O NOVO CÓDIGO CIVIL E A INTERNET
Elaborado em 01.2003.
Renato Opice Blum
Advogado e economista em São Paulo (SP), professor da FGV, PUC,
IBMEC/IBTA, UFRJ, FIAP e ITA/CTA, árbitro da Câmara de Mediação e
Arbitragem de São Paulo (FIESP).
Site: www.opiceblum.com.br
Ainda que o Novo Código Civil Brasileiro (NCC), já em vigor,
não conte com um capítulo específico para as questões eletrônicas,
algumas disposições são diretamente aplicadas às questões jurídicas
da internet, de forma positiva, ampliando os mecanismos legais de
proteção nesse novíssimo ramo do direito.
Inicialmente, destacamos o reforço legal (1) na responsabilidade
do administrador, que, agora, ainda mais, deverá não só agir nas
questões preventivas, mas também nas reparatórias. Vale dizer que
os diretores, gerentes ou CSOs (Chief Security Officers – Chefes de
Segurança - responsáveis por sistemas informáticos) tem o dever
legal de não só "fechar" vulnerabilidades em sistemas eletrônicos,
mas também processar os responsáveis por invasões, fraudes e
outros ilícitos digitais, conforme consta no Livro II, o direito da
empresa (parte especial).
Os negócios eletrônicos também foram privilegiados com as
disposições da recente Lei exaltando a boa-fé, finalidade social, usos
e costumes. Significa dizer que houve uma preocupação em garantir
a manifestação de vontade por qualquer meio, especialmente no
eletrônico, já incorporado à nossa tradição tecnológica e que pode ser
equiparado à contratação via telefone, nas situações em que
efetivamente ocorra a transação "ao vivo", configurando-se uma
contratação entre presentes, como preceitua o Livro I, das obrigações
(parte especial).
A prova eletrônica foi, final e taxativamente reconhecida, o que
deve fomentar o comércio eletrônico com certificação digital nos
termos da Medida Provisória 2.200-2/01, que ensejou, inclusive, veto
presidencial parcial à incorporação ao parágrafo único (2), do art. 154.
Anotamos, ainda, a admissibilidade a emissão de títulos de crédito a
partir de caracteres criados em computador.
Quanto à responsabilidade civil, importantes reflexos poderão
afetar os mais diversos entes que transacionarem na internet. Dentre
inúmeras questões trazidas, selecionamos duas: a responsabilidade
do provedor e daquele que envia mensagens não solicitadas
(spammer).
O primeiro deverá, preventivamente, rever e aditar os contratos
celebrados com seus respectivos clientes (hóspedes) de modo a
garantir a possibilidade legal da participação conjunta em processos
judiciais. Isso em função do instituto da responsabilidade objetiva
(independente da culpa) trazida pelo citado diploma e que poderá
gerar interpretações nesse sentido, ainda que contrária à nossa
opinião, ou seja, de que o provedor seria o responsável direto pelas
atividades dos clientes que hospedam seus sites em seus servidores.
Exemplificando:
identificado
um
site
na
internet
de
conteúdo
difamatório, o magistrado poderá interpretar a norma como sendo o
provedor o responsável primário pelo ato ilegal, o que colocaria em
risco tal atividade, caso não haja a possibilidade da responsabilização
do efetivo causador do prejuízo (hóspede) no mesmo processo,
exceções
feitas
às
situações
que
envolverem
o
Código
do
Consumidor. Acrescente-se que, quanto ao registro de logs, acessos
informações e cadastros, o provedor fica integralmente responsável
pela preservação de tais dados por no mínimo três anos, sob pena de
responsabilidade pela omissão (o que poderá gerar, sem qualquer
dúvida, impunidade aos ilícitos eletrônicos, e que jamais poderá
subsistir na ordem legal nacional).
O segundo (spammer) encontrará mais dificuldades na sua
atividade, repudiada por grande parte da população mundial, que
consiste no envio indiscriminado de mensagens eletrônicas com os
mais criativos conteúdos, muitas vezes nocivos aos destinatários. O
Livro III, dos fatos jurídicos, abre a possibilidade de restrição na
fonte, ou seja, impedir a conduta descrita em conjunto com
indenizações contra o spammer que poderá sofrer óbices do Judiciário
na respectiva prática. É uma grande inovação, vez que até a entrada
em vigor do Novo Código as possibilidades de atuação eram restritas
ao momento posterior ao envio. Dessa forma, apenas indenizações
foram pleiteadas, sem a possibilidade legal de restrição da atividade
em função do princípio constitucional da reserva legal. Agora o
cenário é outro, inclusive quanto a atuação do Ministério Público.
A privacidade, igualmente, não foi esquecida. Pelo contrário,
notamos uma preocupação do legislador nessa proteção, ainda que
de forma genérica e com ampliação do poder do magistrado, que
formará sua convicção, caso a caso, com a possibilidade de adotar
quaisquer providências necessárias à proteção, incluindo multas e
outras restrições adequadas ao ambiente eletrônico. O Livro I, das
pessoas, trata do tema e destaca a proteção da divulgação de
escritos, da transmissão da palavra, e da exposição ou utilização da
imagem das pessoas físicas ou jurídicas que poderão ser proibidas de
imediato, inclusive se o intuito for apenas comercial, sem falar em
prejuízo no tocante à fama, honra e respeitabilidade, questões
também protegidas pelas normas citadas. A disposição poderá ser
aplicada, ainda, em ocorrências relacionadas à coleta de dados,
comercialização,
cessão
e
compartilhamento
de
endereços
eletrônicos, bem como utilização de recursos específicos para o
registro e vinculação de informações de internautas, tais como
cookies, webbugs e spywares.
Por fim, cabe destacar o instituto do enriquecimento sem causa,
muito útil em situações relacionadas à proteção de idéias, sistemas,
métodos, projetos, planos, esquemas, etc., que fogem da proteção
autoral e industrial em determinadas características, mas que beiram
a má-fé e a concorrência desleal, condutas ilícitas reiteradamente
combatidas pelo Novo Código.
Não obstante serem positivas as inovações do Novo Diploma e
suas repercussões no campo do direito eletrônico, o ideal seria contar
com disposições mais específicas e adequadas ao ambiente digital, o
que evitaria, inclusive, na discussão, muitas vezes isolada, dos mais
de cento e cinqüenta projetos em tramitação no Congresso Nacional
sobre o tema. Talvez fosse interessante o estudo conjunto dessas
proposições visando incorporá-las às futuras alterações no Novo
Código, já em discussão em projeto de lei específico.
Notas
01. A Lei das S.A.s dispõe de forma semelhante.
02. Parágrafo único. “Atendidos os requisitos de segurança e
autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua
jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes,
mediante a utilização de meios eletrônicos.”
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