ANÁLISE DA ABORDAGEM DO CONCEITO DE VOLUME NOS LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA PARA OS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS Leonardo Bernardo de Morais1; Paula Moreira Baltar Bellemain 2 1 Estudante do Curso de Licenciatura em Matemática- CCEN – UFPE; E-mail: [email protected], 2 Docente/pesquisador do Depto de Métodos e Técnicas de Ensino – CE – UFPE. E-mail: [email protected]. Sumário: O objetivo principal deste trabalho foi analisar a abordagem do conceito de volume em livros didáticos para os anos finais do ensino fundamental, sob a ótica da Teoria dos Campos Conceituais. O livro didático é possivelmente o recurso mais utilizado pelos alunos e professores do ensino básico. Portanto, disponibilizar para os docentes uma análise da abordagem de volume nas coleções efetivamente adotadas nas escolas pode ser um meio de subsidiar o professor no seu trabalho com esse conteúdo. Com base nas pesquisas sobre o tema, elaboramos um roteiro de análise, escolhemos cinco coleções aprovadas no PNLD 2008 e analisamos o tratamento dado a volume nos livros de 6º ao 9º ano dessas coleções. Dentre os resultados obtidos, constatamos que volume ainda é pouco trabalhado nos anos finais do ensino fundamental; é dada muita ênfase à transformação de unidades, a medidas e à aplicação direta da fórmula de volume; as situações de comparação (sobretudo sem medir), estimativas, atividades que propiciam a apropriação da conservação de volume, bem como a confrontação entre volume e massa e situações que trabalham a articulação/dissociação entre o sólido geométrico, a grandeza volume e a medida são pouco exploradas nas coleções analisadas. Palavras–chave: estruturas multiplicativas; grandezas e medidas teoria dos campos conceituais; livro didático; volume INTRODUÇÃO Um campo conceitual (Vergnaud, 1990) é um conjunto de situações cujo domínio requer uma variedade de conceitos, procedimentos e representações simbólicas em estreita conexão. Segundo a Teoria dos Campos Conceituais (Vergnaud, 1990; Campos, Gitirana, Magina e Nunes, 2001), um conceito é visto como formado por uma terna de conjuntos (S, I, R), onde: S é o conjunto de situações que dão sentido ao conceito; I é conjunto de invariantes operatórios (propriedades, objetos, relações) que podem ser reconhecidas e usadas pelo sujeito para analisar e dominar essas situações; R é conjunto de representações simbólicas que podem ser usadas para pontuar e representar esses invariantes e, portanto, representar as situações e os procedimentos para lidar com eles. Investigamos a abordagem do conceito de volume em livros didáticos focando suas relações com os campos conceituais das grandezas geométricas e das estruturas multiplicativas. Douady e PerrinGlorian (1989) propõem um modelo didático para a aquisição do conceito de área, no qual é necessário distinguir três quadros: o geométrico (figuras planas), o das grandezas (área) e o numérico (medida). Baseado nesse modelo, Bellemain & Lima (2002) propõem o acréscimo do quadro algébrico-funcional (no qual se situam as fórmulas). Esse modelo foi adaptado para a abordagem do conceito de volume (Barros, 2002 e Oliveira, 2002). Nessa perspectiva, volume é visto como componente do campo conceitual das grandezas geométricas. Por outro lado, o conceito de volume conecta-se com o campo conceitual das estruturas multiplicativas (Nunes e Bryant, 1997), pois a compreensão e o uso adequado das fórmulas que permitem calcular o volume de sólidos envolvem relações multiplicativas entre comprimento, área e volume. Barros (2002) e Oliveira (2002) constataram alguns entraves na aprendizagem de volume, nos anos finais do ensino fundamental: confusão entre volume e massa (em muitas respostas havia indícios da mobilização pelos alunos de teoremas-em-ação falsos segundo os quais quanto maior a massa de um objeto maior seu volume); incompreensão da equivalência entre capacidade e volume interno de um recipiente; confusão entre procedimentos aditivos e multiplicativos no cálculo de volume; dificuldades na relação entre a grandeza e a figura geométrica. Os pesquisadores atribuem esses entraves, entre outros fatores, à pouca variedade de atividades trabalhadas nos livros didáticos e no ensino, o que nos levou a questionar como é tratado o conceito de volume nos livros didáticos destinados aos anos finais do ensino fundamental em uso nas escolas (quase uma década após as pesquisas supracitadas). O objetivo desse trabalho foi portanto caracterizar a abordagem do conceito de volume em livros didáticos para os anos finais do ensino fundamental. MATERIAIS E MÉTODOS A partir dos estudos teóricos, foi elaborado o roteiro para análise dos livros didáticos. Posteriormente, foram selecionadas cinco das 16 coleções aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2008 (Brasil, 2007). Os critérios de seleção das coleções foram: a quantidade de escolas que escolheram a referida coleção como 1ª ou 2ª opção, no estado de Pernambuco; a ênfase e abordagem do campo das Grandezas e Medidas, de acordo com o guia do livro didático do PNLD 2008 (Brasil, 2007). Três das cinco coleções analisadas foram adotadas por um contingente bastante elevado de escolas: Bonjorno, Bonjorno e Olivares (2007) e Dante (2007) foram as mais indicadas pelas escolas pernambucanas (355 e 233 escolas respectivamente) e Machado, Iezzi e Dolce (2007) foi indicada por 180 escolas. Na coleção de Dante (2007) a ênfase do campo das Grandezas e Medidas é satisfatória, mas em Olivares e Bonjorno (2007) e em Machado, Iezzi e Dolce (2007) o campo das grandezas e medidas não é suficientemente explorado, de acordo com o padrão sugerido pelo PNLD (Brasil, 2007). Duas coleções (Imenes e Lellis, 2007 e Soares e Ribeiro, 2007) foram selecionadas porque a abordagem do campo das grandezas e medidas é quantitativamente relevante e elogiada nas resenhas do guia do livro didático (Brasil, 2007), embora tenham sido escolhidas respectivamente por apenas 25 e 39 escolas das redes públicas de Pernambuco. RESULTADOS Algumas pesquisas têm revelado que o bloco das grandezas e medidas costuma ser abordado na segunda metade do livro, o que pode comprometer o trabalho com esses conteúdos na sala de aula por falta de tempo. Procuramos então verificar, em que parte dos livros didáticos trabalha-se volume: Tabela 1: Abordagem de volume ao longo das coleções. Observamos também a quantidade de páginas destinada ao trabalho com esse tópico: Tabela 2: Número de páginas dedicadas a volume. De acordo com a Teoria dos Campos Conceituais, a compreensão do conceito de volume depende da variedade de situações com as quais os sujeitos lidam. Na tabela abaixo constam os dados relativos aos tipos de situação presentes nas coleções analisadas: DISCUSSÃO Os resultados apresentados acima mostram que volume ainda é pouco trabalhado nos anos finais do ensino fundamental. Em duas das coleções analisadas, o conteúdo volume só é trabalhado no 6º ano, quando os alunos ainda não têm maturidade com o campo algébrico, o que pode prejudicar a atribuição de sentido às fórmulas e às relações entre grandezas que estão expressas por essa representação. Em todas as coleções, é explorado o aspecto unidimensional do volume, conectado com o campo conceitual aditivo, por meio da contagem de cubinhos. Porém, a passagem para o campo conceitual multiplicativo, onde volume é entendido como uma grandeza tridimensional, é feita sem conexão clara com os procedimentos previamente discutidos. Com exceção de uma coleção, não são propostas atividades que explorem volume enquanto grandeza unidimensional e tridimensional simultaneamente. Com relação à diversidade de situações problemas, é dada ênfase à transformação de unidades e às medidas. Situações de mudança de unidade e de produção também são discutidas, mas em menor proporção, assim como situações de comparação e de estimativas. É notável a presença da medida na abordagem de volume. Normalmente as situações que introduzem o conteúdo trazem medidas. Situações de comparação, principalmente as que articulam/dissociam a grandeza e o objeto, sem a necessidade da medição não são discutidas na maior parte das coleções. Três das cinco coleções, trabalham capacidade no mesmo capítulo de volume, mas em uma seção posterior. Nas demais coleções, uma aborda capacidade como um caso particular de volume e a outra apresenta primeiro capacidade e traz uma seção que discute a relação entre essas grandezas. Não foram encontradas questões referentes à conservação de volume e em apenas duas coleções as grandezas massa e volume são confrontadas. Observamos alguns indícios tímidos de articulação e dissociação entre os sólidos geométricos, a grandeza volume e as medidas de volume (modelo didático inspirado em Douady & Perrin-Glorian, 1989), mas os livros não chamam a devida atenção para essa questão, podendo passar despercebida até mesmo pelo professor. CONCLUSÕES A abordagem de volume nas coleções de livros didáticos de matemática para os anos finais do ensino fundamental não parecem destinar atenção suficiente aos aspectos apontados por Barros (2002) e Oliveira (2002) como fonte de entraves para os alunos, ou seja a articulação e dissociação entre capacidade e volume, entre massa e volume, entre os aspectos unidimensional e tridimensional do volume e entre as figuras e as grandezas envolvidas. Seria necessário realizar outras pesquisas para observar como os alunos usuários dos livros didáticos analisados lidam com essas questões. Observamos também que nenhuma coleção analisada trabalha de modo explícito com a mudança no domínio numérico das medidas (dos naturais para os racionais positivos), ou seja, a validade da fórmula do volume de um prisma reto retângulo, quando as medidas de comprimento de suas arestas são racionais positivas é admitida, em geral nos exercícios sem nenhuma justificativa. Questionamos então se é possível elaborar uma sequência didática que trate dessa questão, acessível para alunos do 3º ciclo do ensino fundamental. AGRADECIMENTOS Nossos sinceros agradecimentos ao programa de iniciação cientifica da UFPE e ao CNPq, pelo apoio financeiro e ao grupo de pesquisa Pró-Grandezas pelos momentos de estudos e discussões que muito contribuíram nesse trabalho. REFERÊNCIAS Barros, J. S. Investigando o conceito de volume no ensino fundamental: um estudo exploratório. 2002. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002. Bellemain, P. M. B. & Lima, P. Um estudo da noção de grandeza e implicações no ensino fundamental. Natal: SBHMat, 2002. Bonjorno, J. R., Bonjorno, R. A. & Olivares, A. Matemática: Fazendo a Diferença. 1 ed. São Paulo: FTD- (Coleção fazendo a diferença), 2007. Brasil. Ministério da Educação. Guia de Livros Didáticos PNLD 2008: Matemática. Ministério da Educação. MEC, Brasília. 2007. Dante, L. R. Tudo é matemática. Ensino Fundamental. Livro do professor – São Paulo: Ática (Coleção Tudo é matemática), 2007. ___________ Aprendendo sempre: Alfabetização Matemática – São Paulo: Ática, 2009. Douady R.; Perrin-Glorian M.-J. Un processus d’apprentissage du concept d’aire de surface plane. In: Educational Studies in Mathematics. vol. 20, n. 4, p. 387 – 424, 1989. Imenes, L. & Lellis, M. Matemática paratodos. São Paulo: Scipione, 2007. Machado, A. S., Iezzi, G., Domingues, H. H. & Dolce, O. Matemática e Realidade. 5° Ed. São Paulo: Saraiva (coleção Matemática e (Realidade), 2007. Magina S., Campos, T. M. M., Gitirana, V. & Nunes, T. Repensando a adição e subtração: contribuições da teoria dos campos conceituais. 2 ed. São Paulo: PROEM, 2001. Nunes, T., Bryant, P. Crianças fazendo Matemática; trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. Oliveira, G. R. F. Construção do Conceito de Volume no Ensino Fundamental: um estudo de caso. 2002. 135 f. Dissertação (mestrado em educação) – Centro de Educação Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002. Soares, E. & Ribeiro, J. S. Construindo Consciências Matemática. 1 ed. São Paulo: Scipione (coleção Construindo Consciências Matemática), 2007.