Zero Hora/RS, 11 de abril de 2011
STF | Ministros Aposentados | Ministro Paulo Brossard
Vale ou vale-tudo?, por Paulo Brossard*
ARTIGOS
ARTIGOS Passado o primeiro trimestre do ano derradeiro do octênio governamental do ex-presidente
Luiz Inácio, alguns frutos da intemperança do último
ano começam a aparecer. As festas da posse passaram como também o bem-estar trazido pela visita
do presidente Obama e, igualmente, a passagem por
Coimbra e sua insígnia, ainda que sombreada pela
morte de José Alencar, que tamanha consternação
causou especialmente pela bravura como arrostou a
doença implacável; de outro lado, a inflação ergue o
colo a ignorar as meias medidas adotadas. O fato é
que a senhora presidente congelou mais de R$ 50 bilhões do orçamento, a dizer que não era orçamento,
mas um ornamento de insinceridade. O fato de o ministro da Fazenda sob cujo império ele foi sancionado
e publicado ser o mesmo ministro que o falquejou,
previamente, antes de ser executado, é uma continuidade que nada explica, antes desexplica muita
coisa. Em tudo e por tudo é um enigma do qual não tenho a chave.
Mas outras coisas estranhas vêm acontecendo aqui e
alhures. Veja-se o que acaba de suceder. O governo
resolveu afastar da Cia. Vale do Rio Doce o presidente da empresa, embora nada articulasse contra
sua gestão. Até se diz que teria sido exitosa. Mas o
mesmo ministro da Fazenda, sem rebuços, disse ao
maior acionista da companhia se impunha a substituição do presidente. Ocorre que a Vale é uma sociedade de direito privado, cuja administração
compete à maioria de seus sócios e na medida de suas
ações. Saliente-se que a pessoa jurídica em nome da
qual falava o ministro representava apenas 5,5% do
capital social. Era a minoria da minoria. E o representante do Bradesco dizia o óbvio ao declarar
que a diretoria da sociedade deveria expressar a maioria do capital. No entanto, não passaram muitos sóis e
o presidente Agnelli, depois de anos, foi su-
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mariamente defenestrado. Saliente-se ainda que o representante do Bradesco, um dos maiores sócios da
empresa , foi ainda cientificado de que o lugar da diretora de recursos humanos da Vale seria requisitado
pelo governo.
Ora, se a moda pega, se o governo não possui uma
centena de ações do Bradesco pode adquiri-la em
meia hora e embora com esse pálido patrimônio acionário nada o impediria de notificar o banco, aliás, um
dos maiores, exigindo o lugar do seu presidente. Ora,
isto não ocorreu nem nos tempos ominosos do AI-5,
nem antes, nem depois dele. O que mais espanta é que
o ocorrido com a Vale não provocou um sinal de resistência, surpresa, revolta ou outra coisa, seja dos
acionistas da Vale, seja das entidades do comércio e
indústria, instituições docentes, ou ditas representantes da opinião pública, de valores jurídicos,
culturais, históricos, nacionais, como se a nação estivesse cloroformizada ou drogada, e tudo o que existira houvesse se cadaverizado.
O grave é que, depois do que ocorreu com a Vale , tudo pode acontecer em relação a qualquer empresa.
No meu canto, não cesso de perguntar-me se ainda vigora o princípio constitucional da legalidade. Faz
mais de século, Rui Barbosa, escreveu estes conceitos que ainda não perderam a atualidade, uma vez
desencadeada, a soberania da conveniência política
não conhece limites; rota a cadeia de garantias, não há
uma só que se não perca .
P.S.: Estarrecido, externo espanto e tristeza diante do
ocorrido na Escola Municipal Tasso da Silveira, Realengo, Rio.
*Jurista, ministro aposentado do STF
pg.13
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