A responsabilidade civil dos provedores. Houve um tempo que o acesso ao ciberespaço era realizado através dos Bulletins Board Systems – BBS. Eram sistemas autônomos de acesso, que proviam informações regionais e destinavam apenas espaço para discussões, através dos fóruns e bate-papo com outros usuários. Quando muito, oferecia-se a oportunidade de download de alguns arquivos. Tudo girava em torno do Operador do Sistema – SysOp, sendo o responsável pela faxina e organização das contas de acesso. Conectavam-se por intermédio de conexão discada via dispositivo que modula sinal digital em onda analógica – Modem. Os BBS eram fomentados por tecnomaníacos, funcionando mais como passa-tempo do que fonte de receita. Poucos foram os que tinham cunho comercial e mesmo assim não dispunham de tecnologia de vanguarda, servindo acesso de forma precária e artesanal. Diante da popularização dos computadores domésticos, na década de 90, com abertura do mercado aos produtos estrangeiros, os BBS passaram a conectar-se entre si, promovendo a troca de mensagens eletrônicas através de redes específicas, destacando-se entre elas a FidoNet, fundada em 1984 pelo norte-americano Tom Jennings. Disso para a Internet como a conhecemos foi apenas um passo. Bastou a adoção do protocolo TCP/IP para que os BBS se transformassem em provedores de acesso à internet, conectandoos a um backbone dedicado, apresentando-lhes a navegação em hipertexto. A explosão demográfica de conteúdo a partir da adoção do browser navegador foi imensa, de modo que os provedores passassem a hospedar esse conteúdo em computadores dedicados, segmentando cada aplicação à sua demanda. Depois da privatização das teles – sistema Telebrás --, em julho de 1998, propiciou ao mercado a oferta de acesso de conexão pelas operadoras telefônicas. Com o intuito único de proteger os antigos provedores e vedar o oligopólio, a Anatel proibiu às telefônicas prover conteúdo, segmentando o mercado em duas entidades distintas: O provedor de acesso, responsável por realizar a conexão de hardware entre a rede; e o provedor de conteúdo, cabendo-lhe ofertar todo conteúdo multimídia disponibilizado pela Internet. A situação passara de antigo passa-tempo para um mercado promissor e altamente rentável, quebrando paradigmas dogmáticos, inserindo a tecnologia como o motor da economia contemporânea. Nessa onda digital, o ciberespaço tornou-se portão para o relacionamento humano, transferindo, inevitavelmente, os ilícitos da vida real ao digital. Considerando que os provedores, de acesso e conteúdo, tornaram-se ferramentas necessárias para a prática dos crimes cibernéticos, cresce exponencialmente o risco da atividade, transformando a oferta em fator de responsabilidade. Calçado em princípios constitucionais, o dever de indenizar é patente àquele que causou o dano, colocando os provedores na mira das ações judiciais. Sendo matéria recente, claramente a doutrina não é pacífica ao discutir o assunto. Notadamente as decisões são difusas em relação à responsabilidade do provedor, o que proporciona insegurança jurídica sobre o tema, causando ruídos nos pilares que sustentam as bases do viver e conviver. Há quem entenda que o provedor, diante da sua atividade, deve assumir os riscos de sua atividade, uma vez que aufere os bônus do negócio. Imputa-se a responsabilidade objetiva – art. 927 §único do Código Civil -- , restando indiferente a vontade do agente (dolo ou culpa). Na mesma harmonia, em sendo o provedor qualificado como fornecedor de serviços ou conteúdo, agasalha-o a responsabilidade objetiva, por força do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, salvo se comprovar a culpa exclusiva de terceiro. O fenômeno da culpa exclusiva é matéria tão complexa que coloca o provedor em situação delicada na lide, recaindo quase que sempre o dever de indenizar independente de culpa. De outro ângulo, com a finalidade inclusive de proteger o negócio, pelas características especiais do serviço prestado, há o entendimento pela culpa subjetiva, tradicional do ordenamento jurídico. O mercado norte-americano, através do instituto do ‘notice and take down’, adota que há responsabilidade apenas quando notificado o provedor este restou omisso em coibir o ilícito. É obvio que a legislação precisa se adaptar e evoluir diante da transformação social. São dispositivos conflitantes que se confrontam quase que de forma instantânea: De um lado o repúdio aos ilícitos e de outro se deve permitir a atividade em sua magnitude. Claramente o ambiente cibernético é anárquico e de difícil identificação. Muito embora o endereço IP revele a origem do acesso, há de se considerar que existem meios legais para ocultá-lo (conexão proxy). O acesso a redes sem fio descriptografadas contribuem para o anonimato. Exigir do provedor a responsabilidade objetiva certamente afugentará investimentos nas empresas nacionais, sem resolver o problema, já que na Internet não existem fronteiras e o acesso pode ser disponibilizado por outro país mais flexível na legislação. Em baila contrária, adotando a teoria da responsabilidade subjetiva, poderá existir omissão dos provedores em adotar procedimentos necessários e legais a fim de propiciar a coerção dos ilícitos, já que todo controle gera um custo desagradável a suportar. Qual o meio termo? Está aberta a discussão! ---- Fabiano Rabaneda é advogado e especializando em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação.