexto favoreceu um acelerado processo de expulsão de moradores com baixa renda desses espaços e o surgimento das primeiras nucleações de favelas, que passaram a ocupar áreas impróprias à exploração imobiliária, como cercanias de rodovia, vales, mangues, margens de rios, dentre outros. 13 14 Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 65 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Ao longo dos anos, tais diferenciações sociais só vieram a se agravar, aumentando a segregação socioespacial da cidade. A evolução da ocupação urbana de João Pessoa está ilustrada pela figura 2.8; as cores mais quentes, vermelho e laranja, correspondem à região com ocupação mais antiga, onde se registram aglomerados urbanos a partir de 1634, sendo hoje o centro antigo da cidade, local de intensa atividade comercial e de serviços prestados. A partir de 1923, a cidade começou a se espalhar, para leste e sul. Na década de 1930, a cidade se desenvolveu até a praia, proporcionando as ocupações posteriores (OLIVEIRA, 2006), áreas assinaladas com as cores mais frias, azul claro e escuro, ainda estão em processo de ocupação. Figura 2.8 - Mapa da ocupação urbana de João Pessoa. (FONTE: OLIVEIRA, 2006) Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 66 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 2.2 Manaíra, enquanto espaço urbano [...] onde hoje se localiza a praia de Manaíra era, naquelas priscas eras, uma espécie de pueblo abandonado, onde as ruínas da velha Escola de Marinheiros traíam os mais recônditos desejos de ser diferente. Os cajueiros abundavam em sua fartura e liberdade absoluta. Os que não procuravam uma aventura amorosa longe dos olhares citadinos faziam-na como rotina em busca de passarinhos, de cajus, de guajirús e algumas pescarias furtivas. (Waldemar Duarte apud AGUIAR e OCTÁVIO, 1989: 245) N LEGENDA: Bairro Manaíra Bairro Tambaú Bairro Bessa Bairro Cabo Branco Bairro São José Av. Epitácio Pessoa Av. Rui Carneiro Figura 2.9 - Mapa de João Pessoa, destaque da orla marítima. (FONTE: SEPLAN, editado pela autora) Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 67 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA No início do século XX, a orla marítima era composta basicamente por pescadores, algumas casas de veraneio e poucos moradores que trabalhavam na área urbana de João Pessoa, sendo conhecida como distrito de Tambaú. A partir da década de 1960, com o crescimento da cidade em sentido leste, a orla começou a ser loteada, o distrito se dividiu em três bairros que assumiram a nomenclatura de Tambaú, localizado no centro entre as Avenidas Rui Carneiro e Epitácio Pessoa; Cabo Branco, localizado ao sul, após a Avenida Epitácio Pessoa; e Manaíra, localizado ao norte, após a Avenida Rui Carneiro (figura 2.9). Na década de 1970, os lotes da praia se valorizaram, principalmente devido aos incentivos do projeto CURA15. Com a melhoria na infraestrutura urbana dessa região, os bairros Tambaú, Cabo Branco e Manaíra passaram a ser efetivamente ocupados pela população de classe média e alta, e os pescadores e a população de menor poder aquisitivo deixaram tais regiões, pois a valorização da área vinha conjuntamente com “a aplicação de uma Lei Municipal que regulamenta o aumento progressivo dos impostos fundiários” (RODRIGUES, 1981 apud LIMA, 2004: 104). Assim, a população de baixa renda aos poucos foi “expulsa” das áreas valorizadas, passando a habitar, principalmente o vale do Rio Jaguaribe, entre a encosta da falésia e a borda oeste do bairro Manaíra, iniciando o processo de formação da Favela Beira-Rio (denominada bairro São José, em 1983). Com o intuito de manter as mesmas relações sociais, parte dessa população se alocou próximo de suas antigas moradias, porém em zonas de risco. Santos, expõe que as famílias “expulsas dos locais de moradia e ao mesmo tempo presas pelas oportunidades de mercado de trabalho, [...] começaram a ocupar a área [...] com características naturais peculiares” (2007: 19), e apesar de não haver infraestrutura e do rio estar poluído, a cada dia mais se intensifica a ocupação dessa área. Assim, Manaíra foi perdendo sua paisagem natural de cajueiros, coqueiros e mistério, para dar lugar a um bairro de moradia permanente, valorizado por um mercado imobiliário crescente e incentivado pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) da CEF 16, que na primeira metade da década de 1970 investiu 18% dos financiamentos em habitações unifamiliares somente na área da orla marítima (LAVIERI & LAVIERI, 1992), estimulando cada vez mais a ocupação dessa região. Os anúncios publicitários da época encorajavam a ocupação residencial nos bairros da orla marítima, (figuras 2.10, 2.11 e 2.12 ), também, noticiando as melhorias urbanas, consideradas fatores atrativos não só para o veraneio, mas para a moradia permanente, como a localização na faixa balneária, transporte urbano na porta, vias pavimentadas, luz 15 16 Comunidades Urbanas de Recuperação Acelerada Caixa Econômica Federal Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 68 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA elétrica, água encanada, serviço telefônico, além da boa vizinhança, fator de referência aos futuros compradores. Figura 2.10 - Anúncio Loteamento no Manaíra, 1957 (FONTE: COSTA, 2010) Figura 2.11 - Anúncio Loteamento Jardim Panamérica, Tambaú, 1958 (FONTE: PEREIRA, 2008) Figura 2.12 - Anúncio Edifício de Apartamentos Manaíra, 1960 (FONTE: PEREIRA, 2008) Entre 1960 e a primeira metade da década de 1980, os tipos de habitações, do bairro, eram basicamente unifamiliares, na sua maioria térreas, com uma área média de construção de 186m² (SCOCUGLIA, 2000). As edificações eram recuadas dos limites do lote, pautadas pelo Código Municipal de 1955 e posteriormente pelo Código de Urbanismo da Prefeitura Municipal de João Pessoa de 1976; os volumes eram arranjados segundo setores funcionais; e tinha-se cuidado com o conforto térmico dessas habitações. Alinham-se as ruas, alicerçam-se e sobem as casas [...] Casas isoladas, bonitas, modernas, térreas, sobre pilotes [sic] ou super-postas [sic] em andares que se elevam conforme o gabarito de cada vida. (MANAÍRA, 1956, p. 2 apud PEREIRA, 2008:83). Essa proposta urbanística oferecia uma unidade à configuração espacial do novo bairro, pautada em um estilo de vida moderno e elitista, do qual o pobre, considerado „má vizinhança‟, não fazia parte, sendo identificado como algo externo ao bairro. Há uma relação entre a aparência da residência e demais fatores sociais, de modo que o tipo da casa define o valor cultural da sociedade que a edifica, sendo uma “expressão manifesta, clara, Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 69 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA explícita, material, de um conjunto enorme de valores, desejos, opções socialmente definidos.” (LEITÃO, 2009:47) Os lotes do bairro tinham dimensões mínimas de 15m de frente por 30m de profundidade, destinado à habitação unifamiliar, que apresentava, em sua maioria, muros com altura média ou baixa e até inexistente, figuras 2.13 a 2.15. Figura 2.13, 2.14 e 2.15 – Residências unifamiliares do bairro, período de construção de 1970 a 1980. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) A partir de 1980, os construtores do setor imobiliário de João Pessoa passaram a oferecer um novo tipo de moradia: os edifícios residenciais, presentes desde a década de 1920 em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, e já existentes, desde a década de 1950, no centro urbano de João Pessoa, porém até então ausentes do cenário da orla marítima. Embora a moradia vertical tenha sido, a princípio, considerada uma solução para a população de menor poder aquisitivo, sua manutenção demandava grandes despesas, o que a tornou inviável; rapidamente esse quadro alterou-se e a classe média, por dispor de alguma margem financeira, se evidenciou adequada para habitar as edificações multifamiliares verticalizadas, em João Pessoa. A população residente na orla marítima se enquadra nas classes média e alta, que, ao contrário das camadas sociais de baixa renda, têm condição de arcar não só com a manutenção da habitação vertical, mas também com o aumento progressivo dos impostos fundiários (MOREIRA, 2006:41). Como morar na praia passou a significar maior status social, o lote valorizou-se e a densidade populacional na região aumentou em virtude da multiplicação da área do lote pelo número de unidades oferecidas. A princípio, construíram-se edifícios com pilotis mais três pavimentos; porém ao longo dos últimos anos, a construção de prédios com grande número de pavimentos foram Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 70 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA sendo edificados no bairro, respaldados pelo Plano Diretor e novo Código de Urbanismo da Cidade (2001). N ZT2 – Zona Turística 2 ZR1 – Zona Residêncial 1 ZA3 – Zona Axial 3 Figura 2.16 - Mapa do Zoneamento e Uso Ocupacional de João Pessoa (FONTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2007.) Em 2001, foram definidas novas áreas de distribuição em um novo Código de Urbanismo; o Art. 167 determina as áreas de distribuição dos usos previstos em Zonas e Setores (figura 2.16). As primeiras quadras estão delimitadas para Zona Turística (ZT2), faixa já definida na Constituição Estadual de 1988, com testada de 12,90m de altura; a Zona Residencial (ZR1) tem índice básico de aproveitamento 1,00; e a Zona Axial (ZA3), zona adensável com índice de aproveitamento que pode chegar a 4,00 (definido no Art. 20 do DECRETO Nº 4.225 DE 11 DE ABRIL DE 2001), ou seja, uma edificação pode distribuir a área do lote em andares verticais de até quatro vezes o espaço correspondente deste lote. Ao longo dos anos, aumentou o número de moradias verticalizadas construídas em grandes lotes, ou em lotes remembrados 17 de uma mesma quadra, formando condomínios com acesso único, com portarias, muros altos, cercas eletrificadas e câmeras de vigilância. A população do bairro Manaíra se fechou dentro dos muros, reduzindo as ruas à condição de espaço de ninguém, lugar de conflito, de violência. Tereza Caldeira (2008) identificou essa nova característica da forma do habitar pós-moderno das cidades brasileiras, em “Cidade de Muros”; e Frederico Holanda (2010) argumenta que tais modos do habitar geram a negação da urbanidade, a morte dos espaços públicos, a morte das cidades. Nas figuras 17 Remembramento é a reunião de dois ou mais lotes, anteriormente lotados, para construir uma nova divisão legal. (Código de Urbanismo, Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2001. Art. 79) Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 71 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 2.17 a 2.19 é possível identificar essa realidade, onde muros de residências foram aumentados e foram incorporados artifícios de segurança. Figura 2.17, 2.18 e 2.19 - Residências unifamiliares, 2010, muros altos e artifícios de segurança. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Além das edificações residenciais, o bairro Manaíra também apresenta espaços de comércio e lazer, como o Shopping Center Manaíra, instalado desde 1989 ao norte do bairro, próximo à falésia do bairro São José e ao Rio Jaguaribe, que tem como vias de acesso principal a Avenida Governador Flávio Ribeiro Coutinho e Avenida Manuel Arruda Cavalcanti. Esse espaço passou a oferecer facilidades de consumo, com uma concentração diversificada de lojas, praça de alimentação, faculdade, salão de festas, casa de show, bancos, estacionamento, entre outros serviços. Esse estabelecimento passou a simular um verdadeiro centro diversificado, incentivando o deslocamento de muitas atividades do centro comercial para a área litorânea, reduzindo os deslocamentos de quem habita nas zonas norte e leste de João Pessoa. As figuras 2.20 e 2.21 ilustram a fachada principal do shopping e o mapa de localização. N Figura 2.20 - Shopping Manaíra (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Figura 2.21 - Mapa de localização (FONTE: Google Earth, 2010.) Outro centro comercial de grande porte do bairro é o Mag Shopping, situado na mesma Avenida Gov. Flávio Ribeiro Coutinho com fachada frontal voltada para a orla Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 72 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA marítima, Avenida João Maurício. Tal espaço oferece uma área de lazer com restaurantes, bares, salas de cinema, dispõe de lojas comerciais e bancos, além de ter salas para atendimento clínico e terapêutico, alguns órgãos municipais, instituições de ensino. As figuras 2.22 e 2.23 apontam a fachada principal e a localização aérea desse espaço. N Figura 2.22 - Mag Shopping (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Figura 2.23 - Mapa de localização (FONTE: Google Earth, 2010.) Manaíra também oferece espaços de lazer como o calçadão da orla marítima e as praças: Chateaubriant de Souza Arnaud, Alcides Carneiro, Desembargador Silvio Porto e a Quadra do Manaíra. Esses espaços foram e estão sendo reformados pela Prefeitura Municipal de João Pessoa. Apesar de serem espaços públicos, são pouco utilizadas pelos moradores do bairro. Tais praças estão representadas pelas figuras 2.24, 2.25, 2.27 e 2.28 e marcadas no mapa na figura 2.26. Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 73 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 2.24 - Praça Desembargador Silvio Porto. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Figura 2.25 - Praça Alcides Carneiro. (FONTE: PMJP, 2010.) N Figura 2.26 - Mapa de Localização das praças (FONTE: Google Earth, 2010.) Figura 2.27 - Praça Chateaubriant de Souza Arnaud. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo Figura 2.28 - Quadra do Manaíra. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) 74 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 2.3 Manaíra: O “Vale do Medo”, “o ambiente hostil” Não havia que negar, por outro lado, que aquelas extravagantes cumeeiras pontiagudas e aqueles singulares torreões suspensos formavam um cenário adequado a terríveis e trágicos desígnios. (DOYLE, 1915) A expressão „o vale do medo‟ foi retirada de um dos livros de Doyle (1915) para caracterizar o mistério que os muros encerram. No atual contexto brasileiro, acentuado pelo cenário urbano da violência, as atitudes de isolamento se materializam, particularmente, nas edificações, principalmente residenciais, protegidas por muros altos e equipamentos de segurança. Com isso, os espaços públicos da cidade tornam-se „mal vistos‟ e a rua, considerada um espaço de relações de vizinhança e lazer tem seu movimento restrito a passantes apressados e temerosos, apertados no espaço estreito que margeia vias, pelas quais circulam rapidamente os veículos, ladeados por paredões fechados. Esse traço de diferenciação da ocupação do solo na capital paraibana, fortemente vinculada ao extrato social de seus habitantes, é também observado por Lavieri e Lavieri ao afirmar que “o uso do solo tornou-se mais estratificado e as novas ocupações que foram se formando na cidade já surgiram bem mais marcadas pelo nível de renda de seus ocupantes” (1992:48). No espaço urbano de João Pessoa, apesar da relativa mesclagem social que esteve presente tanto na cidade colonial quanto na urbanização ocorrida no início da República, percebe-se que desde aquela época a única coisa em comum entre as classes sociais era a rua, apreciada e usufruída de modos diferentes pelos habitantes: enquanto a população de baixo poder aquisitivo a torna uma extensão do seu habitar, espaço de liberdade, encontros, negócios e brincadeiras, a população com maior poder aquisitivo a encara com desconfiança, como espaço dos marginalizados, do plebeu, do perigo, a ser evitado e se fecha em seus muros. Gilberto Freyre (1996) mostra que essas relações com a rua são traços de um patriarcalismo brasileiro, vindo dos engenhos para os sobrados, onde houve uma relação simbiótica da casa-grande e a senzala, com o sobrado e o mocambo. Na segunda metade do século XIX, houve uma aproximação dos habitantes citadinos à rua. Com a presença da corte, o aumento da população urbana, de uma classe trabalhadora de ex-escravos e imigrantes estrangeiros, e, posteriormente, com a implantação de indústrias, as cidades brasileiras passaram por um processo de reestruturação, com melhorias, principalmente de infraestrutura urbana. A rua, então, Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 75 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA torna-se local não só de circulação, mas de encontros, negócios, lazer. Porém, a concentração da população em centros maiores favoreceu a proliferação da criminalidade, embora restrita a delitos de pouca importância, como: furtos, muitos decorrentes da miséria e da fome, ou tumultos em via pública, em casos de descontentamento político, como na Revolução de 1930 e no Estado Novo. Nesse período, não só a cena política estava agitada, como havia uma busca, por parte dos intelectuais, por uma identidade brasileira. Além de movimentos artísticos, surgem novos ideais urbanos, pautados pelos preceitos modernistas corbusianos de moradia, trabalho, lazer e circulação. Apesar da procura por novas referências culturais, percebe-se a permanência das relações sociais seculares, presentes desde a colônia. Bruand identifica duas tendências nacionais, presentes nesse período: a vontade de progredir, o que significa romper com o passado, e um apego, ao mesmo tempo sentimental e racional, a esse passado (2003: 25). O Brasil viu-se então numa situação social intermediária, entre a civilização industrial de tipo europeu ou norte-americano e o antigo regime, cujas conseqüências podem ser sentidas ainda hoje [...] Assim é que a residência particular de alto padrão e mesmo [as destinadas à classe média], conserva uma clientela; com todo o conforto moderno associado à abundância de empregadas domésticas (BRUAND, 2003: 20) A habitação moderna buscou uma socialização com a rua, a casa se abriu com amplas janelas, jardins tropicais delimitados por muros baixos e translúcidos, havendo uma interação entre a área interna e a área externa; entre a casa e a rua. Atualmente, as cidades brasileiras passam a assumir “um aspecto caótico, proveniente da justaposição desordenada de edifícios concebidos isoladamente e não em função de um conjunto.” (BRUAND, 2003:24) As relações de sociabilidade se perderam e voltamos a nos assemelhar, com o habitar do período imperial brasileiro, onde os sobrados se fechavam para as ruas, e agora temos condomínios fechados e protegidos por seus “bunkers” de segurança. Desse modo, a rua, nos bairros da elite, voltou a ser um espaço de negação da urbanidade (HOLANDA, 2010), ver figuras 2.29 a 2.34, que representam paisagens urbanas do bairro Manaíra. Todavia, também nos bairros populares estão presentes alguns desses traços, como muros altos, grades, cercas. Contudo, ainda permanecem presentes as práticas de encontros na calçada, festas nas ruas, feiras, diferentemente do que ocorre nos bairros mais elitizados, onde a rua se torna um espaço restrito à circulação, principalmente veicular. Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 76 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 2.29, 2.30, 2.31, 2.32, 2.33, 2.34 - Paisagens do bairro Manaíra, 2010. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Contextualizando: O Espaço Objeto de Estudo 77 3. Procedimentos Metodológicos de Investigação O procedimento investigativo foi trabalhado a partir de um estudo comparativo entre a morfologia urbana e o crime; para tanto se buscou métodos que proporcionam a representação, quantificação, observação e análise de uma realidade espacial, com o intuito de identificar como os atributos físicos interagem com ações delitivas. Dessa maneira, a pesquisa desenvolvida abrange multimétodos (PINHEIRO; GÜNTHER, 2008), devido à necessidade de se obter mais de uma base de informação para a aquisição de dados que favoreçam a compreensão de um fenômeno socioespacial, tendo como intuito captar elementos que possam esclarecer melhor a realidade sobre a violência urbana, que provoca o medo e gera a insegurança. A pesquisa adotou como procedimento o método estruturalista, relacionado com os problemas operacionais, no qual partiu-se da investigação de um fenômeno concreto e sua análise a nível abstrato, por intermédio da construção de um modelo representativo do objeto de estudo, retornando, por fim, ao nível do concreto, dessa vez como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência observada (LAKATOS & MARCONI, 2004). A analogia é emprestada para as cidades, as palavras sendo os itens físicos componentes e o significado a compreensão das relações entre eles. O enquadramento da abordagem como relacional e estruturalista pressupõe que a significação será encontrada por meio do estudo da estrutura relacionada neste sistema estabelecido. A cidade como um sistema fechado ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA resultará num artefato passível de análise e interpretação, com base nesta delimitação precisa (MEDEIROS, 2006: 90). Medeiros (2006) argumenta que a noção de estrutura também contempla uma referência espacial, sendo aplicável à interpretação no domínio das formas-espaços, através de um princípio topológico capaz de estabelecer propriedades existentes entre prioridades e diferenças, hierarquias e distinções. Adotou-se este método com o intuito de relacionar o fenômeno da criminalidade, objeto do estudo, com relação às características físicas e morfológicas do espaço onde ele ocorre. A partir do material que compôs o referencial teórico, pode-se identificar que a problemática enfocada é recorrente nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, e com base nos estudos metodológicos foi possível conhecer o processo das pesquisas realizadas, identificando-se os objetos pesquisados, métodos e procedimentos utilizados, além de novos referenciais bibliográficos que favoreceram o enriquecimento e orientação do trabalho desenvolvido. Tais dados possibilitaram uma análise quantitativa, permitindo a estruturação de planilhas e gráficos que esclarecessem como a violência se comporta na cidade e no bairro específico. Para o desenvolvimento desse trabalho realizou-se coleta de dados junto ao Centro Integrado de Operações Policiais – CIOP, da Secretaria de Segurança Pública da Paraíba. As informações foram articuladas numa base de representação espacial, o Sistema de Informação Geográfica (SIG), no qual foi permitido manusear e analisar as variáveis morfológicas e criminais, obtendo-se com isso mapas temáticos e gráficos de correlação; além de permitir a identificação das propensas vias de insegurança, partindo da compreensão do movimento natural e de como as propriedades sintáticas dos espaços poderão fornecer dados relevantes para a descoberta de espaços com tendências mais ou menos favoráveis à criminalidade. O uso dessas técnicas de levantamento de dados possibilitou a identificação dos fatos e fenômenos que cercam o contexto espacial e social, com relação à criminalidade urbana tão frequente nas cidades atuais, além de descobrir fatores que influenciam ou determinam opiniões e condutas dos habitantes. Esses procedimentos são detalhados a seguir nos tópicos que integram este capítulo do trabalho. Procedimentos Metodológicos de Investigação 79 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 3.1 Análise sobre Crime As estatísticas criminais surgiram a partir da necessidade de se obter dados que possam subsidiar a tomada de decisões dos órgãos governamentais responsáveis pela segurança pública. A princípio, no Brasil, a informação de dados estatísticos de criminalidade ficava restrita somente a determinados órgãos governamentais, não sendo permitida sua divulgação. O recurso ao sigilo e ao segredo, historicamente utilizado no Brasil como tática de não transparência dos atos governamentais na área de justiça criminal e segurança pública, perde força política em razão de mudanças legislativas, pressões de grupos sociais organizados e investimentos em informatização. (LIMA, 2005:11) A partir da década de 1980, a transparência pública começa a se tornar pressuposto estruturador das ações do Governo, porém existiam incompreensões na análise dos relatórios estatísticos. Somente em meados da década de 1990, a produção de estatísticas criminais começa a se consolidar, o problema passa a não ser mais a produção dos relatórios e sim como estes estariam disponíveis à compreensão de quem iria interpretá-los. Ao se reconstituir e mensurar as ocorrências criminais, a partir de registros e documentos disponíveis de instituições responsáveis pela produção de dados estatísticos, há que se estar atento à maneira como os dados são registrados pelas instituições que os produzem, o que eles revelam com relação às categorias e tipos de criminalidade, e como expõem tais informações. Os dados oficiais têm o intuito de divulgar informações, através da quantificação de como determinados atos criminais se comportam em uma nação, estado, cidade, ou especificamente, um bairro, a partir de pressupostos de políticas sociais desenvolvidas pelos governos. Em algumas cidades brasileiras passam a surgir materiais de informação que facilitam a compreensão dos dados estatísticos de criminalidade, como: o sistema de geoprocessamento de ocorrência, a disponibilização de processos judiciais na internet, a rede de informações INFOSEG, entre outros. Porém tais informações são tratadas e fornecidas para um público que conhece a leitura desses processos e muitas das páginas disponíveis na internet, são acessadas com senha específica. Outro problema identificado são as „cifras negras‟, que são a parcela das vítimas que não chega a denunciar aos distritos policiais as ofensas criminais sofridas, chegando a Procedimentos Metodológicos de Investigação 80 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA tornar os dados estatísticos oficiais diferentes do que a sociedade compreende e percebe (LIMA, 2005). Além disso, os dados estatísticos oficiais indicam certa tendência ou como a criminalidade se comporta, principalmente, se for analisada por um longo período, não correspondendo ao total real de crimes cometidos, porém permitindo detectar a evolução e o movimento dos crimes durante determinado tempo. 3.1.1 Levantamento e Coleta de Dados Tentando compreender como se comporta a violência em João Pessoa e no bairro Manaíra, primeiramente buscaram-se informações junto à Delegacia Distrital do Bairro, onde foram analisados os boletins de ocorrência. Percebeu-se uma grande inconstância dos dados fornecidos. A Delegacia tem plantão 24 horas, com diversas equipes e diferentes delegados, e cada um desenvolve um B.O diferente, não existindo um padrão no armazenamento das informações. Dessa maneira, optou-se por recolher dados oficiais do CIOP (Centro Integrado de Operações Policiais), fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública da Paraíba, nos anos de 2008 e 2009, que poderiam disponibilizar informações não só do bairro específico, mas de toda a capital. A Secretaria Nacional de Segurança Pública da Paraíba, no Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública, com o intuito de promover a integração das organizações de segurança pública criou o CIOP (Centro Integrado de Operações Policiais), que tem por finalidade cadastrar as ocorrências policiais que chegam através do número de telefone de emergência 190. Este órgão funciona 24 horas e é responsável por centralizar as ações da Polícia Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros, além de colaborar com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Na figura 3.1 configura-se esquematicamente como funciona o CIOP na Paraíba. Ligação 190 Ação Colaboração Polícia Militar Polícia Civil Corpo de Bombeiros CIOP Polícia Federal P. Rodoviária Federal Figura 3.1 - Esquema do CIOP (FONTE: arquivo pessoal.) Procedimentos Metodológicos de Investigação 81 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Com a autorização do Secretário de Segurança, Dr. Gustavo Ferraz Gominho, e a colaboração da Major Valtânia F. da Silva, responsável pelo Centro Integrado de Operações de Segurança e Defesa Social, em 2009 e 2010, obtive-se informações de como a criminalidade se distribuiu em todo o município de João Pessoa, além de se identificar, especificamente, as ocorrências do bairro Manaíra. Os dados apresentados foram coletados com o intuito de comparar e identificar como a criminalidade se comporta na cidade e no bairro específico, nos anos de 2008 e 2009. Os dados foram fornecidos por duas planilhas do Excel: uma quantificava o tipo de ocorrência criminal de cada bairro, entre os anos definidos, ver figura 3.2; e a outra planilha, mais detalhada, caracterizava as ocorrências do bairro Manaíra, definindo a natureza do crime, o local, a data, a hora, algum ponto de referência, o relato do solicitante, a solução da viatura que foi ao local, além de definir características do envolvido, como nome, cidade, bairro e endereço onde mora, idade, profissão, seja o envolvido vítima, acusado ou testemunha. Exemplo de planilha nas figuras 3.3 e 3.4, sendo esta última apenas uma continuação da primeira. Figura 3.2 – Exemplo de planilha de ocorrências criminais nos bairros de João Pessoa, 2008. (FONTE: CIOP, 2010, adaptado pela autora.) Figura 3.3 - Exemplo de registro de ocorrências no bairro Manaíra, 2008. (FONTE: CIOP, 2010, adaptado pela autora.) Procedimentos Metodológicos de Investigação 82 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 3.4 - Exemplo, continuação Figura 3.3. (FONTE: CIOP, 2010, adaptado pela autora.) Os dados estatísticos da criminalidade, obtidos junto à Secretaria de Segurança, passaram por um tratamento específico de limpeza e triagem de informações, primeiramente com a definição específica da natureza do crime; em seguida, exclusão dos dados repetidos, em que mudava apenas o agente: vítima, testemunha ou acusado; além das informações incompletas, principalmente com relação ao local. Isso permitiu, posteriormente, desenvolver gráficos que esclarecessem de uma forma simples e objetiva como se comporta a violência em João Pessoa e no Manaíra. Além de favorecer o mapeamento dos pontos de ocorrências criminais e com isso desenvolver diversos mapas que pudessem ilustrar como a criminalidade atua. Na análise dos dados, dois fatores foram importantes e necessários, um refere-se ao quantitativo, que facilitou a construção de gráficos; e o outro, à especificação das ocorrências, que proporcionou mapear o crime no bairro. Dessa forma, os dados tratados permitiram uma melhor compreensão dessas informações. 3.1.2 Georreferenciando a Criminalidade Com o intuito de identificar “onde” a criminalidade ocorre e quais os elementos espaciais que colaboram para a oportunidade do crime, como argumentado anteriormente, adotou-se como ferramenta o SIG (Sistema de Informação Geográfica), que é um processo capaz de armazenar, manipular e analisar elementos espaciais e não espaciais, a partir de um conjunto de dados. As informações registradas em um programa SIG são georreferenciadas, ou seja, estão associadas a uma determinada coordenada geográfica. Dessa maneira, os dados do CIOP foram geocodificados, de acordo com os pontos de referência registrados na ocorrência, em mapas georreferenciados, por uma base cartográfica; e geoprocessados por uma ferramenta de Sistema de Informação Geográfica (SIG) através de softwares capazes de reconhecer, armazenar e manipular as informações existentes. Vale ressaltar que os pontos localizados nos mapas das ocorrências criminais Procedimentos Metodológicos de Investigação 83 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA não possuem coordenadas geográficas definidas pelo CIOP, tais pontos foram marcados de acordo com o endereço e pontos de referência fornecidos na planilha desse órgão. Para armazenar os dados de criminalidade do CIOP no SIG foram adotados os procedimentos, detalhados nos cinco itens que se seguem: 1. CONSTRUÇÃO DO MAPA DE CRIMINALIDADE DE JOÃO PESSOA Primeiramente foram acrescentadas as ocorrências gerais de cada bairro, em um mapa completo de João Pessoa; a construção desse mapa teve como intuito identificar e explicitar os bairros mais violentos da cidade, nos anos de 2008 e 2009. Os mapas foram trabalhados com dados cadastrais, ou seja, as informações foram acrescentadas em objetos identificáveis que possuíam atributos físicos, como os limites dos bairros. Acrescentaram-se informações gerais da criminalidade de cada bairro, com o intuito de se identificar como a violência se comporta nos bairros de João Pessoa e, especificamente, Manaíra. A quantidade de ocorrências foi dividida em cinco grupos, definidos por bolas centróides que crescem e mudam de cor (com escala do amarelo ao vermelho), de acordo com a maior incidência de crimes, nos anos de 2008 e 2009. Também, foi registrado o rendimento mensal por domicílio particular permanente no ano de 2000, nos 61 bairros da cidade, de acordo com os dados do IBGE, ver figuras 5.2 e 5.3. 2. TRIAGEM E SELEÇÃO DOS CRIMES MAIS COMUNS DO BAIRRO Trabalhou-se com 3.298 registros de ocorrência, apenas do bairro Manaíra, sendo 1.801 no ano de 2008, e 1.497 no ano, de 2009. Foram identificados mais de 70 tipos diferentes de natureza do crime: de agressão até violação de domicílio. Realizou-se uma triagem dos registros referentes à incidência de roubo, furto, tentativa de roubo e tentativa de furto. Em seguida foi feita uma análise mais objetiva, na qual se identificou que partes destes dados apresentavam dificuldades e inconsistências, sendo por isto descartado, além de algumas ocorrências possuírem informações repetidas, dependendo da quantidade de registros de vítimas e acusados; devido a esse fato foi considerado apenas um registro. Também verificou-se que existem ocorrências com dados incompletos, principalmente com relação à localização, sendo essas eliminadas. Procedimentos Metodológicos de Investigação 84 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Dentre os furtos no ano de 2008 foram registradas 239 ocorrências. Após uma seleção, foram mantidos 179 registros, que correspondem a: 1 furto a igreja, 22 a pessoas, 10 de bicicleta, 10 de carro, 1 de moto, 50 em estabelecimento (comercial), 1 em estabelecimento de ensino, 51 em residência, 8 em veículo e 31 tentativas de furto. Os furtos registrados no ano de 2009 foram 165, mantendo-se apenas 131, que são: 19 furtos a pessoas, 6 de bicicleta, 5 de carro, 1 de moto, 35 em estabelecimento (comercial), 31 em residência, 9 em veículo e 25 tentativas de furto. Com relação aos incidentes de roubo, no ano de 2008, foram documentadas 412 ocorrências, sendo selecionadas apenas 300, que foram: 1 roubo a farmácia, 222 a pessoas, 1 a posto de combustível, 7 a residência, 23 de carro, 1 de moto, 18 em estabelecimento (comercial), 1 em transporte coletivo, 1 em veículo e 25 tentativas de roubo. Em 2009, de 373 registros, restaram 271 ocorrências com informações seguras, que são: 1 roubo a farmácia, 1 a padaria, 186 a pessoas, 3 a posto de combustível, 11 a residência, 15 de carro, 2 de moto, 21 em estabelecimento (comercial), 3 em transporte coletivo, 1 em veículo e 27 tentativas de roubo. Houve uma perda de cerca de 25 % das informações fornecidas pelo CIOP, após a triagem dos registros criminais, nos respectivos anos. 3. CRUZAMENTO DE INFORMAÇÕES DA PLANILHA COM O MAPA Com as planilhas selecionadas, foi acrescentada uma coluna ID (identidade), em cada linha de informação criminal; na coluna ID foram acrescentadas numerações de ordem crescente. Cada número ia sendo pontuado no mapa georreferenciado do bairro e, em seguida, os dados da planilha foram unidos aos atributos dos pontos no mapa, permitindo visualizar espacialmente as informações da planilha do CIOP. Todo esse procedimento foi realizado no programa Openjump. 4. PROBLEMAS DE PERCURSO A base cartográfica de João Pessoa não apresenta a numeração dos lotes e nem o entorno das edificações. Além de alguns endereços fornecidos pelo CIOP não apresentarem número e, sim, ponto de referência. Com isso, boa parte dos registros teve que ser verificada in loco, para ser pontuada com segurança. Procedimentos Metodológicos de Investigação 85 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 5. OBSERVAÇÃO IMPORTANTE Numa primeira análise dos dados, observa-se que existem algumas vias importantes do bairro Manaíra, onde há espaços atratores de crime, ou estes já são considerados pontos de referência estratégicos para localização do CIOP ou da pessoa que denuncia, como: a Avenida Flávio Ribeiro Coutinho, a Avenida Edson Ramalho e a Avenida João Câncio. Observam-se pouquíssimos registros na Avenida Senador Rui Carneiro, o que não corresponde aos boletins de ocorrência da 10° Delegacia Distrital. Como essa é uma avenida de divisa entre dois bairros, conclui-se que, provavelmente, os registros do CIOP para essa avenida foram alocados no bairro vizinho, Tambaú. Foram mapeados os crimes no bairro, com o intuito de identificar onde são os pontos mais comuns de ocorrências e como esses pontos se comportam com relação à acessibilidade e visibilidade do bairro. 3.2 Análise sobre Espaço As informações obtidas da Secretaria de Segurança da Paraíba, a princípio permitiram desenvolver gráficos que expõem quantitativamente a criminalidade em João Pessoa, podendo-se fazer análises comparativas entre bairros e descobrir quais os crimes com maior incidência. Tais informações são importantes e relevantes, porém elas não revelam onde os crimes ocorrem; e, muito menos, se existem fatores ligados à morfologia do bairro que favorecem a criminalidade; se os magnetos do bairro coincidem ou não com a existência de delitos; e se os atributos físicos da forma edificada e espacial interferem nos eventos de violência e criminalidade. Também não esclarecem, especificamente, a tipologia das barreiras físicas dos lotes e se existe algum fator espacial em comum que facilite atos criminosos. Com base nesses questionamentos, amplia-se a pesquisa com o intuito de localizar tais informações em mapas, podendo-se, assim, fornecer maiores esclarecimentos quanto ao padrão criminal do bairro. Dessa maneira, os mapas expostos foram desenvolvidos a partir de observações in loco, através da identificação morfológica dos padrões de uso, tipos de muro e artifícios de segurança adotados pelos moradores do bairro. Os dados tipológicos e morfológicos do bairro foram acrescentados diretamente sobre um mapa georreferenciado, onde cada lote corresponde a uma célula que reúne os Procedimentos Metodológicos de Investigação 86 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA seguintes atributos: nome da rua, classificação e codificação do uso do solo (estabelecida pela Prefeitura Municipal de João Pessoa), o uso, o tipo de uso, a caracterização das barreiras (o muro) e os tipos de segurança visível. Tais dados estão explicados e exemplificados no item a seguir 3.2.1 Levantamento Físico-Espacial do Bairro O Bairro Manaíra tem cerca de 2,4 km² de área distribuídos em 208 quadras, com traçado regular e plano que se adequam entre duas barreiras naturais, o Oceano Atlântico a leste e o Rio Jaguaribe com a falésia a oeste. Manaíra tem limites ao sul com o bairro Tambaú, delimitado pela Avenida Senador Rui Carneiro; ao norte, com o bairro Aeroclube e Jardim Oceania (antigo bairro Bessa), demarcado pela Avenida Governador Flávio Ribeiro Coutinho; e a oeste, pelo bairro São José, que margeia o Rio Jaguaribe. (Figura 3.5) N Figura 3.5 - O bairro Manaíra e seu entorno. (FONTE: Google Earth, 2010, editado pela autora.) A estrutura urbana das ruas é definida por duas vias arteriais que dão acesso e limitam o bairro. São elas: Avenida Senador Rui Carneiro (1) ao sul, e Avenida Governador Flávio Ribeiro Coutinho (2) ao norte. São vias de tráfego intenso, com duas mãos de cruzamento e canteiro central, com sentido de movimento oeste para o centro e leste para a praia. As vias coletoras definem os corredores de movimento principal do bairro, cruzando-o no sentido norte-sul. Dentre tais ruas, temos: Avenida João Câncio da Silva (3), com tráfego Procedimentos Metodológicos de Investigação 87 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA sentido norte; Avenida General Edson Ramalho (4) com movimento único sentido sul, Avenida João Maurício (5) que margeia a orla marítima com movimento sentido norte, Avenida Esperança (6) sentido sul; e Avenida Monteiro da Franca (7) com sentido norte e sul. Recentemente o STTRANS18 acrescentou algumas ruas como vias coletoras, com o intuito de distribuir mais o trânsito dentro do bairro, são elas: Avenida Guarabira (8) com movimento sentido norte; Avenida Maria Rosa Sales (9) com tráfego sentido sul; e as Ruas Euzely Fabrício de Souza (10) e Juvenal Mário da Silva (11) que cruzam o bairro perpendicularmente sentido leste/oeste. Tais vias dão acesso às ruas locais ou a áreas restritas do bairro. As vias arteriais e coletoras estão pavimentadas com manta asfáltica, as vias locais têm como pavimento paralelepípedos, tais ruas estão identificadas pelos seus respectivos números, na figura 3.6. (2) N (11) (5) (10) (8) (4) (7) (6) (3) (9) (1) 1) Av. Sen. Rui Carneiro 6) Av. Esperança 2) Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho 7) Av. Monteiro da França 3) Av. João Câncio 8) Av. Guarabira 4) Av. Gen. Edson Ramalho 9) Av. Maria Rosa Sales 5) Av. João Maurício 10) Av. Euzely Fabrício de Souza Via Arterial Via Coletora Via Coletora (nova) Figura 3.6 - Vista das principais vias do bairro Manaíra. (FONTE: Google Earth, 2010, editado pela autora.) 18 Superintendência de Transportes e Trânsito Procedimentos Metodológicos de Investigação 88 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Buscou-se, em sequência, definir as características morfológicas do bairro, o que se iniciou com a aquisição de um conjunto de cartas geográficas de João Pessoa, com coordenadas georreferenciadas já representados por uma base CAD. O armazenamento das informações morfológicas do bairro Manaíra, no SIG – procedeu-se na seguinte ordem: I. OBTENÇÃO E LIMPEZA DO MAPA Organizou-se o mapa existente da Prefeitura Municipal de João Pessoa no software AutoCAD, com a criação de camadas individuais para se trabalhar em um software SIG. Cada camada, então, passou a ter um único tipo de entidade (ponto, linha ou polígono), que seria composto ou não por um conjunto de atributos. Cada entidade passaria a armazenar dados não espaciais em uma planilha de modelo “georrelacional”. II. DEFINIÇÃO DE CAMADAS (ATRIBUTOS) Barreiras – indicam os acidentes geográficos que delimitam o bairro, como o Oceano Atlântico (a leste) e o Rio Jaguaribe, conjuntamente com a falésia (a oeste); Entorno – linhas que definem as imediações dos bairros vizinhos, utilizadas apenas como referência de proximidade ao objeto de estudo; Bairro – polígono que demarca a área do bairro; Quadra – polígonos fechados compostos por um conjunto de lotes que delimitam as vias de circulação do bairro; Lotes – polígonos fechados que representam uma unidade particular de propriedade. Nessa camada foi acrescentado um conjunto de atributos, com o intuito de identificar as características de uso e ocupação do solo e os tipos de barreiras físicas. III. USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Para definir as características de uso e ocupação do solo foram determinadas algumas classificações gerais para uso, e específicas para o tipo de uso e ocupação do solo, representadas no quadro 3.1. USO RESIDÊNCIA Unifamiliar Multifamiliar Hotelaria SERVIÇOS INSTITUIÇÃO Loja Salão de beleza Colégio TIPO DE USO Farmácia Clínica Creche (ocupação) Padaria Laboratório Clube Mercadinho Imobiliária Igreja Alimentação/Lazer Academia Banco Posto de combustível Cartório Centro Comercial Outros Outros Outros Outros Quadro 3.1 - Tabela de Uso e Ocupação do Solo. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Procedimentos Metodológicos de Investigação COMÉRCIO OUTROS Terreno Praças 89 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA A figura 3.7 ilustra como a tipologia residencial se comporta no bairro Manaíra: identifica-se que 1.870 lotes são ocupados por residências unifamiliares, que correspondem a 84%, enquanto existem 345 lotes com residências multifamiliares. Há uma dispersão por todo o bairro dessas duas tipologias, havendo uma rarefação em vias de maior movimento, onde os lotes foram ocupados por comércio e serviços. Também deve-se salientar que em algumas residências desenvolvem-se atividades comerciais ou de serviços informais, como salões de beleza, costureiras, aulas particulares, dentre outros. N Figura 3.7 - Mapa de tipologia residencial. (Fonte: arquivo pessoal.) No mapa de uso, na figura 3.8, identificam-se as atividades principais do bairro, situadas principalmente nas duas vias arteriais, Avenida Senador Rui Carneiro, ao sul, e Avenida Governador Flávio Ribeiro Coutinho, situada ao norte. Existem também vias coletoras, antigas, de tráfico mais intenso, que cruzam o bairro no sentido norte e sul, onde se fixaram pontos comerciais, de serviços e alimentação, que são: Avenida General Edson Ramalho, via de grandes butiques e lojas de decoração; Avenida João Câncio, Avenida Esperança, Avenida Monteiro da Franca, e Avenida João Maurício (orla marítima). Procedimentos Metodológicos de Investigação 90 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA N 11% 2% 1% 2% 5% 5% 2% Gráfico 72% Figura 3.8 - Mapa de uso do solo. (FONTE: arquivo pessoal.) IV. CODIFICAÇÃO DOS USOS DO SOLO Além desta classificação criou-se, também, um atributo referente ao tipo de codificação utilizado no Código de Urbanismo da Prefeitura Municipal de João Pessoa, essa codificação caracteriza melhor os tipos, além de se ter como referência um documento oficial do município (ver Quadro 3.2). Essa classificação é dividida em três categorias: (i) Uso Residencial, (ii) Usos Comerciais, de Proteção de Serviços, Culturais e Recreacionais e (iii) Uso Industrial. Nem todos os usos foram identificados no bairro Manaíra, porém, achou-se conveniente explicitá-los. Procedimentos Metodológicos de Investigação 91 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Uso residencial USO CARACTERÍSTICA TIPO R1 1 unidade domiciliar por lote Unifamiliar R2 R3 R4 R5 R6 R7 2 unidades domiciliares por lote 3 ou mais unidades domiciliares por lote Grupamento de edificações constituindo condomínio Edificação ou Edificações até 4 pavimentos (com pilotis) Edificação ou Edificações com mais de 4 pavimentos Programa Habitacional de Relocalização de Populações de Habitações Subnormais, a ser desenvolvido pela prefeitura. Usos comerciais, de proteção de serviços, culturais e recreacionais Unifamiliar Unifamiliar Unifamiliar Multifamiliar Multifamiliar Unifamiliar Atividades compatíveis com Uso Residencial e de atendimento direto e cotidiano a essas áreas USO CARACTERÍSTICA TIPO C1 ATIVIDADES DE VIZINHANÇA Padaria, Mercearia ou Mercadinho, Farmácia e Drogarias, Posto Telefônico; Telégrafo ou Postal, Escola Primária ou Maternal, Edificações para fins religiosos, * Salão de beleza, Academia, Lava-Jato, Clínica Veterinária Atividades compatíveis com uso residencial e de atendimento esporádico a essas áreas, podendo causar incômodos, sendo desejável a sua implantação em áreas especificamente zoneadas para os fins: USO C2 CARACTERÍSTICA EQUIPAMENTOS DE ATENDIMENTO AO VEÍCULO TIPO C3 EQUIPAMENTOS PARA ATENDIMENTO C4 C5 EDUCACIONAIS EQUIPAMENTOS DE SAÚDE ASSISTÊNCIAIS) C6 C7 EQUIPAMENTOS DE LAZER E CULTURA EQUIPAMENTOS INSTITUCIONAIS C8 C9 C10 COMÉRCIO E SERVIÇOS SERVIÇOS DE GRANDE PORTE HABITAÇÃO DE ALUGUEL E TURISMO Lanchonete, bares, restaurantes, sorveterias * salão de festas Escolas secundárias, escolas especializadas, cursos prévestibulares, escolas superiores* curso de línguas Postos médicos, clínicas e consultórios, laboratórios de análise, ambulatórios. Biblioteca, museu, galerias, auditórios, cinemas, teatros, clubes sociais e esportivos, boates * shopping center, centro comercial (inclusive sindicatos e associações de classes) Comércio varejista, serviços financeiros, (bancários, creditícios, seguradoras), prestação de serviços, comerciais, pessoais, profissionais, pequenos reparos. * lavanderia, pescados cartório Grandes reparos e manutenção Alojamentos, pensões e casas de cômodos, pensionatos, motéis, hotéis (E Atividades de utilização excepcional, incompatíveis com uso residencial devendo ser nucleados tais equipamentos USO C11 CARACTERÍSTICA COMÉRCIO E SERVIÇOS ESPECIAIS C12 EQUIPAMENTOS ESPECIAIS TIPO Garagens de táxis, ônibus e veículos de carga; terminais de veículos de cargas; serviços de embalagens e despachos de carga pesada; serviços de armazenagem; comércio atacadista. Casa de saúde e hospital, maternidades, asilos e orfanatos, templos religiosos, cemitérios, circos e parques de diversão, edifícios garagem. Grandes equipamentos urbanos que, pelo porte e influência na vida urbana, têm sua localização em zona predeterminada. USO C13 CARACTERÍSTICA GRANDES EQUIPAMENTOS TIPO Hospitais e/ou maternidades distritais; centros de saúde; centros educacionais e culturais; centros administrativos; centros de abastecimentos; centros de convenções; centros esportivos; parques de exposição; estádios; autódromos; estações de telecomunicações; terminais rodoviários. Uso industrial USO I1 I2 I3 I4 I5 CARACTERÍSTICA Indústria de porte mínimo, com produção para consumo direto e cotidiano no atendimento às áreas residenciais Indústria de pequeno porte e/ou nível artesanal que devem ser implantados em áreas zoneadas para o fim, mas não especificadas, podendo estar em zonas comerciais: TIPO Fabricação de móveis de madeira, junco e similares; fabricação de móveis de metal; fabricação de artefatos e estofados; fabricação de artefatos de madeira; fabricação de artefatos de papel; fabricação de artefatos de couro; fabricação de artefatos de acrílico e plástico; confecção de roupas e calçados; artesanato em geral; fábrica de gesso Indústrias que, pelas características do processo produtivo não desprendem qualquer tipo de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, cujos efeitos, por menores que sejam, possam ser sentidos fora do ambiente da própria empresa Indústrias que, pelas características do processo produtivo desprendem certos tipos de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, cujos efeitos no meio ambiente possam ser controlados. Indústrias perigosas ou nocivas, que necessitam de estudos específicos para cada caso. * Tipologias acrescentadas pela autora Quadro 3.2 - Classificação e codificação dos usos do solo. (FONTE: Código de Urbanismo PMJP, 2007.) Seguindo a classificação do Código de Urbanismo de João Pessoa de 2001, já referido neste estudo, o uso residencial no bairro Manaíra foi mapeado em uso residencial Procedimentos Metodológicos de Investigação 92 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA unifamiliar R1, que corresponde a 58% dos lotes existentes; os usos residenciais unifamiliares R2 e R3 identificam duas, três ou mais unidades familiares por lote, que correspondem a apenas 2% dos lotes; os usos residenciais R5 e R6 são considerados multifamiliares, com edificações até quatro pavimentos, no primeiro, e edificações acima de quatro pavimentos, no segundo, correspondendo, respectivamente, a 4% e 8% dos lotes do bairro. No total, o bairro possui 72% de seus lotes com moradia. Verificar na figura 3.9. N Gráfico 8% 2% 1% 1% 2% 3% 11 % 58 % 8% 4% 1%1% Figura 3.9 - Mapa de classificação e codificação dos usos do solo. (FONTE: arquivo pessoal.) As atividades compatíveis com o uso residencial e que proporcionam um atendimento direto e cotidiano às atividades de vizinhança são definidas por C1. São elas: padaria, mercearia ou mercadinho, farmácia, posto telégrafo ou postal, escola primária ou maternal, academia, salão de beleza e lava-jato. Tal categoria corresponde a 3% dos lotes. Procedimentos Metodológicos de Investigação 93 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA As atividades compatíveis com uso residencial e de atendimento esporádico estão definidas pela classificação C3 com equipamentos relacionados à alimentação, que correspondem a 2%; C4 identifica atividades educacionais, que correspondem a 1%; C5 são equipamentos de saúde assistencial, como laboratórios e clínicas, com 1%; as atividades de comércio varejista e prestação de serviços estão inseridas na categoria C8 e correspondem a 8%. Identifica-se na figura 3.9, que existem 2% de outros tipos de classificações, que estão nas seguintes categorias: C2, equipamentos de atendimento ao veículo - existem quatro postos de combustível e poucas oficinas; C6, equipamentos de Lazer e Cultura - há um pequeno teatro e algumas salas de cinema dentro dos centros comerciais; C7, somente a ASSES (Associação dos Servidores da Secretaria Estadual da Saúde); C9, serviços de grande porte - alguns lotes são depósitos de construtoras que constroem no próprio bairro; C10, habitação de aluguel e turismo - foram identificados 19 tipos de hotelaria, entre hotéis, albergues e flats; C12, equipamentos especiais - 2 cartórios e 17 templos religiosos; I2 existem duas fábricas pequenas de placas de gesso; também estão inseridos, nos 2%, 142 lotes de terrenos vazios. No bairro Manaíra, 11% dos lotes são definidos como área de favela, localizados próximo ao Bairro São José, local desconhecido e necessário o acompanhamento de algum morador. V. DEFINIÇÃO DE BARREIRAS Observando os trabalhos de FERRAZ (2003) e CALDEIRA (2008) buscou-se identificar os padrões de proteção individual no bairro Manaíra, tendo como intuito apresentar as características dessa „nova coletividade‟, mostrando quais os artifícios disponíveis pelo mercado de segurança que estão sendo consumidos pelos moradores do bairro e que chegam a simbolizar não só o sentimento de medo, mas, também, definem uma “estética da segurança”, um status social, um tipo de beleza, que na verdade são instrumentos de exclusão e distanciamento das pessoas dos espaços urbanos, como argumenta Caldeira. Assim, as barreiras físicas e de proteção foram mapeadas e cada informação foi acrescentada na própria entidade do lote, através de atributos referentes ao tipo de muro – baixo, médio ou alto. As informações adicionadas também caracterizam o muro quanto a sua transparência, pois esse atributo é importante para a capacidade de se observar a rua, que define a variável de constitutividade, que agrega sentimento de copresença e possibilita a existência de „olhos da rua‟, ou negá-los por inviabilizar a observação do espaço cercado. Através desses Procedimentos Metodológicos de Investigação 94 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA dados poderá se identificar, se existe ou não, a correlação entre fechamentos murais e incidência criminal. As imagens a seguir definem as tipologias murais observadas nesse trabalho: Muro Baixo R. Umbuzeiro Muro Médio R. Francisco Brandão Muro Alto R. Manoel Bezerra Cavalcanti Baixo Translúcido Av. Sapé Médio Translúcido Av. Umbuzeiro Alto Translúcido Quadra do Manaíra (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Procedimentos Metodológicos de Investigação 95 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Há também casos especiais: Cercaduras translúcidas R. Umbuzeiro R. Manoel Arruda Câmara R. Silvino Chaves Av. Esperança Av. Rui Carneiro Vitrines Av. Monteiro da Franca Sem Muros R. Umbuzeiro Av. Monteiro da Franca Av. Esperança (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Cada lote do bairro Manaíra foi caracterizado de acordo com suas barreiras físicas e visuais, conforme a altura dos muros, baseado pelo percentil 50 masculino (ALVIN, 2005), que são: baixo, com altura até 0,70m, demarcação apenas de limite, entre lote e rua, possibilidade fácil de transpor; médio, com altura de 0,70m até 1,70m, demarca um limite, porém reduz o ângulo de visão para a rua; alto, acima de 1,70m, redução total do ângulo de visão, interno e externo ao lote; translúcido, muro com grade, transparente, é uma barreira de limites, que permite a visualização; vitrine, vidros em ambientes comerciais; e sem muro. Procedimentos Metodológicos de Investigação 96 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA A figura 3.10 mostra no mapa, a delimitação mural dos lotes representada em cores: a cor vermelha define os muros altos, a cor laranja muros médios, e a cor amarela muros baixos; a cor verde demarca muros translúcidos e a cor azul, vitrines; onde há cinza claro ou apenas o contorno preto, ou não tem muro ou não se tem informação do lote. N Figura 3.10 - Tipologia mural dos lotes do bairro Manaíra. (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Com relação aos muros, observa-se que a maioria dos lotes do bairro Manaíra é composto por muros altos (41%) e médios (35%), enquanto o restante dos lotes se apresenta com muro baixo, limites translúcidos, sem muro e lotes que não se tem informação. Os gráficos 3.1 e 3.2 detalham estas proporções. Procedimentos Metodológicos de Investigação 97 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 1400 1200 1193 1% 2% 5% 1027 1000 Alto 10% 800 600 41% 6% 300 400 Médio 175 66 200 Baixo Vitrine 140 20 Translúcido 0 Sem muro 35% Gráfico 3.2 - Altura dos Tipos Murais, Manaíra. VI. (Vazias) Gráfico 3.1 - Porcentagem dos tipos murais em Manaíra (FONTE: arquivo pessoal.) DEFINIÇÃO DE ARTIFÍCIOS DE PROTEÇÃO MURAL Outro atributo acrescentado ao lote foi o tipo de proteção utilizado nos fechamentos murais, os artifícios de segurança particulares. Dentre tais artifícios foram identificados e mapeados no bairro Manaíra os seguintes tipos: o estrepe (prego, ferro ou vidro incrustado no topo do muro), a grade, a cerca elétrica, o sensor de presença, a filmadora, entre outros. Ilustrados a seguir: Estrepe Grade Cerca Elétrica Sensor de Presença Filmadora Outros artifícios (FONTE: arquivo pessoal, 2010.) Devido à quantidade de artifícios de segurança e a possibilidade de se utilizar mais de uma proteção em um mesmo tipo mural, adotou-se a classificação de níveis de proteção de segurança de acordo com a dificuldade proporcionada, o que revela, também, o nível de sensação de insegurança de quem reside ou trabalha em tais lotes. Primeiramente foram estipulados níveis de zero a sete, onde zero expressa situação sem nenhum tipo de proteção e chegando ao nível sete com até quatro artifícios de segurança em um mesmo invólucro mural. Procedimentos Metodológicos de Investigação 98 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Para uma melhor compreensão foram estipuladas três categorias ou índices de segurança: baixo, com nível de 0 a 2; médio, de 3 a 5; e alto, de 6 a 7 (quanto maior a categoria mais artifícios de proteção em um mesmo invólucro mural) ver Quadro 3.3. RECURSOS ÍNDICES sem grade estrepe filmadora cerca elétrica sensor de presença BAIXO 0 1 2 MÉDIO 3 4 5 ALTO 6 7 Quadro 3.3 - Níveis de dificuldade, artifícios de proteção utilizados em um invólucro mural. (FONTE: arquivo pessoal.) A figura 3.11 ilustra, no mapa de Manaíra, os lotes e seus respectivos níveis de proteção mural, percebe-se que os lotes a oeste tendem a ter uma maior quantidade de artifícios de segurança. Procedimentos Metodológicos de Investigação 99 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA N BAIXO MÉDIO ALTO Figura 3.11 - Tipos de nível de segurança por lote, no bairro Manaíra. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 3.4 mostra que 50% dos lotes não possuem nenhum tipo de artifício de segurança e os outros 50% adotam um ou mais artifícios para o topo de seus muros. 1400 1200 7 1000 6 800 5 600 4 400 3 200 0 2 1 1% 0% 0% 9% 17% 50% 1% 22% 0 Gráfico 3.3 - Nível de segurança pelo tipo mural Procedimentos Metodológicos de Investigação Gráfico 3.4 - Porcentagem do nível de segurança (FONTE: arquivo pessoal.) 100 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA VII. CAMADAS COMPLEMENTARES Também foram acrescentados alguns atributos no próprio programa SIG, ou de outros programas, como: Ruas – representadas por linhas, passaram a compor atributos que identificavam o nome da rua, o tipo de pavimento e o sentido de direção para veículos automotores; Parada de ônibus – indicada por pontos que representam a localização de uma parada de ônibus; Crime – como descrito anteriormente, no armazenamento de criminalidade, os pontos marcam a localização do crime e possuem atributos com informações do CIOP; Linhas de Continuidade – obtidas no MindWalk, e transportadas para o SIG, com suas propriedades espaciais, de integração global, local e conectividade. Configuradas as informações morfológicas do bairro Manaíra, adotou-se padrões para realizar as análises dos dados. 3.2.2 Análise Sintática do Espaço Nesse trabalho foram utilizados instrumentos da Sintaxe Espacial visando identificar a existência ou não de correlações entre as variáveis espaciais e as propriedades do crime. Para isso, usou-se uma representação linear de João Pessoa, desenvolvida por Valério Medeiros, com fonte cartográfica de Iana Alexandra Alves Rufino; nela acrescentaram-se, atualizações de novas vias e áreas de viaduto. As figuras 3.12 e 3.13 apresentam o processo de elaboração de um mapa axial a partir da base CAD da malha viária de João Pessoa, com destaque para o bairro Manaíra. As linhas axiais são desenhadas com segmentos retos, seguindo os eixos das ruas, “onde o menor número de linhas mais longas cobre a malha das ruas”19 (HILLIER, 2007: 99); quando há curva na malha viária, as linhas mais longas se cruzam com as linhas subsequentes, sendo assim, as vias são simuladas por uma linha ou pelo conjunto do menor número possível dessas retas. As linhas vermelhas, figura 3.13, correspondem à representação linear de uma parte da malha viária urbana de João Pessoa, que, salva como extensão „.dxf', torna-se base para a utilização em aplicativos computacionais, que calculam e hierarquizam as variáveis sintáticas. Cada linha do mapa axial passa a ter uma identidade numerada à qual se vinculam valores numéricos relativos às propriedades espaciais de 19 Do original em inglês: “the longest and fewest lines that cover the street grid”. Tradução livre da autora. Procedimentos Metodológicos de Investigação 101 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA acessibilidade e visibilidade, como: integração global, integração local, conectividade, profundidade, dentre outros. Figura 3.12 – Representação cartográfica, com definição linear, destaque Manaíra, João Pessoa. Figura 3.13 - Representação linear, destaque Manaíra, João Pessoa. (FONTE: arquivo pessoal.) Procedimentos Metodológicos de Investigação 102 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 3.2.2.1 Mapa Axial ou Mapa de Continuidade? Ao longo dos anos, foram produzidos aplicativos computacionais que facilitam o processo de análise de um mapa axial; entre os aplicativos utilizados nesta pesquisa, temos o software DepthMap, criado, em 1998, por Alasdair Turner e o software MindWalk, desenvolvido por Lucas Figueiredo, em 2002. Alguns pesquisadores e estudiosos da teoria da Sintaxe Espacial como: Turner, 2005, 2007; Figueiredo, 2004; Figueiredo e Amorim, 2005; Cavalcante, 2009, identificaram que a definição de linhas axiais contém um grau de subjetividade que pode gerar distorções ou diferentes modelos para um mesmo objeto descrito, gerando, assim, diferentes simulações axiais, ocasionando medidas sintáticas distintas para um mesmo objeto de pesquisa. (Exemplo identificado na figura 3.14). Valério Medeiros argumenta que “a orla atlântica, para as cidades brasileiras como um todo, a despeito de linhas mais ou menos convexas em suas praias, não interfere fortemente na fragmentação urbana” (2006: 286). Ele afirma que a convexidade das linhas não intervém nas propriedades axiais de continuidade ou descontinuidade com relação ao todo de uma malha urbana; observa, também que, cognitivamente, tais espaços são compreendidos pelos indivíduos que circulam por estes lugares como uma única linha de eixo, sem haver percepções de fragmentações dessas vias. Figura 3.14 - Três representações axiais de uma mesma curva. (FONTE: FIGUEIREDO e AMORIM, 2005.) Com relação à representação axial de linhas retas em vias curvas e sinuosas, o senso comum nos diz que esses caminhos são frequentemente reconhecidos como uma linha contínua de movimento, apesar de ser formado por uma sequência de linhas de visão. A representação padrão axial quebra essas linhas contínuas em um conjunto de linhas axiais curtas e sequenciais. (FIGUEIREDO e AMORIM, 2005) Pautado nessas reflexões, Lucas Figueiredo propôs uma melhoria na representação axial de tais espaços, com a criação das linhas de continuidade. Ele criou o software MindWalk, que possibilitou o agrupamento de várias linhas axiais de um mesmo eixo em uma única polilinha, dependendo do ângulo de visibilidade. Procedimentos Metodológicos de Investigação 103 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Uma linha de continuidade agrega várias linhas axiais para representar um caminho urbano em sua máxima extensão, respeitando uma sinuosidade máxima pré-definida. Ela se baseia em dois argumentos principais: primeiro, que a noção de continuidade já está presente no sistema axial; segundo, que as linhas de continuidade reforçam a relação entre as medidas configuracionais e a geometria oculta dos mapas axiais. (FIGUEIREDO e AMORIM, 2005) Apesar das peculiaridades da malha urbana do objeto de estudo analisado neste trabalho, o bairro Manaíra, projetado na década de 1970, tem características de um planejamento regular com vias paralelas e perpendiculares bem definidas pelas suas distâncias; devido à localização e às características geográficas desse sítio - situado próximo ao mar - há um recorte sinuoso a leste, na orla marítima, e uma contenção a oeste, pelo Rio Jaguaribe, assim, as ruas projetadas desse bairro foram definidas com uma ligeira curva. Na representação linear da figura 3.13, convertendo para a variável de integração global, figura 3.15, observa-se que cada via que cruza transversalmente o bairro é subdividida em várias linhas; cada trecho possui uma identidade numérica diferente e, consequentemente, variáveis distintas, o que torna difícil a compreensão das ruas do bairro enquanto elemento único. Dessa maneira, adotou-se o mapa de linhas contínuas, figura 3.16, possibilitando às vias ligeiramente curvas uma sequência única, o que acarretou a redução de linhas curtas e seccionadas para a representação de uma única via, que passou a apresentar uma única identidade numérica. Esse tipo de mapa permitiu a identificação das propriedades axiais de uma via por completo e sua relação com o todo, como por exemplo, a variável de conectividade. Tomando-se como exemplo a Av. João Câncio (marcada em cinza, nas figuras 3.15 e 3.16), que corta o bairro no sentido norte e sul, no mapa axial são identificadas quatro linhas que definem tal via no mapa de continuidade, com angulação de 35° e 50°; essa mesma via é representada por uma única linha, que apresenta 19 conexões, correspondentes às vias reais que cruzam perpendicularmente essa avenida. No mapa axial, somando-se todas as conexões das quatro linhas que correspondem à Av. João Câncio, têm-se 24 conexões, pois o cruzamento dessas linhas seccionadas é somado mutuamente, havendo um excesso de conexões, o que não corresponde à realidade desta avenida. Procedimentos Metodológicos de Investigação 104 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 3.15 – Representação linear no mapa axial - integração global Figura 3.16 - Representação linear do mapa de continuidade - integração global (FONTE: arquivo pessoal.) Procedimentos Metodológicos de Investigação 105 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA A diferença entre o mapa axial e o mapa de continuidade fica bem evidente quando se comparam tais mapas pela variável de integração global de João Pessoa, onde o núcleo de integração com maior concentração de linhas vermelhas está no bairro do Cristo Redentor, figura 3.17, o que não condiz com a realidade vivida da cidade, pois o núcleo de integração, ou seja, o conjunto de linhas mais acessíveis tende a se correlacionar com as vias de maior movimento e influenciam o surgimento de usos; por outro lado, identifica-se que a maior concentração do comércio, serviços e circulação de transportes localiza-se no núcleo antigo da cidade e segue sentido leste para a praia, como demarcado pela elipse na figura 3.17. Já no mapa de continuidade, figura 3.18, não existe a definição de um núcleo integrador, há uma dispersão de linhas mais integradas entre o Centro antigo e o bairro do Cristo Redentor; visualiza-se com nitidez a BR-230, como um grande eixo de integração global, essa linha inicia próximo ao bairro Cruz das Armas e segue até a entrada da Rua Pedro II, próximo ao bairro Castelo Branco. Outro eixo de destaque como linha de integração global é a Avenida Cruz das Armas, antiga via de entrada de acesso a João Pessoa, que corta a região oeste da cidade, no sentido norte e sul. Observa-se que os dois eixos com maior integração global representam vias de movimento rápido, sendo necessária a utilização de automóvel para se locomover nesse percurso, além de serem acessos de distribuição de fluxo de quem chega e sai da cidade. Figura 3.17 - Mapa axial, integração global (FONTE: arquivo pessoal.) Figura 3.18 - Mapa de continuidade, integração global Para a análise sintática do mapa de João Pessoa, adotou-se as linhas de continuidade, pois além da cidade apresentar muitas linhas sinuosas, devido à topografia do Procedimentos Metodológicos de Investigação 106 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA terreno, a inteligibilidade20 do mapa de continuidade apresenta melhor correlação do que o mapa axial; o primeiro, com R²=0,095, considerado moderado e o segundo, com R²=0,055 que apresenta pequena correlação, como visto na tabela 3.1 de Cohen, adotada como referência no trabalho, para os índices de covariância. Categoria Correlação r-Pearson R² Inexistente 0.0 a 0.09 0,0 a 0,0081 Pequena 0.1 a 0.29 0,0082 a 0,0841 Moderada 0.3 a 0.49 0,0842 a 0,2401 Grande 0.5 a 0.69 0,2402 a 0,4761 Muito grande 0.7 a 0.89 0,4762 a 0,7921 Quase perfeita 0.9 a 0.99 0,7922 a 0,9801 1 1 Perfeita Tabela 3.1 - Relação entre Categoria e Correlação (FONTE: COHEN, 1988 apud HOPKINS, 2002.) Composto o referencial metodológico, buscou-se analisar as características da malha urbana do bairro Manaíra, por serem essas as vias públicas onde se dá o maior número dos crimes analisados neste trabalho. 20 Correlação entre Integração Global (Rn) e Conectividade Procedimentos Metodológicos de Investigação 107 4. Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo A Malha Urbana de João Pessoa tem algumas singularidades relevantes, já identificadas anteriormente. A região mais antiga da cidade foi planejada, seguindo as regulamentações do urbanismo colonial português, com traçado regular e estreita relação com a topografia, tornando-se uma grelha deformada (SOUSA E NOGUEIRA, 2008; TRAJANO FILHO, 2006; AGUIAR E OCTÁVIO, 1989). A cidade, apesar de estar localizada entre o rio e a colina, manteve a regularidade de seus arruamentos, o que serviu como fator de referência para o seu crescimento. Ao longo do seu processo evolutivo, foram sendo agregadas partes planejadas ou não ao todo da cidade, propostas desenvolvidas em circunstâncias diferentes no tempo e no espaço, o que acarretou uma malha urbana sem uma articulação global efetiva, definida como „colcha de retalhos‟21, que é composta por uma diversidade de grelhas planejadas distintamente. Esse capítulo tem por intenção mostrar características da malha urbana de João Pessoa e do bairro Manaíra, quanto a variáveis sintáticas com relação à cidade, ao entorno imediato do bairro (borda de 3 km) e somente à área do bairro. 21 Expressão utilizada por Medeiros, 2006. ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA N Figura 4.1 - Pedaço da Malha Axial de João Pessoa (FONTE: arquivo pessoal.) Escala Aproximada 1:150.000 Partindo das reflexões de MEDEIROS (2006) acerca da regularidade dos traçados, a configuração da malha urbana de João Pessoa é caracterizada como: intermediária, pois apesar das linhas do traçado urbano não apresentarem uma regularidade padrão, também não são irregulares; orgânica, pois sua estrutura é definida por processos contínuos de crescimento, sem que se identifique uma unidade de planejamento, havendo uma agregação de partes com o todo; fragmentada e descontínua, por apresentar manchas urbanas interrompidas, fator esse associado à geografia do sítio urbano e à inserção de uma autoestrada que corta a cidade ao meio; e permeável, identificada pela existência de cruzamentos ortogonais em “x” ou “+”, que intensificam a permeabilidade da malha. Tais características podem ser observadas na figura 4.1, identificando-se a composição da cidade a partir de projetos distintos ao longo de seu crescimento. A área do bairro Manaíra é uma região que faz parte de um planejamento recente de João Pessoa, com aproximadamente cinquenta anos. Assim como outras cidades brasileiras, teve como referências as novas propostas de urbanismo do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, o urbanismo moderno, pautado no zoneamento e no funcionalismo de Le Corbusier e Lúcio Costa, onde a cidade era zoneada em espaços de moradia, circulação, trabalho e lazer. Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 109 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Dessa maneira, Manaíra foi projetado com uma malha ortogonal, com entroncamentos de eixos em “x” e “+”; e apesar da busca por uma regularidade, o bairro apresenta ruas ligeiramente curvas devido à sua localização geográfica, fato percebido na figura 4.1, ainda que tal característica não influencie o fluxo contínuo e permeável de suas vias. A área foi subdivida em quadras e lotes com limites bem fracionados e regulares; a maioria destinava-se à habitação, enquanto poucas quadras eram definidas para praças, áreas verdes do bairro destinadas ao lazer. A princípio não se estipulou zonas de trabalho e comércio para este setor da cidade, porém ao longo dos anos essas atividades passaram a se inserir nas vias mais movimentadas não só do bairro, mas de outros setores novos da cidade. Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 110 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 4.1 Cidade Global ou Cidade Local? A teoria da Sintaxe Espacial, como já explicado anteriormente, aborda propriedades que caracterizam uma estrutura urbana quanto a sua acessibilidade, em que busca mostrar como a cidade está estruturada em relação a uma parte dela e com relação ao todo, tornando possível a sua avaliação e compreensão da relação do todo com as partes (Hillier, 2007). - integrado N + integrado Figura 4.2 - Mapas de continuidade - integração global, de João Pessoa. (FONTE: arquivo pessoal.) Utilizando esse paradigma buscou-se conhecer como João Pessoa se apresenta com relação às propriedades sintáticas. As figuras 4.2 e 4.3 mostram dois mapas de Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 111 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA continuidade da cidade, um de integração global e o outro de integração local. Observando-se o Mapa de Continuidade de Integração Global, figura 4.2, percebe-se uma área com linhas axiais mais amarelas e laranjas, próximo à Mata do Buraquinho, com fator de integração intermediário; e linhas mais integradas, em vermelho, definidas pela BR-230 e Avenida Cruz das Armas. Percebe-se que os mapas de integração global, analisados tanto pelas linhas axiais quanto pelas linhas de continuidade, mostram um fato diferente da realidade da cidade, pois, apesar da malha urbana favorecer uma maior integração na área próxima à Mata do Buraquinho, tal fato não se demonstra em atividades de movimento e uso do solo. Esse episódio se deve provavelmente à falta de infraestrutura urbana nesse local. Apesar dessa área da cidade ter sido planejada na mesma época dos bairros litorâneos, tendo como proposta inicial atender a população de classe média ao longo dos anos, principalmente a partir da década de 1980, tal espaço foi progressivamente se desvalorizando, pessoas com maior poder aquisitivo ali residentes se deslocaram para outros bairros, o que tornou essa área mal aproveitada com relação às suas características sintáticas de integração global. Além da utilização do mapa de continuidade, a variável que correspondeu melhor às características da cidade foi a variável de integração local (R3), pois a definição dos subcentros (bairros) é mais acentuada e condiz melhor com a realidade da cidade. Na figura 4.3, é possível identificar áreas de maior integração nos bairros, fato este identificado pela variável R3. Esse mapa apresenta maior correlação na forma como os moradores de João Pessoa apreendem a cidade, não só em nível local, mas com o todo. Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 112 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA - integrado N + integrado Figura 4.3- Mapas de continuidade integração local, de João Pessoa. (FONTE: arquivo pessoal.) Nessa variável, observa-se o destaque de linhas em cada núcleo de bairro ou localidades, a existência de grandes eixos de circulação que funcionam como as artérias principais de movimento, que atravessam amplas regiões da malha urbana, promovendo a articulação entre as partes e o todo da cidade. Essas artérias são: a Avenida Presidente Epitácio Pessoa e sua bifurcação, a Av. Senador Rui Carneiro, que ligam os bairros da orla marítima ao centro antigo e comercial da cidade; a Rua Elias Cavalcanti Albuquerque, que cruza diagonalmente todo o bairro Cristo Redentor, próximo à Reserva Florestal do Buraquinho; a Rua Josefa Taveira, principal acesso ao bairro Mangabeira e sua continuação com a Av. Walfredo M. Brandão, no bairro dos Bancários, todas delimitam o principal movimento da zona sul de João Pessoa, assim como as avenidas Valdemar Galdino Naziazeno e Cruz das Armas, com destaque para os bairros situados a oeste da cidade. Em Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 113 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA todas essas vias há pontos comerciais. Outro fator importante é a concentração de linhas de movimento intermediário, amarelo e laranja, no centro da cidade, fator identificado recentemente (ver área demarcada pela elipse na figura 4.3). Considerando as variáveis da malha urbana de João Pessoa, conjuntamente com as propriedades espaciais, identifica-se que essa cidade tem características primordialmente locais, pois, apesar de apresentar formações pontuais, regulares e/ou artificiais, sua estrutura é definida como uma “hierarquia em árvore” 22, como as cidades de formação orgânica e/ou naturais. A irregularidade dos assentamentos orgânicos não deve ser vista como indicativo de caos, desordem ou bagunça. E sim arcabouço para a criação de um sistema de crescimento urbano extremamente flexível, que mais facilmente responde às demandas sociais e funcionais de períodos históricos específicos. (MEDEIROS, 2006: 196) Para explicitar melhor as características citadas anteriormente, as tabelas 4.1 e 4.2 apontam as variáveis mínima, média e máxima de conectividade, integração global e local com relação à cidade, a área do bairro e seu entorno próximo (raio de borda de 3 km a partir do limite do bairro), e somente as linhas que correspondem ao bairro; com isso, foi possível apontar o melhor tipo de escala e variável a ser utilizada no trabalho. Na tabela 4.1 é possível perceber que o mapa de continuidade de João Pessoa apresenta eixo com máximo de 80 conexões, e mínimo de 1, porém, a média é de 4,036, ou seja, são poucos os eixos que possuem muitas conexões, a maioria está entre 5 e 1. Muitos dos eixos com alta conectividade identificam-se grandes vias de circulação. Conectividade Da cidade Do entorno Do bairro Mínima Média Máxima 1 1 1 4,036 4,443 6,831 80 54 19 Tabela 4.1 - Resultados Gerais da Conectividade, com relação à cidade, ao entorno e ao bairro. (FONTE: arquivo pessoal.) Em Manaíra e seu entorno imediato verifica-se uma conectividade máxima de 54, que corresponde à Av. Epitácio Pessoa; a média ficou em 4,443. Com relação apenas aos eixos do bairro, a linha que corresponde à Av. General Edson Ramalho, tem 19 conexões, 22 Definição de MEDEIROS (2006) Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 114 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA essa mesma linha cruza outros bairros, e os mapas da cidade de João Pessoa e do entorno apresentam 31 conexões. Diante dessas informações, foi adotada como referência a escala do entorno ao bairro, reduzindo eixos que não fazem parte das relações do bairro em estudo, porém mantendo uma margem de segurança, de 3 Km de diâmetro a partir das bordas do objeto de estudo. Com relação às propriedades de integração global e local, tabela 4.2, a escala do entorno apresenta médias maiores do que as da cidade, denotando que grandes tamanhos levam à fragmentação, tornando as propriedades do entorno do bairro com uma correlação melhor que a da cidade. Integração Global Mínima Média Máxima Da cidade 0,436 0,954 1,524 Do entorno 0,602 1,264 2,191 Integração Local Mínima Média Máxima Da cidade 0,333 2,058 5,049 Do entorno 0,333 2,128 4,634 Tabela 4.2 - Resultados gerais de integração global e local, com relação à cidade e ao entorno. (FONTE: arquivo pessoal.) 2,5 2,5 R² = 0,5721 R² = 0,8763 2 R² = 0,4162 Integração Rn Integração Rn 2 1,5 1 0,5 1,5 1 0,5 0 0 0 2 4 6 0 1 2 3 4 5 Integração R3 Integração R3 Inteligibilidade Cidade Inteligibilidade Entorno Bairro Manaíra Gráfico 4.1 - Relação entre integração global e local, variável de João Pessoa e do entorno do bairro. Gráfico 4.2- Relação entre integração global e local, variável somente do bairro Manaíra. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 4.2 demonstra a correlação entre integração global (Rn) e integração local (R3), apenas dos eixos do bairro Manaíra, a partir das variáveis tiradas do mapa de entorno. Percebe-se, pela variância explicada que R² =0,8763 está na categoria muito grande, na planilha de COHEN, as variáveis X e Y têm 87% de covariância (ver tabela 3.1), ou seja, o Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 115 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA bairro sintaticamente proporciona uma boa compreensão de espaço, localmente e globalmente, porém, identifica-se que quanto menor a malha urbana, ela tende a ser mais compreensível. Percebendo a relevância do fator de acessibilidade para a investigação de ações antissociais, adotaram-se para todas as relações e correlações de análise do mapa de João Pessoa as propriedades de integração local com relação ao entorno imediato do bairro Manaíra, utilizando-se o mapa de continuidade. Padrões Sintáticos e Morfológicos do objeto de estudo 116 5. Padrões Espaciais de ocorrências criminais Figura 5.1 - Manchete do Jornal O NORTE (O NORTE, João Pessoa, 27 jun 2010. Disponível em: <http://www.jornalonorte.com.br>. Acesso em: 11 de março de 2010.) Moradores reclamam de assaltos e furtos em Manaíra Com medo de represarias de criminosos, moradores do bairro que já foram vítimas de violência temem se identificar. (CORREIO DA PARAÍBA, João Pessoa, 6 mar. 2006. Disponível em: <http://www.portalcorreio.com.br>.23*) Violência cresce e aterroriza Manaíra (CORREIO DA PARAÍBA, João Pessoa, 15 out. 2008. Disponível em: <http://www.portalcorreio.com.br>. *) Criança é raptada em Manaíra (JORNAL DA PARAÍBA, João Pessoa, 2 mai 2009. Disponível em: <http://www.jornaldaparaíba.com.br>. *) Bandidos realizam seis assaltos em três horas em Manaíra (JORNAL DA PARAÍBA, João Pessoa, 13 jun 2009. Disponível em: <http://www.jornaldaparaíba.com.br>. *) Mais uma vez bandidos aterrorizam moradores do bairro Manaíra (PARAÍBA1, João Pessoa, 20 fev 2010. Disponível em: <http://www.paraíba1.com.br>. *) Polícia prende acusado de vários assaltos em Manaíra (JORNAL DA PARAÍBA, João Pessoa, 02 mar 2010. Disponível em: <http://www.jornaldaparaíba.com.br>. *) Ex-procuradora é assassinada em Manaíra (JORNAL DA PARAÍBA, João Pessoa, 10 mar 2010. Disponível em: <http://www.jornaldaparaíba.com.br>. *) Levaram a pior: Ladrões são linchados em Manaíra; um morre e outro está internado (PBAGORA, João Pessoa, 21 mar 2010. Disponível em: <http://www.pbagora.com.br>. *) Moradores de Manaíra colocam imóveis à venda (PARAÍBA.COM, João Pessoa, 22 mar 2010. Disponível em: <http://www.paraíba.com.br>. *) Moradores entregam abaixo-assinado pedindo segurança no bairro de Manaíra 1,8 mil assinaram documento (PARAÍBA1, João Pessoa, 11 jun 2010. Disponível em: <http://www.paraíba1.com.br>. *) Moradores pedem fim de violência em Manaíra (JORNAL DA PARAÍBA, João Pessoa, 12 jun 2010. Disponível em: <http://www.jornaldaparaíba.com.br>. *) Violência e medo em Manaíra (O NORTE, João Pessoa, 27 jun 2010. Disponível em: <http://www.jornalonorte.com.br>. *) Moradores do bairro de Manaíra em João Pessoa vivem com a insegurança no bairro (PBAGORA, João Pessoa, 14 set 2010. Disponível em: <http://www.pbagora.com.br>. *) *Acesso em: 23 de março de 2010 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Relatos de violência, roubos, assaltos, medo e insegurança no bairro Manaíra são constantes pelos meios de comunicação, mídia e pela própria população. Introduzindo este capítulo estão, em destaque, algumas manchetes de jornais que divulgam fatos ocorridos, em Manaíra. Os moradores do bairro, sentindo-se acuados, começam a exigir das autoridades governamentais algumas atitudes com relação à segurança e, em alguns casos agem com violência contra agentes agressores, como foi o caso de dois jovens que foram espancados dentro de uma residência. [A divulgação destes fatos] gera insegurança, intranquilidade de circulação pela própria rua em que se vive e amplia o medo de que a violência lida nos jornais, revistas e noticiários de televisão, ou conhecida nas rodas de conversa com parentes e amigos próximos sobre uma casa assaltada ou um filho roubado ou ainda atropelado no trânsito, o atinja ou sua família. (KOURY, 2008:72) Koury (2008) salienta em seu estudo que existem bairros considerados perigosos no imaginário da cidade, constatados nas estatísticas policiais e divulgados no noticiário pela imprensa local, porém, na opinião de alguns moradores estes são locais considerados tranquilos, onde moram pessoas honestas e trabalhadoras que, apesar dos fatos que envergonham o bairro, são locais excelentes para se morar. Manaíra é considerado, hoje, um bairro importante pela sua localização, comércio, infraestrutura, atrativos de lazer e turísticos, sendo considerado no imaginário da cidade e dos moradores, um lugar privilegiado, porém, é também identificado como um centro de violência urbana. Com o intuito de esclarecer tais evidências na cidade de João Pessoa, serão apresentados, a seguir, por dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública da Paraíba, os padrões de criminalidade na cidade e no bairro em estudo. 5.1 O que os dados oficiais têm a dizer? Nas planilhas criminais de João Pessoa os diversos tipos de crimes registrados, pelo CIOP, foram selecionados e agrupados de acordo com as condutas estabelecidas juridicamente no Código Penal, que são: a) crimes contra a pessoa (A VIDA) - registros de homicídio e tentativa de homicídio, lesão corporal, acidentes de trânsito e outros; b) crimes contra o patrimônio foram subdivididos em (CIDADÃO, VEÍCULO e IMÓVEL) compreendendo roubo, furto, latrocínio, estelionato e outros; / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 118 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA c) crime contra os costumes (dignidade sexual) - com registros de estupros ou tentativas de estupro, sedução, prostituição e outros; d) crimes contra a incolumidade pública, tráfico de entorpecentes, uso de entorpecentes e outros; além de, e) outros crimes, como uso ilegal de arma de fogo, motim de presos, etc. Na tabela 5.1 e 5.2 sintetizam-se os registros do CIOP, na cidade e no bairro específico. Tabela 5.1 - Ocorrências criminais registradas, em João Pessoa, Paraíba. (FONTE: CIOP, 2010, adaptado pela autora.) / Padrões Espaciais de ocorrências criminais Tabela 5.2 - Ocorrências criminais registradas no bairro Manaíra. 119 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Como se observa na tabela 5.1, no ano de 2008, foram registradas 7.064 ocorrências criminais, e no ano de 2009 foram registradas 10.102 ocorrências, em João Pessoa. Identifica-se, portanto, um acréscimo nas ações criminais de um ano para o outro. Dentre tais ocorrências criminais, a maior incidência, nesses dois anos, foi de crimes contra o patrimônio (CIDADÃO), correspondendo a 3.127 casos, no ano de 2008; desses, foram registrados 2.580 casos de roubos a pessoas. No ano de 2009, foram registrados 4.212 crimes contra o patrimônio (CIDADÃO), sendo 3.659 ocorrências apenas de roubo a pessoas. Outro crime mais comum é o crime contra o patrimônio (IMÓVEL), que correspondem a 2.132 ocorrências no ano de 2008 e 2.389 no ano de 2009, distribuídas entre furtos e roubos a residências, estabelecimentos e instituições bancárias. O gráfico 5.1 configura as condutas criminais mais comuns nos anos de 2008 e 2009; nesse gráfico, destaca-se a coluna laranja, crime contra o patrimônio (CIDADÃO), como o incidente mais frequente dos dois anos específicos. 4500 4212 Crimes contra a pessoa (A VIDA) 4000 3500 Crimes contra o patrimônio (CIDADÃO) 3127 3000 Crimes contra o patrimônio (VEÍCULOS) 2500 Crimes contra o patrimônio (IMÓVEL) 2000 Crimes contra a dignidade sexual 1500 Crime contra a incolumidade pública 1000 500 Outros Crimes 0 2008 2009 Gráfico 5.1 - Condutas Criminais em João Pessoa, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Além de configurar os tipos de ocorrências criminais nesses dois anos, também foi possível identificar como o crime está distribuído nos bairros de João Pessoa. O gráfico 5.2 ilustra dois tipos de colunas para cada bairro: as colunas azuis correspondem às ocorrências criminais de 2008, e as colunas vermelhas definem as ocorrências do ano de 2009. Fica evidente o aumento de ocorrências do ano de 2008 para o ano de 2009; apenas, dois bairros registram o mesmo número de ocorrências, que são o Bairro das Indústrias e dos Ipês. Pode-se analisar, também, por ordem crescente, da direita para a esquerda, que o bairro com menor registro de criminalidade é o Roger, e o com maior incidência de registros criminais é o centro de João Pessoa, nos dois anos, seguido do bairro Manaíra. / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 120 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 900 800 700 600 500 400 300 200 100 CENTRO MANAIRA MANGABEIRA BESSA CRISTO REDENTOR BANCARIOS VALENTINA FIGUEIREDO MANDACARU ERNESTO GEISEL TORRE FUNCIONÁRIOS TAMBAU VARADOURO CRUZ DAS ARMAS JAGUARIBE OITIZEIRO GROTAO JOSE AMERICO DE ALMEIDA ESTADOS VARJÃO = RANGEL ALTO DO MATEUS CABO BRANCO INDUSTRIAS MIRAMAR COSTA E SILVA TAMBAUZINHO ALTIPLANO CABO BRANCO DOS IPES CASTELO BRANCO SAO JOSE JARDIM VENEZA ILHA DO BISPO JARDIM CIDADE UNIVERSITARIA AGUA FRIA TREZE DE MAIO BRISAMAR ROGER PADRE ZE RENASCER III ERNANY SATIRO EXPEDICIONARIOS TAMBIA MONSENHOR MAGNO = MUCUMAGO AGRIPINO JOAO ESPLANADA PEDRO GONDIM DISTRITO INDUSTRIAL TRINCHEIRAS PARATIBE GRAMAME PORTAL DO SOL (PLANALTO) BOA ESPERANCA PRAIA DO SEIXAS PENHA ANATOLIA ALTO DO CEU 0 ocorrências 2008 ocorrências 2009 Gráfico 5.2 - Comportamento da criminalidade nos bairros de João Pessoa, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 5.3 ilustra os quatro bairros com maior ocorrência criminal registrada pelo CIOP, nos anos de 2008 e 2009. Observa-se que os três primeiros bairros, Centro, Manaíra e Mangabeira, correspondem aos principais redutos de comércio da cidade de João Pessoa, segundo estudo de Andrade, Ribeiro e Silveira (2009). O primeiro corresponde ao centro antigo, local onde se iniciou a formação da cidade, onde hoje se concentra a maior parte das atividades de serviço e comércio; o segundo bairro apresenta comércio e serviços mais especializados voltados para uma classe média e alta, além de ser um setor turístico; Mangabeira, o terceiro bairro mais violento, satisfaz uma nova centralidade urbana, planejado como um grande conjunto habitacional na década de 1970, devido ao seu afastamento e isolamento do centro abrigou, ao longo dos anos, atividades comerciais que atendessem a população local (Andrade, Ribeiro e Silveira, 2009). 900 800 700 773 696 651 655 600 574 500 476 400 444 404 300 200 Ocorrências 2008 100 Ocorrências 2009 0 CENTRO MANAIRA MANGABEIRA BESSA Gráfico 5.3 – Ocorrências Criminais nos 4 bairros mais violentos de João Pessoa, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 121 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Apesar do bairro, Manaíra, ser considerado um lugar nobre de João Pessoa, identifica-se nos gráficos 5.2 e 5.3 que ele se encontra em posição de destaque com relação aos registros criminais da cidade, nos anos 2008 e 2009, conforme a tabela 5.2. Nesse bairro, observa-se a tendência verificada com relação a João Pessoa, com acréscimo de ocorrências criminais do ano de 2008 para 2009, bem como o fato de os crimes de maior incidência nos dois anos terem sido contra o patrimônio (CIDADÃO) e contra o patrimônio (IMÓVEL). Como se pode verificar na tabela 5.2 e no gráfico 5.4. 428 450 400 Crimes contra a pessoa (A VIDA) 350 Crimes contra o patrimônio (CIDADÃO) 282 300 Crimes contra o patrimônio (VEÍCULOS) 250 Crimes contra o patrimônio (IMÓVEL) 200 155 129 150 Crime contra a incolumidade pública Outros Crimes 100 50 0 2008 2009 Gráfico 5.4 - Incidências criminais no bairro Manaíra, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) O crime com maior frequência no bairro é o roubo a pessoas, com 260 casos em 2008 e 395 em 2009, como visto na tabela 5.2. Esse tipo de crime está inserido na categoria de crimes contra o patrimônio (CIDADÃO). Esse delito tende a ser o mais temido pela sociedade, pois a sua ação é realizada através de atos de violência ou ameaça em um espaço público, como ruas e praças, ou privado; ele se dá numa ação constrangedora diretamente sobre o cidadão, ocasionando medo e pânico à comunidade que usufrui do bairro. Outro crime também de destaque nesta categoria é o furto contra a pessoa, com 22 ocorrências em 2008 e 32 em 2009. Esse tipo de crime se diferencia do anterior por não haver ato direto de violência, o meliante age perante o descuido e a falta de atenção da vítima. A maioria dos casos de furto tende a acontecer, principalmente, em estabelecimentos e residências; apesar desse crime causar maior prejuízo, como identificado pela polícia, ele é menos assustador socialmente. / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 122 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA TRAFICO DE ENTORPECENTES TRAFICO DE ENTORPECENTES TENTATIVA DE HOMICIDIO TENTATIVA DE HOMICIDIO ROUBO EM VEICULO ROUBO EM VEICULO ROUBO EM ESTABELECIMENTO ROUBO EM ESTABELECIMENTO ROUBO DE MOTO ROUBO DE MOTO ROUBO DE CARRO ROUBO DE CARRO ROUBO A RESIDENCIA ROUBO A RESIDENCIA ROUBO A POSTO DE COMBUSTIVEL ROUBO A POSTO DE COMBUSTIVEL ROUBO A PESSOA ROUBO A PESSOA ROUBO A PADARIA ROUBO A PADARIA PORTE ILEGAL DE ARMA PORTE ILEGAL DE ARMA HOMICIDIO HOMICIDIO FURTO EM RESIDENCIA FURTO EM RESIDENCIA FURTO EM ESTABELECIMENTO FURTO EM ESTABELECIMENTO FURTO DE MOTO FURTO DE MOTO FURTO DE CARRO FURTO DE CARRO FURTO A PESSOA FURTO A PESSOA DISPARO DE ARMA DE FOGO DISPARO DE ARMA DE FOGO Ocorrências 2008 0 50 100 150 200 250 300 0 Ocorrências 2009 50 100 150 200 250 300 Gráfico 5.5 - Crimes no bairro Manaíra, 2008 e 2009, respectivamente. (FONTE: arquivo pessoal.) Dentre os demais crimes, três fazem parte dos crimes contra o patrimônio (IMÓVEL): o roubo a estabelecimentos, com 18 casos em 2008 e 32 em 2009; furto a residências, com 52 e 46 ocorrências; e furto a estabelecimentos com 50 e 49 casos, nos anos respectivos. Roubo de carro faz parte do crime contra o patrimônio (VEÍCULOS) e se destacou com 29 incidentes em 2008 e 25 em 2009. 46 49 2009 395 Roubo em estabelecimento Furto em residência 52 50 2008 Furto em estabelecimento Roubo de carro 260 Roubo a pessoa Furto a pessoa 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 Gráfico 5.6 – Principais crimes de furto e roubo no bairro Manaíra, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Os mapas ilustrados a seguir, figuras 5.2 e 5.3, evidenciam o nível de crimes em cada bairro, que foi analisado conjuntamente com o rendimento mensal por domicílio particular permanente, dados do IBGE ano 2000. Tal informação é relevante para se / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 123 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA compreender visualmente como é distribuído a renda domiciliar na cidade de João Pessoa, identificando conjuntamente como o crime atua nessa realidade. No ano de 2008, foram identificados em João Pessoa, figura 5.2, quatro bairros com registro de ocorrências acima de 401. São eles: Centro, Manaíra, Mangabeira e Bessa. Tais bairros expressam 29% do total de crimes registrados em 2008. Por outro lado, 37 bairros da cidade, ou seja, 20% correspondem às ocorrências registradas que atingem o máximo de 100 incidências. Observa-se que os dois bairros da orla, Manaíra e Bessa, apresentam uma das maiores médias de rendimento mensal por domicílio particular, porém, também, fazem parte dos bairros mais violentos; o centro da cidade e o bairro Mangabeira, apesar de possuírem médias de rendimento mensal relativamente baixo, são setores que concentram uma grande quantidade de comércio e serviços, tornando-se atrativos aos crimes de roubo e furto. 7% 13% 33% Quantidade Ocorrências 401-700 29% 18% Quantidade Bairros 4 201-400 5 101-200 15 51-100 13 01-50 24 Figura 5.2 - Mapa de Ocorrências criminais nos bairros de João Pessoa e a Média do rendimento nominal mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes (IBGE, 2000), 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 124 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 3% 11% 38% 14% 34% Quantidade Ocorrências Quantidade Bairros 401-700 6 201-400 12 101-200 15 51-100 15 01-50 13 Figura 5.3 - Mapa de Ocorrências criminais nos bairros de João Pessoa e a Média do rendimento nominal mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes (IBGE, 2000), 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) No ano de 2009, percebe-se pela figura 5.3 um acréscimo de ocorrências nos bairros mais violentos: Mangabeira e Bessa registraram 651 e 574 ocorrências, respectivamente; todavia, o Centro e o Manaíra se destacam com o maior índice de ocorrências, 773 e 655. Nesse ano surgem dois outros bairros com registros acima de 400 ocorrências: Bancários e Cristo Redentor. Os seis bairros mais violentos correspondem a 38% das ocorrências registradas pelo CIOP; em consequência, a quantidade de bairros com menores índices de violência diminuiu para 3%. Como se pode observar, Centro e Manaíra ainda concentram os maiores índices de criminalidade com relação ao restante da cidade. A seguir serão apresentadas as modalidades de crime mais comuns no bairro Manaíra - o roubo e o furto nos anos analisados. / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 125 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 5.2 Roubo Analisando as ocorrências criminais de roubo, pelas informações do CIOP, foram registrados 8 tipos de ocorrências diferentes em 2008, e 11 em 2009. Tais roubos foram subdivididos em quatro categorias, que são: a) Roubo a pessoas; b) Roubo a imóveis, composto por roubo a postos de combustível, roubo a residências, roubo a estabelecimentos (comercial), roubo a farmácias e roubo a padarias; c) Roubo a transporte, sendo eles roubo de carros, roubo de motos, roubo a transportes coletivos, roubo a veículos; d) Tentativa de roubo O tipo mais frequente de roubo, nesse período, foi a pessoas, sendo o crime mais comum no bairro Manaíra. No ano de 2008 foram registrados 300 tipos de ocorrências de roubo. No gráfico 5.7, observa-se que há uma variação de roubo a pessoas de 10 a 31 ocorrências, sendo junho e setembro os meses com maior incidência para esse tipo de crime, com 29 e 31 ocorrências, respectivamente. Enquanto abril, agosto e novembro foram os meses com menos ocorrências, com 10, 13 e 13. 35 30 25 20 15 10 5 0 Janeiro Fevereiro Março ROUBO A PESSOA Abril Maio ROUBO IMÓVEL Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro ROUBO TRANSPORTE TENTATIVA DE ROUBO Gráfico 5.7 - Ocorrência Anual de Criminalidade, Manaíra: Roubo 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) As outras ocorrências chegam a um máximo de 5 casos em alguns meses (gráfico 5.8), que correspondem a 9% de roubo a imóveis; 9%, de roubo a transportes, e tentativas de roubo, com 8% dos casos, enquanto roubo a pessoas corresponde a 74% dos casos. No gráfico 5.9, identifica-se a frequência de roubo durante o dia, percebe-se que a tarde e a / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 126 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA manhã são os períodos do dia com maior incidência de roubo a pessoas, mas a noite também revela nível razoável de ocorrências. TENTATIVA DE ROUBO ROUBO TRANSPORTE 8% ROUBO A PESSOA 9% ROUBO IMÓVEL ROUBO IMÓVEL 9% ROUBO A PESSOA ROUBO TRANSPORTE 74% 0 TENTATIVA DE ROUBO 20 40 60 80 100 madrugada (00:00 - 6:00) manhã (6:00 - 12:00) tarde (12:00 - 18:00) noite (18:00 - 24:00) Gráfico 5.9 - Categorias de roubo 2008 (FONTE: arquivo pessoal.) Gráfico 5.8 - Horário: Roubo 2008 No gráfico 5.10 é possível identificar a sequência das ocorrências criminais de acordo com a sua priorização de incidência, o roubo a pessoas é o tipo de crime mais comum no ano de 2008; os outros tipos de incidência correspondem a menos de 10%, cada. A priorização de incidências inicia com roubo a pessoas; em seguida vem o roubo a transportes, que foi dividido em roubo de veículo e roubo a veículos, o primeiro com maior ocorrência advém da apropriação do veículo, o segundo deve-se à subtração de objetos que se encontravam em veículos; foi identificada, em sequência, a tentativa de roubo, a análise desse tipo de ocorrência apesar de ter relevância, torna-se complexa devido às propriedades de natureza diversa implícitas nesse fenômeno (vários tipos de ações), porém esse dado foi acrescentado em nível de informação geral; roubo a edificações não residenciais; identificados com menor incidência estão o roubo a residências e o roubo a veículos. 100% 90% % de Roubos 80% 250 220 70% 200 60% 150 50% 40% 100 30% 20% 10% 24 24 20 Roubo de veículo Tentativa de Roubo Roubo a ñ-residência 50 7 2 Roubo a residência Roubo em veículo 0% 0 Roubo a pessoa Tipo de Roubo Qtd Curva ABC Gráfico 5.10 - Tipos de ocorrências mais freqüentes de roubo em 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 127 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Já no ano de 2009, foram registrados um total de 393 ocorrências. Assim como no ano de 2008, o roubo a pessoas continua, em 2009, sendo o crime mais comum nesse bairro, sua incidência maior acontece entre os meses de maio a julho, e entre os meses de outubro e novembro. Como no ano de 2008, o mês com maior incidência foi outubro, com registro de 39 ocorrências, e os meses com menor incidência foram abril e setembro, com 13 cada, ver gráfico 5.11. 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Janeiro Fevereiro Março ROUBO A PESSOA Abril Maio ROUBO IMÓVEL Junho Julho Agosto Setembro Outubro ROUBO TRANSPORTE Novembro Dezembro TENTATIVA DE ROUBO Gráfico 5.11 - Ocorrência Anual da Criminalidade: Roubo 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) No gráfico 5.11, também, identificam-se outros tipos de ocorrências de roubo, que chegam a um máximo de sete casos em alguns meses. O gráfico 5.12 mostra que roubo a pessoas corresponde a 70% das incidências, enquanto que a imóveis, a transportes e tentativa de roubo, correspondem 12%, 8% e 10%, respectivamente. Com relação ao horário do crime, o roubo a pessoas teve maiores incidências à noite e, em sequência, à tarde; nos outros tipos de roubo observa-se o mesmo período, com uma ressalva ao roubo a imóveis, que possui maiores registros à tarde e pela manhã, gráfico 5.13. TENTATIVA DE ROUBO 10% ROUBO A PESSOA ROUBO TRANSPORTE 8% ROUBO IMÓVEL 12% ROUBO IMÓVEL 70% ROUBO TRANSPORTE ROUBO A PESSOA TENTATIVA DE ROUBO 0 Gráfico 5.12 - Categorias de roubo 2009 (FONTE: arquivo pessoal.) 20 40 60 80 madrugada (00:00 - 6:00) manhã (6:00 - 12:00) tarde (12:00 - 18:00) noite (18:00 - 24:00) 100 120 Gráfico 5.13 - Horário: Roubo 2009 As principais ocorrências de roubo em 2009 estão identificadas no gráfico 5.14, ordenadas pela priorização de incidências: o roubo a pessoas, assim como em 2008, é o tipo de ocorrência mais comum, os outros tipos de crime permanecem com menos de 12%. / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 128 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Identifica-se em seguida a ordem de priorização das baixas incidências: tentativa de roubo; roubo a não residências (imóveis de estabelecimento comercial); roubo de veículo, percebe-se uma redução deste tipo de incidência com relação ao ano de 2008; roubo a residências; e roubo a veículos. 100% 390 360 330 80% % de Roubos 70% 300 274 270 60% 240 210 50% 180 40% 150 30% 120 90 20% 38 36 60 24 10% Quantidade de Ocorrências 90% 13 8 Roubo a residência Roubo em veículo 30 0% 0 Roubo a pessoa Tentativa de roubo Roubo em ñ-residência Roubo de veículo Tipo de Roubo Qtd Curva ABC Gráfico 5.14 – Tipos de ocorrências mais freqüentes de roubo em 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Dentre os diversos incidentes de roubo ocorridos no bairro Manaíra ao longo desses dois anos, o trabalho irá se aprofundar no roubo a pessoas, pois este é o tipo de ocorrência criminal mais comum do bairro e atinge diretamente a população que nele reside. / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 129 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 5.3 Furto Outro crime bastante presente no bairro Manaíra é o furto, no ano de 2008, foram registradas 179 ocorrências e 161 casos foram registrados no ano de 2009, pelo CIOP. Tais ocorrências foram agregadas em quatro categorias principais: a) furto a pessoas; b) furto a imóveis (edifício); c) furto a transportes (automóvel, moto e bicicleta); d) tentativa de furto. No gráfico 5.15, observa-se que esse delito ocorre principalmente nos meses de férias escolares (dezembro, janeiro e fevereiro; junho e julho), variando de 1 a 13 ocorrências por mês. 14 12 10 8 6 4 2 0 FURTO A PESSOA FURTO A IMÓVEL FURTO TRANSPORTE TENTATIVA DE FURTO Gráfico 5.15 – Ocorrência Anual da Criminalidade: Furto 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) Quase sempre, o furto a imóveis é facilitado por descuido ou falta de atenção da vítima, não havendo agressão física. Eles tendem a acontecer dentro de estabelecimentos comerciais e residenciais (58% dos tipos de furto), enquanto ao furto a pessoas, correspondem apenas 12%, dados referentes ao ano de 2008 (ver gráfico 5.16). A ação dos criminosos, para a prática de furto a imóveis, tende a acontecer principalmente de madrugada e à noite, enquanto os outros tipos de furto ocorrem mais durante o dia (gráfico 5.17). / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 130 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA TENTATIVA DE FURTO 17% 12% FURTO TRANSPORTE FURTO A PESSOA FURTO A IMÓVEL FURTO IMÓVEL 13% FURTO TRANSPORTE 58% FURTO A PESSOA TENTATIVA DE FURTO 0 10 20 30 madrugada (00:00 - 6:00) manhã (6:00 - 12:00) tarde (12:00 - 18:00) noite (18:00 - 24:00) Gráfico 5.16 - Categorias de furto 2008 (FONTE: arquivo pessoal.) 40 Gráfico 5.17 - Horário: Furto 2008 No gráfico 5.18, identifica-se a sequência de priorização das ocorrências de furto em 2008. É factível de apreciação que este tende a acontecer com maior frequência a imóveis, sendo eles residenciais ou não. Os dois tipos juntos representam mais de 50% das incidências. O furto em não residência é o tipo de ocorrência mais frequente, acontecendo, principalmente, em ambientes comerciais, como lojas, padaria, farmácia, postos de combustível, estabelecimentos de ensino, ambientes de prestação de serviços, entre outros. Logo em sequência vem o furto em residência. Em seguida, apresenta-se a tentativa de furto, ato criminal não finalizado, porém, com alerta à polícia militar, esse tipo de registro não será explorado na análise, devido às propriedades de natureza diversa. Furto a pessoas corresponde a 12% das incidências desse tipo de crime, enquanto furto em transporte totaliza 13%, e é subdividido em dois tipos: furto de veículo, com apropriação do mesmo; e 100% 200 90% 180 80% 160 70% 140 60% 120 50% 100 40% 30% 80 52 51 60 31 20% 22 10% Quantidade de Furtos % de Furtos furto em veículo com a usurpação apenas de objetos que estavam internos a um veículo. 40 15 8 0% 20 0 Furto em ñ-residência Furto em residência Tentativa de Furto Furto a pessoa Furto de veículo Furto em veículo Tipo de Furto Qtd Curva ABC Gráfico 5.18 – Tipos de ocorrências mais freqüentes de furto em 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 131 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Observa-se que o ano de 2009 com relação ao ano de 2008 houve um decréscimo de ocorrências de furto. O gráfico 5.19 mostra que em todo o ano de 2009, houve oscilações de incidências entre os meses, porém ainda se identificam os maiores picos entre os meses de final de ano e meio do ano. 14 12 10 8 6 4 2 0 Janeiro Fevereiro Março FURTO A PESSOA Abril Maio FURTO A IMÓVEL Junho Julho Agosto Setembro FURTO TRANSPORTE Outubro Novembro Dezembro TENTATIVA DE FURTO Gráfico 5.19 – Ocorrência Anual da Criminalidade: Furto 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) Com relação aos outros tipos de furto, identifica-se que furto a pessoas e tentativa de furto tem uma incidência maior no mês de fevereiro, havendo um decréscimo nos meses seguintes; já furto de transporte tem um acréscimo no mês de março e outubro. Com relação à porcentagem de incidências o furto a imóveis corresponde a 53% das ocorrências, enquanto furto a pessoas corresponde a 14%; furto a transporte 16%; e tentativa de furto, 17%, ver gráfico 5.20. Os furtos no ano de 2009 aconteceram, principalmente, entre os turnos da manhã e da tarde, somente no furto a pessoas as incidências se concentram entre tarde e noite, gráfico 5.21. TENTATIVA DE FURTO 17% 14% FURTO A PESSOA FURTO TRANSPORTE FURTO A IMÓVEL 16% FURTO TRANSPORTE 53% TENTATIVA DE FURTO FURTO IMÓVEL FURTO A PESSOA 0 10 madrugada (00:00 - 6:00) tarde (12:00 - 18:00) Gráfico 5.20 - Categorias de furto 2009 20 30 manhã (6:00 - 12:00) noite (18:00 - 24:00) 40 Gráfico 5.21 - Horário: Furto 2009 Fonte: arquivo pessoal. Observando a priorização de incidências de furto no ano de 2009, é possível identificar, gráfico 5.22, que a sequência permanece a mesma do ano anterior, porém, com / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 132 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA suas devidas reduções, havendo aumento apenas para furto de veículo e furto a veículo. Primeiramente, tem-se o furto a não residências com incidências em escolas e estabelecimentos comerciais; em sequência vem o furto a residências, tais ocorrências encontram-se na categoria de imóveis, identificada com mais da metade das incidências; em seguida procede a tentativa de furto. Depois surge o furto a pessoas com 14% das incidências; furto a transporte 16%, porém subdivide-se em dois tipos, com 16 casos para furto de veículo e 10 para furto a veículo. 100% 90% 180 150 % de Furtos 70% 60% 120 50% 90 40% 30% 45 60 40 20% 28 22 10% 16 10 0% Quantidade de Furtos 80% 30 0 Furto em ñ-residência Furto em residência Tentativa de furto Furto a pessoa Tipos de Furto Furto de veículo Furto em veículo Qtd Curva ABC Gráfico 5.22 – Tipos de ocorrências mais freqüentes de furto em 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) A seguir serão apontadas as características do furto em 2009, e suas principais incidências, analisadas juntamente com as propriedades de uso e ocupação do solo, barreiras visuais (muros) e nível de segurança. Dentre os furtos do bairro Manaíra, o trabalho irá se aprofundar-se no furto a imóveis, que compreende furto a não residência (comercial) e furto a residência. / Padrões Espaciais de ocorrências criminais 133 6. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento O movimento urbano é um fator relevante que pode contribuir para a qualidade de vida dos habitantes das cidades. Para Hillier (1996:3) o espaço bom é o espaço utilizado, e o fator fundamental de correlação com a configuração espacial é o movimento, estando os dois intrinsecamente relacionados. Enquanto o movimento dita a configuração do espaço na cidade, esta, por sua vez, determina o movimento. Como argumentado por Hillier e Sahbaz (2008) os potenciais de movimento apresentados pelas variáveis da sintaxe não são informações reais, mas têm de 60 a 80% de correlação entre os potenciais de movimento real. Jacobs (2000) considera a permeabilidade do solo urbano um fator positivo, pois intensifica o movimento de pedestres pelos espaços. Entre os benefícios da circulação tem-se a noção de movimento natural e copresença. O movimento natural, gerado pela configuração espacial da malha urbana, induz ao deslocamento nas diversas rotas de acesso de acordo com as características de acessibilidade na escala global e local, Hillier (1993, 1996/2007) considera tal fator positivo para a vitalidade urbana. A copresença é a capacidade que as pessoas têm de visualizar o espaço urbano, perceber o outro. Tais conceitos foram apresentados no capítulo 1. Vias com maior acessibilidade tendem a atrair maior movimento, favorecem a fixação de comércio e, consequentemente, atraem mais pessoas. Segundo as colocações de Hillier ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA e Hanson (1984), espaços com essas características permitem a capacidade de copresença, proporcionando espaços com maior vitalidade e vigilância. Com o intuito de compreender como o crime se comporta com relação às propriedades espaciais da configuração viária do espaço urbano do bairro em estudo, buscou-se identificar a existência (ou não) de alguma relação com o movimento e a presença de pedestres, utilizando para isso a sintaxe espacial e a observação in loco. As informações das variáveis axiais, obtidas pelo mapa de continuidade, foram correlacionadas com as ocorrências criminais registradas pelo CIOP, o que possibilitou gerar gráficos simples de regressão, setores e barras, em que a variável dependente é o crime e as variáveis independentes são acessibilidade, comprimento linear da rua e turno diário. Foram analisados os dois crimes mais comuns do bairro Manaíra, o roubo a pessoas e o furto a imóveis, considerado residencial e não residencial. Primeiramente buscou-se identificar a validação da relação movimento e presença de pedestres nas vias com maior número de ocorrências, através da observação in-loco do fluxo de pedestres. Também, analisou-se a covariância entre a acessibilidade da malha em movimento e as vias com maiores incidências de crime; em seguida, identificou-se a relação da classe criminal com a frequência de ocorrência criminal pelo metro linear das vias do bairro, com relação ao turno e às faixas de acessibilidade. Tais análises tiveram como intuito avaliar se a copresença e o movimento natural são geradores de vigilância e vitalidade para o bairro em estudo. Foi confirmado no estudo em questão que as vias mais acessíveis do bairro apresentam maior movimento e compreendem grandes atrativos comerciais, como exposto na teoria do movimento natural, porém a presença de movimento, e consequentemente a copresença de pessoas, não foram um fator inibidor das ocorrências criminais; tais lugares se mostraram mais suscetíveis às incidências tanto de roubo quanto de furto. A copresença existe, porém não inibe, inibe pouco ou inibe em determinadas faixas de acessibilidade. Esse fato também foi identificado nos estudos de Circe Monteiro e Anna Iannicelli sobre o bairro de Boa Viagem, Recife, que apresenta as mesmas características físicas e sociais do bairro Manaíra. No caso do bairro de Boa Viagem, essa diversidade aumenta o índice de crimes. Podemos perceber este fato ao ver que as ruas que possuem uma maior intensidade comercial se apresentam com o maior índice de roubos e furtos. (IANNICELLI, 2010) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 135 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Tais dados serão mais detalhadamente explicitados nas análises a seguir. A tabela 6.1 corresponde à escala de integração global e ao local dos eixos do bairro Manaíra, tirados a partir do mapa de continuidade na escala do entorno, que corresponde a um limite de borda de raio de 3 km a partir dos limites do bairro (objeto de estudo). Os índices apresentados são: mínimo, médio e máximo, que serviram de referência para os gráficos de dispersão, em que se analisam as variáveis de integração com as ocorrências de crime: roubo e furto. Integração Mínima Média Máxima Global 0,831 1,502 2,145 Local 0,566 2,545 4,239 Tabela 6.1 - Resultados gerais de integração global e local, com relação ao bairro. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 6.1 mostra a relação das variâncias de integração global e local (variável independente) com os valores totais de incidências de roubo nos anos de 2008 e 2009, (variável dependente). Gráfico 6.1 – Valores de integração x Quantidade de Roubo. (FONTE: arquivo pessoal.) Observa-se que as duas variáveis apresentam correlação positiva: a primeira, integração global, com R(n)²= 0,275 24; e a segunda, integração local R(3)²= 0,2681. As duas variáveis estão na categoria moderada, como mostra a planilha de COHEN(1988), ver tabela 3.1 no capítulo 3. Quanto mais integradas às vias, local e globalmente, maior o 24 R(n)² ou R-quadrado = Coeficiente de determinação no qual a variância y (roubo) é explicada pela variância x (integração global radius n) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 136 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA registro de ocorrência de roubo nesses dois anos. Identifica-se que o roubo apresenta maior correlação com a variável de integração global, que representa 27,5% da variância entre roubos e integração global. A seguir, destacaremos os quatro eixos com maior covariância de roubo com relação à integração global e local: Av. Flávio Ribeiro Coutinho, com 116 casos de roubo: R(n)²= 2,027 e R(3)²= 3,971 Rua Manoel Arruda Cavalcanti, com 36 casos de roubo: R(n)²= 1,671 e R(3)²= 3,424 Av. Edson Ramalho, com 35 casos de roubo: R(n)²= 2,015 e R(3)²= 3,801 Av. João Câncio com 32 casos de roubo: R(n)²= 1,955 e R(3)²= 3,457 Observa-se que as ocorrências de roubo em geral estão nos eixos com maiores integrações global e local, com exceção da Av. Rui Carneiro, fato já comentado anteriormente. Tais vias possuem um nível de acessibilidade entre média e alta, com relação aos outros eixos do bairro, que por incentivarem um tráfego maior de pessoas, estimulam a fixação de comércio e consequentemente atraem o roubo. O gráfico 6.2 mostra como as ocorrências de furto nos anos de 2008 e 2009 (variável dependente) se comportam com relação às propriedades de integração global e local (variável independente). As duas variáveis apresentam correlação positiva e valores bem próximos, R(n)²= 0,2341, R(3)²=0,2358, estando as variâncias na categoria moderada, segundo a planilha de COHEN (1988), ver tabela 3.1, e representando conjuntamente 23% da variância entre furto e integração global ou local. Variáveis Axiais x Furto 60 Quantidade de Ocorrências de Furto Av. Flávio Ribeiro Coutinho 50 Av. Edson Ramalho 40 Av. João Maurício Av. João Câncio 30 20 R² = 0,2341 R² = 0,2358 10 0 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 Integração Integração Global Integração Local Gráfico 6.2 - Valores de integração x Quantidade de Furto. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 137 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Assim como nas ocorrências de roubo, o furto predomina no bairro Manaíra nas vias mais acessíveis (ou mais integradas), com integração local entre 2,644 e 3,97, ver tabela 6.1, onde se situam as vias: Av. Flávio Ribeiro Coutinho, com 56 casos; Av. João Câncio, com 21 casos, Av. João Maurício, com 19 casos e Av. Edson Ramalho com 15 casos. Procurando validar a relação acessibilidade e movimento de pedestres, que tem a ver com a teoria do movimento natural, computou-se a quantidade de pessoas que transitavam a pé, em algumas vias do bairro, durante os três períodos do dia (manhã, tarde e noite), em um dia de semana e um dia de fim de semana. Foram observados 13 pontos com maior incidência de roubo e furto, nesses dois anos, em sete ruas. Av. Edson Ramalho, com pontos na (1) Corretora Teixeira de Carvalho e (2) Restaurante Mangai; Av. Flávio Ribeiro Coutinho, com pontos (3) no restaurante Habib‟s e (4) Mag Shopping; Av. João Câncio, com pontos (5) no Mercadinho Manaíra e (6) Praça Alcides Carneiro; Av. João Maurício, com pontos (7) na sorveteria Freeberg e (8) Quadra do Manaíra; Rua Manuel Arruda Cavalcanti, com ponto (9) no Manaíra Shopping; Av. Maria Rosa Sales, com pontos (10) no cruzamento da Av. Santos Coelho Neto e (11) nas proximidades da Igreja Católica São Pedro Pescador; Av. São Gonçalo, com pontos (12) no cruzamento da Av. Glaucia Maria dos Santos e (13) nas proximidades do Colégio Alice Carneiro. Pontos definidos na figura 6.1. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 138 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 4 3 9 1 10 6 2 13 12 8 11 7 5 Figura 6.1 – Pontos de observação no bairro Manaíra. (FONTE: arquivo pessoal.) Foi observado que no final de semana a Av. João Maurício, rua da orla marítima (pontos 5 e 7), apresenta uma maior quantidade de pedestres, principalmente no turno da manhã; à tarde, no ponto 7 há uma maior intensidade de pessoas; observa-se uma maior concentração de pessoas nas proximidades do Shopping Manaíra, ponto 9, nos turnos da tarde e da noite. As vias de comércio apresentam, no final de semana, baixíssima presença de pedestres, sendo os períodos da manhã e da noite os de menor frequência, como observado nos pontos 1 e 2. Manhã 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Tarde Noite 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1 3 5 7 9 11 13 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Gráfico 6.3 - Quantidade de Pedestres no final de semana, dia 20/11/2011. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 139 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Nos dias da semana percebe-se um tráfego mais intenso de pedestres pela manhã, na Avenida Flávio Ribeiro Coutinho, nas proximidades do Mag Shopping, ponto 4; durante os outros turnos do dia, tarde e noite, destaca-se o ponto 9 do Shopping Manaíra, que abre depois das dez horas da manhã. A partir dessa hora, torna-se frequente seu uso ao longo do dia até o horário de seu fechamento. Os pontos que apresentam menores registros de pessoas são as avenidas Maria Rosa Sales, pontos 10 e 11 e São Gonçalo, pontos 12 e 13. A Avenida Edson Ramalho é uma das vias mais acessíveis do bairro, nela se concentram muitos pontos comerciais, existe um grande fluxo de veículos, porém ao longo de todo o seu percurso é pouca a frequência de pedestres, sendo muitos deles identificados nas proximidades de restaurantes. Ver gráfico 6.4. Noite Tarde Manhã 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 250 250 200 200 150 150 100 100 50 50 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10111213 Gráfico 6.4 - Quantidade de Pedestres na semana, dia 21/11/2011. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 140 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 6.1 Roubo Os pontos de roubo, em 2008, estão assinalados no mapa de linhas de continuidade, possibilitando correlacionar as incidências de crime aos seus valores de integração local (acessibilidade) das vias do bairro (figura 6.2). Figura 6.2 - Pontos de Roubo e Mapa de Continuidade (Integração Local) 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 6.3 correlaciona integração local com os tipos de roubo em 2008. No plano de fundo do gráfico, as cores expostas em dégradé mostram a variação de integração local (R3): às cores mais frias (azuis e verdes) correspondem os eixos com baixa integração em relação à malha do bairro Manaíra; as cores quentes (do amarelo ao vermelho) identificam eixos mais acessíveis do bairro. Observa-se uma interdependência entre os eixos mais integrados com relação ao tipo de roubo mais frequente, a pessoas, onde ocorrem consequentemente nas vias mais movimentadas, como Av. Flávio Ribeiro Coutinho, Av. Edson Ramalho, Av. João Maurício e Av. João Câncio. Também, é possível identificar a existência desse tipo de crime com relação à proximidade do bairro São José, em vias com baixa integração local e que apresentam um número significativo de ocorrências. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 141 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Quantidade de ocorrências 41 36 31 26 Eixos próximo ao bairro São José 21 16 11 6 1 1 1,25 1,5 1,75 2 2,25 2,5 2,75 3 3,25 3,5 3,75 4 4,25 Integração R3 (local) Roubo a pessoa Roubo a residência Roubo a ñ-residência Roubo em veículo Roubo de veículo Gráfico 6.5 - Integração Local x Ocorrências de roubo, 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) Enquanto o roubo a não residência predomina em vias mais acessíveis, o roubo a Quantidade de ocorrências residência tende a acontecer em eixos menos integrados, gráfico 6.6. 46 46 41 41 36 36 31 31 26 26 21 21 16 16 11 11 6 6 1 7 6 5 4 3 2 1 1 1,75 2,25 2,75 3,25 3,75 4,25 Integração R3 (local) Roubo a pessoa Roubo a residência 1,75 2,25 2,75 3,25 3,75 4,25 Integração R3 (local) Roubo a pessoa Roubo a ñ-residência 1,75 2,25 2,75 3,25 3,75 4,25 Integração R3 (local) Roubo a residência Roubo a ñ-residência Gráfico 6.6, 6.7 e 6.8 – Combinações de Roubo, 2008 (FONTE: arquivo pessoal.) A figura 6.3 ilustra o mapa de integração local, conjuntamente com os pontos de roubo, em 2009. Observa-se nesta imagem uma dispersão do roubo dentro do bairro; muitas incidências acontecem na Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 142 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 6.3 - Mapa de Continuidade (Integração Local) x roubo 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 6.9 correlaciona a propriedade de integração local e os tipos de roubo para 2009. Salienta-se nesse gráfico a maior quantidade de ocorrências para roubo a pessoas, identificado pelos losangos amarelos; a segunda via mais integrada, a Av. Governador Flávio Ribeiro Coutinho, continua apresentando o maior índice de ocorrências de roubo para este ano, com 53 incidências; o segundo eixo com maior incidência é a Av. São Gonçalo, com 27 casos e índice de integração local de 3,29; em terceiro lugar vem a Av. Edson Ramalho e a Av. João Maurício, com índices de integração de 3,80 e 3,58, respectivamente, e registros de 19 ocorrências cada. Ainda se identifica, como no ano de 2008, casos de roubo a pessoas em vias menos integradas e próximas ao bairro São José, como as vias: Av. Francisco Brandão, Rua Construtor Humberto Ruffo, Rua Glaucia Maria dos Santos Gouveia e Rua Major Ciraulo. Com relação aos outros tipos de roubo, o roubo a não residências destaca-se na Av. Flávio Ribeiro Coutinho e Av. João Câncio, vias com alto índice de integração onde se localizam lojas e centros comerciais. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 143 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Quantidade de ocorrências 61 51 41 31 21 11 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 Integração R3 (local) Roubo a pessoa Roubo a residência Roubo a ñ-residência Roubo de veículo Roubo em veículo Gráfico 6.9 - Integração Local x Ocorrências de roubo, 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Com relação às propriedades específicas de roubo foram elaborados gráficos de dispersão com o intuito de identificar, ou não, correlações entre este tipo de crime e a propriedade espacial de integração local. Observando os gráficos 6.10, 6.11 e 6.12, visualiza-se uma maior incidência de roubo a pessoas, com destaque para a via de alta integração, Av. Flávio Ribeiro Coutinho. Identifica-se um segundo ponto de destaque, a Av. São Gonçalo, juntamente com outros eixos de integração local média, com índice entre 3,26 e 3,80. Com relação à natureza do crime, em segundo lugar destaca-se o roubo a não residências, ou seja, ocorrências em ambientes comerciais, que acontecem com maior frequência na Av. Edson Ramalho e Av. João Câncio, com integração 3,97 e 3,45, respectivamente, eixos mais integrados do bairro que concentram uma maior quantidade de pontos de comércio. O roubo a residências se apresenta em quantidades inferiores com relação aos outros dois tipos de roubo, apenas 11 registros de casos com índice de integração local 51 41 31 21 11 1 8 Quantidade de ocorrências Quantidade de ocorrências Quantidade de ocorrências variando entre 2,64 e 3,97. 51 41 31 21 11 2 3 4 5 1 Integração R3 (local) Roubo a residência Roubo a pessoa 6 5 4 3 2 1 1 1 7 2 3 4 5 Integração R3 (local) Roubo a pessoa Roubo a ñ-residência 1 2 3 4 5 Integração R3 (local) Roubo a ñ-residência Roubo a residência Gráfico 6.10, 6.11 e 6.12 – Combinações de Roubo 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 144 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Os gráficos 6.13 e 6.14 mostram as incidências gerais de roubo, para os anos de 2008 e 2009, com relação à variável axial de integração local (R3), com índices gerais definidos na tabela 6.1. É possível identificar nos dois gráficos, padrões de ocorrências criminais entre as barras verdes e amarelas, com índice intermediário entre 2,886 e 3,704, ou seja, muitas incidências acontecem em vias que não são muito integradas ou acessíveis. Deve-se observar que nestas duas faixas os eixos apresentam maior metragem linear, como observado no gráfico 6.17. Evidencia-se que os eventos de roubo se dão principalmente contra os indivíduos, e ocorrem tanto em vias com maior concentração de comércio, quanto em vias com maior característica residencial, que apresentam integração local intermediária e constituem a maior metragem linear. Também se observa uma frequência de ocorrências nos eixos mais integrados, que é identificado pela Avenida Governador Flávio Ribeiro Coutinho (barra vermelha), nela estão localizados pontos de comércio, além dos shoppings Manaíra e Mag Shopping; o nível acessível, representado apenas pela Avenida General Edson Ramalho (barra laranja), também se destaca por ser um corredor de movimento e, consequentemente, de comércio, porém apresenta o índice mais baixo de ocorrências de roubo, conjectura-se que a diferença entre as ocorrências da faixa vermelha e laranja (faixas mais acessíveis) deve-se ao tipo diferenciado de percurso, enquanto os grandes magnetos comerciais atraem um grande contingente de pessoas de toda a cidade de João Pessoa que se deslocam de carro, ônibus e a pé; a Avenida General Edson Ramalho (faixa laranja), apresenta lojas individuais e clientes exclusivos que transitam de um estacionamento próximo para dentro da loja, dificilmente se identifica percurso entre lojas ao longo desta via. Existe a evidência de um aumento de incidências do ano de 2008 para o ano de 2009, porém os padrões permanecem os mesmos. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 145 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Roubo 2008 Roubo 2009 120 140 100 120 80 100 60 80 60 40 40 20 20 0 0 Acessibilidade Pouco Acessível Média baixa Acessibilidade Acessível Muito Acessível Gráfico 6.13 – Gráfico de barras – Integração Local(R3) Acessibilidade baixa Pouco Acessível Média Acessibilidade Muito Acessível Gráfico 6.14 – Gráfico de barras - Roubo 2009 Roubo 2008 18% Acessível Roubo 2009 Acessibilidade baixa 14% 18% 14% Pouco Acessível 5% 6% Média Acessibilidade 27% 36% 35% Acessível 27% Muito Acessível Gráfico 6.15 – Quant. de roubos nos eixos, 2008. Gráfico 6.16 – Quant. de roubos nos eixos, 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Nos gráficos 6.15 e 6.16 salientam-se os níveis de acessibilidade com maiores incidências de roubo, o nível pouco acessível (linha verde) apresenta 36% e 35% de ocorrências nos anos de 2008 e 2009; o nível com média acessibilidade corresponde a 27% de incidências; e o nível muito acessível corresponde a 18% dos incidentes nos dois anos. Analisando cada nível de acessibilidade com relação ao total de metragem de comprimento das vias, percebe-se pelo gráfico 6.17 que no nível muito acessível existem duas vias que somam 2.875 metros lineares - a Av. Senador Rui Carneiro e a Av. Flávio Ribeiro Coutinho; no nível acessível existe apenas uma via nesse intervalo, correspondendo a um total de 1.912m, que é a Av. Edson Ramalho; no nível com média acessibilidade há 10 vias que somam 19.813m; com baixa acessibilidade existem 16 vias que somam 19.396m; no nível com acessibilidade insuficiente (muito baixa) apresentam-se 63 vias que correspondem a um total de 12.071m de comprimento. Percebe-se que o bairro Manaíra tem em sua totalidade uma maior quantidade de vias com acessibilidade média e baixa, correspondendo pelos gráficos anteriores 6.13 e 6.14 às vias com maior quantidade de incidências. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 146 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Comprimento Muito Acessível 2875 Acessível 1912 Média Acessibilidade 19813 Pouco Acessível 19396 Acessibilidade insuficiente 12071 0 5000 10000 15000 20000 25000 Gráfico 6.17 – Comprimento Total dos Níveis de Acessibilidade. (FONTE: arquivo pessoal.) Essa observação é necessária para identificar uma proporção entre o tamanho da via, no seu nível de acessibilidade, e a quantidade de incidências criminais de roubo e furto que ocorreram durante os dois anos de análise. Tendo como intuito calcular a proporção de ocorrências por metro linear de vias, conforme seus níveis de acessibilidade. Muito Acessível 25 Acessível 55 Média Acessibilidade 116 Pouco Acessível 86 Acessibilidade baixa 133 0 50 100 150 200 Gráfico 6.18 - Comprimento do nível de acessibilidade pela quantidade de roubo, em 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Identifica-se no gráfico 6.18, que a cada 25 m de comprimento existem incidências de roubo nas vias mais acessíveis, enquanto nas vias de média acessibilidade essa relação aumenta para 116m; as vias com acessibilidade baixa agregam a maior quantidade de ruas, também têm a maior distância de roubos, ou seja, a cada 133m tende a acontecer um incidente de roubo. Assim, reafirma-se que os níveis mais acessíveis tendem a apresentar os maiores índices de criminalidade por metro linear. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 147 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Muito Acessível 30 Acessível Média Acessibilidade 2875 221 64 1912 478 171 3963 1043 Pouco Acessível 108 4849 1293 Acessibilidade baixa 151 1509 0% 10% 12071 20% Comprimento/Roubo a pessoa 30% 40% 50% 60% Compr/Roubo a residência 70% 80% 90% 100% Compr/Roubo a ñ-residência Gráfico 6.19 - Comprimento do nível de acessibilidade pela tipo de roubo específico, em 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) O gráfico 6.19 apresenta o comprimento do nível de acessibilidade pelos tipos de roubo mais comuns no bairro: o roubo a pessoas tende a acontecer com maior frequência, nas vias muito acessíveis, ou seja, a cada 30m há um incidente; o roubo a residências tende a acontecer com maior frequência em vias com acessibilidade baixa; e o roubo a não residências, ocorre com maior frequência novamente nas vias com muita acessibilidade, ou seja, a cada 221m há um incidente em algum ambiente comercial. No gráfico 6.20, observa-se a relação entre roubo a pessoas, turno e acessibilidade. Percebe-se que as vias pouco acessíveis apresentam as maiores incidências desse crime, com sequência decrescente de casos nos turnos da manhã, tarde e noite. Em vias com média acessibilidade e muito acessíveis destacam-se o roubo a pessoas no turno da tarde e em seguida à noite. Já nas vias com acessibilidade baixa, o turno da manhã apresentou maiores ocorrências do que os outros turnos nesse nível de acessibilidade. 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível MADRUGADA Média Acessibilidade MANHÃ Acessível TARDE Muito Acessível NOITE Gráfico 6.20 – Acessibilidade, Turno e Roubo a pessoa, em 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 148 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Avaliando os casos de roubo a pessoas no ano de 2009, com relação ao turno e à acessibilidade, identifica-se em todos os padrões de acessibilidade que esse tipo de crime tende a ocorrer com maior frequência à noite, no horário entre 18h00 e 00h00, apresentando uma maior incidência em vias com pouca e média acessibilidade. Em sequência provêm os turnos da tarde e da manhã, a tarde apresenta maior incidência em vias com média acessibilidade, enquanto o turno da manhã se destaca, também, nas vias pouco acessíveis. Vias com acessibilidade baixa possuem poucos casos nos quatro turnos. A madrugada, entre 00h00 e 6h00, é o horário com os menores incidentes (ver gráfico 6.21). 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível MADRUGADA Média Acessibilidade MANHÃ TARDE Acessível Muito Acessível NOITE Gráfico 6.21 – Acessibilidade, Turno e o Roubo a pessoa, em 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 149 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 6.2 Furto No Mapa de Continuidade (integração local, figura 6.4), não se verifica, a princípio, correlação entre acessibilidade e furto. Há uma dispersão de ocorrências em todo o bairro, existem alguns eixos de comércio mais integrados, com incidências, assim como existem eixos menos integrados, com bastante ou pouca ocorrência. Figura 6.4 Mapa de Continuidade (Integração Local) x furto 2008 (FONTE: arquivo pessoal.) Com relação às propriedades específicas do furto foram elaborados gráficos de combinações com o intuito de identificar, ou não, correlações entre este tipo de crime e a acessibilidade local. No gráfico 6.22, observa-se uma incidência maior de furto a residências do que a pessoas e este acontece, principalmente, próximo a eixos de integração local média, enquanto a quantidade de ocorrências de furto a pessoas tem uma maior relação com eixos mais integrados, fato observado, também, nas ocorrências de furto a não residências (gráfico 6.23 e 6.24). Isso indica que eixos mais integrados, tanto favorecem a economia de movimento quanto, também, tornam-se atrativos aos delinquentes praticantes de furto. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 150 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Quantidade de ocorrências 6 21 19 17 15 13 11 9 7 5 3 1 21 19 17 15 13 11 9 7 5 3 1 5 4 3 2 1 2 2,5 3 3,5 4 2 2,5 Furto em residência 3 3,5 2 4 Integração R3 (local) Integração R3 (local) Furto a pessoa Furto a pessoa 2,5 3 3,5 4 Integração R3 (local) Furto em ñ-residência Furto em residência Furto em ñ-residência Gráfico 6.22, 6.23 e 6.24 – Combinações de Furto2008 (FONTE: arquivo pessoal.) A relação entre integração local e os tipo de furto em 2008, é apresentada no gráfico 6.25, no qual as maiores incidências referem-se a furto a não residências, como já identificado anteriormente, e apresentam índices de integração local intermediário (2,294 e 3.972). Quanto à maior quantidade de incidências, destacam-se os dois eixos que apresentam os maiores índices de integração local e global, a Av. Flávio Ribeiro Coutinho e a Av. Edson Ramalho, os quais apresentam maior movimento no bairro e, consequentemente, recebem o comércio, sendo tais espaços identificados como os maiores Quantidade de ocorrências atratores para ocorrência de furtos. 26 21 16 11 6 1 2 2,25 2,5 2,75 3 3,25 3,5 3,75 4 4,25 Integração R3 (local) Furto a pessoa Furto em residência Furto em ñ-residência Furto de veículo Furto em veículo Gráfico 6.25 - Integração Local x Ocorrências de furto, 2008 (FONTE: arquivo pessoal.) Identifica-se no Mapa Axial de Continuidade (integração local), figura 6.5, dois tipos de ação do furto: a primeira ocorre nas vias mais integradas do bairro, linhas laranja e vermelha, com incidências principalmente em estabelecimentos comerciais e de lazer; a segunda refere-se às incidências nas linhas verdes, áreas menos movimentadas do bairro, com predominância de tipologia residencial, situadas principalmente a oeste do bairro, nas proximidades do bairro São José. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 151 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 6.5 - Mapa de Continuidade (Integração Local) x furto 2009 (FONTE: arquivo pessoal.) Com relação à propriedade axial dos eixos viários, desenvolveram-se gráficos de dispersão da natureza do furto com o intuito de identificar, ou não, correlações entre este tipo de crime e a propriedade espacial de integração local. No gráfico 6.27 observa-se um ponto de destaque de incidência, o furto a pessoas, na Av. João Maurício, já identificada anteriormente como eixo em evidência; o furto a não residências enfatiza-se com relação aos outros tipos de furto, fato este notado no ano anterior. O eixo com maiores incidências de furto a não residências (ou de estabelecimento comercial) é a Av. Flávio Ribeiro Coutinho, que se sobressai em relação aos outros eixos (gráficos 6.27 e 6.28). Observa-se que o furto a pessoas tende a acontecer em vias mais acessíveis, com alguns registros em vias segregadas; no furto a residências ocorre o contrário, muitos casos incidiram em vias mais segregadas, o furto a não residências, desconsiderando a Av. Flávio Ribeiro Coutinho, mantém suas incidências nos eixos de acessibilidade intermediária do bairro, entre 3,12 e 3,80 de integração local. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 152 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 7 6 25 25 20 20 15 15 10 10 5 5 0 0 5 4 3 2 1 0 2 2,5 3 3,5 4 4,5 Integração R3 (local) Furto em residência Furto a pessoa 2 2,5 3 3,5 4 2 4,5 Integração R3 (local) Furto a pessoa Furto em ñ-residência 2,5 3 3,5 4 4,5 Integração R3 (local) Furto em ñ-residência Furto em residência Gráfico 6.26, 6.27 e 6.28 – Combinações de Furto2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Com o intuito de identificar a relação entre integração local e os tipo de furto para o ano de 2009, observa-se no gráfico 6.29 que as maiores incidências são de furto a não residências, com maior ocorrência na Av. Flávio Ribeiro Coutinho, com 20 casos ao longo do ano; em seguida destaca-se o furto a pessoas com 6 casos somente na Av. João Maurício (avenida da orla marítima), tais eixos apresentam índices de integração local, com muita acessibilidade e média acessibilidade (3,971 e 3,581), respectivamente. No furto a residências identificam-se dois eixos principais de ocorrências: a Rua Francisco Claudino Pereira e a Av. Maria Rosa Sales, com níveis de integração pouco acessíveis, são ruas Quantidade de ocorrências menos integradas, porém próximas ao Bairro São José. Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho 26 21 16 Av. João Maurício 11 6 1 2 2,25 Furto a pessoa 2,5 2,75 Furto em residência 3 R3 (local) 3,25 Integração Furto em ñ-residência 3,5 Furto de veículo 3,75 4 4,25 Furto em veículo Gráfico 6.29 - Integração Local x Ocorrências de furto, 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Os gráficos 6.30 e 6.31 mostram as incidências gerais de furto para os anos de 2008 e 2009, com relação à variável axial de integração local (R3), com índices gerais definidos na tabela 6.1. Identificam-se, nos dois gráficos, padrões de ocorrências criminais entre as barras verdes e amarelas, com índice intermediário, entre pouco acessível e média acessibilidade, ou seja, muitos incidentes acontecem em vias que não são muito integradas ou acessíveis, Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 153 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA apesar de muitas vias amarelas não apresentarem ocorrências de furto, o pouco que apresentam é suficiente para se destacar com relação às outras barras. Também se observa uma frequência de ocorrências nos eixos mais integrados, que são identificados pela Av. Edson Ramalho, que corresponde às incidências da barra laranja; e a Avenida Flávio Ribeiro Coutinho, que corresponde à barra vermelha. Existe a evidência de um aumento de incidências do ano de 2008 para o ano de 2009, neste eixo. Quantidade Ocorrências Furto 2008 Furto 2009 60 40 50 35 30 40 25 30 20 20 15 10 10 5 0 0 Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível Média Acessibilidade Acessível Muito Acessível Gráfico 6.30 – Gráfico de barras – Integração Local Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível Média Acessibilidade Acessível Muito Acessível Gráfico 6.31 – Índice de Integração local x Furto 2009. Furto 2009 Furto 2008 Acessibilidade insuficiente 17% 12% 12% Pouco Acessível 25% 6% Média Acessibilidade 28% 5% 33% Acessível 32% 30% Muito Acessível Gráfico 6.32 – Quant. de furtos nos eixos, 2008. Gráfico 6.33 – Quant. de furtos nos eixos, 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Nos gráficos 6.32 e 6.33 é possível identificar que proporcionalmente as barras com maiores incidências de furto permanecem em vias com acessibilidade média e pouco acessível, como observado, também, com relação ao roubo. Os dados expostos demonstram que o crime de furto tem maior relação com o espaço. Os registros identificados pelo CIOP caracterizam esse tipo de ocorrência em algum imóvel, dentro de residências ou estabelecimentos comerciais e de serviços; são poucas as incidências identificadas nos espaços urbanos, ruas, praças e orla. Identifica-se que lugares de grandes comércios tendem a ser fortes atratores aos ladrões, não só para o roubo, mas para o furto; há, porém, algumas diferenças na forma de agir: após a compra de algum produto, e/ou retirada de dinheiro, ou mesmo um simples passeio, as pessoas tendem a correr riscos, assim que saem destes estabelecimentos e se Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 154 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA encontram em áreas urbanas abertas, como ruas, paradas de ônibus, praças até mesmo no estacionamento; a abordagem deste tipo de crime se dá com atos de violência. É interessante observar que, enquanto o roubo atinge diretamente o indivíduo, o furto age indiretamente, não havendo confronto pessoal, as principais incidências de furto acontecem no interior de lojas localizadas nestes estabelecimentos ou em eixos de comércio. O interior das residências também é um atrator ao crime de furto. Muito Acessível 51 Acessível 127 Média Acessibilidade 236 Pouco Acessível 234 Acessibilidade insuficiente 377 0 100 200 300 400 500 Gráfico 6.34 - Comprimento do nível de acessibilidade dividido pela quantidade de furto, em 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Identifica-se no gráfico 6.34, que a cada 51m de comprimento existem incidências de furto nas vias mais acessíveis, enquanto nas vias de média acessibilidade essa relação aumenta para 236m e 234m para pouca acessibilidade; as vias com acessibilidade baixa apresentam a maior distância possível - 377m para cada incidente de furto. Assim, observase que os níveis mais acessíveis, com maior movimento e que atendem à fixação de comércio, tendem a apresentar o maior índice de criminalidade por metro linear. Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 155 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Muito Acessível 319 1437 Acessível 74 1912 Média Acessibilidade 956 1238 Pouco Acessível 683 1385 Acessibilidade insuficiente 10% 20% 991 510 2414 0% 191 1021 754 30% Comprimento/Furto a pessoa 40% 3018 50% 60% Compr/Furto em residência 70% 80% 90% 100% Compr/Furto em ñ-residência Gráfico 6.35 - Comprimento do nível de acessibilidade pela tipo de furto específico, em 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Com relação aos tipos de furto mais comuns, observou-se que a cada 74m de distância ocorreu um furto a estabelecimento comercial, entre os dois anos analisados, nas vias com maior acessibilidade; em sequência vem o mesmo tipo de incidência a cada 191m em vias acessíveis. O furto a pessoas ocorreu a cada 319m de distância em vias muito acessíveis (ver no gráfico 6.35 as outras relações). Analisando o furto a imóveis no ano de 2008, no gráfico 6.36, compreende-se que o turno da manhã é o horário mais frequente de incidências em vias com média acessibilidade, esse fato merece uma observação importante, pois a incidência pode ter ocorrido em um turno anterior, mas a vítima pode ter percebido somente pela manhã. Com relação às vias muito acessíveis, observa-se que o horário de maior incidência é à tarde e à noite. 30 25 20 15 10 5 0 Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível MADRUGADA Média Acessibilidade MANHÃ Acessível TARDE Muito Acessível NOITE Gráfico 6.36 - Acessibilidade, Turno e Furto em estabelecimento, em 2008. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 156 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Com relação ao ano de 2009, existem padrões bastante distintos entre as ocorrências e os tipos de acessibilidade da via. Incidências no turno da manhã tendem a acontecer em vias com acessibilidade baixa, eixos com pouca acessibilidade permanecem como destaque no turno da manhã, seguidos dos turnos da tarde e noite. Linhas de integração com média acessibilidade apresentam uma maior ocorrência no turno da tarde e pela manhã; vias com muita acessibilidade apresentam maior incidência de furto a imóveis no turno da tarde (verificar gráfico 6.37). 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível MADRUGADA Média Acessibilidade MANHÃ Acessível TARDE Muito Acessível NOITE Gráfico 6.37 - Acessibilidade, Turno e Furto em estabelecimento, em 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre Ocorrências, acessibilidade e movimento 157 7. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas Visibilidade, sentimento de copresença, vigilância natural, observação participante para o trabalho em questão, são definições de um mesmo fato, referido por Jacobs (2009) como „olhos da rua‟. Tais expressões denotam a capacidade que as pessoas têm de naturalmente observarem um espaço privado e/ou público, sendo essa ação favorecida pelas características físicas e morfológicas do ambiente construído. Essa capacidade de apreender o espaço urbano, para Newman (1996) é tanto responsabilidade das pessoas quanto da forma do conjunto edificado, pois esses influenciam diretamente no comportamento de vigilância. Porém, identifica-se na maioria das cidades brasileiras que os „olhos da rua‟, a capacidade de vigilância natural, estão limitados pelos pontos cegos dos muros. Como coloca Caldeira (2008) artifícios de proteção privada estabelecem diferenças, impõem divisões, restringem o movimento natural e tornam a observação participativa inviável; seguindo este raciocínio, Sônia Ferraz (2003) argumenta que a utilização desses e de outros artifícios, faz parte de uma nova coletividade que não gera nenhuma sociabilidade e muito menos proporciona segurança. Partindo desses argumentos, este capítulo tem por finalidade correlacionar os aspectos físicos e morfológicos do bairro Manaíra com relação aos crimes identificados nos anos de 2008 e 2009, tendo como objetivo esclarecer se há relação entre ocorrências criminais e padrões de uso, ocupação e barreiras físicas do ambiente construído. Para isso, ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA primeiramente, foram identificados os pontos quentes e frios do crime, através de mapas de hot-spot ou Kernell. Os pontos quentes são definidos pelo quantitativo de ocorrências criminais registradas e mapeados em uma base georreferenciada; de acordo com a quantidade de pontos registrados, vão se adensando e tornando-se manchas. Essas manchas vão da coloração azul claro ao vermelho: quanto mais fria a cor menos registro de incidências; quanto mais quente a cor, maior o registro de incidências criminais, sendo essa área conhecida por hot-spot ou zona quente. A princípio analisaram-se todas as informações de crime juntas, em sequência dividiu-se o crime em roubo e furto e suas respectivas prioridades, roubo a pessoas e furto a imóveis. Com relação à visibilidade, a capacidade de observação do ambiente, analisou-se o crime juntamente com o mapa de barreiras físicas e de proteção dos lotes do bairro, tendo como intuito identificar se tais elementos influenciam a capacidade de vigilância natural da rua. Como identificado no capítulo 6, existem alguns lugares que tendem a apresentar maiores ocorrências de crime, como: nas proximidades de centros comerciais em vias bem acessíveis, e em vias com acessibilidade intermediária, próximo a colégios e setores mais residenciais, tais informações foram analisadas quanto às características sintáticas. Esse capítulo irá abordar as características morfológicas do local do crime, identificando especificamente como se define o local do crime com relação ao uso e ocupação do solo e aos tipos de barreiras físicas de proteção mural, como altura de muro e artifícios de segurança. A princípio percebeu-se que muitos incidentes aconteceram próximo a ou em lugares considerados seguros, com muros altos e protegidos com algum artifício de segurança. Os itens a seguir iram explanar tais fatos. 7.1 Pontos Quentes e Frios do Crime Os mapas de Kernell, ou hot-spot, são bons para dar uma estimativa dos lugares que precisam de maior atenção quanto à criminalidade no geral, porém, tal artifício não demonstra claramente quais são as características físico-espaciais do lugar, para isso adotaram-se outros artifícios que podem caracterizar o local. De qualquer maneira, os mapas de pontos quentes definem os lugares que mais chamam atenção, para serem analisados. Para esses tipos de mapas adotou-se como padrão, nesse trabalho, a opção de grade com número de colunas igual a 200. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 159 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 7.1 - Mapa de Kernell: crimes roubo e furto, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) A figura 7.1 mostra o mapa do bairro Manaíra com manchas que destacam todos os crimes mapeados de roubo e furto, ocorridos nos anos de 2008 e 2009. Identifica-se uma área bem avermelhada, ou ponto quente, a noroeste do bairro, onde há uma maior concentração de delitos; também se observam áreas em segundo destaque a nordeste, próximo à orla marítima e a centro-oeste, próximo ao bairro São José. No sul e centro-leste do bairro, percebem-se áreas claras sem pontos de destaque - nessa região são poucas as incidências criminais - aqui definidos como pontos frios. Figura 7.2 - Mapa de Kernell: roubo, 2008 e 2009. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas Figura 7.3 - Mapa de Kernell: furto, 2008 e 2009. 160 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Analisando os tipos de crime roubo e furto separadamente, percebe-se na figura 7.2, que o roubo destaca-se nos mesmos pontos do crime geral (figura 7.1), porém há um espalhamento maior do delito de roubo por todo o oeste e norte do bairro, enquanto a sudeste são poucas as incidências; essa área pode ser definida como ponto frio para o roubo. Na figura 7.3, o furto se destaca nos pontos ao norte do bairro. Também se identifica uma nova área, próximo à Praça Silvio Porto. Há um espalhamento maior desse tipo de crime por todo o bairro, com algumas áreas sem definição de furto no centro e ao sul do bairro, aqui consideradas áreas ou pontos frios para o furto. A seguir serão mostrados mapas de pontos quentes com os locais de destaque das incidências criminais específicas de roubo e furto para cada ano, analisados separadamente. Nas quatro figuras, 7.4 a 7.7, como já argumentado nos mapas anteriores observam-se uma concentração de crimes, salientada pela coloração vermelha, a noroeste do bairro Manaíra, tanto para crimes de roubo quanto de furto. Analisando o crime com relação ao roubo, percebe-se outro ponto de concentração, de hot- Figura 7.4 - Mapa de Kernell: roubo 2008 spot, no centro-oeste do bairro, no ano de 2008; no ano de 2009, figura 7.5, houve uma dispersão desses pontos para o norte do bairro, com outra área de destaque nas proximidades da orla marítima, porção nordeste do bairro. Com relação ao furto, em 2008, figura 7.6, tirando o ponto quente a noroeste do bairro, há uma dispersão de furtos expressos em todo o Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas Figura 7.5 - Mapa de Kernell: roubo 2009 161 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA bairro, manchas verdes mais escuras a sudeste, próximo ao setor hoteleiro; em sequência, mancha amarelada, onde se evidenciam mais incidências no centro-oeste e nordeste do bairro Manaíra. No ano de 2009, figura 7.7, percebe-se na ocorrência de furto algumas áreas de destaque próximo à orla marítima, tanto a norte quanto a sul do bairro, porém destaca-se um segundo ponto de Figura 7.6 - Mapa de Kernell: Furto 2008 grandes incidências próximo ao ponto mais quente, região a noroeste do bairro, este último ponto diferencia-se com relação aos outros pontos que se destacavam até então. Figura 7.7 - Mapa de Kernell: Furto 2009 Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 162 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 7.2 Crime versus uso e ocupação do solo 7.2.1 Lugares de destaque do Crime Observando todas as ocorrências criminais de roubo e furto, nos anos de 2008 e 2009, identifica-se uma dispersão de pontos por todo o bairro Manaíra, porém um adensamento maior na parte oeste do bairro, após a Av. João Câncio, sentido bairro São José (divisória indicada pela linha vermelha tracejada na Figura 7.8). Destacam-se como pontos atratores de Figura 7.8 - Ocorrências Criminais, 2008 e crimes os grandes empreendimentos comerciais, 2009. como: Shopping Manaíra (A), local de ponto quente indicado em todos os mapas de Kernell mostrados anteriormente e Mag Shopping, localizados ao norte A do bairro, na Avenida Governador Flávio Ribeiro Coutinho (identificados na figura 7.9 com círculos vermelhos). B Destaca-se, também, o crime próximo ao Figura 7.9 - Principais atratores de crime: Colégio Colibris (particular) e ao Colégio Estadual grandes empreendimentos comerciais Alice Carneiro (público), nas ruas perpendiculares às vias principais do bairro, e com acessos ao Bairro São José, são elas: Rua Euzely Fabrício de Souza, Rua São Gonçalo e Rua Eutiquiano Barreto (área definida por um retângulo vermelho (B), figura 7.9). Outros pontos de destaque são as Figura 7.10 - Outros atratores de crime: praças. ocorrências observadas nas praças: Desembargador Silvio Porto, entre as ruas Santos Coelho Neto e Francisco Claudino Pereira - nessa área a maioria da ocupação do solo é residencial; e a Praça Alcides Carneiro, com pontos de destaque próximos a padaria, lanchonetes e posto de combustível (figura 7.10). A figura 7.11 salienta os crimes nas Figura 7.11 - Outros atratores de crime: proximidades dos restaurantes Salute e Casa do zona turística Bacalhau, logradouros mais próximos de setores turísticos do bairro, área definida em vermelho. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 163 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 7.2.2 Lugares de destaque sem crime Os mapas também possibilitaram identificar com clareza lugares ou logradouros onde foram registradas pouquíssimas ocorrências de crime ou nenhuma. Apesar de uma grande incidência de crimes na área do Shopping Manaíra, existem algumas Figura 7.12 – Destaque: lugares com ruas próximas a essa área com poucos registros, pouca ocorrência identificadas na figura 7.12 pelos polígonos laranja. Isso acontece no triângulo entre as ruas Escritor Sebastião de Azevedo Bastos, Santos Coelho Neto e Monteiro Gomes de Oliveira. Nessa região, a C maioria dos lotes está ocupada por residências, uni e multifamiliares. Identifica-se, também, pouca ocorrência nos seguintes locais: Porção leste do bairro, próximo à Praça Figura 7.13 – Destaque: lugares com pouca ocorrência: Praça Chateaubriant Souza Arnaud Chateaubriant de Souza Arnaud, onde há uma base da polícia militar ROTAN, ponto (C) (figura 7.13); Na Av. Guarabira (ou Rua Nicolau Porto) e suas paralelas: Av. Umbuzeiro (ou Rua Coronel D Severino Lucena) e Av. Pombal (figura 7.13); Nas proximidades da Praça Gilvandro Carreira de Almeida, com a Av. Esperança (figura 7.14); Na Rua Carlos Alverga, paralela à Av. João Figura 7.14 – Destaque: lugares com pouca ocorrência: Praça Gilvandro Carreira de Almeida Maurício, onde há um mercado de peixe, pequenos centros comerciais e os fundos de muitos hotéis e restaurantes que dão para a orla marítima (figura 7.14); Na Av. Sapé, a oeste da Praça Alcides Carneiro, foi um espaço revitalizado, tornando-se um lugar atrativo para os habitantes do bairro (figura 7.15). Figura 7.15 – Destaque: lugares com pouca ocorrência, Av. Sapé, próximo a Praça Alcides Carneiro. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 164 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 7.3 Roubo versus uso O roubo foi um dos incidentes mais expressivos identificados nos anos de 2008 e 2009; a seguir identificam-se as particularidades de suas ocorrências em cada ano. A maioria dos crimes de roubo ocorre da Av. João Câncio a oeste do bairro Manaíra, esta região como analisado no capítulo anterior, é composta por vias com acessibilidade intermediária Figura 7.16 – Mapa: roubo e uso do solo, ou pouca; nesse local predominam residências 2008 multifamiliares, algumas residências unifamiliares e poucos pontos de comércio. Roubo 2008 Observa-se, nesse ano, muitas incidências ao norte do bairro, próximo aos empreendimentos comerciais, shopping Manaíra e Mag Shopping. Identificam-se alguns roubos próximo ao Colégio Estadual Alice Carneiro e ao Colégio Colibris, entre Figura 7.17 – Destaque: proximidade de colégios 2008 as Ruas São Gonçalo e a Eutiquiano Barreto, área em destaque na figura 7.17. Roubo 2009 Percebe-se a permanência de muitos pontos de roubo identificados no ano de 2008, incidindo nos mesmos lugares do ano de 2009, como os shopping centers, identificados na figura 7.9 e as praças Desembargador Silvio Porto e Alcides Carneiro, destacadas com círculo vermelho na Figura 7.18 - Mapa: roubo x ocupação do solo 2009 figura 7.18. Ao norte do bairro destaca-se a área delimitada pelo polígono verde, ilustrado na figura 7.19, área definida por residências uni e multifamiliares com alguns pontos de comércio. Figura 7.19 – Destaque: roubos, 2009 Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 165 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Roubo a Pessoa 2008 Como argumentado anteriormente, o crime de roubo é um dos mais comuns no bairro Manaíra, sendo o roubo a pessoas correspondente a 70% desse tipo de crime nos anos em estudo. Foram registradas, somente no ano de 2008, 220 ocorrências. Há correlação entre esse tipo de crime e lugares atratores, como ruas e pontos comerciais, Figura 7.20 - Mapa: roubo a pessoa x ocupação do solo colégios, praças, definidas nos lotes em azul, rosa e verde, e em vias próximas ao bairro São José. Com relação aos shoppings centers Manaíra e Mag, esses crimes ocorrem no estacionamento ou nas calçadas destes estabelecimentos. (ver figura 7.20) Na figura 7.21 observa-se que a maioria das incidências de roubo a pessoas ocorre nas Figura 7.21 - Mapa: roubo a pessoa x proximidades de lotes com fechamento mural alto altura do muro, 2008. ou médio (identificado em vermelho e laranja, respectivamente). Há em tais fechamentos murais um alto nível de proteção, entre 3 e 7, definido na figura 7.22. Também vale salientar a existência de ocorrências, próximo à praia, em edifícios sem muro e sem proteção. O roubo a pessoas acontece principalmente na rua. Na figura 7.23 identifica-se pouca correlação entre esse tipo de incidência criminal e a proximidade com paradas de Figura 7.22 - Mapa: roubo a pessoa x proteção mural ônibus, demarcadas pelos pontos azuis, a não ser que essas paradas se situem próximo aos magnetos. Também existe uma correlação entre ruas mais acessíveis e roubo a pessoas. Figura 7.23 - Mapa Axial x ônibus x roubo a pessoa Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 166 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Roubo à pessoa 2009 No ano de 2009 houve maior ocorrência de roubo, porém, das 274 só foi possível localizar no mapa 183 registros de roubo a pessoas, definidos nas figuras 7.24 a 7.27. Ainda se percebe a incidência em locais atratores, como os shoppings centers e outros pontos de comércio. É difícil definir neste ano se houve redução Figura 7.24 – Roubo a pessoa x ocupação do solo 2009. ou aumento nos pontos de destaque do crime em relação o ano anterior, porém, é possível identificar as reincidências: na Av. São Gonçalo, próximo aos colégios Alice Carneiro e Colibris; nas praças Silvio Porto, Alcides Carneiro e quadra do Manaíra; além de haver um aumento de ocorrências nas vias com comércio. Verifica-se que muitas incidências criminais aconteceram próximo a vitrines de lojas, porém, a maioria dos crimes de roubo a pessoas acontece Figura 7.25 – Roubo a pessoa x altura do muro 2009. em ruas com características residenciais, próximo principalmente a uma tipologia mural alta, com existência de algum artifício de segurança, figuras 7.25 e 7.26. Também se observa, assim como no ano anterior, a coincidência de crimes de roubo a pessoas em algumas paradas de ônibus do bairro, principalmente nas que estão próximas dos grandes empreendimentos comerciais e ao Bairro Figura 7.26 – Roubo a pessoa x proteção mural 2009. São José. Figura 7.27 - Mapa de axial x ônibus x roubo a pessoa 2009. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 167 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 7.4 Furto versus uso Além do roubo, o furto foi um dos incidentes mais expressivos identificados nos anos de 2008 e 2009. A seguir identificam-se as 3 1 1 particularidades de suas ocorrências em cada ano. 2 A princípio percebe-se que as ocorrências de furto acontecem em todo o bairro Manaíra, porém identificam-se alguns pontos comuns que serão explicitados a seguir: Figura 7.28 - Mapa: furto x ocupação do solo 2008. Furto 2008 3 No mapa da figura 7.28 existem alguns pontos de concentração de furtos: (1) próximo às 1 praças Silvio Porto e Alcides Carneiro (local onde já foram sinalizadas ocorrências de roubo em 1 2008); (2) ao redor do Colégio Alcides Carneiro; (3) nas proximidades do Clube dos Oficiais, 2 restaurante Habib‟s e Supermercado Pão de Açúcar, na Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho; Figura 7.29 – Destaque: furtos 2008. Também há incidentes em algumas lojas na Av. Edson Ramalho e João Câncio (figura 7.29). Furto 2009 Nas figuras 7.30, 7.31 e 7.32 são identificadas as maiores concentrações de furto em 2009, são elas: Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho com destaque nas proximidades do Clube dos Oficiais, restaurante Habib‟s e Supermercado Pão de Figura 7.30 - Furto 2009 x ocupação do solo Açúcar; Av. João Maurício (avenida da orla marítima), com ocorrências principalmente em estabelecimentos comerciais, de alimentação e de atendimento, principalmente ao turista. Porém, a maioria dos furtos ocorre nas residencias uni ou multifamiliares, em vias com menor tráfego veicular. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas Figura 7.31 e 7.32 – Destaque: furtos 168 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Furto a Imóvel (Edificação) 2008 Dentre os furtos o mais comum é o furto a imóveis, sendo registradas 103 ocorrências, em 2008, com: 1 furto estabelecimentos estabelecimentos a igreja; de 1 ensino; residenciais; e furto a 51 a 50 a estabelecimentos comerciais. A figura 7.33 ilustra esse tipo de crime, no mapa de uso e ocupação do solo. No furto ao bem imóvel, identificam-se duas Figura 7.33 – Furto a imóvel 2008 x uso e singularidades ocupação do solo distintas, uma no furto a residências e outra no furto a estabelecimentos comerciais. A maioria das ocorrências de furto acontece dentro das edificações e entre seus procedimentos sucedem-se invasão, arrombamento, usurpação de material, e fuga, realizada principalmente através dos muros da vizinhança. Na figura 7.34, estão identificados os Figura 7.34 – Furto estabelecimento x pontos de furto a residências no ano de 2008, a muro, 2008. maioria das incidências está situada no lado oeste da Av. João Câncio, sentido bairro São José, com 31 casos, enquanto do lado leste foram registrados 20 ocorrências, com incidências principalmente em estabelecimentos comerciais, (figura 7.35). A característica do furto é a discrição, o fato do ladrão não ser visto ou identificado por outros é fator relevante para o sucesso deste evento, devido a isso se percebe na figura 7.36 que não Figura 7.35 – Furto estabelecimento x proteção, 2008. existe relação entre paradas de ônibus e esse tipo de crime, nesses locais dificilmente ocorre furto, provavelmente pela existência constante de pessoas. Figura 7.36 - Furto imóveis x mapa axial x parada de ônibus Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 169 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Furto a Imóvel (Edificação) 2009 No furto a imóveis foram identificadas 85 ocorrências criminais, no ano de 2009, porém foram pontuadas no mapa, apenas 66 incidências, devido à falta de informações precisas de localização. Dentre tais incidências têm-se: 1 furto a escola (ponto cinza); 31 a residências (pontos vermelhos); e 34 a estabelecimentos comerciais (pontos pretos). Figura 7.37 – Furto a imóvel 2009 x uso e ocupação do solo A figura 7.37, é um mapa de uso e ocupação do solo, com os pontos referentes aos crimes de furto ao bem imóvel. Neste mapa identificam-se duas singularidades distintas: uma no furto a residências, e outra no furto a estabelecimentos comerciais. O primeiro tipo de furto, representado pela cor verde (figura 7.40), localiza-se em área basicamente residencial, nas Figura 7.38 – Furto a imóvel x altura muro vias internas do bairro, com ruas de acesso moderado. O segundo tipo de furto mais comum, ao bem imóvel, localiza-se onde existe comércio, principalmente identificado, nas na vias figura mais 7.40, movimentadas, pela coloração vermelha da via. Com relação à caixa mural e ao nível de segurança: o furto a residências tende a acontecer próximo aos muros altos, com nível de segurança Figura 7.39 – Furto a imóvel x proteção mural intermediário, com utilização de um a dois tipos de artifícios de segurança; já o furto a estabelecimentos comerciais, acontece próximo a lojas com vitrine, a princípio, sem proteção mural externa. Identifica-se na figura 7.40 pouquíssima relação entre furto e paradas de ônibus, algumas coincidências nas vias mais acessíveis. Figura 7.40 – Furto a imóvel x mapa axial x parada de ônibus Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 170 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 7.5 Crime versus tipologia de barreiras fisicas Como mostrado anteriormente, Manaíra é um bairro que apresenta lotes amplos com edifícios escondidos por trás de muros altos e protegidos por algum artifício de segurança. Como já identificado por Ferraz (2003) e Caldeira (2008), a maioria das residências ou edificações do bairro em estudo apresentam uma nova coletividade definida pela estética da segurança. Partindo dessa observação buscou-se esclarecer se a tipologia mural e as barreiras físicas de proteção, medidas de segurança adotadas por particulares, são fatores que influenciam ou não a incidência de atos delinquentes intra ou extramuros. Dessa maneira, buscou-se compreender como o crime se comporta com relação às propriedades espaciais da configuração física do espaço urbano do bairro e, portanto, com relação à capacidade de visibilidade e segurança da rua. 7.5.1 Roubo a pessoa Figura 7.41 - Roubo a pessoa x altura do muro. (FONTE: arquivo pessoal.) Na figura 7.41, observa-se, a princípio, que a maioria das incidências de roubo a pessoas ocorre próximo aos lotes com fechamento mural alto com 50% dos casos, Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 171 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA identificado em vermelho no gráfico 7.2; no gráfico 7.1 percebe-se que nos 1193 lotes com muro alto sucederam 203 incidentes de roubo em ou nas proximidades desse tipo de fechamento mural; em seguida apresenta-se o fechamento com altura média com 20%, a que correspondem 80 casos; nos de muros baixos, ou seja, que não oferecem uma barreira física e visual foram registrados 23 casos, que correspondem, 6%; lotes com a presença de vitrine, destacam-se pelos pontos comerciais, apresentam 17% dos incidentes de roubo a pessoas, com 67 casos; enquanto ao fechamento mural translúcido correspondem 7% das ocorrências. 1193 1027 7% Alto 17% 6% Médio 50% Baixo Vitrine 300 203 80 Alto Translúcido 175 Médio 20% 23 67 Baixo Vitrine Quantidade de Roubo 66 30 Translúcido Gráfico 7.2 – Roubo x Caixa Mural Fonte: arquivo pessoal. Gráfico 7.1 – Muro Total X Percentual de Roubo Nas figuras 7.42 e 7.43 é possível identificar que a tipologia mural alta é um fator que prejudica a visibilidade da rua que, por sua vez, apresenta-se com pouca vitalidade, suscetível a atos delinquentes em que a vizinhança não percebe o que ocorre extramuro. Figura 7.42 e 7.43 - Ruas do bairro Manaíra, 2010. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 172 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 7.44 - Roubo a pessoa x Nível de Proteção Mural (FONTE: arquivo pessoal.) Assim como existe uma maior quantidade de muros altos a oeste do bairro Manaíra, há, também, uma presença maior de equipamentos de segurança nessa região. Na figura 7.44, percebe-se que a maioria dos artifícios é utilizada, principalmente, em muros altos e médios. Os gráficos 7.3 e 7.4 mostram o nível de segurança das proximidades de onde aconteceram os crimes, que estão divididos nas seguintes categorias: sem proteção, baixo, médio e alto, com aparatos de estrepe, grade, cerca elétrica, filmadora e sensor de presença, ver definição das categorias no quadro 3.3, capítulo 3. Nota-se que, apesar da utilização de aparatos de segurança, o roubo tende a acontecer próximo ou em lugares que possuem esses artifícios. Percebe-se que não há evidências de que tais estratégias adotadas sejam capazes de inibir de fato as ocorrências criminais. Dos roubos analisados nesses dois anos, 38% aconteceram em locais sem proteção, enquanto 62% ocorreram próximo de lotes que possuem algum tipo de proteção mural, principalmente entre os níveis baixo e médio. Percebe-se que locais com alto nível de proteção apresentam apenas 1% de ocorrências, porém este nível de proteção representa apenas 6% dos muros. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 173 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA 180 160 1% 155 142 140 120 100 38% 35% 100 SEM PROTEÇÃO BAIXO 80 MÉDIO 60 ALTO 40 6 20 25% 0 SEM PROTEÇÃO BAIXO MÉDIO Gráfico 7.3 – Roubo x Nível de Segurança (FONTE: arquivo pessoal.) ALTO Gráfico 7.4 - Nível de segurança total e Roubo 7.5.2 Furto a Imóvel Figura 7.45 - Furto a imóvel x Altura do muro. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 174 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Como já observado anteriormente, o furto mais comum no bairro Manaíra é o furto a imóveis, que compreende furto a residências e não residências (ambientes comerciais). Analisando as ocorrências de furto com relação aos muros, figura 7.45 e gráficos 7.5 e 7.6, percebe-se que o maior número de incidências acontece em edificações com muro alto, e correspondem a 43% do total, com 81 casos; seguidas pelo muro com altura média, com 20% de incidências, que corresponde a 37 incidentes; locais com vitrine, ou seja, lojas ou estabelecimentos de serviço, com 21%, 40 casos; as incidências de muro baixo são apenas 7%. Tipologias com muros translúcidos (uso de grade) correspondem a 9% dos incidentes, respectivamente. Dessa maneira, conclui-se que espaços que oferecem pouca visibilidade para a rua tendem a favorecer uma maior probabilidade para a ocorrência de furtos. 1193 1027 9% 21% Alto 43% Médio Baixo Vitrine 7% 300 20% 175 81 Alto 37 14 40 Médio Baixo Vitrine 66 Translúcido 16 Translúcido Gráfico 7.5 – Furto x Tipo de Muro Gráfico 7.6 – Muro total x Percentual de Furto (FONTE: arquivo pessoal.) As figuras 7.46 e 7.47 ilustram as ruas sem vitalidade do bairro Manaíra, com seus muros adornados por algum equipamento de segurança. Figura 7.46 e 7.47- Ruas do bairro Manaíra, 2010. (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 175 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Figura 7.48 – Furto em Estabelecimento x Nível de Proteção Mural. (FONTE: arquivo pessoal.) Com relação ao nível de segurança das ocorrências de furto a imóveis registradas nos anos de 2008 e 2009 (gráficos 7.7 e 7.8), identificou-se que 49% dos lotes sofreram algum tipo de furto, o que corresponde a 92 casos; em seguida, os muros que apresentam nível de segurança média, ou seja, com dois artifícios, houve 51 casos, o que corresponde a 27%; o nível baixo apresentou 41 casos, 22%, o nível alto apresentou, apenas, 4 incidentes. 100 92 90 2% 80 SEM PROTEÇÃO 70 60 51 50 27% BAIXO 41 49% 40 MÉDIO 30 20 4 10 ALTO 22% 0 SEM PROTEÇÃO BAIXO MÉDIO ALTO Gráfico 7.8 – Furto 2008 x Nível de segurança (FONTE: arquivo pessoal.) Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas Gráfico 7.7 – Nível de segurança total e Furto 2008 176 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA Percebe-se que a maioria dos furtos a imóveis tende a acontecer próximo de lugares sem proteção mural, fato justificado pela facilidade de invasão e de fuga. Portanto para este tipo de crime, pode-se concluir que barreiras físicas de proteção podem ser um fator positivo para se evitar furtos, principalmente os que ocorrem em ambientes físicos, como residências e estabelecimentos comerciais, porém não favorecem a segurança urbana. Analisando as ocorrências de crime: roubo a pessoas e furto a imóveis, com relação aos dados dos fluxos de pedestre (gráficos 6.3 e 6.4), e os dados referentes aos turnos de incidentes (gráficos 5.9, 5.13, 5.17 e 5.21), o roubo a pessoas tende a acontecer com maior frequência no turno da tarde, principalmente nas proximidades do Shopping Manaíra, onde se observa um movimento mais intenso de pedestres. Com relação ao furto, ele tende a acontecer pela madrugada ou é identificado pela manhã; nos outros turnos, tarde e noite, o furto ocorre em áreas menos acessíveis, que apresentam uma maior quantidade de lotes residenciais e onde se identifica uma menor presença de pedestres nesse local. 7.6 Síntese dos pontos quentes e frios do crime Tendo como intuito realizar uma análise comparativa entre os pontos quentes, que apresentam maiores registros de crimes, e frios com as menores incidências destes, definiram-se quatro áreas que atendessem a tais requisitos: esses foram designados como pontos: quentes definidos pelas letras A e B, indicados na figura 7.9, que são a área do shopping Manaíra e as proximidades do Colégio Alice Carneiro; e os pontos frios, definidos pelas letras C e D, marcados nas figuras 7.13 e 7.14, respectivamente, são as proximidades das Praças Chateaubriant de Souza Arnaud e Gilvandro Carreira de Almeida. ROUBO À PESSOA USO S B M A PROTEÇÃO TOTAL 2008 2009 LOTE 80 46 34 107 75 32 5 2 13 69 15 3 41 44 22 78 57 21 424 326 98 34 15 130 216 15 14 82 337 5 4 1 3 197 177 20 6 23 73 88 2 5 88 107 2 5 2 3 141 106 35 11 5 55 51 18 1 Quadro 7.1 - Pontos Quentes e Frios do crime da relação com uso, barreira e proteção. (FONTE: arquivo pessoal.) 87 49 5 A B C D Residencial BARREIRA nãoResidencial V T B M A Com relação às características morfológicas, os pontos quentes A e B apresentam uma grande quantidade de muros altos, sendo que no ponto B, onde há mais incidência, Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 177 ARQUITETURA DA (IN)SEGURANÇA corresponde 50% dos lotes, cujo nível de proteção mantém-se na faixa intermediária. Outro fato é que nos dois casos há uma priorização de lotes residenciais. Os pontos frios, C e D apresentam na sua vizinhança uma maior quantidade de lotes residenciais, nestes tanto a barreira mural, quanto outros tipos de proteção, estão distribuídos proporcionalmente na área. ACESSIBILIDADE Roubo à pessoas TOTAL 2008 2009 A 80 46 34 B 78 57 21 C 4 1 3 D 5 2 3 Furto em Estabelecimento A B C D TOTAL 29 20 5 4 2008 15 12 4 2 2009 14 8 1 2 Acessibilidade insuficiente Pouco Acessível 1 0 0 0 Acessibilidade insuficiente 2 0 0 0 Média Acessibilidade 4 44 4 2 Pouco Acessível 12 13 0 3 Média Acessibilidade 1 11 4 1 4 9 1 3 Muito Acessível Acessível 0 0 0 0 29 0 0 0 Muito Acessível Acessível 0 0 0 0 22 0 0 0 Total 46 57 4 5 Total 29 20 5 4 Quadro 7.2 - Pontos Quentes e Frio do Crime e Acessibilidade. (FONTE: arquivo pessoal.) Observando a relação do crime com a acessibilidade das ruas, os pontos quentes apresentam ocorrências tanto nas vias com pouca e com alta acessibilidade, como visto no quadro 7.2. Já os pontos frios, ou seja, com baixa incidência de crimes apresentam raras ocorrências em vias pouco acessíveis. Sobre ocorrências, uso, ocupação e barreiras físicas 178 Considerações Finais A Insegurança da Segurança A dissertação, Arquitetura da (in)segurança, - estudando relações entre configuração espacial, artifícios de segurança e violência urbana no bairro Manaíra, João Pessoa, Paraíba, inicia-se com um questionamento sobre a perda da qualidade arquitetônica e urbanística, em relação a uma arquitetura da estética da segurança, refletida pela sensação de medo presente numa população. Identificou-se que atributos físicoambientais, indicativos de medo, geram soluções de segurança adotadas pela população como uma forma de se protegerem dos perigos da rua, do estranho, do vizinho. Ressalta-se, porém, que a violência vivenciada, principalmente, nos centros urbanos decorre, também, da própria configuração espacial desses, principalmente pelas soluções usadas por particulares, que tinham como intenção inicial equipar o espaço de dispositivos de segurança, promovendo, com as medidas adotadas, o oposto do que havia sido pensado anteriormente. Observamos que o enclausuramento surge nos grandes centros urbanos brasileiros, principalmente entre a população das classes média e alta, sendo, hoje, presente em várias cidades, induzindo as pessoas a se fecharem para dentro de seus muros, de seus enclaves fortificados, de muros residenciais, condomínios fechados, shopping centers, vivendo assim em espaços extremamente segregados. Os resultados encontrados neste estudo expressam as observações de outros estudiosos que destacam a vida urbana cercada por significados simbólicos definidos por grupos sociais, que habitam e se expressam nas moradias, nos hábitos de consumo, nos comportamentos e nas relações sociais vivenciadas (KOURY, 2008). Nas cidades brasileiras, o processo de segregação e exclusão social está presente tanto nas características da forma do habitar, quanto pela infraestrutura e manutenção das ruas e espaços públicos. As diferenças sociais exacerbadas não são compartilhadas sem desconforto, sem gerar oposições, ressentimento e indignação, culminando em conflitos e violência. Nessas circunstâncias, as pessoas de maior poder aquisitivo se sentem ameaçadas e procuram se precaver de reações violentas, segregando-se dentro de muros, grades e mecanismos de proteção sofisticados. Essa realidade é identificada no bairro Manaíra, habitado pela população de classe média e alta de João Pessoa, onde proliferam espaços definidos por cercas, muros, alambrados, guaritas, onde a rua se resume à circulação veicular e de poucos pedestres. Apesar de todo o arsenal de segurança, mostrou-se que Manaíra é hoje um dos bairros mais violentos de João Pessoa e isso não se deve somente à sua proximidade à população de menor poder aquisitivo, que vive no bairro São José, pois características como essas se sucedem em outros bairros da cidade, que não possuem esses mesmos elementos. Dentre os inúmeros estudos que têm focalizado a insegurança do habitante urbano, vários são os enfoques: uns abordam o ladrão e seu modus operandi; outros se voltam para questões sócio-espaciais; outros ainda se interessam pelas relações entre crime e ambiente construído. Tais estudos geraram teorias de vários pesquisadores, e alguns serviram de suporte ao desenvolvimento desta pesquisa, dentre eles, temos: Jane Jacobs, Oscar Newman, Bill Hillier, Tereza Caldeira, Sônia Ferraz, Bondaruk, Circe Monteiro, entre outros. O trabalho em questão focou, como seu objeto de estudo, o modo como o crime induz mudanças em um ambiente construído, apreendidos através da observação do tipo de uso do solo, da forma edificada, das barreiras e da permeabilidade urbana. Tais elementos bases podem servir de artifício para identificar se um ambiente proporciona uma boa vigilância natural do ambiente, fator relevante identificado por Jane Jacobs e Oscar Newman, a partir da realidade norte-americana. Os dois estudiosos, porém, apontam alguns encaminhamentos que chegam a serem opostos, quanto a medidas para diminuir a incidência do crime: a primeira orienta espaços abertos e permeáveis, o segundo já considera espaços fechados e impermeáveis mais seguros. Analisando tais questões na realidade brasileira, identificou-se que as soluções adotadas em nosso país partem dos princípios de Oscar Newman, com a adoção de artifícios que fecham o espaço e o torna impermeável. O muro é empregado, no Brasil, como elemento de segurança e definidor do espaço público e privado. Caldeira (2008) o caracteriza como elemento que estabelece diferenças, impõe divisões, constrói separações, multiplica regras de evitação e exclusão e restringe o movimento natural, além de não proporcionar a vigilância natural do espaço privado e muito menos o público. 179 No Brasil, além do muro, ao longo dos anos, adotaram-se outros mecanismos de segurança, que procuram dificultar a ação dos infratores, contudo verificou-se neste trabalho que os incidentes ocorrem com maior frequência nas caixas murais que adotam algum tipo de artifício de segurança. Mediante as análises realizadas sobre os dados da pesquisa, identificaram-se fatos relevantes com relação às configurações do crime nos dois anos registrados, em 2008 e 2009. Os dados mostram que existem dois crimes mais comuns no bairro Manaíra, o roubo a pessoas, que corresponde a 55% do total de crimes, nos dois anos analisados; e, em sequência, o furto a imóveis, com 22% de casos registrados em 2008 e 17% em 2009. Os dados de roubo a pessoa e furto a imóveis foram analisados separadamente, porém buscou-se caracterizá-los com as mesmas variáveis: tipo de uso, tipo de barreira, tipo de proteção e acessibilidade. Apesar de Hillier e Sahbaz (2005) argumentarem que dados com ocorrências de roubo a pessoas devem ser tratados com variáveis diferentes de furto a imóveis, pois para eles não se pode comparar como idênticos os alvos, indivíduo e edifício. Este trabalho identificou, contudo, que a morfologia do ambiente construído é um fator relevante para a ocorrência de crimes, tanto a edifícios, quanto a pessoas. Apesar dos dois incidentes ocorrerem de formas distintas, constatou-se que o ambiente urbano é um elemento relevante na análise de ocorrências criminais para qualquer tipo de ação. Dentre as ocorrências de crime observadas, o roubo a pessoas está disperso em todo o bairro Manaíra, havendo maior concentração nas proximidades de grandes centros comerciais, como o Shopping Manaíra e Mag Shopping, e próximo a estabelecimentos comerciais, ou seja, o meliante vai à busca de vítimas que têm intenção de gastar dinheiro. Nos estabelecimentos comerciais, pela necessidade de exposição dos produtos, as vitrines substituem o fechamento mural, baixando o “nível de segurança”. Aliado a essas circunstâncias, o comércio se situa em ruas mais integradas, ou seja, mais acessíveis e movimentadas, porém identifica-se um movimento de passagem momentâneo, instantâneo, não há a intenção de se usufruir o espaço, de observar o lugar. Mesmo com alta acessibilidade, não existe a copresença das pessoas. O roubo a pessoas ocorre também em áreas residenciais com eixos de acessibilidade intermediária. Com relação às características de proteção, o roubo a pessoas ocorre com maior incidência em ruas, cujos lotes têm fechamento mural alto ou médio e que possuem barreiras de proteção com nível médio a alto, refletindo um alto grau de insegurança dos moradores desses lotes. Nesses casos, percebe-se que as ruas são mais desertas, não existe a copresença dos moradores e frequentadores do bairro, fator relevante 180 para Jacobs e outros estudiosos do crime, que identificam tal fato como facilitador da ação de crimes dessa natureza. Identificou-se que as ocorrências criminais, durante os meses do ano, ocorrem com maior frequência no mês de outubro, sendo a maior quantidade de ocorrências de roubo a pessoas, fato interessante a ser analisado em pesquisas posteriores. Durante os turnos do dia, esse tipo de crime ocorre preferencialmente à noite, momento em que as ruas estão escuras e mais inseguras, pois a iluminação pública de João Pessoa não prioriza a segurança. Com relação à integração das vias públicas e do tipo de roubo, observa-se que as ruas mais integradas oferecem mais oportunidades ao roubo a pessoas, como a Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho e a Av. São Gonçalo. Como mostrado anteriormente, há, também, registros em vias menos integradas, nas ruas próximas ao bairro São José e com característica mais residencial. Os roubos a estabelecimentos se deram com maior frequência nas Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho e Av. João Câncio, vias que apresentam alto nível de acessibilidade e consequentemente incorporam o comércio. A proteção das edificações com muros altos atraem um maior número de delitos de roubo a pessoas, seguido dos muros médios e das vitrines. Identifica-se que as medidas de prevenção de roubos das edificações não atendem aos objetivos, pois os incidentes tendem a ocorrer próximo a lugares com algum tipo de recurso de segurança privada. O furto, segunda ocorrência mais comum no bairro, se caracteriza pela discrição e ocorre em maior quantidade nas ocorrências a imóveis (residências e estabelecimentos comerciais). Analisando a distribuição do furto, em relação às especificidades de ocupação do solo no bairro Manaíra, é possível identificar que, embora o furto seja caracterizado pela discrição, o Shopping Manaíra e o Mag Shopping demarcam, assim como no roubo, as regiões de maior concentração desse crime em sequência vem às ocorrências próximas a residências e a lojas. O furto é mais comum no espaço interior de lojas, quer seja dentro de shopping centers, ou não; o Shopping Manaíra é o ponto quente desse tipo de crime, o segundo ponto evidencia-se nas proximidades da Praça Silvio Porto, espaço cercado por residências uni e multifamiliares. Com relação às propriedades espaciais do furto a imóveis, identificam-se dois padrões: um nos eixos de maior acessibilidade, onde se localiza a maioria dos estabelecimentos comerciais, nas avenidas Gov. Flávio Ribeiro Coutinho, Gen. Edson 181 Ramalho, João Maurício e João Câncio, onde há a maior concentração desses delitos; há, contudo, um segundo padrão em vias menos acessíveis do bairro, onde se identificam ruas com menor tráfego de pessoas e veículos, com predominância de residências uni e multifamiliares. Os eixos com maiores ocorrências desse tipo de furto são, a Rua Francisco Claudino Pereira e a Av. Maria Rosa Sales, ambas com índice de integração média. Com isso, observam-se dois tipos de intenção de furto: um em vias com alta acessibilidade e incidência de comércio; e outro em vias com pouca acessibilidade, que tem como alvo, principalmente, residências. Também identificou-se no trabalho que edificações com muros altos e médios nem sempre evidenciam efeitos positivos quanto à prevenção de delitos, pois muitos casos de furtos a residências foram registrados em edificações com esses muros. Observa-se que este tipo de crime independe da quantidade de barreiras e artifícios de segurança como: estrepe, cercas eletrificadas, filmadoras, sensores de presença, dentre outros, já que eles ocorrem em todas as circunstâncias, pois se dão também em locais com pouco ou um só artifício, já que apresentam muro alto. Os furtos a estabelecimentos comerciais predominam em locais com existência de vitrines e ocorrem predominantemente à noite, fora do horário comercial. Parece haver dois tipos de furto a não-residência: os que seguem a mesma lógica dos residenciais, por discrição; e os que seguem a lógica do roubo a pessoa, com ocorrências em ambientes altamente acessíveis e populosos, pela exposição. Isso requer estudos específicos. Contudo verificou-se que a correlação entre fechamento mural e furto a imóveis mostra que as edificações com muros altos e médios concentram um maior número de incidentes, em seguida, as vitrines, muros translúcidos e, por último, muros baixos. Assim observa-se que as medidas de prevenção de segurança e fechamento mural, apesar de serem adotadas como medidas de segurança principalmente do furto a imóveis, não atendem aos objetivos de evitar que a edificação seja invadida e, quanto à incidência de roubos, esses mecanismos não impedem suas ocorrências e ainda facilitam que aconteçam em vias públicas, junto, principalmente, a lugares que possuem algum tipo de recurso de segurança privada, que atrapalham a vigilância natural do espaço público. Muitos incidentes também se dão próximo às paradas de ônibus, colégio público, praças, praia, mesmo em vias de menor movimento (menos acessíveis), também em vias de maior movimento, devido à proximidade de pontos comerciais. Portanto as áreas de concentração do comércio oferecem condições propícias tanto ao roubo, quanto ao furto a pessoas, que tendem a correr risco, logo que atingem as vias urbanas abertas próximas aos estabelecimentos comerciais. O roubo, porém, é um crime mais agressivo e torna o cidadão que circula, 182 principalmente a pé, pelo bairro Manaíra, a principal vítima do crime de roubo, o que gera nas pessoas o medo generalizado da violência urbana. Nosso estudo confirma assim as pesquisas de Bondaruk (2007), que afirma serem os imóveis que apresentam muros altos os mais escolhidos pelos meliantes de furto. Com relação à configuração anual infere-se que o furto ocorre com mais frequência nos meses de férias escolares (junho-julho e dezembro-janeiro) e tende a se realizar, prioritariamente, em estabelecimentos comerciais. Observa-se que em tais períodos a cidade apresenta uma maior quantidade de visitantes, o que proporciona uma circulação maior de dinheiro, o que estimula o aumento de furtos a estabelecimentos comerciais; outro ponto é a ausência de alguns moradores do bairro, que nesse período se ausentam para tirar férias, facilitando a ação de delinquentes no furto em residências. Com relação ao turno, os furtos a imóveis ocorrem, predominantemente, à noite, fora do horário comercial. É factível observar que existem dois aspectos polarizadores e distintos das concentrações de ocorrências de crime: o primeiro a segregação, a discrição do incidente e espaços desertos; versus o segundo a alta acessibilidade das vias, a exposição da vítima e a aglomeração de pessoas. De certo modo, pode-se especular que seriam reversos da mesma moeda, porque mesmo nas áreas altamente acessíveis, com especialização de usos e presença de grandes estabelecimentos comerciais, que ocupam toda a quadra, geram descontinuidade física, como a própria vitrine e os muros cegos dos lotes residenciais. Nessa parte da cidade, se perdeu a interação, a vitalidade, a urbanidade, pois com a especialização de uso, causado pela descontinuidade física dos espaços, promoveu-se o desestimulo à circulação de pedestres nas ruas e espaços de encontros. Percebe-se que o bairro apresenta a formação de condições propicias à exposição das pessoas a situações de violência, que tendem a acontecer, principalmente nas áreas de concentração de comércio, considerados pontos de atração tanto para a prática de roubo, como para a prática de furto. Os cidadãos pessoenses que usufruem do bairro Manaíra correm mais riscos em vias urbanas mais acessíveis; mas também em vias sem vitalidade urbana, com pouca acessibilidade; e próximo a edificações protegidas por muros altos e com algum tipo de proteção. Ou seja, as soluções que moradores não só do bairro em estudo, mas de muitas cidades brasileiras adotaram para se protegerem, podem prejudicar a própria segurança e a da comunidade que usufrui dos espaços urbanos. 183 A partir do estudo, pareceu-nos que precisamos reconstruir o espaço da vizinhança, conhecer o nosso próximo, usufruir os espaços públicos, onde moramos, trabalhamos, circulamos. Assim, voltamos aos argumentos e sugestões de Jane Jacobs e agora reforçado pelos “Novos Urbanistas”, que buscam apontar uma valorização maior dos espaços públicos, através da presença de pessoas em horários diferentes nas ruas; a existência de quadras curtas; a valorização de esquinas e percursos; a permeabilidade do ambiente urbano, que permite o movimento circulatório de pedestres; o uso misto da ocupação dos solos, além da oportunidade de que cada indivíduo se torne um olho da rua, sendo capaz de identificar o espaço como de sua responsabilidade, sendo capaz de cuidar de si e dos seus, esse é o verdadeiro espírito da vigilância natural. Será que nós brasileiros conseguiríamos romper tais barreiras criadas pelos medos que criamos de conviver? Talvez recuperar a calçada das edificações como espaço público de passeio, por onde pessoas de todas as idades e condições possam circular a pé sem as dificuldades impostas por diferenças de níveis de altura e de barreiras criadas seja um começo. 184 Referências Bibliográficas A ADONIAS, Isa. Mapa: Imagens da formação territorial brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio Odebrecht, 1993. AGUIAR, Wellington; OCTÁVIO, José. Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro. João Pessoa: FUNCEP, 1989. ALVIN, Tilley. As medidas do homem e da mulher. Tradução de Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2005. AMARO, Marcos Antonio. Arquitetura contra o crime: PCAAA – prevenção do crime através da arquitetura ambiental. Rio de Janeiro: Marcos Antonio Amaro, 2005. ANDRADE, Paulo Augusto F.; RIBEIRO, Edson Leite; SILVEIRA, José Augusto. 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