UNIVERSIDADE DE CABO VERDE
Universidade em Rede
www.unicv.edu.cv
Reitor
Paulino Lima Fortes
Vice-Reitora para Pós-Graduações e Investigação
Maria Adriana Sousa Carvalho
Vice-Reitor para Extensão Académica e Desenvolvimento Institucional
Manuel Brito-Semedo
Pró-Reitor para a Graduação, Desenvolvimento Curricular e Qualidade Académica
Bartolomeu Lopes Varela
Administradora-Geral
Elizabeth Coutinho
I COLÓQUIO CABO-VERDIANO DE EDUCAÇÃO
“Nas pegadas das reformas educativas”
Praia, 3 e 4 de Julho, 2013
Coordenação institucional
Arlindo Mendes - Presidente do Conselho Diretivo do Departamento de Ciências
Sociais e Humanas, Universidade de Cabo Verde
Comissão organizadora
Adriana Mendonça dos Santos
Ana Cristina Pires Ferreira
Ana Domingos
Ana Reis Teixeira
Antonieta Ortet
Eurídice Amarante
João Paulo Madeira
Maria dos Reis
Odete Carvalho
Sílvia Cardoso
Participação especial na concepção gráfica de materiais de divulgação e do site
Bruno Ambrioso
Jorge Brandão
Comissão Científica
Adriana Carvalho (Universidade de Cabo Verde)
Alcides Ramos (Universidade de Cabo Verde)
Amália Lopes (Universidade de Cabo Verde)
Ana Cristina Pires Ferreira (Universidade de Cabo Verde)
Bartolomeu Varela (Universidade de Cabo Verde)
Bento Duarte Silva (Universidade do Minho)
Carlos Bellino Sacadura (Universidade de Cabo Verde)
Carlos Spínola (Universidade de Cabo Verde)
Fernando Serra (Universidade Técnica de Lisboa)
Filomena Fortes (Ministério da Educação e Desporto de Cabo Verde)
João Rosa (Universidade de Massachusets Darmouth)
José Augusto Pacheco (Universidade do Minho)
José Carlos Anjos (Universidade de Cabo Verde)
Júlio Santos (Instituto Politécnico de Viana de Castelo / Universidade do Porto)
Licínio Lima (Universidade do Minho)
Laurence Garcia (Universidade de Cabo Verde)
Lourenço Gomes (Universidade de Cabo Verde)
Maria Luisa Inocêncio (Universidade de Cabo Verde)
Maria André Trindade (Universidade de Santiago)
Maria João Gomes (Universidade do Minho)
Sílvia Cardoso (Universidade Católica de Portugal - Braga)
Sónia Cruz (Universidade Católica de Portugal - Braga)
Teresa Leite (Escola Superior de Educação de Lisboa)
Victor Fortes (Universidade de Cabo Verde)
Thierry Berthet (Instituto de Estudos Políticos de Bordéus)
Nas Pegadas das Reformas Educativas
Atas do I Colóquio cabo-verdiano realizado do Departamento de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Cabo Verde
Organizadores
Ana Cristina Pires Ferreira
Ana Maria Domingos
Carlos Spínola
Praia, Cabo Verde - 2013
Ficha Técnica
Título
Nas Pegadas das Reformas Educativas: Atas do I Colóquio cabo-verdiano realizado
do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Cabo Verde
Organizadores
Ana Cristina Pires Ferreira
Ana Maria Domingos
Carlos Spínola
Copyright©
Organizadores, autores e Universidade de Cabo Verde
ISBN
978-989-97833-9-3
Revisão
Cheila Delgado
Elizandra Sabrina Semedo Fernandes
Jair Martins
Odete Carvalho
Coordenação Editorial
Márcia Souto
Capa, Layout e Paginação
Edson Carvalho
Ricardo Mendes
Edições Uni-CV
Praça Dr. António Lereno, s/n - Caixa Postal 379-C
Praia, Santiago, Cabo Verde
Tel (+238) 260 3851 - Fax (+238) 261 2660
Email: [email protected]
Praia, Novembro de 2013
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO....................................................................................................12
Avaliação das aprendizagens............................................................... 13
AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: QUE LÓGICAS E QUE TENDÊNCIAS? ALGUNS
PROCESSOS E DESAFIOS NO CONTEXTO DAS REFORMAS CURRICULARES NA
ÁFRICA SUBSARIANA
Arlindo Vieira; José A. Pacheco ............................................................................ 14
AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS ESCOLARES: O ELO MAIS FRACO
Victor Manuel Fortes............................................................................................. 25
Currículo e reformas curriculares................................................... 35
REFORMA CURRICULAR E ABORDAGEM POR COMPETÊNCIAS EM CABO VERDE:
PERCEÇÕES E QUESTIONAMENTOS
Ana Cristina Pires Ferreira..................................................................................... 36
ORIENTAÇÕES CURRICULARES: A MÃO QUE EMBALA A EDUCAÇÃO DE
INFÂNCIA
Guida Mendes; José Augusto Pacheco.................................................................. 48
FUNDAMENTOS PARA UMA VISÃO HOLÍSTICA DO CURRÍCULO - TEORIA
CURRICULAR E PRÁXIS PEDAGÓGICA, NO DLBSE-CV/2010
Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso; José Augusto Brito de Pacheco..................... 61
CURRÍCULO-SEM-TEMPO: A (RE)CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
Tânia Pestana; José A. Pacheco............................................................................. 75
CURRÍCULO, PLANIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO: UM OLHAR SOBRE
OPERACIONALIDADE DA REFORMA EDUCATIVA E CURRICULAR EM CURSO
A
Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso; Joana Sofia Sousa Figueiredo........................86
Desafios da globalização...................................................................... 98
Filosofia da Educação, Práticas Pedagógicas e Políticas de Ensino –
uma Relação Complementar e Heurtística
Carlos Bellino Sacadura......................................................................................... 99
Desigualdade Social no Acesso ao Ensino em Cabo Verde: Relendo
Trajectórias de Escolarização de Estudantes de Meios Sociais
Desfavorecidos
Crisanto Barros...................................................................................................... 109
EDUCAR PARA QUÊ? REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA ORIENTADA
PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO
Dulciene Anjos de Andrade e Silva ....................................................................... 127
A ESCOLA COMO LOCUS MILENAR DE INSTRUÇÃO E FORMAÇÃO – MUDANÇAS
CURRICULARES NA PASSAGEM DO MILÉNIO: FINDO O ENSINO NAPOLEÓNICO
QUE PARADIGMA SE AVIZINHA?
José Esteves Rei..................................................................................................... 140
Educação inclusiva.................................................................................. 151
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA INTEGRAÇÃO DE ABORDAGENS ENTRE
PORTUGAL E CABO-VERDE
Joana Sofia Sousa Figueiredo; Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso........................ 152
HÁ ESCOLA NO HOSPITAL: CONTRIBUTOS PARA UM NOVO MODELO DE
INTERVENÇÃO EDUCATIVA
Joana Sofia Sousa Figueiredo; Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso........................ 165
Recetividade dos Professores à inclusão de alunos
Necessidades Educativas Especiais no Ensino Secundário
com
Maria José Alfama................................................................................................. 177
Formação e avaliação de docentes.................................................... 189
(DES)ENCANTOS DA INAUGURAÇÃO PROFISSIONAL DOS DOCENTES
Cândida Mota-Teixeira; Elisabete Ferreira............................................................. 190
Professional Development in Cape Verde: A Sample of Primary and
Secondary School Teachers
Courtney Creamer................................................................................................. 202
Avaliação de Desempenho dos Professores do Ensino Secundário
em Cabo Verde: Ambições e limites
José Rito Baptista Teixeira..................................................................................... 213
PERFIL PROFISSIONAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR COMO
ELEMENTO CONSTITUTIVO DE IDENTIDADE DOCENTE................................... 226
Maria da Conceição Valença da Silva ; Maria da Conceição Carrilho de Aguiar;
Natércia Alves Pacheco
RUMOS indagadores
professorEs
con(sen)tidos
na
formação
inicial
de
Susana Cristina Pinto; Cândida Mota-Teixeira....................................................... 236
Organização escolar e avaliação institucional.......................... 248
Avaliação Externa de Escolas em Portugal: Impacto no Processo de
Autoavaliação das Escolas
Maria da Graça Bidarra; Carlos Barreira; Manuela Soares.................................... 249
AVALIAÇÃO EXTERNA DAS ESCOLAS EM PORTUGAL. QUE IMPACTO E EFEITOS
NA ESCOLA E NA SALA DE AULA?
Isabel Fialho; José Saragoça; Maria José Silvestre; Sónia Gomes.......................... 263
Projeto TurmaMais: A caminhar para o sucesso escolar
Ana Maria Cristóvão; Isabel Fialho; Hélio Salgueiro; Marília Cid........................... 274
DIRETOR DE TURMA NO QUOTIDIANO DA ESCOLA
Lionilda Mágueda Évora de Sá Nogueira............................................................... 288
Processos e realidades educativas..................................................... 303
TRABALHO DE PROJETO: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS E SENTIDAS EM CONTEXTO
DE EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
Cândida Mota-Teixeira; Beatriz Silva..................................................................... 304
A ABORDAGEM DE PROJETO COMO AUTONOMIA E AGÊNCIA RELACIONAL NO
ENSINO SUPERIOR
Elisabete Ferreira; Cândida Mota-Teixeira............................................................. 316
A Survey of Reading Instruction and Reading Attitudes in the
Republic of Cape Verde
David A. Almeida................................................................................................... 328
Eu e eles: a construção da identidade em alunos do Ensino Básico
Dulce Martins; Carolina Carvalho; Ana Paula Gama; Cristina Carvalho; David Tavares;
Edite Fiúzae; Jesuína Fonseca; Joseph Conboy; Maria Helena Salema; Maria Odete
Valente.................................................................................................................. 335
Estratégias pedagógicas para o
competência comunicativa bilingue
desenvolvimento
de
uma
Elvira Reis.............................................................................................................. 350
Competências reedificadas na/com a estratégia metodológica de
projeto
Cândida Mota-Teixeira; Susana Cristina Pinto....................................................... 362
Supervisão pedagógica........................................................................... 375
Práticas de apoio à supervisão pedagógica com recurso a um
ambiente virtual na Universidade de Cabo Verde
Adriana Mendonça; Maria João Gomes................................................................ 376
PRÁTICAS DE SUPERVISÃO DE ESTÁGIO, NA PERSPETIVA DE EDUCAÇÃO
COMPARADA: DUAS EXPERIÊNCIAS ENVOLVENDO A UNI-CV E A UCP
Adriana Mendonça ; Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso...................................... 386
O ACOMPANHAMENTO CIENTÍFICO E TÉCNICO-PEDAGÓGICO DO PROJETO
TURMAMAIS. IMPACTO NAS ESCOLAS
Isabel Fialho; Ana Maria Cristóvão; Hélio Salgueiro; Marília Cid........................... 397
Supervisão do estágio na formação de futuros professores no
ensino secundário cabo-verdiano
Isabel Salomé de Lima; Ana Isabel Andrade; Nilza Costa...................................... 410
TIC na educação........................................................................................ 423
“INTERAÇÃO” EM AMBIENTES VIRTUAIS DE ENSINO E APRENDIZAGEM: QUE
MODELO DE INTERAÇÃO SERVE MELHOR A FORMAÇÃO A DISTÂNCIA?
Maria da Luz Correia; Maria Luísa Inocêncio........................................................ 424
Nativos Digitais: Atreve-te a empreender
Karine P. de Souza; Bento Silva ............................................................................. 435
A WebQuest no ensino da informática: aprendizagens e reações dos
alunos
Sónia Catarina Cruz; Maria João Gomes Pires....................................................... 448
E-mail: a ferramenta esquecida pelos professores na comunicação
com alunos e pais
Sónia Cruz; Vítor Machado.................................................................................... 459
Apresentação
Este livro das Atas do Primeiro Colóquio Cabo-verdiano de Educação Nas pegadas
das reformas educativas, realizado no Departamento de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade de Cabo Verde, na Praia, a 3 e 4 de Julho, engloba os textos das
comunicações apresentadas pela quase totalidade dos participantes e recolhidos
após o evento.
Em Cabo Verde, assim como em vários outros países, vive-se atualmente processos
de renovação, de mudança global ou parcial, do setor educativo que decorrem
de políticas educativas transnacionais e nacionais fortemente influenciadas pelas
primeiras. Importa, analisar, explicar e compreender as dinâmicas de reformas
educativas em diferentes contextos, bem como produzir e difundir conhecimento
sobre elas. Tal foi o objetivo do Colóquio que pretende constituir-se num fórum
colaborativo de discussão, a cada dois anos, sobre a educação que se vive, que se
constrói e que se projeta no interior dos espaços nacionais e internacionais, num
mundo globalizado de conhecimentos e experiências.
Para atender aos objetivos acima referidos, o Colóquio foi organizado em torno
de quatro painéis temáticos: Desafios da globalização e reformas educativas;
Processos, realidades educativas e inovações curriculares; Formação de professores:
políticas, inovações e desafios; Educação e desenvolvimento sustentável.
No entanto, os textos recolhidos apresentam-se agrupados em subtemas
mais específicos para maior clareza e estímulo à sua leitura por todos quantos
se interessam pelas questões da Educação. Os subtemas são: Avaliação das
aprendizagens, Currículo e reformas curriculares, Desafios da globalização,
Educação Inclusiva, Formação e avaliação de docentes, Organização escolar e
avaliação institucional, Processos e realidades educativas, Supervisão pedagógica
e TIC na Educação.
A realização deste Colóquio foi possível graças aos patrocínios e apoios concedidos
pela Reitoria da Universidade de Cabo Verde e seu Departamento de Ciências Sociais
e Humanas, Universidade do Minho, Universidade Católica de Portugal, Instituto
Camões, Empresa de Segurança Aérea de Cabo Verde, BORNEfonden (Cabo Verde),
Porto Editora, UNITEL/T Mais e CAVIBEL Lda, a quem os organizadores agradecem.
A Organização.
Avaliação das aprendizagens
AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: QUE LÓGICAS E QUE TENDÊNCIAS?
ALGUNS PROCESSOS E DESAFIOS NO CONTEXTO DAS
REFORMAS CURRICULARES NA ÁFRICA SUBSARIANA
Arlindo Vieira; José A. Pacheco
Universidade de Cabo Verde; Universidade do Minho
[email protected]; [email protected]
Avaliação das Aprendizagens
Resumo
Neste artigo, propomos analisar alguns processos e desafios nas reformas
curriculares nos sistemas de avaliação educacional. Situamo-lo no atual contexto
mundial e percorremos, de forma sucinta e crítica, as influências dos organismos
internacionais nas tomadas das decisões nos Estados-Nação, questionando as
suas tendências e as suas lógicas. Assume-se, aqui, a avaliação educacional
como um campo abrangente que comporta subáreas, com características
diferentes, por exemplo, avaliação curricular, avaliação de desempenho escolar
a nível de sala de aula e avaliação institucional, procurando dar enfoque aos
países africanos, especificamente à região da África Subsariana (ASS), de que
Cabo Verde faz parte em termos geográficos e de agendas geopolíticas.
Palavras-chave: reformas curriculares; avaliação educacional; políticas
educativas; África Subsaariana.
Abstract
In this paper, we propose to analyze some processes and challenges at
curriculum reforms in the systems of educational assessment. We situates it in
the current global context, and we travel, succinctly and critically influences of
international organizations in the decisions taken by nation-states, questioning
their trends and their logics. It is assumed here, the educational evaluation as
a comprehensive field that holds subareas with different characteristics, eg,
curriculum evaluation, performance evaluation, school-level classroom and
institutional assessment, trying to focus on African countries, specifically in SubSaharan Africa (SSA), that Cape Verde is part geographically and geopolitical
agendas.
Keywords: curriculum reform; educational assessment; educational
policies; sub-Saharan Africa.
15
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
1. REFORMAS NOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO EDUCACIONAL
Nas últimas décadas do Século XX, a política educacional voltou a
centrar-se nos princípios democráticos da qualidade, equidade e acesso.
Na avaliação educacional, permaneceram fortes as orientações anteriores,
ou seja, a obrigação de a educação agir em termos das metas económicas,
da formação profissional, segundo as exigências do mercado e da
competitividade internacional (Pacheco, 2011). Continuam a ser aplicados os
testes ao nível nacional, tal como são seguidos os indicadores internacionais
(OCDE, 2005). Das reformas educacionais, iniciadas na década de 1980,
constam palavras de ordem como gestão eficiente, privatização, excelência,
produtividade, selectividade, interesses e a satisfação do consumidor,
enfim, um conjunto de expressões que identificam a educação com a
cultura de empresa (Estêvão, 1998; Pacheco, 2000b). Essas tendências
para a promoção da eficácia da escola requerem, desse modo, a avaliação
externa do desempenho do conjunto das escolas dos sistemas de ensino
não apenas como fonte de informação para o planeamento da provisão de
recursos financeiros e assistência técnica, mas também como estratégia
para induzir, em cada estabelecimento escolar, a responsabilidade pelos
resultados (accountability) (Fernandes, 2006; Afonso, 2009; Pacheco, 2011).
Os processos de transnacionalização das políticas educativas
nacionais, dos quais brotam novos modos de governação, reforçam, por
isso, a lógica tecnocrática da educação (Pacheco, 2009) que sonegam actores
e interesses, em presença, nos contextos educativos, quer do processo de
concepção, quer do processo de avaliação das políticas (Morrow & Torres,
2004; Pacheco, 2000b). Assim, os complexos e sofisticados sistemas de
avaliação desenvolvidos, nesta última do século XXI, por organizações
transnacionais, como a OCDE, a União Europeia, o Banco Mundial ou a
UNESCO, têm sido associados às estratégias de padronização e regulação
transnacional dos sistemas educativos, impondo, globalmente, uma agenda
educativa tecnocrática e neoliberal (Afonso, 1998; 2009; Teodoro, 2003;
16
Avaliação das Aprendizagens
Dale, 2004; Pacheco, 2011). Pois, para além de fornecerem informação
comparativa relevante para os países, contribuem para traçar as prioridades
futuras s, dado constituírem uma verdadeira agenda global (Dale, 2001;
Teodoro, 2010) para as próximas reformas ou revisões curriculares em curso
nos sistemas de educação dos diferentes países, como é o caso de Cabo
Verde.
2. DESAFIOS ATUAIS DA AVALIAÇÃO CURRICULAR NO CONTEXTO
AFRICANO
Em muitos países africanos, particularmente na sub-região
Subsaariana, a recolha de informação tem sido negligenciada (Ottevanger,
2004). As estatísticas nacionais devem fornecer informação sobre a
disponibilidade das entradas (Banco Mundial, 2002a). Na África do Sul, por
exemplo, o National Education Policy Act, de 1996, estipula a monitorização
e avaliação do sistema de ensino e, em 2001, aplicou-se a uma amostra de
alunos uma prova que testa as capacidades quanto à numeracia, literacia
e aptidões de vida; e em 2004, a Matemática, Ciências e literacia. Os
«Relatórios Fundamentais de Qualidade no Estado» de Kano, na Nigéria,
fornecem informação sobre entradas e processos e comparações com
outras escolas. O sistema de auto-avaliação das escolas na Namíbia salienta
nas entradas, processos e resultados e inclui elementos de comparação
com outras escolas. No Gana, as reuniões de Avaliação de Desempenho das
Escolas usam dados de avaliação nacionais em Matemática e Inglês para
identificar estratégias e definir alvos para melhorar o desempenho da escola.
Na Guiné, as folhas de avaliação escolar fornecem uma base para reuniões
de avaliação do desempenho da escola por professores, directores e pais.
Em Cabo Verde começou-se o processo de avaliação aferida no subsistema
do ensino básico, visando a recolha de informações para retroalimentar a
política educativa.
Os desafios persistem. A capacidade de recolher dados aumentou
17
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
drasticamente, mas a capacidade de analisar estes dados falha muitas
vezes, tal como acontece no caso de Cabo Verde. Mesmo quando a
informação esteja disponível, muitas vezes não é usada no processo
político, especialmente quando as conclusões são inconvenientes ou
contradizem a sabedoria convencional (Greany & Kellaghan, 2006; Bregman
& Simonnet, 2004). Países como a África do Sul, que monitorizaram, de
perto, a implementação de programas de reforma, empreenderam acções
correctivas quando os resultados não eram os previstos, tendo beneficiado
muito destes processos.
Em alguns países da sub-região Subsaarian afirma-se que é
utilizada uma vasta gama de técnicas de avaliação para avaliar diferentes
conhecimentos, competências e atributos dos estudantes. No entanto,
a realidade é vincadamente diferente. Em muitos desses países, se não
mesmo em todos, as actuais práticas de avaliação limitam-se à recapitulação
de factos memorizados (Lewin, 2005; Fernandes, 2006; SEIA, 2007).
Predomina uma aprendizagem maquinal, concedendo-se pouca atenção ao
desenvolvimento das capacidades de análise, de resolução de problemas
ou de comunicação e de trabalho em equipa (Pacheco, 1998; 2002), ao
invés de desenvolver competências e capacidades de nível mais elevado
de inferência, e exigir, por sua vez, um afastamento das actuais práticas de
avaliação.
Os sistemas de ensino dos países da África Subsaariana
estão assombrados pela elevada exigência nos exames. O seu principal
objetivo é selecionar estudantes para o nível seguinte. Muitos ainda
recorrem a padrões prevalecentes nos países industrializados, geralmente
a antiga potência colonial. Muitas práticas de avaliação apelam a factos
memorizados em vez de apelar à compreensão e demonstração de saberes
mais complexos (Rogiers & De Ketele, 1994). As relações com os objectivos
curriculares cruciais são muitas vezes débeis. Raras vezes se tem recorrido
ao potencial que os exames têm para melhorar a instrução, através da
análise sistemática dos itens e do fornecimento às escolas e aos alunos
de feedback sobre os resultados (Pacheco, 1998; Fernandes, 2006; 2009).
18
Avaliação das Aprendizagens
Constituem um exemplo bastante extremo, referindo-se, comummente,
em toda a ASS, experiências de conhecimento prévio e generalizado do
conteúdo dos exames e outras fraudes (Greaney & Kellaghan, 2006). Por
conseguinte, embora um melhor alinhamento entre o currículo e a avaliação
seja importante para uma melhor aprendizagem (Perrenoud, 1994; Ribeiro,
1998; Gaspar & Roldão, 2007), as exigências de exames administrados com
honestidade, fiáveis e válidos requerem soluções que incluem um sistema
educacional e um contexto mais vastos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os desafios são, particularmente, difíceis, uma vez que o crescimento
económico permanece frágil, as taxas de crescimento da população serão
altas num futuro previsível e o ensino primário ainda requer recursos
adicionais se se pretende atingir os Objectivos do Milénio, Educação para
Todos (DoE, 2005). A África, particularmente, a África Subsaariana, enfrenta
desafios de seguir uma estratégia para um sistema de ensino que se ajuste
às condições particulares do seu atual contexto de desenvolvimento. Vários
outros desafios se tornam aparentes (Boubacar, 2006; Benno & O’Connell,
1999; 2006): em primeiro lugar, os sistemas escolares estão cada vez
mais a transformar-se num sistema de escolas em que, apenas só a nível
do discurso, se verifica a passagem da responsabilidade de melhoria do
desempenho dos gestores de nível central para os de nível local. Não faz
muito sentido pedir às escolas que implementem reformas, cada vez mais
complexas, quando a capacidade de mudança ao nível da escola é limitada
e os professores não estão familiarizados com os novos métodos de ensino
que se pede que sejam implementados, como sucedeu em Cabo Verde. Não
existem soluções rápidas para os problemas das escolas; em segundo lugar,
as reformas, que procuram mudar a prática do ensino e melhorar o sucesso
escolar, têm que ser concebidas como processos e não como eventos. Não
19
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
são operações que possam ser mandatadas a partir dos serviços centrais
(CRSE, 1986); em terceiro lugar, a discussão pública de opções políticas e
a transparência na tomada de decisões bem como a ampla comunicação
de desafios e realizações são ingredientes chave de estratégias de
implementação eficazes (Greaney & Kellaghan; 2006; Afonso, 2009).
Muitas das reformas no sistema de ensino foram controversas e muitas
vezes ameaçaram interesses velados ou desafiaram formas estabelecidas
de prestação de serviço e prática de ensino. A participação dos atores e a
informação aberta e honesta ao público podem ajudar a construir aceitação
e apoio público para as mudanças pretendidas.
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AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS ESCOLARES
O ELO MAIS FRACO
Victor Manuel Fortes
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
Avaliação das Aprendizagens
Resumo
A avaliação das aprendizagens escolares, no Ensino Secundário
público, tem sido um dos elos mais fracos de todo o processo de ensinoaprendizagem. O nosso sistema de avaliação, da forma como vem sendo
implementado, é excludente, pois encara o aluno como o único responsável
pelo seu insucesso e, consequentemente, a única vítima. Isso se deve, na
nossa perspectiva, à fraca formação com que saem muitos professores
das instituições formadoras, baseando suas práticas preponderantemente
numa pedagogia tradicional, em que os métodos se resumem à exposição, à
memorização e a avaliação assemelha-se a um juízo de valor, contabilizando
os erros e acertos, numa cultura, ainda, enraizada nas escolas, das duas
provas escritas com “função classificatória”, e não numa aprendizagem
significativa. Objetivos: Apelar aos professores tanto do nível superior como
do secundário a considerarem que “a avaliação é um processo contínuo
e sistemático. Faz parte de um sistema mais amplo, que é o processo
ensino-aprendizagem, nele se integrando. Por isso, ela não tem um fim
em si mesma, é sempre um meio, um recurso, e como tal deve ser usada.
Não pode ser esporádica ou improvisada. Deve ser constante e planeada,
ocorrendo normalmente ao longo de todo o processo, para reorientá-lo
e aperfeiçoá-lo” (Haidt, 2002). Resultados esperados: esperamos que a
comunicação ative a compreensão do processo de avaliação em toda sua
complexidade e estimule os professores a pesquisas empíricas e teóricas,
tornando a avaliação um processo inclusivo, em suas múltiplas dimensões.
Palavras-chave: avaliação; aprendizagem significativa; cultura de
testes.
25
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Abstract
The evaluation of school learning in secondary education has
been one of the weakest links in the whole process of teaching and
learning. Ourevaluation system, the way itis being implemented, is
exclusionarybecausethe studentseesassolely responsible for thefailure and,
consequently, the only victim. This is due, in our view, with a weak training
with teachers leave the educational institutions in this context, basing
their practices solely on the culture of the two written tests and not on
the meaningful learning. Objectives: Advocate teachers, both top level and
secondary level, to consider that evaluation is a continuous and systematic
process. It is partof alarger system, which is theteaching-learning process,
itisintegrating. Therefore, it is not an endin itself, it is always a means, a
resource, and as such shouldbe used. It can’t be sporadic or improvised.
Should be constant and planned, usually occurring throughout the process,
to redirect it and perfects it” (Haidt, 2002). Expected results: It is expected
that communication enable understanding of the assessment process in all
its complexity and encourage teachers to theoretical and empirical research,
making evaluation an inclusive process, in its multipledimensions.
Keywords: evaluation; meaningful learning; testing culture.
Vimos constatando, ao longo do tempo, quer por intermédio
de estudos mais cuidados quer empiricamente, que a avaliação das
aprendizagens no ensino secundário em Cabo Verde constitui um dos elos
mais fracos de todo o processo de ensino-aprendizagem. Vejamos.
1. Nas aulas da disciplina de Teorias e Práticas da Avaliação que
administramos na UniCV, na formação de professores, os alunos ̶ professores
do Ensino Básico Integrado e do Ensino Secundário ̶ reconhecem o seu
despreparo em lidar com a avaliação das aprendizagens, concordam com
as posições que defendemos discussões que realizamos na sala, mas não
26
Avaliação das Aprendizagens
conseguem implementá-las nas suas atividades pedagógicas, alegando
que a cultura pedagógica das escolas em que trabalham está tão enraizada
na consciência dos professores que trabalham há bastante tempo, o que
dificulta muito as tentativas de inovação nesse quesito.
2. Nas visitas que efetuamos às escolas e no acompanhamento dos
nossos filhos, estudantes do ensino secundário, temos constatado que o
que prevalece, de facto, na prática pedagógica de muitos professores,
não é a avaliação como um processo para identificar os avanços e as
dificuldades dos alunos para uma tomada de decisão, mas uma classificação
das reproduções baseada na cultura de teste sumativo. Talvez o professor
se sinta pressionado por um ano letivo dividido em três trimestres e pelo
normativo de ter que avaliar a partir de um sistema de avaliação que atribui
80% de peso aos dois testes e somente 20% a outros elementos da avaliação.
Muitos professores não têm clareza do que possam consistir esses outros
elementos da avaliação. As provas têm meramente uma função sumativa e
classificatória. Basta saber que, na maioria das disciplinas, os professores só
devolvem as provas aos alunos após 2-3 semanas.
Se partirmos do princípio de que uma planificação bem feita
pressupõe que unidades menos complexas constituem pré-requisitos para
a apropriação de unidades posteriores, mais complexas, ao devolver as
provas com um atraso de 2-3 semanas, praticamente sem possibilidades
efetivas de um feedback, o professor demonstra que o que ele quer é, de
facto, selecionar aqueles que, de uma forma ou de outra, conseguiram
memorizar o suficiente para reproduzir os conteúdos (já que as aulas são
preponderantemente expositivas) e excluir aqueles que não o fizeram.
Pois, o aluno cujas provas demonstraram não ter apropriado/assimilado/
memorizado o conhecimento que supostamente deveria ter até então,
nessas condições, não terá mais oportunidades de o fazer, ficando
praticamente arredado do sucesso nas provas subsequentes.
3. Algumas escolas convidam-nos para proferir palestras sobre
27
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
avaliação das aprendizagens no ensino secundário. Outras solicitam-nos
para mostrar aos seus professores como elaborar provas escritas e, outras,
ainda, só nos solicitam o modelo de validação das provas.
Quando chegamos às escolas, normalmente começamos logo com
uma afirmação provocatória: ̶ Muitos professores ainda não diferenciam
classificação de avaliação.
No princípio, os professores sentem-se ofendidos, mas depois
compreendem e aceitam a nossa provocação, ao introduzirmos a nossa
comunicação com uma série de perguntas que os ajudam a elucidar essa
situação, quais sejam: ̶ Qual de vocês, logo no início do ano ou de cada
trimestre, na preparação metodológica, mesmo sem saber qual o nível do
desempenho da turma, o ritmo que consigam implementar, as dificuldades
e as facilidades encontradas, já não tenham marcado antecipadamente a
data para a realização de duas provas escritas? Com que objetivo? Qual
de vocês não elabora provas com questões cujas respostas, de antemão,
sabem que todos os alunos têm prontas? Com que objetivo? Qual de vocês
não elabora provas com questões cujas respostas sabem, de antemão, que
nenhum aluno possa dar? Com que objetivo? Após quanto tempo devolvem,
fazem a correção e análise crítica dos resultados das provas? Que decisão
tomam perante o resultado das provas? Que oportunidade disponibilizam
aos alunos para, após uma melhor preparação, refazer uma prova em que
não tenham alcançado os objetivos desejados? Como têm realizado e
apropriado das “avaliações diagnósticas”?
Ao discutirmos essas questões, todos acabam compreendendo
a nossa provocação inicial, reconhecem a dificuldade em trabalhar para
mudanças profundas.
Quando nos pedem para lhes mostrar como elaborar uma prova
escrita ou lhes apresentar um modelo de validação da prova escrita,
começamos por explicar o seguinte:
28
Avaliação das Aprendizagens
A prova escrita não existe em si mesma, não é avaliação, mas um dos
instrumentos da avaliação. A avaliação é um processo que não existe em si
mesmo, faz parte de um processo mais amplo que é o processo de ensinoaprendizagem. Esse processo de ensino-aprendizagem, por sua vez, só
ganha sentido em uma ou outra abordagem educativa como sistematização
de teorias e práticas pedagógicas. Ao dizer isso, muitos professores ficam
quase perdidos porque não têm o domínio de nenhuma teoria pedagógica.
Aliás, por isso, replicam com certa ingenuidade: ̶ Na universidade nos dão
muitas teorias, mas essas, na prática, não funcionam.
Normalmente perguntamos:
̶ “Vos dão teorias”? “E vocês as recebem”? Me digam qual delas
vocês dominam e ajudo-vos a perceber que, na prática, funcionam. A
resposta é óbvia!...
Não há, na nossa concepção, nenhum modelo de prova escrita
nem modelo de validação da prova escrita. As disciplinas são diversas e
diversificadas. Uma prova de língua não obedece aos mesmos objetivos nem
aos mesmos critérios de uma prova de matemática, por exemplo. O que nós
podemos apontar são alguns critérios gerais a considerar na elaboração de
uma prova escrita, sabendo que cada disciplina, cada nível de ensino, cada
turma terá sua especificidade a ser observada. Assim, consideramos que
só o próprio professor pode reunir tudo o que precisa para a realização da
prova. Os critérios que nós podemos avançar são os seguintes:
̶ Qual o objetivo dessa prova escrita? Avaliar ou classificar?
̶ Que conteúdos devem fazer parte dessa avaliação? Por que esses
e não outros conteúdos?
̶ Terão que ser avaliados por intermédio de uma prova escrita?
Por que não utilizar um outro instrumento de avaliação? Por que, nessas
condições, a prova escrita se revela como instrumento mais fidedigno?
29
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
̶ Que tipo de prova elaborar? Prova dissertativa? Prova com
questões de múltipla escolha? Prova com questões “verdadeira ou falsa”?
Emparelhamento? Outro? Quantas perguntas devem constar da prova?
Grau de dificuldade? Quanto tempo disponibilizar para o aluno resolver a
prova?
̶ O que fazer com os resultados da prova?
Dentre esses critérios, é fundamental o último apresentado. A
tomada de decisão no processo de avaliação pode coroar ou desmanchar
todo o esforço do aluno e do professor. Uma prova de exame tem caráter
diferente (o de classificar) de uma prova que se realiza com o objetivo
de uma avaliação formativa. Toda e qualquer prova realizada durante o
percurso do processo de ensino-aprendizagem deve assumir, no mínimo, as
funções diagnóstica e formativa.
Ora, a debilidade em como o nosso sistema de avaliação é apropriado
e implementado nas escolas secundárias torna-o excludente. Excludente, no
sentido de que não há uma preocupação com a aprendizagem significativa,
mas com a reprodução de conteúdos, muitas vezes anónimos, memorizados,
pela via de aplicação/realização de provas. Excludente, porque, dessa forma,
o aluno fica excluído da participação do processo da construção do próprio
conhecimento. Excludente, porque, com a avaliação por essa via, com
devolução tardia dos resultados das provas e praticamente sem feedback
necessário, todavia insuficiente, fica-se sem saber quando, onde, por que
e como se perdeu o aluno. Excludente, porque, ao ter duas reprovações
no ciclo, o aluno vê-se impedido de prosseguir os seus estudos em escolas
públicas, alegadamente por ter “perdido o direito”. Mas, o aluno “perdeu o
direito” ou lhe “roubaram” o direito? E o que fazer desse aluno excluído de
um espaço vocacionado para promover aprendizagem e educação?
Preferimos tecer algumas considerações sobre isso.
Enquanto não houver mecanismos que avaliem essa situação da
30
Avaliação das Aprendizagens
“perda de direito”, ela não deveria efetivar-se. Pois, da forma como as
coisas estão, não dá para saber se aluno foi reprovado somente por “(ir)
responsabilidade própria” ou por falta de qualidade e empenho dos
professores na condução do processo de ensino-aprendizagem. E se se
comprovar que o professor é mais responsável pela reprovação do aluno do
que o próprio aluno, ele perderia o direito de trabalhar na escola?
E se o aluno tem, de facto, dificuldades de aprendizagem, é menor,
a família com parcos recursos para mandá-lo para uma escola privada, o que
fazer dele, se nem tem idade para “trabalhar” (caso houvesse trabalho)?
Não será mais oneroso à sociedade vir resgatá-lo da rua do que deixá-lo na
escola?
O que seria de nós se os hospitais, ao diagnosticarem alguém com
doença contagiosa, em vez de retê-lo para o tratamento, o liberar para não
contagiar os agentes hospitalares?
São apenas questões para reflexão!
Queremos alertar, no entanto, que não estamos a tratar aqui
da avaliação das aprendizagens nas escolas secundárias privadas.
Pois, lá, miraculosamente, todos os alunos conseguem passar de
ano independentemente dos níveis de ensino. Poderemos falar disso
posteriormente, mas é bom que se faça uma inspeção rigorosa da forma
como se faz a avaliação nas escolas secundárias privadas. Há quem já as
apelida de escolas PP (pagou, passou).
Aproveitamos para fazer uma pequena análise de alguns dos
preceitos adjacentes ao sistema de avaliação das aprendizagens no ensino
secundário, de acordo com o Decreto-Lei no 42/03/2003, de 20 de Outubro
de 2003.
“Arto 5o (Função formativa da avaliação)
1. A função formativa é prosseguida através de uma avaliação siste31
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
mática e contínua e consiste na recolha e tratamento das informações relativas aos vários domínios de aprendizagem, que revelem
os conhecimentos, as habilidades, as capacidades e as atitudes desenvolvidas pelos alunos.
2. As informações recolhidas permitem caracterizar os pontos fortes e
fracos, avaliar os êxitos e os fracassos dos alunos, as necessidades,
ritmos e oportunidades de melhoria da aprendizagem e, em função
destes elementos, aplicar medidas educativas de reorientação e de
superação das dificuldades sentidas pelos alunos.”
Podemos ver que esses preceitos são ideais, geniais e inerentes a
uma abordagem de aprendizagem significativa. Mas, na nossa perspectiva,
não são interpretados fielmente pela maioria dos professores, talvez por
falta de um domínio consistente do que é, de facto, uma avaliação formativa,
mas também, porque se sentem presos aos preceitos seguintes:
“Arto 21o (Critérios de classificação)
1. Em cada trimestre devem ser aplicados dois testes sumativos, no
mínimo, e recolhidos outros elementos de avaliação sumativa, que
devem ser classificados na escala de 0 a 20 valores.
2. Para efeitos deste diploma, entende-se por outros elementos de
avaliação sumativa quaisquer meios que permitam ao professor
aferir competências cognitivas, afectivas e activas dos alunos, nomeadamente perguntas orais e escritas, trabalhos individuais e de
grupo, pesquisas e trabalhos práticos ou estágios em empresas.”
“Arto 22o (Classificação trimestral)
A classificação trimestral (CT) resulta da soma de oitenta por cento
da média aritmética dos testes sumativos (TS) e de vinte por cento de outros
elementos de avaliação (OEA) e expressa-se pela fórmula:
CT = 0,2 x OEA + 0,8 x TS.”
32
Avaliação das Aprendizagens
Disso resulta:
1. Não há uma compreensão generalizada do que é aplicar dois
testes sumativos, no mínimo. Cada professor normalmente aplica dois
testes sumativos, em qualquer circunstância, a todas as suas turmas, muitas
vezes, na mesma semana, no mesmo dia e horário. Devolvem esses testes
aos alunos, quase sempre, sem feedback, após 2-3 semanas ou mais.
Não compreendemos por que um teste sumativo, no decurso do ano
lectivo, não possa ter simultaneamente um caráter diagnóstico e formativo.
Numa das escolas em que proferimos uma palestra, um professor
achava impossível fazer a devolução da prova nas duas próximas aulas
seguintes, dado ao número elevado de turmas em que lecionava (6 turmas,
a disciplina de Filosofia). Aí perguntamos: ̶ Mas quem o obriga a aplicar a
prova a todas as turmas, no mesmo dia ou na mesma semana? O professor
retrucou: ̶ Mesmo que seja uma turma, mas, na prova de Filosofia, com
8-9 questões dissertativas!”... Nós respondemos: ̶ Mas, por que você não
elabora prova com 4 ou mesmo 3 questões? Por que, em vez de elaborar 2
provas por trimestre, com mais tempo para cada prova, não elabora 3 ou 4,
com menos tempo para cada?
A esse respeito pensamos que os professores, talvez pressionados
pelo tempo (trimestre e aulas de 50 minutos), se sentem inseguros.
2. Ao atribuir aos outros elementos de avaliação (OEA) um peso
somente de vinte por cento, “com a obrigatoriedade dos dois testes” e a
limitação do tempo, o professor e o aluno não “dão bola” a esse quesito de
avaliação.
Muitos professores, além de limitados, para a conquista da sua
autonomia pedagógica, não estão preparados para a mudança, para fazer
diferente e melhor. Pois, a mudança e o fazer diferente implicam riscos e
isso pode pôr em causa a estabilidade do professor, a sua sobrevivência.
Mesmo dentre aqueles que se “formaram recentemente”, a maioria dos
33
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
professores do ensino secundário continua trabalhando com os seus alunos
como os seus ex-professores trabalharam com eles quando eram estudantes
do ensino secundário: com métodos baseados num ensino tradicional, em
aulas expositivas e cobranças de reprodução nas duas provas sumativas. Ora,
isso faz com que os alunos que sobrevivam a esse processo nos cheguem
às universidades com crenças enraizadas e resistência mental à uma nova
metodologia. Conscientemente consideram a metodologia tradicional
inadequada, mas de forma não consciente não se mobilizam para uma
metodologia mais progressista, continuam esperando por aulas expositivas
e reprodução nas provas, sem capacidade para se apropriarem de uma
nova metodologia e participarem de forma ativa na construção do próprio
conhecimento. O pior é que encontram guarida em muitos professores do
ensino superior que, por razões várias, continuam trabalhando à moda
antiga.
À guisa de conclusão, queremos deixar bem claro que não visamos
atingir ninguém maleficamente com as nossas considerações. Elas espelham
momentos inconclusivos de reflexão nas nossas atividades e esperamos
que sejam um impulso para reflexões mais profundas na formação de
professores, nas escolas secundárias e outras instituições formadoras
e educativas. Estamos, desde há muito, engajados em colaborar para a
melhoria dos aspetos apontados em várias frentes, pois consideramos isso
o ponto fulcral da nossa missão como professor-formador.
Referências bibliográficas
Haidt, R. C. C. (2002).Curso de Didáctica Geral. São Paulo: Ática.
República de Cabo Verde. Ministério da Educação e Valorização dos
Recursos Humanos. Sistema de avaliação – Ensino Secundário. Decreto-Lei
no 42/03/2003, de 20 de Outubro de 2003.
34
Currículo e reformas
curriculares
REFORMA CURRICULAR E ABORDAGEM POR COMPETÊNCIAS
EM CABO VERDE: PERCEÇÕES E QUESTIONAMENTOS
Ana Cristina Pires Ferreira
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
Currículo e reformas curriculares
Resumo
A evolução da Educação e os desafios de desenvolvimento
económico e social em Cabo Verde trazem, com cada vez mais acuidade, a
questão da qualidade da Educação. Esta é um desígnio nacional que apela
a mudanças num contexto em que o país procura uma melhor inserção
no grupo de países de desenvolvimento médio e no mundo global e está
fortemente influenciado pelas agendas transnacionais para a Educação e
para a Economia. Neste artigo, analiso como o modelo de Abordagem por
Competências, difundido pelas organizações internacionais de Educação,
ganha sentido em Cabo Verde e é inserido na agenda institucional e
política, enquanto solução privilegiada para a melhoria da qualidade das
aprendizagens. Analiso, ainda, a dinâmica da sua implementação e os jogos
de interesse no quadro da reforma curricular preparada e operacionalizada
de 2002 a 2012. A abordagem é sociopolítica e de análise da política
educativa subjacente à reforma, enquanto política pública. Ela apoia-se na
literatura sobre o tema, nos documentos oficiais concernentes à política
educativa, em entrevistas aos actores da reforma curricular a diversos níveis
e na minha experiência profissional na Educação em Cabo Verde. Da análise
decorre que o Estado procura, sobretudo, reforçar a sua legitimidade, não
sem dificuldade, existindo um desfasamento entre os discursos e as práticas,
o que coloca em questão a política de qualidade da Educação.
Palavras-chave: política educativa; reforma; abordagem por
competências; Cabo Verde.
37
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Résumé
Les défis du développement économique et social au Cap Vert amènent
avec d’avantage d’acuité la question de la qualité de l’éducation. Celle-ci se
pose en tant que dessein national et appellent à des changements dans
un contexte où le pays cherche une meilleure insertion dans le groupe des
pays à revenu moyen et dans le monde. Le Cap Vert est fortement influencé
par les agendas transnationaux pour l’Économie et pour l’Éducation. Dans
ce papier, j’analyse comment le modèle d’Approche par Compétences,
diffusé par les organisations éducatives internationales prend sens au Cap
Vert et comment il est intégré à l’agenda institutionnel et politique en tant
qu’option privilégiée pour améliorer la qualité des apprentissages. J’analyse
également la dynamique de sa mise en œuvre et de ses enjeux dans le cadre
de la réforme curriculaire mise en place de 2002 à 2012. Ma démarche
s’appuie sur une approche sociopolitique et d’analyse de la politique sousjacente à la réforme en tant que politique publique. Elle s’appuie aussi sur
des écrits en rapport avec ce thème, les documents officiels concernant la
politique éducative, des entretiens avec des acteurs de la réforme à plusieurs
échelles et sur mon expérience professionnelle de l’éducation au Cap Vert.
Il en résulte que l’État s’essaye à renforcer sa légitimité, non sans difficulté,
ceci dû à l’existence d’une discordance entre les discours et les pratiques, ce
qui met en question la politique de qualité de l’éducation.
Mots-clés : politique éducative; réforme ; approche par compétences;
Cap Vert.
1. Ponto de partida
A evolução da Educação e os desafios de desenvolvimento económico
e social em Cabo Verde trazem, com cada vez maior acuidade, a questão
da qualidade da Educação. Esta é um desígnio nacional que apela a
mudanças num contexto em que o país procura uma melhor inserção no
38
Currículo e reformas curriculares
grupo de países de rendimento médio e no mundo global e está fortemente
influenciado pelas agendas transnacionais para a Educação e para a
Economia. Neste artigo, analiso, através de uma abordagem sociopolítica,
como o modelo de Abordagem por Competências (APC), difundido pelas
organizações internacionais, é inserido na agenda institucional, na política
educativa e ganha sentido em Cabo Verde enquanto solução privilegiada
para a melhoria da qualidade das aprendizagens. Para tal, apoio-me em
literatura sobre o tema, nos documentos oficiais concernentes à política
educativa, em entrevistas aos atores da reforma curricular e na observação
em algumas escolas.
2. APC no contexto cabo-verdiano
A avaliação da reforma educativa da década de 90, realizada
entre 2000 e 2002, no âmbito do Projeto de Modernização da Educação
e Formação, colocou o acento “nas práticas pedagógicas monótonas,
repetitivas, centradas no professor” (Ministério da Educação de Cabo
Verde, 2002, p. 161), assim como na dificuldade deste em gerir turmas
compostas. No ensino secundário, a rigidez e o desfasamento do currículo
da realidade cabo-verdiana e das exigências de desenvolvimento social e
económico eram particularmente significativos. As soluções recomendadas
foram a revisão do curriculum, a formação dos professores e a promoção da
autonomia das escolas secundárias.
Estes são aspetos traduzidos no Plano Estratégico de Educação (PEE)
para 2003-13 e na sequência do qual várias iniciativas de inovação curricular
vão ser desenvolvidas até à decisão da revisão do currículo e introdução
da APC, em 2005. Cabo Verde era, pois, um laboratório de experiências
curriculares, introduzidas por diferentes organizações internacionais. Essa
tendência foi reconhecida pelos entrevistados que evocaram o curriculum
39
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
como sendo o campo aonde houve mais iniciativas de mudança na última
década. Este fenómeno remete para uma dinâmica de “empréstimo de
políticas” entre os países em que alguns deles têm papel de “laboratório de
política” (van Zaten, 2011). Cabo Verde é um deles.
De entre as inovações curriculares figura a APC. Como foi inserida na
agenda institucional e política, enquanto solução privilegiada para a melhoria
da qualidade das aprendizagens? Qual foi a dinâmica da sua implementação
no quadro da reforma curricular preparada e operacionalizada de 2006 a
2012?
Da análise de documentos de projetos, cruzada com entrevistas,
constata-se que a APC apareceu no discurso educativo cabo-verdiano
pelo projeto de Educação em matéria de população e para a vida familiar
(1991-2005), sob a forma de lifeskills. No entanto, o défice de recursos e
as dificuldades em traduzir a inovação no contexto cabo-verdiano levaram
à sua marginalização e abandono. Nesta última década, outros projetos
retomaram os princípios da APC sem a nomearem o que me leva a
considerar as instituições educativas cabo-verdianas não só como lugares
de experimentação de inovações curriculares mas de jogos de interesse pela
difusão de uma certa visão do mundo, de normas e modelos de soluções
aos problemas, pelas organizações internacionais.
A APC está presente não só no PEE, com o sentido de “aprender
a aprender” como também político, associada à área económica como
“competências pré-profissionais” (Programa do Governo 2011-16).
A noção de competências é polissémica e relativamente controversa.
No entanto, conserva ainda as marcas da sua origem no mundo do trabalho
e nas empresas e que se revelam através de duas dimensões importantes: a
funcional (tornar capaz de realizar um certo número de tarefas) e a utilitária
40
Currículo e reformas curriculares
(Tilman, 2008). Estas dimensões aparecem no contexto africano como
sendo ideias naturais, visto a escola ser criticada por transmitir somente
saberes académicos e distante do ambiente/contexto do aluno (Delorme,
2008).
A APC veiculada pelas agendas institucionais e políticas
transnacionais distancia-se do sentido de origem e apresenta um carater
abstrato que se reflete numa série de características, de entre as quais
destaco: ter um caracter geral, persistir no tempo, estar associado a imagens
valorizadas socialmente (por exemplo, prosperidade, empregabilidade).
Na realidade, para os países africanos e Cabo Verde em particular,
a adoção da APC, significa exprimir-se numa “linguagem de poder” para
ter um reconhecimento internacional. Assim, a noção de competências
em Cabo Verde significa permitir a adaptação do sujeito ao mundo (social
e económico). O programa do Governo (2011) refere-se a “adequação de
conteúdo do ensino aos novos tempos, destacando as disciplinas-chave e
a informática, dotando os alunos de competências essenciais ao mercado
de trabalho” (p. 40). Além disso, as informações recolhidas das entrevistas
permitem enriquecer o significado das competências, juntando-lhe um
carácter funcional: “saber-agir, mobilizando recursos, numa situaçãoproblema” (GND01).
No entanto, a adoção desse discurso de APC não está isento
de controversas sobretudo em termos ideológicos. Primeiramente, a
transferência do modelo “managerial” e de produtividade associado à APC
e que é redutor, quando o contexto educativo é bastante complexo e sofre
a influência de todo um projeto de sociedade.
De acordo com Perrenoud (1999), trata-se de um debate com foco nas
contradições da escola: ensinar conhecimentos ou desenvolver competências
e que se traduz na tentativa de uns (organizações internacionais) e de outros
(governos centrais) de apresentar a ou as perspetivas que se tornariam
dominantes. O que está em questão é poder dar sentido à APC e influenciar
41
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
o sistema educativo. Com efeito, as implicações dessa abordagem sobre
todo o funcionamento pedagógico e didático são também controversas,
por ela demandar não somente mudanças metodológicas em sala de aula
mas também uma nova organização escolar, um sistema de avaliação das
aprendizagens e de pilotagem, instrumentos pedagógicos disponíveis e
inteligíveis, bem como condições materiais. São questões que se colocam
com bastante acuidade no contexto africano (C.f Cros e al. 2009, Roegiers,
2008, Sylla 2004) e em Cabo Verde. Para analisar as implicações importa
perceber porquê e como Cabo Verde adotou a APC.
3. Do agendamento à produção da política
A análise realizada a partir de documentos oficiais, nomeadamente
o “Documento de Orientação da Revisão Curricular” (2006) e das entrevistas
realizadas, deixa entender que a APC entrou na agenda institucional
cabo-verdiana através de uma janela de oportunidade definida como um
processo em que se conjugam três fluxos: fluxo de problemas, fluxo de
soluções e fluxo político (Kingdon citado por Hassenteufel, 2011, p. 59. De
forma específica: « un problème est reconnu, une solution est développée
et disponible au sein de la communauté des politiques publiques, un
changement politique en fait le moment adéquat pour un changement de
politique et les contraintes potentielles ne sont pas fortes » (op. cit, p. 60).
No caso cabo-verdiano, o fluxo de problemas esteve associado ao
défice de qualidade do sistema educativo propalado em diferentes discursos
políticos, técnicos, institucionais e da sociedade. O fluxo de soluções
provém das organizações internacionais que transmitiam e difundiam
soluções construídas e testadas fora do país colocando o aluno no centro
e a resolução de problemas. O fluxo político não foi marcado por um
debate público, mediatizado, mas sim pela « abertura da agenda a atores
42
Currículo e reformas curriculares
que na conjuntura habitual são colocados à parte”1. (Hassenteufel, 2011,
p. 61). Esses atores foram quadros técnicos do Ministério da Educação e
especialistas da educação da Organização Internacional da Francofonia,
que se posicionou como novo ator institucional no mercado concorrente
de cooperação para o desenvolvimento da Educação. Este fenómeno foi
coroado pelo anúncio, pelo Ministro da Educação, em 2005, da adoção da
APC, no quadro de um jogo político (procura de legitimidade política).
O processo de decisão da fase de produção da política educativa
que desemboca na revisão curricular não foi linear e nem ordenado. Com
efeito, na sequência da abertura da janela de oportunidade, os dirigentes
da Administração da Educação estabeleceram a política a seguir, em temos
de programa de ação, com objetivos concretos, instrumentos (DORC,
cronograma) para a revisão do curriculum do ensino básico e secundário e
que inclui a APC. No entanto, essa fase foi eivada de questionamentos e de
hesitações de dirigentes e técnicos dos serviços centrais do Ministério da
Educação, bem como de não decisões resultantes da busca de legitimidade
para a introdução da inovação, que acabam por ter reflexos nas escolas
que experimentaram a APC, a partir de 2009. Além disso, constatou-se um
desfasamento temporal entre as ações e os processos, entre o planificado
e o executado, que revelam resistências no processo de tradução da
introdução do modelo APC em Cabo Verde. Importa, pois, interrogar como
a APC foi implementada.
4. Da implementação
Para compreender as atitudes e práticas recorro ao modelo
utilizado por Depover & Strebelle (2010) que apresentam o processo de
inovação curricular em três fases sequenciais, embora sabendo que elas
são raramente lineares. De acordo com os mesmos, o processo de inovação
1 Tradução livre
43
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
integra uma primeira fase de apropriação do novo curriculum, segunda
fase de estabilização das práticas e terceira fase de integração nas práticas
rotineiras. Para perceber essas fases é necessário relacionar os objetivos e
as práticas.
Os objetivos de reforma inseridos no Programa do Governo visam
“melhorar a qualidade do ensino e a eficácia do sistema educativo através
relevância das aprendizagens, da pertinência social e económica da
educação e da eficácia e eficiência do sistema educativo; (…) diversificação
das ofertas do ensino (…)” (Programa de Governo 2006-11 e 2011-16). A
finalidade é a construção de um novo perfil do cabo-verdiano através do
desenvolvimento de competências escolares e sociais no ensino básico e
secundário.
A análise dos relatórios de formação de docentes, das orientações
curriculares e das entrevistas realizadas revela que Cabo Verde, iniciou, em
2012, a generalização de programas e manuais no 1º ano, do ensino básico,
quando ainda está a experimentar os materiais do 2º ao 4º ano e os do
5º e 6º anos estão a ser finalizados. Também está a experimentar novos
programas do 7º ao 10º ano. Todavia, o sistema de avaliação revisto em
função da nova abordagem não estava sendo experimentado.
Considerando os objetivos e os dados empíricos, concluo que a
reforma curricular que procura introduzir a APC está em fase de apropriação.
Com efeito, constatei a convivência de dois currículos (revisto e não revisto)
nas escolas, pois os programas e materiais eram novos ou revistos e o sistema
de avaliação das aprendizagens não. Como os professores entrevistados
referiram, alguns estavam a testar os programas, sem os dominar por
completo e sentiam necessidade de um apoio e acompanhamento externo,
o que, aliás, foi tido como um dos pontos fracos do processo. Uma outra
característica desta fase é que os professores tinham tendência a se fixar nas
orientações, as mais detalhadas possíveis, revelando autonomia reduzida.
Para além disso, a disponibilidade de material de suporte à inovação era
44
Currículo e reformas curriculares
limitada, sendo esta o primeiro ponto fraco apontado.
As atitudes de entusiasmo foram reveladas sobretudo por
professores iniciantes na inovação curricular não tanto em relação à
APC mas sim em relação ao novo método de alfabetização em língua
portuguesa no 1º ano do ensino básico associado à APC. No entanto, notei
nos mais antigos na experiência da APC alguma resistência que derivava
da escassez de materiais de apoio, irregularidade do fluxo de informações
e de acompanhamento, bem como de incertezas técnicas e pedagógicas
em relação à nova abordagem e aos instrumentos associados. Com efeito,
não raras vezes os professores afirmaram não saber elaborar situações
de integração e, sobretudo, como avaliar as produções dos alunos nessas
situações. Além disso, a informação técnica e analítica imanada da
investigação ou das estruturas internas do Ministério da Educação era
praticamente inexistente o que reforçou a incerteza e as dificuldades em
perceber o “espírito” da reforma.
Acrescento que os demais atores (pais, sindicatos, comunicação
social…) constituíam um público geral, com alguma informação mas não
interessado e distante.
5. Considerações finais
Em síntese, apesar dos discursos políticos, dos atores diversos no
terreno, em prol da qualidade, assim como a adoção dos princípios e modelos
internacionais de busca da qualidade, como a APC, na prática, a reforma
não foi formulada com clareza e suficientemente defendida para suscitar a
adesão da sociedade cabo-verdiana. O envolvimento desta, para além de
encontros de informação é, pois, necessária, para criar sinergia necessária
ao sucesso da reforma, isto é, para provocar a mudança desejada, fazendo
jus ao leitmotiv do Ministério da Educação desde há dois anos: “juntos por
45
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
uma Educação e Desporto de qualidade”.
As mudanças em busca da qualidade devem ser entendidas na
sua complexidade, dialética e de forma mais ampla, analisando não só o
processo nacional mas também a relação entre este e o transnacional, bem
como a dinâmica dessa relação (Arnove, 1999).
Enfim, percebi a adoção da APC como uma estratégia de reforço da
legitimidade do Estado no campo educativo e de credibilização do sistema
educativo face aos desafios da globalização.
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47
ORIENTAÇÕES CURRICULARES: A MÃO QUE EMBALA A
EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
Guida Mendes; José Augusto Pacheco
Universidade da Madeira; Universidade do Minho
[email protected]; [email protected]
Currículo e reformas curriculares
Resumo
A Educação de Infância, em Portugal, não possui um currículo oficial
que refira os métodos, as técnicas ou, até mesmo, os conteúdos a serem
abordados. É a partir de documentos normativos oficiais de intencionalidade
educativa que os educadores de infância se regem para a construção da sua
identidade profissional, dos currículos e das opções metodológicas a adotar.
Embora não determinem a natureza das aprendizagens que as crianças
devem adquirir, nesta que é considerada a primeira etapa da educação
básica, a verdade é que os eixos orientadores da organização e gestão
das linhas curriculares dos educadores tendem a seguir o disposto nestes
“manuais”. A procura de legitimação normativa no campo do currículo
veio dar um rosto às suas práticas, validando as opções metodológicas de
aprendizagem, i.e., a intervenção pedagógica do educador. Assim, a mão
que embala a infância, i.e., a práxis que move o quotidiano das crianças, tem
uma intencionalidade de escolarização que marca o ritmo da sua vida. Com
efeito, as crianças estão atulhadas com propostas curriculares fragmentárias
da infância. Perante tal cenário é premente desescolarizá-la, pois brincar
é a palavra central do currículo da educação de infância. O nosso estudo
tem como finalidade entender o mundo da educação de infância através da
voz das crianças. Para tal, pretendemos realizar um estudo de abordagem
etnográfica cuja pergunta de partida é: O que dizem as crianças acerca do
seu quotidiano na educação de infância?
Palavras-chave: orientações curriculares; aprendizagem; educação
de infância; investigação etnográfica com crianças.
49
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Abstract
In Portugal, Child Education does not have an official curriculum
referring which methods, techniques and contents should be approached.
The educators guide themselves through official documents on education,
for the construction of their own professional identity, as well as of the
curriculum and of the methodological choices to adopt. Although does not
determine the nature of learning that children should attain at this stage
considered the basic education’s first step, the truth is that the organization
and management of the curriculum guidelines chosen by the educators
tend to follow the provisions of this “manual”. This looking for normative
legitimacy in the curriculum field contributed to give a countenance to the
educator’s practices, validating the methodological options of learning,
i.e. the educator’s pedagogical intervention. As such, the hand that hug
the childhood, i.e. the praxis that conducts the children’s daily lives,
intends to teach, thus delimiting the rhythm in childhood’s life. Children
are increasingly overloaded by curriculum proposals. Given such a scenario
it is crucial do not instruct children, because to play is the key word in
the childhood education’s curriculum. Our study aims to understand the
childhood education’s world through children. We will follow a qualitative
methodology research by an ethnographic approach. Thus, it’s important
to reflect: What’s children’s opinion about their everyday lives in childhood
education?
Keywords: curriculum guidelines; learning; childhood education;
ethnographic research with children.
50
Currículo e reformas curriculares
INTRODUÇÃO
É a partir de documentos oficiais de referência – Orientações
Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE)1 e Metas de Aprendizagem
para a Educação Pré-Escolar (MAEPE)2 - que os educadores de infância em
Portugal se orientam para a construção da sua identidade profissional, dos
currículos e das opções metodológicas a adotar (Vasconcelos, 2008; 2012).
Embora não determinem obrigatoriamente as aprendizagens que as
crianças devem adquirir, a verdade é que a organização e gestão curricular
na EI tende a seguir o disposto nestes “manuais”. Esta legitimação curricular
dá visibilidade às práticas do educador, validando (mais do que as opções
curriculares de conteúdo) as opções metodológicas de aprendizagem, i.e.
a ação pedagógica3. Assim, a mão que embala a infância, i.e. a práxis que
move o quotidiano das crianças, tem uma intencionalidade educativa que
marca o ritmo da vida na infância.
O compromisso ético na EI deve refletir-se na humildade discursiva e
também na ação onde o respeito pelo outro, a honestidade pela identidade
das crianças deverá residir. Porém, a realidade empurra a prática dos educadores para a disciplinarização da EI com atividades que ocupam grande parte do tempo passado nas instituições de educação. Com efeito, as crianças
estão cada vez mais atulhadas com propostas curriculares fragmentárias da
infância. Perante isto é premente desescolarizá-la, pois brincar é a palavra
central da EI.
Neste trabalho, propomo-nos entender a EI através das crianças
1 Ver “Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar”, disponível em http://educacao.te.pt/
images/downloads/documentos/orientacoes_curriculares_pre_escolar.pdf
2 Ver “Metas de Aprendizagem para a Educação Pré-escolar”, disponível em http://metasdeaprendizagem.
dge.mec.pt/educacao-pre-escolar/apresentacao/
Ver também “Gestão do Currículo na Educação Pré-Escolar - Contributos para a sua Operacionalização”.
Disponível em http://www.dge.mec.pt/educacaoinfancia/index.php?s=directorio&pid=1
3 A ação pedagógica é aqui entendida, na aceção de Dahlberg, Moss e Pence (2003), como um modo de
se relacionar através de valores com o outro e com o mundo, sendo o conhecimento o resultado de um
processo de construção conjunta.
51
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
(Graue & Walsh, 2003; Oliveira-Formosinho, 2008), partindo da seguinte
questão que nos inspira: O que dizem as crianças acerca do seu quotidiano
na EI?
Utilizaremos a abordagem de investigação interpretativa, suportada
por uma orientação etnográfica, pelo que serão utilizadas várias fontes de
recolha de dados junto das crianças (Fino, 2011; Graue & Walsh, 2003). Sublinhe-se que, tratando-se de um projeto em construção, não se apresentam dados empíricos, mas sim dimensões de análise exploratória que são
pertinentes para a discussão curricular da educação básica.
O AZIMUTE TRANSNACIONAL DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
A abordagem das linhas curriculares na EI é complexa e reveste-se
de desafios e incertezas, razão pela qual assistimos a regulares orientações
nas políticas de educação, alinhadas com processos de regulação
transnacionais, de partilha de conhecimento (Steiner-Khamaso, 2012) e
mudanças de governos.
As OCEPE e as MAEPE são textos (Gímeno, 1998) representativos de
uma visão do que é (ou deve ser) a educação. Como códigos de significado
em ressemantização constante, representam seleção, estruturação e
modificação do conhecimento a diversos níveis: político, administrativo,
de gestão e de práticas. Concordemos ou não “o currículo é algo que
transportamos sobre o nosso dorso, desde que iniciámos a escolarização
e nos tornámos cidadãos de uma cultura tão intersectada pela instrução”
(Pacheco, 2005, p.7).
A globalização veio reforçar a centralidade do currículo como
motor de conhecimento, pois a educação é o património das comunidades
que serve. Assim, a EI é vista, a nível mundial, como uma alavanca para o
sucesso escolar no ensino básico. Dito de outro modo: a educação básica
52
Currículo e reformas curriculares
tem sido o alvo prioritário das políticas de educação, cuja visibilidade reside
nas sucessivas indicações de áreas curriculares a privilegiar e de metas a
atingir, quer a nível nacional, quer internacional.
A “curricularização” (Pacheco, 2009) das reformas educativas resulta
em alterações que não interferem com mudanças estratégicas e inovadoras
e tende a ganhar peso com as diretivas e regulamentos europeus de caráter
vinculativo ou prescritivo para os Estados-Membro, eivadas por forças com
epicentro nos países mais influentes, cultural e economicamente (Azevedo,
2009).
Lyotard (2006) critica a narrativa funcional centrada nos resultados
e admite mudanças pouco expressivas nas aprendizagens. Se por um lado,
as atividades de enriquecimento curricular (AEC) promovem o contato
das crianças com diversas áreas de conteúdo, por outro acionam políticas
curriculares homogéneas no que toca à sua organização, aos conteúdos e à
expetativa de resultados.
Na União Europeia (UE), nos anos 80 do séc. XX, assistiu-se a um
entendimento comum sobre a educação entre os Estados-Membro com a
assinatura de Tratados4, marcos importantes na convergência de políticas
que visavam a qualidade daquela, ressalvando-se a autonomia relativa
no que concerne aos conteúdos, à organização do sistema educativo e à
diversidade cultural e linguística.
Assiste-se à consciência da importância da EI para o sucesso escolar
e à mudança de práticas, construindo-se pontes entre os diferentes espaços
de aprendizagem na assunção de uma função catalisadora da EI no sistema
educativo, tanto no que tange à expansão, como à sua frequência5 de modo
a aumentar o número de crianças neste nível para valores aproximados da
OCDE (Vasconcelos, 2008).
4 Os Tratados de Maastricht (1992), de Amesterdão (1997), a declaração de Bolonha (1999) Tratado de
Lisboa (2007), são exemplo disso.
5 Preconiza-se a frequência de todas as crianças de pelo menos um ano letivo antes do ingresso na
escolaridade obrigatória.
53
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
O primado desta medida consistiu na criação de equidade nas
condições de aprendizagem, desenvolvimento e bem estar. Trata-se de
concretizar um projeto de cidadania ativa numa sociedade eticamente
comprometida (Dahlberg, Moss & Pence, 2003).
Neste cenário de expansão ofereceu-se um leque de AEC clonadas do
programa pedagógico dos educadores6. A Secretaria Regional de Educação
e dos Recursos Humanos (SRERH) da Região Autónoma da Madeira (RAM)
congratula-se com o desafio lançado pelas AEC. No seu entender, permitiu
um aumento diversificado de aprendizagens, elevando a qualidade na EI,
porquanto estão envolvidos técnicos especializados. Interpelamo-nos
criticamente: até que ponto esta fragmentação disciplinar que norteia
o “espaço das crianças” (Dahlberg, Moss & Pence, 2003) e o aumento da
frequência na EI nestes moldes é positiva para elas?
Em Portugal temos vindo a evoluir ao nível da oferta de instituições
de EI que acolhem as crianças e promovem o seu desenvolvimento, antes
do ingresso na escolaridade obrigatória (Vasconcelos, 2008; 2012; Vilarinho,
2000).
Vilarinho (2000) identificou, no discurso oficial produzido até os
anos 90, três fases na legislação fulcrais para o desenvolvimento da EI:
Criação, Normalização e Expansão (1977/1986); Retração (1986/1995);
e Revitalização (1995/1997). A estas junta-se a Expansão (1996/2002),
sinalizada por Vasconcelos (2008) e a Universalização como7 objeto das
políticas de educação para este setor, não sendo no entanto obrigatória a
sua frequência (Ministério da Educação e Ciência, 2013).
Com a adesão de Portugal à EU, relatórios da situação e tendências,
bem como a avaliação dos indicadores de qualidade, surgiram no nosso país.
6 Na área da Expressão e Comunicação as crianças têm um professor especialista que desenvolve
atividades em horários pré-determinados a par das realizadas pelo educador responsável por esse grupo.
7 A Universalização da EI para as crianças dos 3 aos 5 anos, tem marcado, a partir de 2009, as narrativas
governamentais sobre esta matéria. Este objetivo é entendido como o limiar mínimo exigido numa
sociedade do conhecimento.
54
Currículo e reformas curriculares
Deste modo, a Expansão e Desenvolvimento da EI esteve ligada ao Relatório
da OCDE8 (Ministério da Educação, 2000). Neste, a questão da qualidade é
premente, assim como a inspeção, a investigação e a criação de creches.
Na RAM9, a organização, estruturas e equipamentos revestem-se de
significativas diferenças em relação ao restante território português. A rede
regional de EI, abrange creches, infantários, jardins de infância e pré-escolas
com tutela pedagógica e administrativa única da competência da SRERH.
Com exceção das pré-escolas que são gratuitas o financiamento é feito com
base numa comparticipação mensal definida por despacho da SRERH, tendo
por base o rendimento dos pais.
OS ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
A autonomia das instituições mantém-se balizada pelas questões
ligadas à organização da aprendizagem, pelo que a autonomia curricular
permanece dependente da administração central, pois os normativos
oficiais orientam os planos curriculares, os horários, as regras de avaliação
e as opções metodológicas. Implícita ou explicitamente, perfilha-se
um currículo central, consubstanciado num conjunto de competências
essenciais a desenvolver pelas crianças. Mas, um currículo emergente,
aberto às mudanças, deve ser planeado localmente, exigindo a redefinição da
policentralidade pedagógica (Vasconcelos, 2012) mediante a coconstrução
contextualizada.
O “vetor principal da descentralização educativa é o da
territorialização da decisão” (Pacheco, 2000, p. 143), o que pressupõe que o
educador assuma autonomia profissional e dependa menos de orientações
8 Ver: Exame Temático da Educação Pré-Escolar e dos Cuidados para a Infância em Portugal Disponível
em
http://www.dgidc.min-edu.pt/educacaoinfancia/data/educacaoinfancia/Documentos/early_
childhood_education_and_care_policy_in_portugal_report_pt01.pdf
9 Na RAM a EI rege-se pelo Decreto Legislativo Regional n.º 25/94/M, o que lhe confere algumas
especificidades.
55
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
exteriores e mais dos contextos onde trabalha.
Infere-se daqui que as linhas curriculares que embalam a práxis na
EI deverão ser cocontruídas com os atores envolvidos, incluindo as crianças,
num fórum pedagógico distanciado do modelo dominante (Dahlberg, Moss
& Pence, 2003). Para estes autores a EI tem-se voltado para a promoção do
desenvolvimento da criança e para o sucesso escolar, atentando menos à
infância e mais à prevenção de problemas sociais futuros. Em detrimento da
dimensão ética, a EI apresenta uma preocupação técnico-gerencial centrada
na previsibilidade e padronização dos resultados desejáveis.
Hargreaves afirma “ninguém é uma ilha” (1998, p.71), logo, seguir
esta convicção em parcerias será uma das condições essenciais para o
desenvolvimento da EI.
A voz das crianças
“Enquanto não nos empenharmos a sério no estudo das crianças em
contexto, o nosso conhecimento das crianças continuará a ser gravemente
limitado” (Graue & Walsh, 2003, p. 21). Efetivamente a assunção da criança
como objeto de estudo tem resultado na convicção de que ela deve ter voz
na construção do conhecimento acerca da infância (Oliveira-Formosinho,
2008).
A abordagem etnográfica com crianças apela a um ambiente
cuidadoso de intervenção num processo que reforce o conhecimento in loco
da problemática em estudo. Investigadores e investigados são parceiros na
procura de um entendimento da infância (Graue & Walsh, 2003).
Nos contextos terão primazia as instituições de EI públicas, pois
são espaços de observação das crianças por excelência. Nas saídas de
campo, encorajaremos ações de comunicação das crianças, o que requer
um conhecimento delas muito particular, logo, as caraterísticas pessoais do
56
Currículo e reformas curriculares
investigador que se ajustem à prolongada convivência adulto/criança serão
exigidas nesta investigação (Graue & Walsh, 2003; Máximo-Esteves, 2008;
Oliveira-Formosinho, 2008).
A nossa abordagem metodológica apela ao recurso de entrevistas
conversa, observação participante, registos de imagem e artefactos, como
instrumentos privilegiados para dar voz às crianças (Graue & Walsh, 2003;
Máximo-Esteves, 2008; Oliveira-Formosinho, 2008).
O procedimento nas entrevistas reveste-se de cuidados acrescidos:
deverão ocorrer na presença de pares; utilizar objetos de apoio (brinquedos,
imagens) e perguntas hipotéticas (imagina que); colocar questões na
terceira pessoa; utilizar imagens vídeo como mote para as conversas; utilizar
conversas como entrevista; escolher momentos oportunos (Graue & Walsh,
2003, Oliveira-Formosinho, 2008).
O registo dos dados áudio e de imagem serão em suporte digital
para facilitar a transcrição e posterior trabalho de análise (Mendes & Sousa,
2011). Serão ainda organizados sistemática e atempadamente para não
se perder a sua essência, pois “sem um registo robusto com pormenores
concretos, não se está a descobrir nada, está-se a inventar” (Graue & Walsh,
2003, p. 160).
A experiência educacional (Pinar, 2007) das crianças na EI, pelas suas
vozes, será a nossa dimensão de análise de referência que versará sobre os
seguintes tópicos: Aprendizagem (Coisas que aprendi? Coisas que gostaria
de aprender? Coisas em que sou boa/bom); Planeamento (Quem decide o
que faço? Onde e quando e com quem realizo as atividades?); Relações e
interações (Com quem gosto/não gosto de brincar?)10.
Estas são questões de partida, não se esgotando aqui outras que
possam surgir no decorrer do estudo situado num paradigma de incerteza
de que Edgar Morin fala e Sousa (1997) refere como uma caraterística da
10 Questões baseadas no Sistema de Avaliação de Crianças (SAC) de Gabriela Portugal e Ferre Laevers
(2010).
57
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
investigação interpretativa: “à ordem absoluta, eterna e incondicional
contrapõem-se um novo conceito de ordem que contempla a desordem”
(Sousa, 1997, p. 6) da complexidade dos espaços das crianças.
CONCLUSÃO
O conhecimento e o currículo são faces de uma educação vista
como um construto politico, económico, cultural mas também pedagógico,
pessoal e social (Young, 2010).
A globalização veio adensar a dimensão europeia das orientações
para a EI através da implementação de medidas convergentes e da definição
de metas comuns aos sistemas educativos dos Estados-Membro de modo a
tornar possível a comparabilidade de dados. Com a adesão de Portugal à UE
emergiram objetivos como a expansão e a qualidade da EI, razão pela qual
temos vindo a assistir ao qualitativo deste nível como preditor de sucesso
escolar e de uma cidadania eticamente comprometida. O apelo à frequência
da EI e a atenção de que é alvo através de medidas que visam introduzir
valor acrescentado ao alargamento de horários e enriquecimento curricular
é facto, sendo objetivo de referência a universalização da EI.
Embora estejamos numa crise, de natureza financeira e política, as
pessoas são recursos valiosos, por isso a educação deve assumir-se como o
caminho decisivo para o desenvolvimento social. Assim, é imenso o caminho
que há a percorrer sobretudo na EI pois trata-se de um setor especialmente
vulnerável, merecedor do nosso dever. Importa pois saber: Como
experienciam as crianças a educação que lhes oferecemos? Procuraremos
responder a esta questão de partida, através de uma investigação qualitativa,
numa abordagem etnográfica com crianças. Esperamos com este trabalho
fornecer elementos para futuros estudos e trazer mais conhecimento sobre
a EI através da voz das crianças.
58
Currículo e reformas curriculares
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Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso; José Augusto Brito de Pacheco
Universidade Católica Portuguesa; Universidade do Minho
[email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
De um território emergente de práticas educativas e pedagógicas,
o currículo afirmou-se como espaço de trabalho, de realização e de debate
educacional, pondo em evidência diferentes modos de assegurar o direito à
educação escolar, de crianças e jovens nos seus contextos físicos e culturais.
Sendo uma realidade dinâmica, a ecologia do território curricular reage
integrando desafios e inovações proporcionadas na sociedade global, seja
para a promoção socioeducativa local, seja para a integração transnacional
dos cidadãos. Este processo, que entendemos complexo e comprometido
ideologicamente, integra uma multiplicidade de referências e contextos
decisionais, alimentando-se de práticas de ensino e de formação que
contribuem tanto para a sua realização como para motivar novas
performances em consequência do desenvolvimento social, científico e
tecnológico, entre outros. Nesta comunicação pretendemos partilhar uma
visão holística do currículo, pondo em evidências marcos teóricos e práticos
para fomentar uma discussão em torno das atuais decisões educativas e
do seu eventual impacto na (re)construção do currículo do ensino regular
, no âmbito da reforma educativa em curso. Para o efeito, consideramos a
observação e análise de práticas ditadas pela revisão curricular, em curso,
em harmonia com os textos legais.
Palavras-chave: políticas educativas e curriculares; reforma e
inovação curriculares; revisão curricular; práticas educativas.
Abstract
From a territory emerging from
practices, the curriculum became a place
educational debate, highlighting different
school education for children and youths
62
educational and pedagogical
of work, of achievement and
ways to ensure the right to
in their physical and cultural
Currículo e reformas curriculares
contexts. As a dynamic reality, the ecology of the curricular territory reacts
by integrating challenges and innovations given by the global society,
both for the local social-educational promotion and for the transnational
integration of citizens. This process, which one considers to be complex
and ideologically compromised, integrates a multitude of references and
decision-making contexts, feeding of teaching and training practices that
greatly contribute to its realization and to motivate new performances as a
result of social, scientific and technological developments, among others. In
this communication, one wants to share a holistic vision of the curriculum,
emphasizing theoretical and practical milestones to foster a discussion
regarding the current educational decision and their possible impact on the
(re)construction of the curriculum of the Cape Verdean regular education,
within the on-going educational reform. For such, one considered the
observation and analysis of practices dictated by the on-going curricular
revision, together with legal texts.
Keywords: educational and curricular policies; reform and curricular
innovation; curricular revision; educational practices.
Enquadramento
Em Cabo Verde, as políticas curriculares instituídas refletem a
atenção e o acompanhamento pelas/das tendências desafios e expetativas
mundializadas, num percurso de construção e melhoria permanente,
permeável a estas mudanças, desde a construção do sistema educativo
nacional. É nesse sentido que o Decreto legislativo das Bases do Sistema
Educativo (DLBSE), de 07 de maio de 2010, reafirma as decisões curriculares
introduzidas pela anterior Lei de Bases do Sistema Educativo, de 29 de
dezembro de 1990, no que se refere às orientações das políticas educativas
e curriculares, pretendendo operacionalizar um sistema capaz de atender
diversos públicos escolares, em processos pedagógicos reconfigurados face
63
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
às condições e necessidades contextuais, como sejam sociais, culturais,
pedagógicas e ritmos de aprendizagem dos alunos.
Coloca-se a ênfase num modelo de desenvolvimento curricular
dinâmico, com a intenção de promover os diferentes tipos e níveis de
competências discentes, a que se associam competências profissionais
docentes e competências institucionais, através de processos de
empoderamento dos agentes educativos, processos estes, promotores da
mudança e da inovação, nos meso e micro contextos de decisão curricular.
Este é um processo complexo e formatado numa linha ideológica
reveladora dos modelos de Educação e de Sociedade pretendidos. Integra
uma multiplicidade de referências e contextos decisionais, alimentandose de práticas de ensino e de formação que contribuem, tanto para a sua
realização, como para motivar novas performances em consequência do
desenvolvimento social, científico e tecnológico, entre outros. No que
se refere ao modelo pedagógico, reforça-se nas políticas educativas e
curriculares anteriores, ao implementar uma perspetiva de desenvolvimento
curricular baseado no modelo por competências, de âmbito da perspetiva
crítica do currículoem negação ao modelo por objetivos que reflete a
perspetiva técnica (Pacheco, 2001; Kemmis, 1988) prevalecente no sistema
de ensino caboverdeano, e não só.
A Reforma Curricular (DLBSE, 2010)
A palavra currículo invoca uma diversidade de definições associadas
aos contextos,às situações e aos âmbitos da sua intervenção (Cardoso,
2007). O campo de estudos curriculares tem-se desenvolvido com base
numa intensa atividade científica cuja produção tem vindo a desocultar
os sentidos e significados, atribuídos aos diversos entendimentos sobre o
termo, numa associação forte com contextos históricos e sociais (Kemmis,
1988; Goodson, 1991), em que emergiram os referenciais teóricos do
64
Currículo e reformas curriculares
campo curricular envolvendo uma polissemia (Pacheco 2001) que torna a
sua definição complexa, contudo explicativa (Cardoso, 2007).
Para esta comunicação, interessa discutir o sentido e o significado
do currículo nacional que, nos termos do DLBSE, de 2010, remetem para
a análise da perspetiva formal do termo e no seu entendimento como um
conjunto de conhecimentos e experiências de aprendizagem (Pacheco,
2001) que se pretendem desenvolvidas pelo aluno e proporcionadas pela
Escola, em ambientes formais, não formais e informais (ibidem), tendo
em conta a perspetiva e as orientações do normativo matriz do sistema
educativo.
Este normativo institui uma reforma do sistema educativo, através de
uma mudança estrutural profunda, ao oficializar o Ensino Básico de 10 anos
de escolaridade, impondo um processo de ajuste da educação escolar, com
o sentido de provocar mudanças e inovações.
Do ponto de vista jurídico, a reforma educativa implica alterações das
políticas educativas, com um padrão ideológico, social e cultural (Kemmis,
1988), sendo necessário adaptar a estrutura do sistema, para integrar as
alterações que se propõem acontecer e que se alinham num processo de
regulação social (Cardoso, 2003). Quanto à inovação, carateriza-se por
“mudanças que contribuam para a transformação e melhoria dos processos
e práticas de ensino-aprendizagem e consequentemente, para a confirmação
do sucesso educativo dos alunos”Pacheco (2001, p.151). Em conjunto e no
sentido integrado destes termos, trata-se de mudanças que englobam os
processos educativo e pedagógico e culminam na reestruturação global do
Currículo (Ribeiro, 1992).
Pacheco (1996) procura sintetizar os dois conceitos para afirmar o lado
jurídico/normativo da reforma, na dimensão concetual e o lado operativo
centrado na escola e nos professores, ou seja, nas práticas escolares e
pedagógicas. Deste modo, no sentido global, a reforma atinge inovações
se provocar mudanças na escola (Canário, 1994), se for capaz de mudar
65
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
as práticas escolares e as dos professores, no seu projeto pedagógico. Essa
conclusão permite-nos olhar para o DLBSE/2010 e entender a vontade
política atual de provocar uma reforma educativa e curricular, envolvendo
alterações estruturais e a proposição de um paradigma curricular assente na
abordagem do currículo por competências defendida por Perrenoud (1999).
Sobre a conceção de desenvolvimento curricular representada neste
paradigma, no pensamento deste autor, enfatiza-se a proposta de redução
de conteúdos curriculares e a centração do ensino em conteúdos capazes
de proporcionar conhecimento mobilizável face aos contextos dos alunos,
sendo relevante o saber fazer, não diminuindo, com isso, a importância
do conhecimento. O que propõe Perrenoud (1999) é que o conhecimento
seja selecionado com base nos alunos e nas experiências de aprendizagem
significativas (Ausubel, 1968), que se deseja facilitar-lhes.
No sistema educativo caboverdeano, a pedagogia por competências
é designada por pedagogia da integração (Roegiers, 2004),por influência
da perspetiva francófona, que lhe é dominante. Carece neste sistema uma
clara diferenciação destes dois conceitos. Entende-se que a pedagogia de
integração, assim como é defendida por este autor, refere-se ao método
pedagógico e à abordagem por competência, que deve ser interpretado
como sendo o seu referencial teórico.
O novo ordenamento concetual da educação integra as tecnologias
educativas, prevendo-se uma utilização exponencial no ensino, na formação
e na gestão educativa. A isso junta-se a determinação pelo alinhamento da
formação de professores, num processo que também altera a orgânica e a
identidade das próprias instituições formadoras.
Se no idealizado existe clareza nos objetivos de mudança e de
inovação, o mesmo não se pode dizer em relação aos percursos práticos
da construção do novo conceito nos projetos socioeducativo e pedagógico.
Aqui residem as maiores das dificuldades do sistema educativo, atualmente.
Assim, o processo de desenvolvimento curricular (enquanto elemento
66
Currículo e reformas curriculares
nevrálgico nesta construção e referencial diretor da gestão curricular e
da ação pedagógica), só pode ser implementado, de forma criteriosa, se
se perceber bem como se prevêem e como se relacionam os diferentes
contextos de decisão curricular, que papéis para os agentes educativos e
como integrar sua participação à Luz do DLBSE, de 2010.
Neste âmbito, no macro contexto de decisão curricular, ou contexto
político-administrativo (Pacheco, 2001), discutem-se e decidem-se os
fundamentos orientadores do currículo a partir das diretrizes políticas
para a educação e formação, onde a ideologia ocupa certa centralidade,
por refletir a conceção de educação de um determinado poder político, em
função da conceção filosófica, das crenças e das dinâmicas que sustenta.
Aqui, estamos na presença do currículo prescrito (Gimeno, 1988), formal
(Perrenoud, 1995), ou seja, do currículo oficial (Goodlad, 1979).
Na caminhada em direção à sala de aula, o currículo chega ao meso
contexto ou contexto de gestão, à Escola e estruturas locais de administração
educativa (Pacheco, 2001). Na escola, o currículo é programado (ibidem)
pelos grugos disciplinares, de modo a facilitar a sua gestão, tendo em conta
a sua realização anual, trimestral, de unidade e semanal (Pacheco, 1990) e
a necessidade de harmonização de procedimentos didáticos e pedagógicos,
gerais.
No fim da cadeia decisional, encontra-se a ação do professor, o ato
pedagógico que coloca o currículo em ação (Gimeno, 1988). É neste micro
contexto, ou contexto de realização (Pacheco, 2001), que o currículo se
efetiva em experiênciasde ensino e de aprendizagem (Goodlad, 1979).
Daqui resultam duas conceções de currículo: o formal, já explicitado,
e o oculto(Torres, 1995), este último constituindo-se em experiências
de aprendizagem não programadas, mas que ocorrem da realização do
currículo escolar (Pacheco, 2001), dependendo da forma como os alunos
se apropriam do conhecimento, induzida pelas experiências prévias
responsáveis pela diferenciação da aprendizagem.
67
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Neste processo, os decisores curriculares concebem, planificam e
realizam o “currículo nacional ou core curriculum (Kirk, 1986), concebido
como um conjunto de conteúdos e atividades comuns, de implementação
de uma cultura geral para todos, como propósito de uma educação para
todos. Aqui entra a democratização do sistema educativo, sob os princípios
de igualdade de oportunidades e de acesso e de sucesso educativo(Cardoso,
2007), também refletido no DLBSE, de 2010.
Momentos de avaliação consequentes e processuais integram o
processo de desenvolvimento curricular e projetam novas expetativas e
interesses curriculares quanto ao currículo e quanto às aprendizagens
escolares. O currículo avaliado tanto pode insidir sobre as os resultados
das aprendizagens dos alunos, como pode recair sobre si mesmo através
da avaliação dos planos de estudos e programas de ensino e formação, os
materiais escolares, os modelos de desenvolvimento curricular (Gimeno,
1988).
As decisões que envolvem a escolha de uma determinada
orientação curricular desenham-se num processo de partilha de poder
e de responsabilidades, desde a conceção à avaliação curricular. Como
facilitador da intervenção educativa articulada e baseada numa cultura
colaborativa entre os agentes,o sistema instituido pelo DLBSE, de 2010,
reafirma o conceito de autonomia, permitindo-se contextualizar o currículo,
para aproximar a oferta educativa das realidades comunitárias dos alunos.
Sem querer questionar a base da tomada de decisões no sistema
educativo caboverdeano, pois o tempo de que dispomos não nos permite
abrir a discussão para esse lado da questão, achamos interessante lembrar
Kirk (1986) referido porPacheco (2001) que defende a construção do
currículo nacional a partir de uma consulta democrática e formulado de
modo a ser de carácter geral e não detalhado em conteúdos específicos,
permitindo a (re)constextualização, para atingir as necessidades educativas
dos alunos (incluir as suas escolhas e maximizar as oportunidades de auto
68
Currículo e reformas curriculares
aprendizagem e atender às suas variações de ritmo de aprendizagem);
deve centrar-se em objetivos educacionais gerais que incluam todos os
níveis do saber; estar de acordo com as necessidades de organização dos
conhecimentos e das disciplinas; atender ao sistema nacional de valorização
e de certificação;ter mecanismos processuais específicos nacionais, locais e
de diferenciação entre os níveis de ensino.
A existência do currículo nacional pretende efetivar a aspiração
de conferir oportunidades de formação comuns e fundamentais a todas
as crianças, especialmente, na escolaridade obrigatória. No entanto, é
importante perceber a complexidade deste intento na prescrição curricular,
de modo a que se traduza num “conjunto de normas estipuladas em
relação às disciplinas e/ou áreas curriculares, aos conteúdos programáticos
às orientações metodológicas, aos materiais curriculares e à avaliação”
(Pacheco, 2001, p. 74), suscetíveis de apropriação e integração nos
interesses localizados. Estes são efetivamente desafios para a escola cuja
autonomia e flexibilização curriculares apresentam-se como elementos
incontornáveis no desenvolvimento de um novo conceito de escola e de
processo educativo.
Escola e processo educativo, no DLBSE (2010)
Na atualidade educativa caboverdeana reforça-se a importância da
escola no processo educativo, enquanto palco de realizações educativas e
curriculares. Podemos exemplificar com a implementação de sistemas de
gestão assentes em tecnologias, com vista a desenvolver um modelo de
sistematização de dados que se pretende eficaz, monitorado e capaz de
proporcionar o acompanhamento do cidadão/ aluno, da entrada à saída do
sistema. Isso no âmbito de um projeto tecnológico nacional designado de
“Programa Mundu Novu”1.
1 http://www.mundunovu.gov.cv/
69
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Assiste-se a uma crescente mobilização de recursos teóricos e
soluções práticas, envolvendo especialistas nacionais e não nacionais no
sentido de integrar a escola neste movimento reformista global.Pretendese voltar a escola para a comunidade onde se insere, de modo a envolver as
instituições locais no processo educativo, bem na continuidade do disposto
na LBSE, de 1990, que introduziu a descentralização e a autonomia no
sistema, visando a sua democratização. Em termos práticos, importa definir
o grau de participação que se pretende dos agentes educativos locais na
eventual partilha de poderes. Entende-se que a descentralização“permite
ter mais em consideração as condições locais e reagir mais rapidamente
às suas eventuais modificações. Mesmo que eles [os argumentos] inspirem
concepções educacionais que prevalecem em todo o pais, os currículos
podem ser recontextualizados nos seus aspectos principais” (De Landsheere
1992, p. 30). Desta forma facilitará a eficiência na resolução de problemas
contextuais.
A participação na educação, a escola integrada na comunidade é
uma das preocupações refletidas no DLBSE, de 2010, e nas perspetivas
ministeriais, que aspira a uma participação mais ampla e envolvente a nível
local/comunitário. Esta questão tem sido muita discutida desde a publicação
da LBSE, em 1991, mas ainda está por conseguir. Naturalmente, torne-se
necessário desenvolver uma metodologia de intervenção mais complexa e
fundamentada que permita a cultura colaborativa, e uma arena política de
debate e concertação de interesses educativos entre os agentes, direta ou
indiretamente, envolvidos na Educação. Trata-se de uma questão que não
se esgota aqui…
De volta à Escola, os agentes educativos neste contextos,
particulamente os professores, são os responsavéis primordiais pelas
mudanças educativas e inovação, pelo que o seu papel na recontextualização
do currículo deve ser objetivo e decisivo, pois para haver mudanças
significativas na escola no sentido da inovação, torna-se indispensável
70
Currículo e reformas curriculares
estimulá-la e provocá-la a partir de estratégias e garantia de condições
na escola, na comunidade educativa e, nos professores em particular, de
modo a desenvolver e a aplicar a sua capacidade (re)criadora.
Como fica o Professor neste processo? (DLBSE, 2010)
Pelo exposto se percebe a importância central do professor na
implementação do currículo, embora o seu estatuto e papel como decisor
curricular não esteja verdadeiramente assumido, nem pelo sistema nem
pelo próprio. Na prática o sistema mantem este papel na esfera das
decisões político-administrativas, sendo o professor entendido como
ensinante, reprodutor do conhecimento, pelo que as competências que
mais evidencia no ato pedagógico são aquelas que transmitem uma imagem
de um bom detentor do conhecimento, sendo um executor do currículo
que reage, quase exclusivamente, em função das decisões administrativas
e pedagógicas globais.
A mudança de paradigma educacional impõe um movimento de
discussão amplo, para a clarificação dos sentidos e significados teórico
práticos atribuidos ao professor no sistema, para a compreender e integrar
nas práticas. Pelo disposto no DLBSE, de 2010, deseja-se que o professor
seja um mediador curricular, permitindo-se recontextualizar o currículo
nacional de modo a integrar os interesses locais e dos alunos na planificação
e gestão do ato pedagógico. Como gestor dos processos de ensino, o Decreto
suscita uma postura de negociação de facilitador da intervenção do aluno
no processo formativo e na gestão das aprendizagens. Implicitamente,
institui-se o perfil de professor prático reflexivo (Schön,1987 )para se
atingir a transformação, o qual envolve mudanças significativas de postura
e de ação, projetando uma nova identidade profissional.
Na ação, o professor deve delinear a sua formação e desenvolvimento
71
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
profissional na perspetiva de formação ao longo da vida, integrando
iniciativas de formação formal e não formal, para acompanhar o
conhecimento científico e profissional da especialidade e para alimentar
a intervenção educativa. Na postura, a transformação significa definir-se
como investigador, na procura de melhoria permanente do seu serviço
educativo junto dos alunos, investigando para intervir sobre os obstáculos
ao ensino e à aprendizagem,na busca da qualidade educativa. Para isso,
é preciso (des)construir as rotinas fundadas no paradigma técnico ou
conceção técnica do currículo (Kemmis, 1988), para estimular a mudança
de paradigma, integrando uma perspetiva crítica, proativa, dialogante e
reconstrutiva face aos contextos e atores na escola/sala de aula.
A não concretização deste perfil, até então, é uma limitação do
processo de implementação da LBSE, de 1990, que persiste e que se
pretende resolvido com o DLBSE, de 2010, embora haja a considerar o
envolvimento tardio e recente dos professores (e educadores fisicamente
exteriores ao Ministério da Educação) na discussão das linhas reorientadoras
da Reforma, que apesar de estarem associadas ao DLBSE, de 2010, estão
em curso desde 2006; e osistema de formação contínua e consequente
requalificação em função da revisão do sistema de ensino e formação,
entre outros. O sistema carece, neste momento, de uma metodologia
global de intervenção facilitador da disseminação dos preceitos da reforma,
da capacitação científica, técnica e metodológica, particularmente dos
professores,para efetivar, na escola e no projeto pedagógico, as mudanças
e inovações instituidas.
A concluir…
Tudo isso requer uma linha estratégia bem definida e monitorizada,
pois difícil se torna mudar rotinas sacramentadas, “seguras”, para num
modelo paradigmatico que impõe novas rotinas no quadro de uma
72
Currículo e reformas curriculares
intervenção onde prevalece o desconhecido, a impreparação,um sentimento
de insegurança e de frustração. Este novo modo de agir profissionalmente,
envolve, acima de tudo motivação, adesão e desejo pessoal de ultrapassar
as barreiras das rotinas e a coragem de reinventar a profissão tendo por
base um novo paradigma educacional. Tal só será possivel se se perceber o
sentido e o significado das mudanças e inovações que se pretendem, sendo
sujeito e ator da própria mudança.
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Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro (LBSE)
Decreto-Legislativo nº 2/2010, de 7 de Maio (DLBSE)
74
CURRÍCULO-SEM-TEMPO: A (RE)CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO
DE INFÂNCIA
Tânia Pestana; José A. Pacheco
Universidade da Madeira; Universidade do Minho
[email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
O currículo é, indubitavelmente, o mentor da aprendizagem.
Produzido pelos educadores de infância, é importante que, ao contextualizálo, reflitam, de forma crítica e construtiva, sobre que conhecimentos,
importantes ou válidos, merecem fazer parte do currículo, e se é importante
dar tempo às crianças para interiorizarem as aprendizagens. Assim, o
trabalho começa por apresentar uma revisão literária sobre a essência dos
conceitos aludidos, passando, de seguida, para uma reflexão sobre a (re)
construção do currículo ancorado na proposta de um currículo-sem-tempo,
por forma a dar tempo às crianças para construírem a sua identidade,
subjetividade, interesses e aprendizagens.
Palavras-chave: currículo; conhecimento; matética; aprendizagem;
educação de infância.
Abstract
The curriculum is definitely the learning mentor and is entirely of the
responsibility of the early childhood educators. Doing its contextualizing,
they should critically and constructively reflect about what knowledge,
important or valid, should be in the curriculum, and if it’s important to give
children time to fully understand what they learn. Therefore, this article
initially presents a literary review on the essence of the concepts referred
above, and then a reflexion on the (re) construction of the curriculum
anchored in the proposed curriculum-without-time in order to give children
enough time to built their identity, subjectivity, interests and learning.
Keywords: curriculum; knowledge; mathetics; learning; childhood
education.
76
Currículo e reformas curriculares
INTRODUÇÃO
Por mais definições que possam ser apresentadas, o currículo é
conhecimento (Young, 2010), cursor dinâmico da aprendizagem. No quadro
de um sistema educativo, bem como da sua organização curricular (Pacheco,
2008), a escola desempenha finalidades diversas, tornando-se evidente não
ignorar a seguinte questão: O que é ensinado e aprendido nas escolas?
(Young, 2013). Existem inúmeras interrogações sobre a função da escola,
para que serve social e culturalmente, e de que modo as crianças e jovens
interagem com processos e práticas de aprendizagem.
A partir da leitura de Papert (2008), discutimos, nesta comunicação,
o espaço da aprendizagem na educação de infância, entendida como etapa
decisiva para o percurso de escolarização (CNE, 2010). Assim, abordamos
a noção de tempo no processo de aprendizagem na educação de infância,
comparativamente ao processo formal de escolarização, que regista uma
aprendizagem apressada (Hargreaves & Fink, 2007), considerando as
seguintes interrogações: O que é importante que as crianças aprendam?
É importante dar-lhes tempo? É importante educá-las para a imaginação,
reflexão e pensamento crítico e autêntico? Como devem os educadores
abordar a educação de infância em termos de conhecimento?
Na procura de respostas para estas questões, exploramos a
contextualização do currículo à luz de teorias (pós) críticas (Pacheco,
2013), sobretudo na ênfase que é atribuída à identidade, subjetividade e
interesses das crianças. De seguida, abordamos a proposta da aprendizagem
significativa de Ausubel (2003) e a proposta construcionista de Papert
(2008). Por último, exploramos a incorporação do currículo-sem-tempo na
(re)construção da educação de infância, i.e., um currículo que não aprisiona
o tempo, o movimento, a voz, a criatividade e a subjetividade das crianças,
perante discursos culturalmente padronizados, propiciando, pelo contrário,
multiculturalismo, atividades de projeto e práticas pedagógicas centradas
em diálogos entre educadores, crianças e respetivas famílias, de modo
77
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
a permitir desbravar e compreender novos saberes e realidades. Como
se trata de um projeto de investigação em curso, em que é seguida uma
metodologia qualitativa, com recurso à análise documental e ao inquérito
por entrevista (Bogdan & Bikle, 1992), não apresentamos dados empíricos,
mas apenas uma exploração teórica em torno da educação de infância a
partir do conceito de currículo-sem-tempo.
O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
O lexema currículo deriva etimologicamente do vocábulo latino
curriculum, significando pista de corrida que, segundo Silva (2000),
corresponde à pista que conduz ao que cada um de nós é. Nesta ordem de
ideias, o currículo, entendido como uma questão de problematização do
conhecimento, da identidade e da subjetividade, modifica as pessoas que o
percorrem (Young, 2010).
Uma vez que a escola, através do currículo, molda as práticas
culturais, os modos de pensamento predominantes e constrói a sociedade,
é importante, segundo Young (2013), que esta se debruce, inevitavelmente,
sobre a seguinte questão: Qual o conhecimento que é considerado
importante ou válido para merecer fazer parte do currículo?
Consequentemente, Young (2010) defende que, na seleção do tipo
de conhecimento, é por demais importante ter em atenção uma segunda
questão: Em que é que o ser humano se deve tornar?
Segundo o autor, o conhecimento inerente ao currículo deve centrarse nos tipos de habilidade, conhecimento e atitudes, que serão necessários
para construir e sustentar a sociedade e, ainda, responder às exigências
sociais do mundo contemporâneo.
Nesta perspetiva da educação direcionada para a cidadania, o sistema
educativo português definiu a organização curricular como sendo um dos
78
Currículo e reformas curriculares
pilares da Lei de Bases1, e a educação de infância2, designada pela LeiQuadro da Educação Pré-escolar3 de educação pré-escolar, como o primeiro
degrau do edifício curricular, ainda que situado fora da educação formal
(Pacheco, 2008).
Importa, aqui, abrir um parêntesis para salientar que as decisões
curriculares não são da competência exclusiva da Administração Central,
existe, também, nas salas um espaço para estas decisões curriculares.
Salientamos, ainda, que, à semelhança dos níveis de ensino formal, a
educação de infância em Portugal consagra o princípio da tutela pedagógica
única assegurada pelo Ministério da Educação (ME), todavia apresenta
particularidades que a caraterizam e a diferenciam destes níveis de ensino.
Apesar do ME4 produzir copiosos documentos de orientação, estes não têm
por missão definir conteúdos programáticos, mas sim servir de orientação
para a construção quotidiana do currículo em termos de um conhecimento
válido e de aprendizagens significativas (Ausubel, 2003; Vasconcelos, 2012).
Com efeito, tendo como linhas orientadoras os documentos oficiais,
o educador constrói o currículo com largas margens de liberdade de ação
na sua contextualização, apresentando-se como a figura de intelectual-decurrículo, tecendo o currículo ao sabor da escuta das necessidades mais
profundas das crianças e respetivas famílias (Vasconcelos, 2012), pois não
está vinculado a um currículo formal, ainda que a introdução das metas
curriculares na educação de infância contribua para a sua prescrição.
Na realidade portuguesa, as Orientações Curriculares para a Educação
Pré-Escolar5 correspondem ao quadro de referência comum a todos os
1 Lei n.º 46/ 86, de 14 de outubro – Lei de Bases do Sistema Educativo, com alterações pela Lei n.º 115/
97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º 49/ 2005, de 30 de Agosto – normativos-jurídicos do Ministério da
Educação que regulamentam a estrutura da organização dos percursos escolares e, ainda, os objetivos
de cada nível de ensino.
2 Nível de educação facultativo na maioria dos países da Europa e África.
3 Lei n.º 5/97, de 1 de Fevereiro – Lei-Quadro da Educação Pré-escolar – normativo-jurídico que
regulamenta o sistema público de educação pré-escolar.
4 Através da Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular em parceria com o Gabinete
de Avaliação Educacional.
5 Aprovadas pelo Despacho n.º 5220/97 (2.ª Série), de 10 de Julho, publicado no D. R. n.º 178, II série
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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
educadores, apoiando-os nas decisões sobre as suas práticas educativas
(Vasconcelos, 2008).
Dada a existência desta margem de autonomia dos educadores, as
salas de educação de infância são diversas, e incorporam metodologias
próprias, traduzindo ideias de inúmeros modelos6 (Hohmann & Weikart,
2011; Folque, 2012). Estas metodologias assentam num plano flexível, em
que toda a aprendizagem é construída pela própria criança, sendo, esta,
participante ativa no seu processo de aprendizagem a partir dos seus
interesses e saberes (Vasconcelos, 2012), na consagração do princípio da
aprendizagem significativa (Ausubel, 2003).
A APRENDIZAGEM NA INFÂNCIA
No Relatório Educação dos 0 aos 12 anos (CNE, 2010), Gabriela
Portugal escreveu que as experiências precoces da criança são cruciais
para o seu desenvolvimento cerebral, pelo que muito do que somos está
relacionado com o que aprendemos durante a nossa infância.
A aprendizagem de crianças de tenra idade apresenta particularidades
específicas, baseiam-se em princípios educativos que enfatizam a natureza
holística da aprendizagem e excluem as linhas pedagógicas escolarizantes e
estandardizadas (CNE, 2010). Neste contexto, cabe perguntar: Como deve
ser organizada a educação pré-escolar? O que significa uma aprendizagem
significativa?
Numa perspetiva psicológica, a educação deve assentar numa
aprendizagem significativa que Ausubel (2003) intitula de aprendizagem
por receção. Esta aprendizagem esconjura a transmissão de informação e a
instrução propriamente dita, processando-se através de um método ativo,
de 4 de Agosto (ME, 1997).
6 Destacando-se: o Modelo High/Scope; o Movimento da Escola Moderna; a Pedagogia de Situação; e,
o Modelo Reggio Emília.
80
Currículo e reformas curriculares
onde a criança aprende a pensar e assume o comando da construção do
seu conhecimento, facilitada pela organização cuidadosa das experiências.
Nesta perspetiva, as crianças aprendem muito mais “pescando” por
si próprias o conhecimento específico de que necessitam, pelo que, quanto
mais adequados forem os nutrientes cognitivos, mais probabilidades têm
as crianças de constituir e reconstruir o seu conhecimento. Porém, para a
criança “pescar”, precisa, para além do acesso aos melhores instrumentos,
de adquirir conhecimentos sobre a arte de “pescar” (Papert, 2008).
De forma correlata, mas referindo-se à aprendizagem, Ausubel (2003)
defende que a aprendizagem não tem lugar no vácuo social, o espaço da
escola deve ajudar as crianças a clarificar ideias através de pesquisas em
grupo e promover práticas centradas em diálogos.
Papert defende que, na abordagem curricular contemporânea,
“a meta é ensinar de forma a produzir a maior aprendizagem a partir do
mínimo de ensino” (2008, p.134).
Nesta linha pedagógica, as atividades devem estar entretecidas
com as mundividências das crianças e as regiões mentais “quentes”,
uma vez que, segundo Papert (2008), estas só são capazes de adquirir
conhecimentos quando as suas regiões mentais “frias” são aquecidas pelo
contato com as suas regiões mentais “quentes”. Este autor reforça, ainda,
que o aquecimento das áreas “frias” implica um paradigma alicerçado na
matética7, que concede tempo à criança para fazer conexões a partir de
conhecimentos já adquiridos.
CURRÍCULO-SEM-TEMPO: UMA PALAVRA PELA ARTE DE APRENDER
SEM PRESSAS
Vive-se uma época marcada por uma aceleração vertiginosa e
7 Significa, segundo Papert (2008), a arte de aprender.
81
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
assustadora ao nível do conhecimento, com a existência de escolas
apressadas, com currículos altamente técnicos, estruturados segundo
uma meta narrativa e abarrotados de conteúdos, pelo que, não é dado às
crianças tempo para refletirem sobre esses mesmos conteúdos, limitandoas do enriquecimento de conhecimentos e atitudes exploratórias, essenciais
à emancipação e à autenticidade na interação a estabelecer com o mundo.
Se a noção de currículo como conversação complexa for considerada
na escola (Pinar, 2007), esta não deveria ser o espaço para o currículo-comoplano (Sousa, 2012), concetualizado como uma conversa decidida, fechada
e desligada da vida das crianças, pelo que é importante debruçarmo-nos
sobre qual a finalidade do currículo, focando-nos, nomeadamente, nas
seguintes questões: Será que a escola i) integra conteúdos relevantes para
as crianças?; ii) propicia o multiculturalismo, atividades de projeto e práticas
pedagógicas centradas em diálogos entre educadores, crianças e respetivas
famílias?; iii) confere tempo para permitir que as crianças maturem novos
saberes e apreendam-nos de forma significativa?;
Atualmente, a escola precisa de uma abordagem curricular inovadora
que consiga acompanhar as crianças desta nova Era8 adicionando, às suas
competências básicas mais antigas, novas competências básicas que,
segundo os decisores políticos de Queensland, citados em Hargreaves e Fink
(2007), são essenciais para que as crianças atuem com responsabilidade e
criatividade, de modo a serem capazes de superar os desafios do mundo
atual.
Por conseguinte, o currículo-sem-tempo pressupõe uma aprendizagem
significativa, profunda e ampla, abordada por Hargreaves e Fink (2007),
através de um processo de conhecimento lento que se difunda e perdure
pela vida, tornando-se oportuno referir a analogia, feita pelos autores,
como as águas fundas são mais calmas a aprendizagem profunda raramente
é apressada, residindo a tónica desta abordagem no tempo que deve ser
8 Era da sociedade do conhecimento.
82
Currículo e reformas curriculares
propiciado às crianças para conhecerem, compreenderem e conseguirem
comunicar9.
A UNESCO10 apoiou o texto intemporal e visionário Educação: um
tesouro a descobrir, onde os autores11, segundo Hargreaves e Fink (2007),
defendem que a educação deve preparar as crianças para agarrarem
oportunidades de aprendizagem que se mantenham ao longo das suas
vidas.
De acordo com o relatório da UNESCO, os quatro tipos de
aprendizagens, que alicerçam o conhecimento ao longo da vida, incluem
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver.
Hargreaves e Fink (2007) acrescentam a estes quatro pilares, mais um tipo
de aprendizagem, aprender a viver de modo sustentável, que consiste em
aprender a respeitar e a preservar a terra que nos dá a vida, e a trabalhar
com as pessoas de diferentes comunidades para que todos usufruam dos
benefícios da vida económica e ecológica a longo prazo.
Assim, a noção de currículo-sem-tempo, alicerçado no conhecer lento
e profundo de Hargreaves e Fink (2007), assenta numa forma de conhecer
para proporcionar uma aprendizagem para a vida, uma vez que confere
profundidade à nossa existência e instiga melhorias sobre a compreensão
humana e, ainda, demonstra tolerância face ao marginal e ambíguo, dá
maior importância a detalhes que, de forma imediata, não fazem sentido,
explora situações sem saber o que procura, olha a ignorância como um
campo de onde pode brotar a compreensão, é recetiva, abdica do controlo
sobre os caminhos que a mente decide tomar, e examina com seriedade as
ideias que surgem a partir do nada (CNE, 2010; Hargreaves & Fink, 2007).
9 Segundo Hargreaves e Fink (2007), esta aprendizagem orientada para o significado das coisas e para
a vida envolve o intelectual, o social, o emocional e o espiritual de cada criança. Para alcançar esta
aprendizagem, é imperativo dar tempo aos educadores para recuarem no tempo, refletirem na forma
como as crianças estão a aprender, para, então, reagirem à mesma.
10 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
11 Mais conhecido pelo Relatório Jacques Delors. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI.
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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
CONCLUSÃO
Concluímos, segundo a bibliografia analisada, que as aprendizagens
só são significativas se for dado tempo à criança para interiorizar essas
aprendizagens, mediante um pensar lento, crítico e autêntico. Porém, por
vezes, as escolas não oferecem nem um pensar rápido nem um pensar lento,
disponibilizam doses de conteúdos para memorizar, o que significa que,
ao contrário de uma aquisição de conhecimentos para a vida, as crianças
memorizam conhecimentos que se perdem a curto prazo.
Perante tal cenário educacional, é importante que se reflita sobre
a seguinte questão: Que modelo de educação é facultado às crianças na
educação pré-escolar?
É premente que os educadores descartem as abordagens
behavioristas, caraterizadas por um ensino altamente estruturado, e deem
uma resposta adequada ao grande desafio que se coloca atualmente, (re)
construir propostas curriculares únicas e adequadas a cada grupo de crianças
e não um único tipo adequado a todas as crianças. É, igualmente, importante
que incorporem uma proposta pedagógica de aprendizagem enraizada
no construcionismo e na aprendizagem significativa, onde as crianças
assumem um papel ativo, e lhes seja dado tempo para (re)construírem o
seu conhecimento, num ambiente rico em nutrientes cognitivos, tornandoas, desta forma, construtoras do seu próprio processo de aprendizagem.
Em suma, é fundamental salientar que os educadores, ao adotarem um
currículo-sem-tempo, estão a promover um conhecimento contextualizado,
uma aprendizagem significativa, conferindo espaços para a imaginação e
reflexão. Serve de frase concludente deste texto as palavras de Confúcio,
citado por Hargreaves e Fink (2007, p. 51):
“A aprendizagem sem pensamento é um labor perdido; o pensamento
sem aprendizagem é um perigo”.
84
Currículo e reformas curriculares
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85
CURRÍCULO, PLANIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO: UM OLHAR
SOBRE A OPERACIONALIDADE DA REFORMA EDUCATIVA E
CURRICULAR EM CURSO
Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso; Joana Sofia Sousa Figueiredo
Universidade Católica Portuguesa; Universidade Portucalense Infante
D. Henrique
[email protected]; [email protected]
Currículo e reformas curriculares
Resumo
Nesta comunicação defendemos a noção de que “Currículo,
Planificação e Avaliação” resultam numa trilogia indissociável em qualquer
processo ou percurso educativo. Qualquer intenção prescritiva de reforma
ou inovação curricular, parte do equacionamento destes pilares da ação
educativa para promover uma compreensão sobre os modos como devem
ser interpretados e realizados os pressupostos, a tomada de decisões e as
formas de efetivação, visando um processo de desenvolvimento curricular
renovado e inovador, capaz de proporcionar uma atualização eficaz do
sistema de educativo e de formação, face aos desafios e expetativas da
sociedade local e global, num determinado momento. Com efeito, nesta
discussão, partilhamos um trabalho de observação e análise sobre estes
domínios no âmbito da atual reforma educativa, nas vertentes enunciadas,
como contributo para a formulação de um debate entre educadores,
passível de permitir a reunião de contributos importantes que possam
apoiar os decisores nesta matéria.
Palavras-chave: currículo; planificação; avaliação; design e gestão do
currículo; decisores curriculares.
Abstract
In this paper, one will defend the notion that “Curriculum, Planning and
Evaluation” are the result from an indivisible trilogy in any given educational
process or path. Any prescriptive intention of curricular reform or innovation
stems from equating these pillars of educational actions to promote an
understanding on the ways the assumptions, the decision-making process
and the realization forms need to be interpreted and executed, trying to
87
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
achieve a renewed and innovating curricular development process, able to
provide an effective actualization of the educational and training system,
considering the challenges and expectations of local and global societies in a
given moment. In fact, during this discussion, one will share an observation
and analysis work on these domains under the current educational reform,
across the abovementioned areas, as a contribution for triggering a debate
among educators, able to gather important inputs that may support
decision-makers in this matter.
Keywords: curriculum; planning; evaluation; curriculum design and
management; curricular decision-makers.
ENQUADRAMENTO
A educação caboverdeana acompanha a dinâmica de outras épocas,
encontrando-se em permanente mudança com o sentido de acompanhar a
evolução da sociedade e, com isso, procurar corresponder às necessidades
de mudança e de desenvolvimento científico, técnico e humano, que apesar
de estarem em harmonia global, suscitam especificidades e especialidades
contextualizadas.
Cabo Verde, enquanto país passou já por aquilo que se pode designar
de três reformas educativas. A primeira marca a transformação da educação
com a criação de um sistema educativo caboverdeano; a segunda, introduzida
pela primeira Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) formaliza o sistema
com base numa matriz concetual e estabelece a noção de escolaridade
básica obrigatória atribuindo-lhe seis anos de escolaridade; a terceira, com
base nesta matriz, altera o número de anos da escolaridade obrigatória de
seis para oito anos e reforça as diretrizes no sentido da implementação do
potencial político educativo do sistema.
O que têm estas alterações de comum que faz delas reformas
88
Currículo e reformas curriculares
educativas? A introdução de mudanças profundas no sistema, das quais
resultaram uma nova orientação das políticas educativas cuja profundidade
e abrangência determinaram mudanças na estrutura. Cardoso (2007, p.7)
refere Ribeiro (1990) para afirmar que se trata de “mudanças que englobam
os processos educativo e pedagógico e que culminam na reestruturação
global do Currículo”. Assim, para Popkewitz (1994) referido por Pacheco
(1996),
“no quadro jurídico, a reforma educativa caracteriza-se pela introdução
de alterações de natureza política, ideológica, social e cultural, o
que implica uma adaptação estrutural do sistema em função das
mudanças que se quer introduzir revelando-se, desta forma, parte
de um processo de regulação social. Estas alterações resultam de
novas propostas que se projectam nos objectivos, nas estratégias,
na prossecução de prioridades, em função dos pressupostos de
inovação, renovação, mudança e melhoria, com o fim de introduzir
algo novo” (Cardoso, 2007, p. 7).
Assim sendo, o que particulariza as três reformas verificadas?
A primeira decorre das condições do País pós independência, em que
se assumiu
“como uma das prioridades o incremento do sistema educativo, da
capacidade de acolhimento e da sua a qualidade identificados como
um dos pilares de suma importância para a viabilização do país,
enquanto estado independente, onde era urgente a formação e o
desenvolvimento de competências nos indivíduos tornando-os capacitados para o governar e contribuir para o seu integral desenvolvimento” (Cardoso, 2003, p.55).
Partindo destes pressupostos cria-se o sistema educativo que, até
89
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
à formulação da LBSE/1990, partiu da estrutura e funcionamento, vinda
do regime colonial, e foi sendo reforçada com mudanças concetuais e na
orientação educativa visando prioritariamente a formação e a satisfação
interna de quadros para sustentar o sistema de ensino e formação, com
como a satisfação de outros setores de atividade económica, política e social.
A segunda, por seu lado incorpora já com sentido e significado
de estruturação do percurso, da absorção e adaptação às tendências
globalizadas da educação. Nesta perspetiva,
“A reforma do ensino dos finais do séc. XX teorizou e absorveu as
alterações ditadas pela evolução do sistema educativo e introduziu
propostas de adequação profundas, de modo a dar respostas às
novas exigências decorrentes das transformações políticas, sociais
e económicas que se verificaram no país. Assim, novos figurinos
surgiram para legitimar a organização e a fundamentação dos ensinos
escolar e de adultos” (Cardoso, 2003, p.1).
Em termos estruturais, nos termos da LBSE/1990, estes figurinos ditam
a institucionalização da escolaridade básica obrigatória em seis anos de
escolaridade, reinterpreta todo o sistema educativo absorvendo mudanças
emergentes e integrando legalmente tendências com forte aproximação ao
sistema educativo português. Simultaneamente projeta a autonomização
do Ensino Superior.
Além disso,
“reafirma o papel do Estado na elaboração, coordenação, execução e
a avaliação das políticas educativas em harmonia com o Decreto-Lei nº
116/87 que consta da Lei Orgânica1 do Ministério da Educação Ciência
1 Lei Orgânica do Ministério da Educação e cultura, Decreto-Lei nº 116/87, publicada in Boletim Oficial,
nº44 de 6 de Novembro de 1987. Com as últimas eleições os Desportos passa para a tutela do MEC,
passando a ser designado por Ministério da Educação Cultura e Desportos. Além dos ajustamento que
90
Currículo e reformas curriculares
e Cultura que, no seu Capítulo I, artigo 1º, preceitua que “O Ministério
da Educação Ciência e Cultura é o departamento governamental
encarregado de propor, coordenar e executar as políticas em matéria
de ensino pré-escolar, básico, secundário e superior, de qualificação
de quadros, de ciência, investigação e tecnologia” (Cardoso,2007, p.
64).
A terceira, que se vive no País atualmente, a decorrer da publicação do
DLBSE/2010,que veio introduzir uma nova dinâmica, não só porque alarga
a escolaridade obrigatória para oito anos, mas porque tem a pretensão de
implementar diretrizes curriculares herdadas da Lei anterior e que, não
foram objeto de atenção até ao momento: o ensino técnico profissional,
a educação especial e a mudança da abordagem curricular no processo
pedagógico. Apesar de serem conquistas da Lei anterior, achamos que não
foram percecionadas com tanta lucidez como se quer, hoje, e que fez dessas
mudanças cernes da inovação no currículo e na sua gestão, no sistema
educativo caboverdeano.
CURRÍCULO, PLANIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO
Criado o contexto, detenhamo-nos sobre as diretrizes curriculares,
mais particularmente a ação do professor, ou seja, a gestão do currículo em
contexto pedagógico. O professor é um agente programador do currículo
e seu gestor pedagógico, sendo privilegiado, na cadeia educativa, por ser
quem efetivamente faz o currículo acontecer, hoje discute-se no sistema
educativo caboverdeano a orientação do processo curricular com enfase na
mudança de paradigma.
Quando referimos as reformas, assinalamos a questão estrutural.
Aqui, importa discutir as conceções curriculares que circundam estas
está condição implica não há alterações substanciais a registar.
Em execução da Lei orgânica de 1987 aprova-se a nova Lei orgânica de 1990 (em anexo III) e a 1997 com
vista à sua adequação às novas orientações do sistema educativo.
91
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
reformas, para se perceber a ação desejada do professor no processo
pedagógico, sendo que, basicamente existem dois paradigmas dominantes
para a definição do currículo escolar: o modelo tradicional que tem as suas
raízes, no modelo Tyleriano de pedagogia por objetivos e o modelo da
pedagogia por competência, derivado da evolução do primeiro no sentido
da integração, no ato pedagógico, das experiências prévias de alunos e
professores, bem como a determinação para a autonomização do aluno e a
redefinição de papéis curriculares de aluno e professor.
A primeira aceção “ absorve e defende três campos fundamentais para
a selecção dos objectivos curriculares: o aluno, a sociedade e o conteúdo
que deve ser ensinado (…) rege-se por objectivos e finalidades, predefinidos
e concretos (…) através da prescrição curricular normativa de experiências
educativas (…) em particular, por experiências de aprendizagens (Cardoso,
2003, p.12).
A segunda baseia-se no modelo pedagógico por competências
(Pacheco, 1996/2001; Cardoso, 2007), na conceção anglo-saxónica e
pedagogia da integração (Roegiers, 2004), na conceção francófona. Este
modelo reflete o currículo como “um discurso dialético, por uma organização
participativa, democrática e comunitária e uma ação emancipatória”
(Kemmis, 1986 p.144), resultante dos interesses e das experiências desejadas
por todos quantos participam nas atividades escolares e de acordo com os
seus interesses, grau de intervenção e poder de decisão. Neste, a ação do
professor, como propõe Tardif (2002) citado por Gomes et al (2006, p. 231)
deve ser marcada por uma pedagogia que
“priorize a «tecnologia da interação humana, colocando em evidência,
ao mesmo tempo, a questão das dimensões epistemológicas e
éticas», apoiada necessariamente em uma visão de mundo, de
homem e sociedade. Neste sentido, uma prática pedagógica precisa
ter dinâmica própria, que lhe permita o exercício do pensamento
reflexivo, conduza a uma visão política de cidadania e que seja capaz
92
Currículo e reformas curriculares
de integrar a arte, a cultura, os valores e a interação, propiciando,
assim, a recuperação da autonomia dos sujeitos e de sua ocupação
no mundo, de forma significativa”.
Na expetativa de descolar do modelo por objetivos para o modelo
curricular por competências, por forma a corresponder às orientações das
políticas curriculares, o professor deverá desenhar a sua ação articulando
currículo, planificação e avaliação, num sistema interativo, onde é
fundamental a perceção dos papéis curriculares na gestão curricular, no ato
pedagógico e nas intervenções complementares da ação educativa.
Invariavelmente, a educação formal apresenta um programa de
trabalho ao professor e é na abordagem deste programa que reside o cerne
da transformação desejada pelas orientações curriculares integradas nas
duas últimas reformas educativas, pretendendo o afastamento da pedagogia
por objetivos e a adesão docente à pedagogia por competências, ou da
pedagogia da integração conforme designação assumida pela Unidade de
desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação, a laborar sobre o
assunto desde 2006.
Partindo do pressuposto de que estes paradigmas coexistem neste
e noutros sistemas de ensino, como se organiza o professor para integrar a
pedagogia por competência nas suas práticas curriculares e de avaliação?
A questão remete-nos para os modelos de planificação, gestão, avaliação
assumidos pelo professor e a revisão dos papéis no espaço pedagógico.
A planificação consiste no desenvolvimento de uma estrutura física
ou mental de organização do conteúdo a ser gerido em sala de aula com
vista a atingir objetivos curriculares. Segundo Zabalza (1997) trata-se de uma
forma de organizar o conhecimento necessário para alcançar os objetivos
curriculares e pedagógicos. Ou seja, “consiste em ordenar o curso da acção
que se pretende seguir, dando-se-lhe um sentido prático e orientado para
as direções desejáveis” (Pacheco, 2001, p. 105).
93
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
A realização da atividade pedagógica, tendo por base a pedagogia por
competências, deve primar pela realização do modelo de planificação que
permita fazer uma previsão dinâmica e flexível (Leite,1999) do conteúdo a ser
trabalhado, integrando a noção da interação pedagógica e das experiências
prévias dos alunos, bem como a avaliação com caráter contínuo e formativo.
O modelo de planificação que dá essa possibilidade é o proposto
por Yinger (1977), geralmente designado por modelo aberto, que
pretende a planificação concebida entre o que deve ser com o que pode
ser (Pacheco, 2001). Admite a centralidade do aluno nos processos de
ensino e de aprendizagem e defende uma atuação processual do professor,
para promover um percurso de apropriação de conhecimentos gradual
e acompanhado pelo aluno. Neste processo o aluno é visto como sujeito
singular, com identidade e percurso de formação próprio.
Para este modelo, o plano de aula é um guião da ação do professor,
que deve ser flexível atendendo à reação do aluno. Além disso, o professor
faz a gestão do currículo assumindo-se como mediador entre o aluno e
o conhecimento, passando de executor a decisor e gestor curricular, no
exercício de “ fazer aprender” (Roldão, 1999). Mais ainda, deve entender
a relatividade do conhecimento e predispor-se a aprender enquanto
ensina, explorando, pela investigação e pela relação pedagógica, novos
domínios ou novos conhecimentos, tornando-se num prático reflexivo, num
investigador da sua prática docente, com vista à superação científica técnica
e metodológica.
O aluno assume um papel determinante na recontextualização do
currículo, permitindo-se-lhe ter atitude critica, interventiva e proativa em
relação ao conhecimento, percebendo-se assim o peso da individualidade
e da identidade no desenvolvimento do currículo. O currículo molda-se em
função do aluno na sua pluralidade.
A gestão do currículo integra a avaliação quanto ao modelo e quanto
aos instrumentos de recolha de evidências sobre o desenvolvimento das
94
Currículo e reformas curriculares
competências cognitivas, físicomotoras e relacionais do aluno. A dimensão
relacional ganha maior expressividade em relação ao modelo pedagógico
por objetivos, sem que seja entendido como uma desvalorização, por
exemplo, das competências de foro cognitivo.
A avaliação pedagógica, enquanto a formulação de um juízo de valor
sobre o desempenho do aluno (Pacheco, 2001; Alves, 2004), acompanha
esta visão de gestão do currículo da alçada do professor, afirmando a sua
vertente formativa (Pacheco, 2001). A avaliação formativa como modelo, tem
caráter contínuo e sistemático (Alves, 2004), sustenta-se de uma panóplia
de instrumentos de recolha de evidencias associadas a portefólio, fichas
de trabalho, testes sumativos, projetos, trabalho de grupo, entre outros,
ajustadas à diversidade de ritmos de aprendizagem e perfis dos alunos e
às circunstâncias em que ocorrem, permitindo ao professor, ao aluno, ao
encarregado de educação demais interessados legais obter informação
sobre o desenvolvimento do processo de formação do aluno e, com isso,
organizar a sua ação educativa no apoio ao aluno.
A CONCLUIR…
Conhecedores das dificuldades que alguns professores e inspetores
da educação têm manifestado no acompanhamento da atual reforma
educativa no que se refere ao seu contributo como professores, avaliadores
e educadores, cuja dificuldade de entendimento reside em perceber no que
consiste esta mudança paradigmática, do ponto de vista teórico e concetual
e como a podem implementar, do ponto de vista da prática pedagógica,
convidamos à reflexão sobre estas notas que aqui deixamos, que embora
incompletas face ao tempo de oração e quanto ao número de carateres
disponibilizados para a sua textualização, podem servir de motivação para o
debate em torno da problemática.
95
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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Zabalza, M. (1997). Planificação e Desenvolvimento Curricular na
Escola. Rio Tinto: Edições Asa.
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Lei nº103/IIII/90, de 29 de dezembro – Lei de Bases do Sistema
Educativo de Cabo Verde.
Decreto-Legislativo nº2/2010, de 7 de maio – Revê a Lei de Bases do
Sistema Educativo de Cabo Verde.
97
Desafios da globalização
Filosofia da Educação, Práticas Pedagógicas e
Políticas de Ensino – uma Relação Complementar e
Heurística
Carlos Bellino Sacadura
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Este artigo incide sobre os fundamentos epistemológicos da
educação, abordando a sua perspetiva no âmbito da chamada “ciência
normal” Khuniana, segundo a qual esta se limita a aplicar modelos,
métodos e valores estabelecidos no âmbito de um paradigma ou matriz
disciplinar. A docência e educação são vistas como tarefas meramente
funcionais e de cumprimento de objetivos delineados exteriormente aos
docentes. Inversamente, a ciência é concebida em termos de invenção,
criatividade e crítica, na nova epistemologia pós-positivista. Aplicando esta
visão à problemática educacional, aborda-se a função do professor como
profissional reflexivo, que deverá implicar novos modelos de formação de
docentes, e a importância da investigação em Filosofia da Educação para
repensar a teoria e prática pedagógica, assim como as políticas de educação
em Cabo Verde.
Palavras-chave: epistemologia; paradigma; matriz disciplinar;
pedagogia; Filosofia da Educação.
Abstract
This paper deals with the epistemological grounds of education,
viewed through the Khunian perspective of the “normal science”, which
implies the mere application of models methods and values developed
within a paradigm or disciplinary matrix. Teaching and education are viewed
as simple application of objectives exterior to their intervention. In the new
post-positivist epistemology, science is conceived as invention, creativity
and critics. Applying this view to education, emerges the function of the
teacher as a reflexive professional, which implies new models of teachers
formation, and the importance of Philosophy of Education to rethink
100
Desafios da Globalização
pedagogical theory and practice, as well as the politics of education in Cape
Verde.
Keywords: epistemology paradigm; disciplinary matrix; pedagogy;
Philosophy of Education.
Introdução
Esta comunicação visa compreender a problemática atual das teorias e
práticas da educação nos seus fundamentos metodológicos, epistemológicos,
estéticos, éticos e axiológicos, recorrendo aos instrumentos conceituais da
ciência, da filosofia e da sociologia contemporânea. Num tempo de crise dos
paradigmas e fundamentos clássicos de educação, ciência e sociedade, como
se pode caracterizar o presente, para pensar a teoria e praxis educacional
não basta recorrer a teorias ou práticas institucionalizadas, sendo preciso
reequacionar as próprias estruturas conceituais em que assenta a reflexão
e ação educativa, os seus métodos, objetivos e políticas.
A abordagem da problemática educacional que se pretende
desenvolver neste estudo é de tipo sistémico, incidindo nas interações entre
filosofia, ciência, pedagogia e sociedade, encaradas como se fossem círculos
concêntricos, na sua implicação mútua. Procura-se assim afastar uma visão
unidimensional da educação, que tende a perspetivá-la apenas como uma
técnica de ensino-aprendizagem, visando a aquisição de competências
de tipo informacional e funcional – ou seja, desenvolver a capacidade
para resolução de problemas e desempenho de funções no âmbito da
sociedade da informação e da economia do conhecimento. Os fundamentos
epistemológicos desta visão centrada na vertente tecnocientífica da
educação remontam ao positivismo, por isso importa começar por fazer
uma incursão na génese histórica e nos conceitos estruturantes desta
corrente de pensamento, cuja atualidade assenta tanto na retomada dos
seus pressupostos por algumas tendências pedagógicas e sociais hodiernas,
101
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
como na crítica efetuada a esses pressupostos por autores e correntes
centrais do pensamento pedagógico e sociológico contemporâneo. Desta
crítica resultam as novas epistemologias ou nova filosofia da ciência e o
pensamento pós-moderno, em rotura com o racionalismo, iluminismo e
positivismo moderno, tendo as ideias da pós-modernidade influenciado o
pensamento e a prática educacional na contemporaneidade.
O paradigma educacional positivista e o seu impacto
contemporâneo
O paradigma subjacente a esta conceção é o da ciência moderna,
resultante da revolução científica dos séculos XVI-XVII. Tendo como
protagonistas filósofos como Francis Bacon e Descartes, ou cientistas como
Copérnico, Galileu ou Kepler, desta revolução resultou uma matematização
do real, um conhecimento de tipo quantitativo, mensurável ou experimental,
e uma ciência orientada para o domínio da natureza, através da técnica.
Também se foram constituindo as disciplinas/ciências, com o seu objeto
próprio e domínio conceitual específico, conduzindo a uma crescente
especialização, que condicionaria os tipos de formação a desenvolver nos
sistemas de ensino (HENRY, 2002).
Num contexto atual, o paradigma positivista teve de sofrer
alterações visando a sua adaptação à era da globalização e da economia
do conhecimento, diferente da economia industrial do século XIX, na qual
viveu Auguste Comte, e ao serviço da qual pretendeu colocar a educação.
A economia já não é baseada na produção industrial, mas assente no
conhecimento imaterial, informacional, e a sociedade tornou-se no meio
onde esse conhecimento circula, enquanto sociedade da informação. Mas
mantêm-se os seus vetores principais: a razão instrumental, visando o
domínio da natureza, segundo a fórmula baconiana de que conhecimento
é poder, a perspetiva do conhecimento e da educação tecnocientífica, a
102
Desafios da Globalização
separação entre ética, conhecimento e educação. Toda esta visão constitui
um paradigma, termo que na sua origem grega significa modelo ou padrão,
e que o historiador e filósofo da ciência Thomas Khun definiu como “(…)
a constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros
de uma comunidade científica.” (KHUN, 1996, p. 225). Embora limitada
ao campo da comunidade científica, esta definição pode aplicar-se ao
conjunto das ideias e valores partilhados por uma sociedade, dado que
há uma permeabilidade entre esta comunidade específica e o todo social,
sendo as técnicas e as ciências parte importante da utensilagem mental –
termo usado pelo historiador Marc Bloch – de uma sociedade. O físico e
filósofo da ciência Fritjof Capra emprega o termo paradigma neste último
sentido, como pensamentos, perceções e valores que constituem uma
visão da realidade. (CAPRA, 2008) Pode-se assim afirmar que este conceito
de paradigma tem valor operatório para além da sua matriz originária no
campo das ciências experimentais, podendo abarcar a própria visão do real
e aplicar-se às teorias e práticas educacionais.
É através da educação que aqueles que são ainda cientistas ou
educadores em formação tomam contacto com uma teoria, metodologia,
um conjunto de conceitos e valores – ou seja, um paradigma - no qual
se inicia e treina, para se tornar num profissional competente. Esta
iniciação conceptual, metodológica e axiológica compete aos docentes ou
formadores, mas também é veiculada pelos livros didáticos, que espelham
o “estado da arte” em cada domínio científico, visando a transmissão dos
conhecimentos disponíveis.
Em contraste com este conceito “Khuniano” de ciência, investigação
e prática científica, a epistemologia de Karl Popper assenta no pensamento
crítico – nos antípodas do dogmático -, na revolução permanente e na
divergência – em vez do consenso -, como caraterísticas do pensamento
científico. Ao invés da ciência normal, praticada por cientistas formados
para aplicarem um método e pesquisarem de acordo com problemas ou
103
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
questões que devem ser resolvidas de acordo com regras estabelecidas – à
semelhança de um jogo de xadrez -, a ciência seria sobretudo uma atividade
“extraordinária” e revolucionária, não marcada pelo hábito, uniformidade
ou dado, mas pela imaginação, invenção, inovação ou criatividade, e o
questionamento ou problematização não se efetuam num quadro préestabelecido, paradigmático, uniforme, ou “normal”, mas no âmbito de uma
crítica dos quadros de pensamento, métodos ou conceitos estabelecidos e
colocação de novos questionamentos, fora do enquadramento conceptual
no qual o investigador foi formado – aquilo que Khun designa como ciência
extraordinária.
Também a epistemologia popperiana se pode aplicar ao campo da
educação e das ciências humanas, porque incide sobre a própria estrutura
da racionalidade, e não apenas o conhecimento disciplinar. Os processos
de ensino e aprendizagem, vistos à luz desta perspetiva epistemológica,
passam a ser vistos, não como uma atividade normalizada ou uniformizada,
mas como uma prática crítica, criativa, imaginativa ou inovadora. Aplicando
à educação o conceito de paradigma, teríamos assim uma polarização
entre dois paradigmas de ensino-aprendizagem opostos, assentes em dois
conceitos antinómicos de ciência e educação, aos quais corresponderiam
duas interpretações sobre o que é ser professor e estudante. A primeira
perspetiva é a da ciência normal, intra- paradigmática, descrita por Popper
como produto e produtora de um ensino e aprendizagem deficiente:
“Acredito (…) que todo o ensino universitário (e, se possível, de
nível inferior) devia consistir em educar e estimular o aluno a usar
o pensamento crítico. O cientista normal, descrito por Khun, foi
mal ensinado. Foi ensinado com espírito dogmático; é uma vítima
da doutrinação. Aprendeu uma técnica que se pode aplicar sem
perguntar a razão (…), não é realmente um problema fundamental
que está preparado para enfrentar; é antes um problema de rotina,
um problema de aplicação do que se aprendeu(POPPER, Karl, 1992,
104
Desafios da Globalização
in LAKATOS e MUSGRAVE (org.), 1992, pp.52-53)”.
Tanto a docência e os modelos pedagógicos, como a estrutura
organizacional, a definição dos fins ou missão das instituições de ensino,
e as políticas de educação – os níveis “micro”, “meso” e “macro” da
educação, se desenvolvem no âmbito desta tensão essencial entre as
teorias e práticas educacionais intra-paradigmáticas ou normais, inseridas
numa certa tradição ou em modelos estabelecidos, mantendo-se uma certa
continuidade na ciência e praxis educativa, e a inovação na reflexão e ação
pedagógica, ou nas políticas de educação, em rutura com a tradição e em
descontinuidade com os modelos vigentes.
Construtivismo educacional, autonomia e pedagogia
reflexiva
No campo da educação, o docente tem sempre uma adesão a teorias
e métodos que adota consciente ou inconscientemente. Mas o professor
dotado de capacidade crítica, autónoma e reflexiva, em vez de se limitar a
aplicar essas teorias ou métodos e manter inalterável a sua prática, consegue
reestruturá-la, criticá-la ou até reinventá-la, tanto em fases pontuais da sua
ação ou do seu percurso formativo, como na sua prática quotidiana. Face aos
novos saberes, novas tecnologias, valores e estruturas sociais, económicas
e políticas, o docente não pode limitar-se à funcionalidade “normal” de
transmissão e aplicação de modelos de educação pré-concebidos, nem o
aluno ser um mero recetor de informações. Ambos terão de aprender a
construir o conhecimento e a tornarem-se sujeitos autónomos, críticos e
reflexivos, tanto no plano académico como no campo sociopolítico e ético.
Conceber a docência como uma tarefa intelectual – crítica e reflexiva
– poderia parecer uma redundância ou tautologia, porque o docente
seria por definição, e “a priori”, um intelectual, distinto do funcionário
ligado ao Estado ou ao ensino privado, para o qual se exigiriam sobretudo
105
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
competências técnicas. No entanto, a massificação e burocratização do
ensino tornou-o cada vez mais numa tarefa com objetivos funcionais, uma
educação para o saber-fazer, e uma aprendizagem das competências técnicoprofissionais exigidas pelo mercado e pela economia do conhecimento,
avaliada sobretudo em termos quantitativos e pragmáticos. Um novo
paradigma de ensino-aprendizagem implica a transformação deste modelo
de “funcionarização” ou “normalização” da docência, ligado à massificação
do ensino e da cultura, em direção a um modelo reflexivo, personalizado,
crítico, e autónomo de ensino. Sem uma mudança das teorias-filosofias
subjacentes às políticas de educação e às práticas pedagógicas, não poderá
haver qualquer alteração nos projetos educacionais, tanto ao nível “macro”
das estratégias internacionais – veja-se o caso da UNESCO, organismo das
Nações Unidas para a ciência e cultura – de educação, como ao nível “meso”
das políticas nacionais de ensino concebidas ao nível governamental, ou
ainda ao nível “micro-educacional”, dos projetos concebidos no âmbito
das instituições de ensino, equipas de docentes/investigadores ou
individualmente.
As reformas da educação, que constituem um dos principais
instrumentos para reestruturar o ensino e já ocorreram em diversos
momentos em Cabo Verde, têm permanecido aquém dos objetivos
propostos, mantendo-se a continuidade das teorias e práticas educacionais,
ou até conduzindo a impasses e bloqueios, tanto devido à sua conceção em
gabinetes governamentais, longe da experiência adquirida pelos docentes
ou gestores inseridos no espaço académico, como por se ter pensado a
reforma sem reformar o pensamento – ou seja, pretendido implementar
uma nova estrutura educacional pensando-a a partir de conceitos que
continuam inalterados (MORIN, 1999).
A desvalorização da componente filosófica, cultural, social,
ética, estética ou axiológica, da educação, e das competências que lhes
correspondem, a favor da mera competência técnica, tornou os docentes
106
Desafios da Globalização
meros executores passivos de políticas, métodos, currículos e objetivos
concebidos sem a sua participação:
“A tecnologização do ensino significou precisamente este processo
de separação das fases de conceção das de execução, segundo
o qual os docentes foram relegados da sua missão de intervenção
na decisão e na planificação do ensino (…) acabando a sua função
por ficar reduzida à de meros executores de programas e pacotes
curriculares (…), ao mero cumprimento das prescrições externamente
determinadas, perdendo de vista o conjunto e o controlo sobre a sua
tarefa”. (DOMINGO, 2003, pp.18-19)
Recomendações e sugestões práticas
Desta situação resulta a importância de desenvolver a investigação em
educação – tanto nas Ciências da Educação como na Filosofia da Educação
– em Cabo Verde, sendo as Universidades espaços privilegiados para esse
fim, através da implementação de linhas de pesquisa, núcleos ou centros
de pesquisa multidisciplinar em educação, e pós-graduações – mestrados
e doutoramentos, assim como a realização de conferências nacionais
ou internacionais. Também no âmbito da formação de professores, esta
pesquisa poderia ser fundamental para formar os docentes cabo-verdianos
como profissionais reflexivos – um perfil que pode existir em casos
particulares, individualmente, mas ainda sem dimensão institucional. Os
saberes e experiências adquiridos nestas atividades e instâncias devem
poder servir para orientar as práticas pedagógicas e as estratégias de
educação em Cabo Verde, no horizonte do século XXI.
107
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Referências bibliográficas
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Cambridge University Press.
108
Desigualdade Social no Acesso ao Ensino em Cabo
Verde: Relendo Trajectórias de Escolarização de
Estudantes de Meios Sociais Desfavorecidos
Crisanto Barros
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
No decurso das últimas duas décadas, em Cabo Verde têm surgido
diversos estudos sobre o processo de evolução e expansão do sistema de
ensino formal (Afonso, 2002; Moniz, 2009; Pereira, 2010; Carvalho, 2011).
Todavia, poucos têm sido os estudos que examinam, de forma crítica e
mais incisiva, por exemplo as relações entre a desigualdade social e o
processo de escolarização de estudantes provenientes dos estratos sociais
mais desfavorecidos. Excepção seja feita ao trabalho de Manuela Afonso
(2001) que, com base nos indicadores socioprofissionais, procura relacionar
sobretudo as desigualdades sociais e as oportunidades de escolarização.
Este artigo pretende indagar até que ponto a teoria de reprodução social
- assente na posição social e no capital cultural - consegue dar conta das
dinâmicas de escolarização de crianças de meios desfavorecidos em
Cabo Verde. Em termos teórico-metodológicos, baseamos na teoria da
experiência de Dubet (1995) e nas contribuições de Charlot (2005) a respeito
da construção da relação com o saber.
Palavras-chave: desigualdade social; desigualdade escolar; estratégias
familiares; escolarização.
Résumé
Au cours des deux dernières décennies, diverses études ont été
menées au Cap-Vert à propos de l’évolution et de l’expansion du système
éducatif formel (Afonso, 2000 ; Moniz, 2009 ; Pereira, 2010 ; Carvalho,
2011). Toutefois, peu d’études ont porté un regard critique et détaillé sur la
question des inégalités sociales et le processus de scolarisation des élèves
issus des basses classes sociales. Un des travaux qui fait l’exception est celui
de Manuela Afonso (2001) qui, à partir d’indicateurs socioprofessionnels,
110
Desafios da Globalização
cherche surtout à faire le lien entre les inégalités sociales et les opportunités
de scolarisation. Cet article cherche à démontrer jusqu’à quel point la
théorie de reproduction sociale, sur la base de la position sociale et du
capital cultural, permet de rendre compte des dynamiques de scolarisation
au Cap-Vert d’enfants issus des milieux pauvres. Sur le plan théorique et
méthodologique, nous nous basons sur la théorie de l’expérience de Dubet
(1995) et les contributions de Charlot (2005) à propos de la construction de
la relation avec le savoir.
Mots clés : inégalité sociale; inégalité scolaire; stratégies familiales;
scolarisation.
Introdução
Este artigo constitui uma reflexão crítica a respeito da utilização
da teoria de reprodução social cuja tónica assenta na posição social e no
repertório cultural familiar, para dar conta das dinâmicas de escolarização
de crianças de meios desfavorecidos. Para tal, em termos teóricometodológicos, socorremo-nos das contribuições da teoria da experiência
(Dubet:1995) e da construção da relação com o saber (Charlot: 2005.). Neste
ensaio, procuramos evidenciar, com recurso a recuperação das narrativas
dos nossos entrevistados, as inúmeras estratégias individuais e familiares
postas em marcha para a invenção de possibilidades de escolarização.
De modo particular, o ensino secundário em Cabo Verde nasce sob
o signo da selectividade e da disparidade regional, excluindo a maioria
da população em idade escolar residente longe das sedes dos liceus,
primeiramente em São Nicolau, depois na cidade do Mindelo em São
Vicente e, posteriormente, na capital do país, Praia (ilha de Santiago).
Numa primeira fase até os anos 60, o universo dos diplomados do ensino
111
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
secundário (1º, 2º e 3º ciclos) compunha-se de estudantes originários de
famílias possidentes dos meios urbano e rural, que tinham condições de
suportar os elevados custos de acesso e permanência nesse que era à época
o único liceu nacional, encurtando as distâncias físicas através dos recursos
económicos. As famílias mais abastadas residentes nas ilhas periféricas
ao liceu adoptavam estratégias tendentes a minorar os custos com a
deslocação, inscrevendo os seus filhos nas escolas particulares (explicação)
locais e, posteriormente, enviando-os, no final do ano lectivo, para as
escolas centrais onde realizavam exames como alunos externos.
Manuela Afonso, ao comparar a estrutura de classes com a origem
social dos alunos, constata que a pequena burguesia dirigente e técnica e
a pequena burguesia executante detêm uma representação muito acima
do seu peso sociodemográfico. Entretanto, essa autora atenta para uma
presença não desprezível de estudantes descendentes do operariado (15%)
e do campesinato (5%), o que indicia que na escola secundária passam
algumas trajectórias de mobilidade social ascendente (Afonso, 2002: 194).
Se é verdade que as posições sociais das famílias condicionam as
oportunidades de escolarização, como sugerem os trabalhos consistentes
realizados por Bourdieu (1989) e sua equipa de pesquisa, é preciso não
obliterar que no interior de uma posição social muitas famílias conseguem
resultados escolares diferenciados. Outras vezes indivíduos oriundos de
famílias em posições sociais inferiores alcançam melhores resultados
que aqueles que teoricamente estão numa posição social superior. Como
adverte Charlot, não se deve “ter em conta apenas as posições familiares,
mas interessar-se pelas práticas educativas familiares, ou seja, as atitudes
em relação à escola mais do que a própria posição de classe” (Charlot,1997;
Ogbuapud Charlot, 1992).
Em Cabo Verde, a presença,nos liceus, de estudantes originários dos
estratos sociais mais desfavorecidos era pouco frequente e resumia-se,
até à primeira metade do século XX, aos residentes nos centros urbanos
112
Desafios da Globalização
onde se localizavam as escolas secundárias. Todavia, convém precisar
que nem a proximidade nem a isenção das taxas escolares garantiam
automaticamente a frequência dos pobres aos liceus, pois outros requisitos
como a indumentária escolar - vestuário e calçado – e os materiais didácticos
importavam custos aquém de suas reias possibilidades económicas. Na
verdade, a escolarização dos mesmos dependia de acções de solidariedade
por parte de famílias, prelado, professores, instituições caritativas, etc.
Antes de nos debruçarmos sobre algumas trajectórias de escolarização
dos jovens de famílias populares, convém pontuar algumas balizas teóricas
a partir das quais lançaremos um olhar sobre esse processo.
Breve excurso teórico sobre a desigualdade social e
desigualdade escolar
Bourdieu e Passeron, na obra Les Héritiers, postulam que as camadas
mais favorecidas são aquelas que logram melhor desempenho no decurso
de sua trajectória escolar. Asseveram, referindo-se às evidências estatísticas,
que “le système scolaire opère, objectivement, une élimination d’autant
plus totale que l’on va vers les classes les plus défavorisées”, sendo a origem
social de entre outras determinantes aquela com maior influência em todos
os níveis de experiência social” (1985: 11 a 23).
Num outro estudo conjunto sobre o sistema escolar, Bourdieu
e Passeron pretendem explicitar, de um lado, como o sistema de ensino
constitui, do ponto de vista institucional, um aparelho de imposição
simbólica da cultura burguesa legitimando a reprodução das desigualdades
sociais. Do outro, numa perspectiva individual, como o habitus de classe
incorporado no decurso do processo de socialização assegura a reprodução
legítima das posições de origem (Dubar, 2000).
Os aportes teóricos de Bourdieu e Passeron a respeito do processo
113
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
de reprodução social através da educação conheceram uma larga utilização
na Europa e nos países subdesenvolvidos onde as desigualdades sociais,
em razão das fragilidades de Estado social, ganharam enormes proporções.
Suas contribuições, ainda que tenham revelado profundas
desigualdades de oportunidades de aquisição de capital escolar no sistema
educativo francês, são insatisfatórias para explicar como os próprios
agentes, no decurso da sua trajectória social, conseguem romper com as
amarras vinculadas à sua posição no espaço social.
Conforme afirma Dubar (2000: 80), a abordagem de Bourdieu dá
conta “de uma forma de socialização que permanece sem dúvida maioritária
– a de reprodução de posições relativas e as disposições ligadas a essas
posições. Ela privilegia a continuidade em relação às rupturas, a coerência
em relação às contradições, permitindo explicar a reprodução da ordem
social, mas responde mal à produção de mudanças.
Para Charlot, Bourdieu, sob certos aspectos, filia-se à mesma tradição
que Durkheim ao construir uma sociologia assente num sujeito aprisionado.
Na verdade, esse autor ao criticar o sujeito da filosofia clássica, livre e
racional, envolve-se na redoma de apresentar uma saída epistemológica que
implica uma quase anulação do sujeito. Eis por que o sujeito bourdieusiano
é um ser social, entretanto, refém dos mecanismos de socialização a que
está submetido (Charlot, 1992: 37).
Nesse sentido, Bourdieu ao introduzir na sua teoria um lugar para
o psiquismo, este não é pensado em referência a um sujeito, mas a um
psiquismo de posição, negligenciando, como adverte Charlot, o facto de
que o indivíduo não interioriza o mundo, ele se apropria dele na lógica do
sujeito – o que é totalmente diferente.Todavia, as teorias de reprodução
de que Bourdieu é um dos melhores expoentes não conseguem explicar
os casos marginais. Por exemplo, como é que uma parcela das crianças
de famílias desfavorecidas alcança sucesso nas escolas e uma fracção de
camadas favorecidas não o obtém (Charlot, 1992: 20).
114
Desafios da Globalização
Para Charlot, a força da sociologia de Bourdieu é de “relembrar
incansavelmente contra a filosofia de consciência que o sujeito é social,
mesmo que pareça ser o mais íntimo. Entretanto, esta sociologia exclui o
sujeito da psicologia”. Se é verdade que todo o sujeito pertence a um grupo
social, ele não se reduz a essa pertença. Ele interpreta essa posição, faz
o juízo do mundo, age sobre ele, e é confrontado com a necessidade de
aprender diversas formas de saber – e sua relação com o saber é o efeito
desses múltiplos processos (Charlot, 2005: 39 a 41).
Na perspectiva de Charlot, a abordagem de Bourdieu comporta em si
várias limitações. Primeiro, o facto de decalcar a posição social das famílias
das categorias socioprofissionais gera alguma imprecisão. Como demonstra
Laurens (1992), “la position sociale des grands-parents pouvait avoir un effet
sur la position scolaire des enfants, notamment en cas de contre-mobilité (le
fils rejoint une position qui était celle du grand-père et avait été perdue par
le père” (Laurensapud Charlot, 2005).
A segunda limitação prende-se com o facto de a homologia ser uma
relação matemática e não um princípio de efectividade. O problema reside
em como se processa a reprodução, pois a posição de uma criança não é uma
herança que passaria de uma geração à outra pela vontade testamentária,
ela se produz por um conjunto de práticas familiares. O sucesso escolar não
é apenas uma questão de capital, mas de trabalho, mais precisamente de
actividades, de práticas. Por exemplo, a prática religiosa e o militantismo
podem, em contextos específicos, ter um efeito sobre o desempenho
escolar das crianças (ibidem: 22 a 23).
Numa perspectiva crítica em relação aos aportes de Bourdieu, a
abordagem de François Dubet pretende escapar ao determinismo social
inerente a uma abordagem sistémica da sociedade na qual o indivíduo se
subsume, através da socialização, aos imperativos do mundo social. Ele
funda a sua teoria sobre a experiência social a partir da reconstrução da
sociologia compreensiva de Max Weber, que assenta no sentido que os
115
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
indivíduos imputam às suas acções (Dubet, 1995; Weber, 1991: 3 a 35).
Para Dubet, cada experiência social resulta da articulação de três
lógicas de acção: a integração, a estratégia e a subjectivação. Assim, na
lógica de integração, o actor se define pelo seu pertencimento, tendo em
vista manter ou reforçar no seio de uma sociedade considerada enquanto
um sistema de integração. Na lógica de estratégia, o actor busca realizar a
concepção que ele faz dos seus interesses numa sociedade concebida como
mercado. No registo de subjectivação social, o actor se representa como um
sujeito crítico confrontado a uma sociedade definida como um sistema de
produção e de dominação” (1995: 111;Cf.Duru-Bellat, 2002).
Na concepção desse autor, “o indivíduo torna-se um sujeito autónomo
na dissidência e no conflito, na distância através da crítica, da capacidade de
análise e de explicação mobilizado pelos actores que recusam ser reduzidos
às categorias de integração” (Dubet, 1995: 255).
Em suma, a escolarização é resultado de um complexo processo de
interacção social em que o indivíduo, portador de múltiplas significações,
aprende e se apropria do mundo, construindo-se nessa dinâmica.
Antes de explicitarmos as diversas carreiras de escolarização de
estudantes de meios populares, afigura-se-nos importante caracterizar
as suas diversas situações de pertença familiar, enquanto factor essencial
que permite situar os contextos a partir dos quais definem suas estratégias
individuais e colectivas.
Relendo trajectórias de escolarização de estudantes de
origem social pobre
Para a compreensão da trajectória de escolarização, recorremos ao
conceito de carreira proposto por Becker cuja perspectiva teórica articula
várias dimensões de análise no processo da construção da carreira individual
116
Desafios da Globalização
(Martinielo et al., 2010: 9). Segundo Becker a carreira constitui um processo de
mudança de status ou posição que deve ser analisada não como uma sucessão
lógica de etapas mas, antes pelo contrário, como um processo de mudanças
possíveis condicionadas por uma série de factoresa diferentes níveis, a saber:
macro, micro e intermédio (Beckerapud Martiniello, 2010: 12 a 13).
Para quem pertencia a segmentos das camadas populares, o acesso
e a permanência no ensino elementar, na década de 60 do século XX,
implicava um intrincado processo de escolarização, como nos relata os
nossos entrevistados:
“(…) Eu morava em Achada Funda. Fui a escola em Achada Galego,
fui ao Engenhos, depois fui ao Gil Bispo. Tudo a pé. Estudar não era
coisa fácil, era preciso ter muita vontade, muita gana para andar
meio mundo para chegar a escola e voltar a casa e fazer os trabalhos
domésticos. (…) Entrei na escola oficial com 9 anos por que o meu pai
não encontrara vaga para me acolher em Assomada, pois as pessoas
que residiam na vila tinham mais chances de matricularem os seus
filhos. Iniciei as primeiras letras na escola dos padres, mas não me
serviu de muita coisa porque reprovei-me logo na 1ª classe na escola
oficial (…) (Entrevistado 1).
Um outro entrevistado, conta-nos os seus primeiros passos de
escolarização nestes termos:
“ (…) Fiz o primário no ensino particular. O meu professor, chamo-lhe
com muito carinho, era senhor José Alves, foi morar nos Órgãos neste
tempo. Foi a pessoa que me marcou de forma decisiva. Quando fui
à escola aprender o A B C, tinha 10 anos. Ele tinha uma oficina de
carpintaria, uma sala de aula ao lado mercearia. Marcou-me porque
ele era uma pessoa muito atenta aos alunos. Na mesma sala conviviam
crianças de diferentes níveis (turma composta). (…) Fiz a cartilha e
117
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
depois passei para a 1ª classe. Ele dava castigos horríveis! No ano
seguinte, fui matriculado na escola oficial em 1960. Poucas crianças
iam à escola nessa época, pois a maioria dos pais era analfabeta e
às vezes não via na escola muita utilidade. A vida era trabalhar para
sobreviver e por isso os filhos ajudavam nos trabalhos agrícolas (…)”
(Entrevistado 2).
Ambas as situações revelam que para uma franja da população rural o
acesso ao ensino primário não se inicia pela via tradicional de escolarização
através das instituições oficiais – as antigas escolas centrais ou do rei cravadas nos centros urbanos das vilas e cidades. As escolas paroquiais
e particulares formavam vias de acesso privilegiadas para este universo
populacional, cujas famílias tinham de conciliar os afazeres domésticos para
garantir a sobrevivência e, ao mesmo tempo, entrever na escolarização
outras oportunidades. O ingresso tardio no ensino primário resulta da
incipiente cobertura da rede escolar no meio rural, da situação económica
precária em que vivem as famílias colocadas sob os imperativos da luta
pela subsistência e do baixo capital cultural, tornando a escolarização mais
distante dos seus horizontes.
Assim, nos concelhos do interior de Santiago, as iniciativas importantes
de escolarização e consciencialização das famílias das localidades encravadas
devem-se às acções de importantes figuras religiosas. Em Santa Catarina foi
a acção do padre Louis Allaz1 nos finais da década de 50, que impulsionou
uma grande vaga de escolarização.
De acordo com o nosso informante, as estratégias adoptadas pelo
referido vigário para alargar o processo de escolarização à população
campesina eram diversas. Desde a sensibilização das famílias mais pobres
para inscrição das crianças nas escolas, especialmente das meninas até
então excluídas do sistema, até à mobilização das mesmas para a coparticipação no processo de financiamento da expansão do ensino. Nessa
1 Louis Allaz, afecto à Congregação dos Espiritanos, é originário da Suíça. Chegou a Cabo Verde, em
1947, tendo sido vigário da paróquia de Santa Catarina.
118
Desafios da Globalização
missão, ele contava com o apoio dos serviços da educação no pagamento
do salário dos professores.
O processo de alargamento da escolarização primária através da
criação das escolas paroquiais requeria, entretanto, uma participação das
famílias nos custos do seu funcionamento. Essa prática informal, amiúde
obliterada nos registos oficiais, revela que o sistema de ensino não era de
todo gratuito para alguns nichos do meio rural cujos primeiros contactos
com a escolarização se estabelece um século após a sua regularização no
arquipélago a partir de segundo quartel do século XIX.
Um dos nossos entrevistados, actualmente docente do ensino
superior e antigo aluno da escola paroquial no concelho de São Miguel
(ilha de Santiago) conta-nos que durante o seu processo de escolarização
primária, em 1959, as famílias comparticipavam com o que apelidavam de
“real de sabro” (real de sábado). Não descortinamos o significado preciso
dessa expressão, mas indicia que a palavra real simbolize, provavelmente,
um valor com que as pessoas contribuíam aos sábados.
Na realidade, tratava-se de uma contribuição em géneros que cada
família atribuía ao professor em compensação pelo ensino ministrado. Cada
professor acordava com os familiares a contribuição a ser feita, sendo que
aqueles que não dispunham de condições não o faziam, o que, entretanto,
não era habitual. Praticamente todos procuravam co-participar com uma
oferenda ao professor, nomeadamente em géneros alimentícios, desde
ovos, milho, feijão, papaia, banana e até feixe de lenha e o apoio no cultivo.
Normalmente, quando se retrata o processo de escolarização tendese a homogeneizar as oportunidades de acesso, em geral, mais facilitado no
espaço urbano, onde se localizava a maioria das escolas, apesar de albergar
uma menor demografia, quando, na verdade, existiam disparidades
acentuadas e estratégias familiares distintas para a viabilização do ensino.
Nesta perspectiva, quando se refere ao processo de escolarização no campo
torna-se também importante considerar outros aspectos, cuja memória não
119
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
é de todo traduzida nos boletins oficiais ou nos documentos de divulgação
do Estado.
Para largas franjas da população rural cabo-verdiana, a escola primária
era nos finais dos anos 60 ainda um espaço distante do seu habitat. A
frequência à escola primária exigia um enorme esforço familiar e individual
a quem era oriundo do interior de Santiago, Santo Antão, Fogo. Mesmo
num espaço urbano como a cidade a Praia até os derradeiros anos da
década de 40, existia, apenas uma escola central localizada no Plateau. Em
suma, o acesso e a conclusão dos estudos primários mantiveram-se até aos
anos 60 extremamente selectivos, beneficiando especialmente os estratos
médio e alto dos centros urbanos, onde existia, na sede dos concelhos, pelo
menos uma escola central e, em alguns casos, postos escolares nos bairros
periféricos. O alargamento das oportunidades de acesso à escolarização
primária no meio rural a partir dos anos 50 deve-se, numa primeira fase, às
acções de padres e congregações religiosas, em maior expressão católicas,
que pretendiam elevar o nível educacional e cultural das populações no
quadro da renovação das acções da diocese de Cabo Verde.
No tangente ao ensino secundário, até a década de 60, poucos
estudantes das famílias muito pobres das outras ilhas acediam ao liceu em
São Vicente. O alargamento das oportunidades ocorre em resultado dos
efeitos das políticas sociais das congregações religiosas, do Estado tardocolonial, com a institucionalização do ciclo preparatório e com a abolição dos
exames de admissão ao liceu (Afonso, 2002; Moniz, 2009; Carvalho, 2011),
e das remessas dos emigrantes que tornam o rendimento familiar mais
estável e seguro, capaz de propiciar alguma mobilidade espacial. Vejamos o
que nos diz um entrevistado que percorre o processo de escolarização nos
finais dos anos 70:
Para as famílias pobres do interior de Santo Antão, a continuidade do
ciclo de escolarização em São Vicente dependia essencialmente da existência
de redes familiares e de parentesco capazes de proporcionar-lhes a estadia
120
Desafios da Globalização
e alimentação, ainda que esta seja feita de forma compartilhada através do
envio de géneros alimentícios e outros bens. O facto de ser oriundo de uma
família humilde, cujos irmãos não ultrapassaram as barreiras do primário,
o futuro se lhe apresenta não como uma repetição do passado, mas como
algo a ser construído e redireccionado. Diz ele:
“(…) No liceu Ludgero Lima era um aluno mui empenhado, pois sabia
o que os meus pais esperavam de mim. Eles faziam muito esforço para
me manter em São Vicente. Eu guardava a imagem dos meus irmãos
que haviam concluído apenas o primário. (…). Após a conclusão do
liceu, ganhei do Governo uma bolsa e fiz a minha formação superior
(…)”(Entrevistado 4).
Para as camadas sociais mais desfavorecidas do interior de Santiago,
o acesso ao ensino secundário torna-se possível e de algum modo previsível,
com a instalação de uma secção do liceu Gil Eanes na Praia, em 1956,
no antigo edifício da Serbam, no Plateau, e com criação do liceu Adriano
Moreira em 1960.As vias de acesso à escolarização dependiam de dois
factores importantes: as redes de afinidades familiares e as infra-estruturas
religiosas de educação e formação que, à época, se resumiam à Congregação
dos Espiritanos e ao Seminário de São José. A vinda ao seminário2 de muitos
estudantes do interior de Santiago, em alguns casos da Praia e das outras
ilhas do sul do arquipélago não se devia necessariamente à suposta vocação
dos mesmos para a vida religiosa, antes pelo contrário revelava-se como
única oportunidade de essas famílias desprovidas de redes familiares
de apoio na Praia acederem à escolarização secundária. Afirma o nosso
entrevistado o seguinte:
“ (…) Meus pais fazem parte de uma família religiosa. Fiz o primário na
escola paroquial e depois consegui entrar no seminário para estudar.
2 O Seminário São José, sito na Ponta Temerosa, cidade da Praia, integra inicialmente, alguns edifícios
cedidos pelo Governador de Cabo Verde, foi inaugurado em 1957. Conta o padre Caetano Pimenta
Pereira que nesse primeiro ano a instituição funcionou com apenas 9 alunos (Cf- ARTILETRA nº72, Nov2005).
121
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
(…) Era a única hipótese que eu tinha, pois sendo do Tarrafal e vir ao
liceu Domingos Ramos colocava o problema de onde ficar? As outras
opções eram muito caras (…)” (Entrevistado 5).
Para os estudantes oriundos das famílias mais desfavorecidas, os
seus recursos esgotavam-se na escolarização primária, requerendo o
acesso ao ensino secundário a mobilização de novos recursos e de adopção
de estratégias múltiplas. As suas redes sociais reduziam-se, por um lado,
aos seus familiares e parentes (tios, primos, padrinhos, etc) que, residindo
nos espaços urbanos, minoravam os custos de acesso à escolarização
secundária. Por outro, à inserção em redes religiosas às quais acediam
através do contacto privilegiado com o pároco local e com as congregações
religiosas.
Pistas conclusivas
Com o advento do Estado pós-independência, no quadro de
um projecto político ambicioso de transformação social, edifica-se um
amplo programa de alargamento dos ensinos secundário e superior, que
alteraram completamente o perfil social dos estudantes. Assim, com a
implementação da reforma do ensino, consolida-se as oportunidades de
formação secundária e superior dos estratos altos, amplia as dos estratos
médios, outrora, obrigados a cadenciar as suas pretensões relativas ao
processo formativo prenhe de incertezas. De igual modo, inclui a maioria
dos estudantes originária dos estratos sociais baixos, outrora, excluída do
ensino superior.
Importa realçar que se a existência, durante largas décadas, de apenas
duas escolas secundárias nos dois maiores centros urbanos (Mindelo e Praia)
constituía um factor de exclusão social, não é menos verdade que o acesso
a essas escolas permitia um contacto de estudantes provenientes dos mais
diversos estratos sociais. Assim, o sistema de ensino excludente em termos
122
Desafios da Globalização
de acesso incluía, paradoxalmente, os estudantes mais desfavorecidos em
novas redes de sociabilidade3, a que estavam desconectadas nos seus locais
de origem. Neste sentido, o acesso à escola secundária por ser um espaço
de interacção interclassista propiciava a inserção em novas redes sociais,
com implicação no acesso a recursos pedagógicos (livros, dicionários) e no
processo de aprendizagem. Ademais, favorecia a aquisição de um capital
social com efeitos importantes no acesso a oportunidades de emprego.
Quando nos referimos à reprodução escolar das posições sociais
dos estudantes, estamos a aludir a quê propriamente? Um dos aspectos
evidentes no processo da reprodução escolar é que ela resulta da repartição
histórica desigual das oportunidades de acesso à escolarização dos
diferentes estratos sociais, que se estrutura com a edificação do sistema de
ensino primário e secundário desde o segundo quartel do século XIX. Assim,
a maioria da população estava ausente do espaço escolar em razão da
deficiente rede de ensino e dos parcos recursos económicos e culturais de
que dispunha para superar as barreiras que a fixação na periferia impunha.
Entretanto, na perspectiva de Bourdieu (2008), o acesso desigual à
escolarização é a dimensão menos relevante no processo da reprodução
escolar, pois esta decorre essencialmente da reprodução de um arbitrário
cultural a que os grupos sociais mais favorecidos se apropriam de forma mais
vantajosa. Nesta perspectiva, a vivência escolar é, do ponto de vista cultural,
uma extensão do habitus incorporado no seio da família, sedimentado ao
longo de várias gerações.
No caso cabo-verdiano, todavia, as desigualdades sociais entre os
estudantes descendentes de famílias mais favorecidas (médios e grandes
comerciantes, proprietários de terra e de funcionários intermédios) e os
originários dos estratos desfavorecidos (filhos de pedreiro, carpinteiro,
3 Em França, onde o acesso à escola pública obrigatória é um direito que remonta ao século XIX a
segregação espacial das classes sociais impede que a escola seja um espaço de interacção interclassista,
com consequências evidentes na inserção dos pobres nas redes sociais mais favorecidas e, portanto, na
apropriação do capital social (Cf.Pinçonet Pinçon-Charlot, 2002: 12).
123
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
doméstica, pescador) não implicavam, necessariamente, numa enorme
desigualdade em termos de repertório cultural.
De referir que parte importante dessas famílias mais favorecidas
não procedia à reconversão do seu capital económico num activo cultural
valorizado pela escola (hábitos de leitura adquirida no espaço doméstico,
visitas a museus, centros de cultura especializada), uma vez que esses
recursos não abundavam no mercado cultural nacional e, outras vezes, nem
sequer eram percepcionados como necessários para a sua auto-afirmação.
Com efeito, a relação com o saber não resulta de uma vivência cultural
específica anterior, mas é adquirida na própria experiência que cada indivíduo
estabelece no espaço escolar com novos colegas, professores e em alguns
casos com os próprios funcionários. Eis por que uma proporção importante
de estudantes de meios sociais desfavorecidos obtém sucesso escolar, mau
grado as suas condições sociais adversas. O escopo desta investigação não
aborda de forma sistematizada e aprofundada a experiência escolar dos
estudantes a ponto de testar o alcance dessa hipótese.
De todo modo, afigura-se-nos que a transposição do modelo
explicativo proposto por Bourdieu a respeito do processo de reprodução
social escolar decorrente da posição social e do habitus cultural a ela
associada sem se acautelar qual a natureza da desigualdade que está
em causa na construção da trajectória escolar pode não ter o potencial
explicativo que geralmente se supõe.
124
Desafios da Globalização
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126
EDUCAR PARA QUÊ?
REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA ORIENTADA PARA
O DESENVOLVIMENTO HUMANO
Dulciene Anjos de Andrade e Silva
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Brasil
[email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
O movimento científico do século XX, alterando radicalmente a
visão da modernidade ao compreender os fenômenos a partir de um olhar
sistêmico e complexo, empreendeu avanços significativos em vários campos
do saber, inclusive no âmbito das disciplinas que fundamentam a educação,
trazendo importantes implicações para a compreensão do processo de
ensino-aprendizagem. Estudos passaram a apontar a necessidade de que
a educação, superando o enfoque estritamente racionalista característico
da modernidade, pudesse se comprometer com a formação integral
do educando, orientando-se para o desenvolvimento humano em sua
multidimensionalidade. Entretanto, apesar de fundamentar a formação
docente e referenciar documentos oficiais responsáveis pelas diretrizes
do ensino, tais proposições não têm sido in-corpo-radas à efetiva ação
pedagógica docente - nem consideradas por programas e leis educativos
atuais que, orientados para a crescente vocação do aceleramento escolar,
ou da intelectualização precoce, têm-se distanciado do ideal da promoção
do desenvolvimento humano. Ao transcender a concepção reducionista e
instrumental do processo de aprendizagem integrando o pensar, o sentir
e o fazer no processo formativo do educando, a Pedagogia Waldorf se
apresenta como uma alternativa educacional consoante com os princípios
da educação para o século XXI, indicando caminhos possíveis em direção
a um fazer docente efetivamente orientado para o binômio educação e
desenvolvimento humano.
Palavras-chave: educação; desenvolvimento humano; Pedagogia
Waldorf.
128
Desafios da Globalização
Resumen
El movimiento científico del siglo XX alteró radicalmente la visión de
la modernidad al buscar una comprensión de los fenómenos a partir de
una mirada sistémica y compleja. Proporcionando avances significativos
en diversos campos del saber, incluso en el ámbito de las disciplinas
que fundamentan la educación, trajo importantes implicaciones para la
comprensión del proceso de enseñanza-aprendizaje. Estudios empezaron
a enfatizar la necesidad de que la educación, superando el enfoque
estrictamente racionalista característico de la modernidad, pudiera
comprometerse con la formación integral del educando, orientándose para
el desarrollo humano en su multidimensionalidad. Sin embargo, a pesar
de fundamentar la formación docente y referenciar documentos oficiales
responsables por las directrices de la enseñanza, tales proposiciones no han
sido in-corpo-radas a la efectiva acción pedagógica docente - ni tampoco
consideradas por programas y leyes educativos actuales que, orientados para
la creciente vocación del aceleramiento escolar, o de la intelectualización
precoz, se ha distanciado del ideal de la promoción del desarrollo humano.
Al transcender la concepción reduccionista e instrumental del proceso
de aprendizaje integrando el pensar, el sentir y el hacer en el proceso
formativo del educando, la Pedagogía Waldorf se presenta como una
alternativa educacional que se adecua a los principios de la educación para
el siglo XXI, indicando caminos posibles en dirección a una práctica docente
efectivamente orientada para el binomio educación y desarrollo humano.
Palabras-clave: educación; desarrollo humano; Pedagogía Waldorf.
129
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
1. Para começo de conversa...
A educação moderna, herdeira da tradição epistemológica
racionalista e mecanicista, destacou-se por reproduzir a fragmentação entre
as instâncias da experiência humana, instituindo um ensino orientado para
a aprendizagem conceitual e promovendo a dissociação entre o pensar,
o sentir e o fazer do educando. Nesse contexto, o processo de ensinoaprendizagem voltou-se para o desenvolvimento do pensar, eximindo-se de
integrar no currículo habilidades que, ligadas aos domínios do fazer e do
sentir, pudessem tornar a educação uma experiência mais significativa para
os estudantes (Andrade e Silva, 2004).
Ao hipertrofiar a razão, porém, este modelo tem gerado um profundo
irracionalismo, constatado tanto na crise da educação quanto em outros
problemas que afligem a humanidade. Ao centrar-se na transmissão de
conteúdos, a educação racionalista pôde, na melhor das hipóteses, mostrarse eficaz na produção de mais conhecimentos teóricos. Mas, por nem sempre
promover aprendizagens significativas, não contribui para que conceitos
sejam revertidos em condutas. Ademais, a civilização erguida sob o signo
do saber objetivo tem gerado um grande impacto quanto à transformação
da natureza, sem ocupar-se das consequências dessa ação: um enorme
desequilíbrio no meio ambiente. Uma vez que os saberes adquiridos através
da educação referem-se tão somente a aspectos conceituais, sendo carentes
de significação e de valor, é natural que as ações dos indivíduos se mostrem
apartadas da responsabilidade social.
No início do século XX, descobertas realizadas no campo da física
deram impulso ao desenvolvimento de um novo modo de compreender
a realidade, caracterizado por buscar a inter-relação entre os fenômenos
complexos dissociados pelo olhar moderno, como corpo-mente, espíritomatéria, inteligência-afetividade, sentir-pensar-fazer... (Capra, 1982). Essa
tendência tem também se expressado no pensamento educacional: vários
são os estudos que têm buscado reintegrar o que fora descartado na
130
Desafios da Globalização
educação em função da ênfase ao racionalismo estrito.
Tais estudos têm sinalizado a necessidade de se promover uma
educação que, superando a abordagem conteudista e instrumental, não
esteja focada apenas no desenvolvimento cognitivo dos educandos, mas que
também possa considerar suas demandas emocionais e afetivas, cultivando
sua sensibilidade e suas habilidades sociais, em prol do seu desenvolvimento
global. Uma educação que, buscando promover aprendizagens significativas,
contribua para o “apoio, estímulo e facilitação do crescimento do aluno
como um ser humano, incluindo seu desdobramento cognitivo, emocional,
ético, criativo e espiritual” (Armstrong, 2008, p. 48).
Embora esse movimento tenha ressignificado o conceito de
educação, a prática cotidiana das nossas escolas não se tem mostrado
coerente com seus fundamentos, refletindo, ainda, a concepção abstrata
e mecânica do processo de aprendizagem e espelhando o enorme abismo
entre o pensar, o sentir e o fazer.
Após observar que leis, programas e práticas educativas têm se
mantido distantes do que sinalizam as pesquisas que refletem o novo
paradigma educacional, este artigo destaca a Pedagogia Waldorf como
uma alternativa que, ao voltar-se para a multidimensionalidade do
processo educativo, tem se caracterizado por buscar o desenvolvimento
do educando enquanto ser humano global.
2. O paradigma educacional emergente: a teoria, na prática,
é outra...
Os estudos de epistemologia genética realizados por Jean Piaget na
primeira metade do século XX, e difundidos nas faculdades de formação
de professores, nem sempre se apresentam refletidos no cenário
educacional - o que revela uma das limitações geradas pelo modelo de
131
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
educação da modernidade: a dificuldade de in-corpo-rar à prática os
princípios “aprendidos” teoricamente. Em que pese o fato de as pesquisas
piagetianas anunciarem que o desenvolvimento da inteligência da criança
obedece a etapas caracterizadas por formas distintas e progressivamente
mais complexas de organização mental (o que justifica a importância de
os objetivos escolares serem estabelecidos a partir das características
específicas de cada estágio de maturidade cognitiva da criança), um
fenômeno muito comum demonstra o grande fosso que tem separado
as contribuições dos estudos piagetianos das efetivas práticas e modelos
educativos: a multiplicação de leis, documentos e programas voltados para
a aceleração da escolarização das crianças.
Sob o argumento de que quanto mais cedo as crianças sejam iniciadas
na alfabetização linguística e matemática melhor desempenho terão na
vida acadêmica e no mercado de trabalho, tais iniciativas têm buscado
uma “conexão entre a pré-escola e o ensino fundamental” e a “criação de
transição suave entre ambos”, escondendo que, na maioria das vezes, “o
objetivo é organizar a educação infantil do modo mais parecido possível
com a educação no ensino fundamental, e não o contrário” (Armstrong,
2008, p. 78). As crianças estão começando a lidar com números e letras cada
vez mais precocemente, sem ainda manifestarem a maturidade intelectual
necessária para a manipulação de símbolos.
Conforme Piaget (1967), a maioria das crianças atinge essa
capacidade aos aproximados sete anos, quando conseguem operar os
símbolos mentalmente, demonstrando habilidade de solucionar problemas
concretos. As atuais pesquisas da neurociência (Corso, 2009) também
elucidam que, antes dos seis/sete anos, os prolongamentos dos neurônios
da criança ainda não completaram o processo de mielinização, ou seja,
os axônios ainda não foram suficientemente revestidos para permitir a
passagem eficiente de impulsos elétricos - o que caracteriza a maturidade
e a solidez estrutural do cérebro para atividades mais abstratas, como a
132
Desafios da Globalização
manipulação de símbolos requerida pela alfabetização.
As consequências negativas de se desconsiderar as alterações
biológicas e neurológicas de cada estágio de desenvolvimento da criança
em seu processo de educação em prol de uma intelectualização precoce são
preocupantes. Sintomas como angústia, dificuldade de concentração, perda
de motivação têm conduzido muitas crianças e adolescentes a consultórios
médicos e psicoterápicos. Por outro lado, crianças iniciadas na leitura e
escrita precocemente são identificadas, em geral, por alcançarem os índices
mais altos de repetência nas séries mais avançadas - além de manifestarem
menos espontaneidade para a leitura do que as que foram alfabetizadas
mais tarde (Currie; Thomas,1995).
O estímulo à racionalização precoce não está restrito à pré-escola
ou às classes iniciais. A tendência hegemônica do ensino é antecipar a
iniciação acadêmica dos estudantes, roubando-lhes a oportunidade de
experienciar uma educação que contemple as suas múltiplas demandas
enquanto ser humano em formação - mesmo se multiplicando estudos que,
como o documento elaborado para a UNESCO, anunciam que “a educação
deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa - espírito e corpo,
inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal,
espiritualidade” (Delors, 2001, p.99).
Em minha pesquisa de doutoramento (Andrade e Silva, 2010), me
deparei com um modelo que, na contramão da vocação hegemônica, tem
avançado quanto à concepção e ao método de educação, caracterizandose por superar o viés instrumental e estritamente racionalista da educação
moderna e por voltar-se para a multidimensionalidade do processo
educativo. Trata-se da Pedagogia Waldorf, iniciativa idealizada por Rudolf
Steiner em 1919, na Alemanha, e hoje praticada em mais de 800 escolas no
mundo.
133
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
3. Por uma educação voltada para o desenvolvimento
humano: dialogando com a Pedagogia Waldorf
Para elaborar o currículo e as orientações de sua pedagogia, Steiner
buscou conhecer quem é o homem. Todo o currículo Waldorf, desde
as estratégias didáticas até o conteúdo das disciplinas, mostra-se, pois,
profundamente articulado com as necessidades que o educando apresenta
em cada fase de seu desenvolvimento.
Na Pedagogia Waldorf, o estudante é considerado uma individualidade
que apresenta um corpo físico, uma alma e um espírito. O amadurecimento
de cada um desses componentes segue uma progressão baseada em ciclos
de sete anos, denominados “setênios”. Steiner (2003) explica que, em
cada um desses períodos, o indivíduo passa por modificações biológicas,
fisiológicas e cognitivas específicas que vão exigir do ensino atitudes,
orientações e métodos de aprendizagem diferenciados.
No primeiro setênio (0-7 anos), quando se desenvolve a corporalidade
física da criança, o sistema metabólico-motor (base do “fazer” adulto) está
em pleno funcionamento e em progressiva organização. O movimento é
a linguagem por excelência da criança e, através dele, os pequenos não
apenas se deslocam no espaço, mas agem sobre o meio, comunicando-se e
se expressando mais do que conseguem fazê-lo com a palavra. A experiência
motora é o alicerce não apenas do seu desenvolvimento físico e motor, mas
de todo seu desenvolvimento emocional, neurológico e até mesmo cognitivo,
desempenhando um papel bastante ativo nas estruturas neurológicas que
serão requeridas em seu futuro processo de aprendizagem.
Para atender a tais peculiaridades, as escolas Waldorf priorizam
a livre movimentação da criança e o brincar. Enquanto na educação
infantil convencional é comum que se exponham as crianças a períodos
de imobilidade mais longos do que o seu sistema metabólico motor pode
suportar (para que realizem atividades preparatórias para a leitura e escrita
ou ao domínio matemático), no Jardim Waldorf as crianças brincam - e
134
Desafios da Globalização
muito! Cuida-se para que esse brincar seja movido a partir da demanda
da criança: o mais importante é que ela possa permanecer ao máximo
no estado de fantasia proporcionado pela brincadeira, para que a sua
imaginação seja exercitada - e é este também o motivo pelo qual também
todos os dias os professores recorrem a um recurso fundamental, que é a
contação de histórias.
Segundo Steiner (e pesquisas sobre desenvolvimento infantil), o jogo
simbólico (como o faz de conta) e a criação de imagens internas (vivenciada
pela criança ao lhe narrarmos uma história, por exemplo) são a base do
futuro pensamento do adolescente e do adulto. As imagens construídas
mentalmente pela criança requerem interações entre muitos campos
neurais: quanto mais duradouras forem tais interações, mais fortes se
tornarão a sua atenção e conceituação (Pearce, 2002). Assim, funcionam
como uma ginástica mental, preparando as estruturas cerebrais para o
futuro pensamento simbólico e metafórico que o indivíduo desenvolverá
tanto nos estágios que Piaget (1967, 1975) denominou de operatório
concreto (ou que Steiner denomina segundo setênio), quanto de operatório
formal (ou terceiro setênio).
Portanto, embora as práticas de aceleramento escolar busquem
estimular o quanto antes as habilidades cognitivas da criança, essa
estimulação precoce será muito mais danosa ao desenvolvimento cognitivo
do que salutar. Ao contrário, o brincar, o movimento, o ouvir histórias são
atividades que ajudarão a criança no desenvolvimento de suas capacidades
para o futuro exercício de raciocínio e de abstração.
Através da narração de histórias, os estudantes Waldorf são iniciados
no aprendizado de muitos conteúdos formais, como os números e as letras
do alfabeto - mas isso só ocorre a partir do primeiro ano, pois, na Pedagogia
Waldorf, diferente do que tem sido estimulado inclusive por leis e programas
oficiais, as crianças são iniciadas na leitura e escrita aproximadamente aos
seis anos e meio, quando, como atestam Steiner (2003) e também Piaget
135
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
(1967, 1975), elas dispõem de recursos cognitivos e/ou neurológicos para
operações objetivas exigidas pela alfabetização.
É no segundo setênio (7-14 anos), na fase “do sentir”, quando
o processo de maturação orgânica, já concluído, cede espaço para o
desenvolvimento anímico (ou psico-emocional), que a criança, em intensa
vivência emocional (favorecida pelo desenvolvimento das suas emoções, dos
seus sentimentos), é ao mesmo tempo mobilizada pelo desabrochar de suas
faculdades psíquicas (progressivamente utilizadas a serviço do pensamento
e da aprendizagem). Buscando respeitar o desenvolvimento da criança,
o ensino fundamental elege a arte como grande aliada: todo conteúdo é
vivenciado em diversas modalidades artísticas, sendo acompanhado de
emoção e de estética, para que, envolvida sentimentalmente, a criança
possa vivenciá-lo de forma significativa.
Como, nesta fase, o mundo é compreendido pelo estudante pelo seu
aspecto e pela configuração dos seus fenômenos, tal ensino busca conduzir
toda aprendizagem a partir da vivência, da observação e da descrição dos
fenômenos - e não de forma teórica (Lanz, 2003). Só a partir do terceiro
setênio (14-21anos), na “fase do pensar”, quando é concluído o processo
de desenvolvimento anímico e iniciado o desenvolvimento espiritual do
adolescente (ou da sua individualidade), despertando-se progressivamente
as forças do pensar lógico e analítico, os adolescentes são iniciados no
cultivo do pensar abstrato e conceitual, base para a formação do julgamento
pessoal.
Enquanto no ensino fundamental os conteúdos giravam em
torno da realidade (e não da abstração), de modo que os estudantes
eram conduzidos à observação e à descrição dos fenômenos (mas nunca
à sua compreensão abstrata), no ensino médio o currículo volta-se para
a abordagem das teorias conceituais. Essa indicação de Steiner encontra
ressonância em Piaget: ambos afirmam que, somente quando apresenta
estruturas mentais que possibilitam realizar operações baseadas num
136
Desafios da Globalização
raciocínio abstrato (período das operações formais ou abstratas, para Piaget
e terceiro setênio, para Steiner) é que o adolescente estará apto ao estudo
da realidade fundamentado no exercício científico e intelectual.
Mas, quais os efeitos dessa Pedagogia na vida de seus egressos?
Pesquisas (Barz; Randoll, 2007, Gerwin; Mitchell, 2007) apontam
que os ex-estudantes Waldorf apresentam um perfil diferenciado com
relação aos egressos do ensino convencional. Tanto no cenário estudantil
quanto no profissional, destacam-se por atuar cooperativamente e buscar
soluções criativas para os problemas, demonstrando ter pensamento
autônomo e inclinação para por em prática suas ideias. Imprimindo um teor
ético às suas condutas na vida profissional e privada, valorizam as relações
humanas e buscam formas de participação ativa no meio em que vivem.
4. Para concluir essa conversa...
Assim, uma educação que, como a Pedagogia Waldorf, busca
atender às múltiplas demandas do educando, respeitando o seu processo de
maturação orgânica e orientando-se para o seu pensar-sentir-fazer, mostrase não apenas consoante com os princípios da educação para o século
XXI, mas, sobretudo, comprometida com uma formação que possibilite a
seus educandos um desenvolvimento mais efetivo enquanto ser humano
integral, atendendo, pois, a função primeva da educação: a realização da
pessoa que, em sua totalidade, aprende a SER.
137
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Referências bibliográficas
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138
Desafios da Globalização
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Steiner, R. (2003). A Arte da Educação I: O Estudo Geral do Homem
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139
A ESCOLA COMO LOCUS MILENAR DE INSTRUÇÃO E
FORMAÇÃO – MUDANÇAS CURRICULARES NA PASSAGEM DO
MILÉNIO: FINDO O ENSINO NAPOLEÓNICO QUE PARADIGMA
SE AVIZINHA?
José Esteves Rei
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
Desafios da Globalização
Resumo
O objetivo deste artigo é questionar o papel da escola hoje,
nomeadamente, se mudou a sua natureza ou essência milenar. A metodologia
seguirá um percurso, próximo da “análise de conteúdo”, apontando os
resultados para uma mudança funcional da escola, a concretizar a partir da
relativização dos “curricula” em mudança desde a segunda metade do século
XX. Tentaremos caraterizar o sentido dessa mudança. A origem funcional
da escola – lugar físico, prática social e identidade formativa comunitária esculpiu-lhe o rosto durante dois mil e quatrocentos anos. Nela acedia-se
a um conhecimento prático, que preenchia um vazio cognitivo-operativo
pessoal. O liceu napoleónico oferecia um ensino enciclopedista, organizado
em “matérias”, mais tarde denominadas de “disciplinas” pela função que
lhes era atribuída de disciplinar a mente. Tudo isto desaparece na passagem
do milénio, mesmo não tendo entrado nos grandes temas dos cataclismos
milenares. As âncoras disciplinares ou disciplinadoras da mente, o Português
e a Matemática, perdem o seu estatuto de saberes sustentáculos de outros
saberes, para as áreas, respetivamente, das Letras e das Ciências. Os alunos
podem avançar no seu (per)curso educativo, sem atingir os objetivos
mínimos em cada uma delas. Este facto representa metonimicamente a
relativização da escola, seu currículo e sua função hoje.
Palavras-chave: escola; instrução; formação; mudança.
Résumé
Le but de cet article est de remettre en question le rôle de
l’école aujourd’hui, en particulier, sa nature, son essence millénaire. La
méthodologie suivra un itinéraire proche de l’ analyse de contenu, en
141
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
soulignant les résultats pour une modification fonctionnelle de l’école à
partir de la relativisation des “programmes” en cours de changement depuis
la seconde moitié du XXè siècle. Nous essairons de caractériser le sens de
ce changement. L’origine fonctionnelle de l’école – lieu, pratique sociale et
entité de formation de la communauté – lui a sculpté son visage pendant
deux mille quatre cents ans. Elle offrait une connaissance pratique, qui
remplissait un vide cognitvo-operationnel personnel. Le lycée napoléonien
offrait un enseignement encyclopédiste, organisé en “matières”, appellees
plus tard de “disciplines” à cause de la fonction qui leur a été attribuée
de discipliner l’esprit. Tout cela disparaît au tournant du Millénaire, bien
qu’il ne soit pas entré dans les grands thèmes des cataclysmes anciens.
Les ancrages disciplinaires qui devaient discipliner l’esprit, le Portugais et
la Mathématique, perdent leur statut de connaissances-pilier d’autres
connaissances en faveur de domaines respectivement, des Lettres et
des Sciences. Les étudiants peuvent progresser dans leurs parcours
éducatifs, sans toutefois atteindre les objectifs minimums en Portugais
ou Mathématique. Cela représente métonymiquement la relativisation de
l’école, de ses programmes et de ses fonctions aujourd’hui.
Mots-clés: école; enseignement; formation; changement.
- Cícero e a reunião na clareira, momento instaurador da comunicação
oral, das axiologias e da função da educação, para, sob “uma eloquência,
profunda e sedutora, sem violência, dobrar a força ao jugo das leis” (Cicéron,
1848: 89).
- Roland Barthes e o nascimento da escola formal, a partir da
aprendizagem da retórica para satisfação de necessidades pessoais e sociais
(Barthes, 1987ª: 23).
142
Desafios da Globalização
- Plutarco e a leitura dos poetas pelos jovens, ou o primeiro programa
educativo cujo título era (na edição francesa de 1870) «Comment il faut que
le jeune homme écoute la lecture des poètes» (Plutarque,1870).
Esses são os pilares da educação clássica. Teremos de esperar pela
revolução francesa, para vermos alterados os conteúdos, os métodos e as
atividades, ou seja, essa Filosofia da Educação. Todavia, tal alteração não
atingiu o essencial de um edifício construído sobre os ângulos do triângulo
seguinte:
Saberes
Sociedade
Escola
A sua leitura é esta: a Sociedade tem necessidade de determinados
Saberes que são sistematizados e didatizados em tratados e a Escola coloca
perante os jovens, de modo a prepararem-se para a vida.
Assim funcionou a escola da Grécia ao século XVIII, designando
o termo, i) um locus formativo, ii) um modo de fazer e, ainda, iii) uma
forma de estar em sociedade. Deste modo, Isócrates, Platão e Aristóteles
na Grécia, Quintiliano em Roma e Santo Agostinho em Cartago, tiveram
as suas escolas. O liceu napoleónico relativamente ao liceu aristotélico
traz a dimensão institucional ou estatal: da escola, dos conteúdos e dos
professores, deixando a estes os métodos e as atividades.
Ora os pressupostos deste milenar edifício educativo parecem ter
sido postos em causa, pela Sociedade, a partir da segunda metade do século
XX.
Primeiro, ela apresentou necessidades para as quais parecia não
143
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
haver tratados disponíveis – veja-se os casos das novas tecnologias e da
comunicação, transversal ao espaço público e privado, que convocam todos
dos cidadãos.
Segundo, o Saber perde o estatuto de sagrado que adquirira,
substituído pelo conhecimento – um uma espécie de saber precário, fugaz,
por oposição ao caráter duradouro do(s) saber(es) que habitava(m) as
enciclopédias dos homens das Luzes.
Terceiro, a Escola perdeu a sua finalidade milenar, que era a
aprendizagem necessária e ambicionada por quem a frequentava. Mais,
tornada obrigatória, a escola transforma-se num lugar de estar ou de bem
estar. Todavia, ao privilegiar-se a dimensão lúdica e aprazível da escola,
desvaloriza-se nela o esforço de aproximação ao saber, de imitação dos
modelos ético-morais, de domínio e controlo do ideal distintivo do homem.
A questão fundamental é a seguinte: o que resta dessa Escola milenar?
A escola atual ainda mantém a sua essência ou estaremos perante outra
realidade, apelando a outra denominação, outra filosofia, outros conteúdos
e, supostamente, outros métodos e outras atividades?
Observados os programas e os conteúdos, eles não andam longe dos
tradicionais, quer na sua organização em matérias ou disciplinas quer no
desenvolvimento de cada uma destas. A diferença, porém, surge naquilo
que se faz com eles, ou seja, na função estruturante do aluno que antes
tinham e hoje perderam. Assim, desapareceu o perfil social do aluno à
saída, antes, tão laboriosamente trabalhado. E ficou-se com quê? Com algo,
ainda, incaraterístico.
1. Indícios de mudanças na Sociedade: a existência de duas
culturas? Que reflexos na Escola?
Registemos três constatações: A Escola definida por Louis Altusser
144
Desafios da Globalização
como aparelho ideológico do Estado, ao lado da do Exército, parece
ter desaparecido com o surgimento de novas organizações políticoadministrativas regionais e superestados como a EU ou o Mercossul.
Vivemos um tempo de sínteses ligeiras, não de análises profundas como
até há poucas décadas, para o que se exigiam longas e aturadas leituras. Por
último, o “homem vulgar” de Unamuno parece ter vindo para ficar, na sua
autossuficiência cognitiva, intelectual, analítica e crítica…
1.1. Uma incerteza: que cultura(s) da Sociedade desde a
segunda metade do século XX?
A noção de cultura remete hoje para o modo como as pessoas
pensam, comunicam e vivem, falam, gastam o tempo e o dinheiro (Salinas
e Tena, 1992: 25). Esse fazer cultural conduz a duas culturas: a cultura culta
e a cultura de massas. A primeira seria a das elites, a dos letrados, a dos
escolarizados. A segunda, estaria na posse do “cidadão vulgar”, disperso
por personagens planas ou tipos sociais. O objeto da primeira passaria
pelos clássicos: saberes, personagens, ideais e valores; o objeto da segunda
seriam mitos e imagens vulgares, ideias feitas e banais, histórias e faits
divers, que visualizam, em mundos fictícios, as ideias ou as paixões: amor e
ódio, felicidade e infelicidade, prémio e castigo.
Aquela teria na sua origem a escola, a universidade, a leitura e
os museus; esta, o cinema, a rádio, a televisão, a publicidade, a banda
desenhada, os jornais e revistas de grande tiragem e os discos populares,
embora estes meios também possam receber os conteúdos da primeira.
Onde vai a cultura de massas buscar a capacidade de agarrar um
público tão alargado: crianças e idosos, jovens e adultos, donas de casa e
mulheres nas mais elevadas posições sociais, distintos executivos e simples
empregado da sua empresa? Para Pierre Babin a resposta passa por três
constatações: 1) ”O público reflete, mas não de maneira discursiva.” 2) “A sua
145
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
reflexão elabora-se a partir de considerações morais, referidas à orientação
pessoal da vida de cada um, e sociais, considerações relacionadas com o
reconhecimento individual por outro e com o estatuto na sociedade.” 3)
“A reação de adesão ou de recusa provém de uma espécie de orientação
interna, como se as pessoas possuíssem, no fundo de si próprias, uma
faculdade de discernimento que funciona com[o] o gosto em relação aos
alimentos.” (Babin, 1991: 164-165)
Que relação estabelecer entre a lógica dos media e a cultura de
massas? Essa lógica desenvolve virtualidades humanas, desprezadas pela
lógica discursiva, segundo Babin. Enquanto ao raciocínio intelectual compete
conduzir à verdade, sendo a sua ordem a do conhecimento, à lógica dos
media está atribuída a tarefa de mostrar e levar ao bem e ao bom, sendo a
sua ordem a do comportamento. Deste modo, o que recebemos dos media
não é tanto uma formação do pensamento, mas uma transformação das
atitudes, das crenças e dos costumes (Babin, 1991: 166-168).
1.2. Da cultura clássica à nova cultura
Observemos a estruturação e o desenvolvimento de cada uma delas
segundo Jean Pierre Boutinet.
Cultura milenar clássica
Nova cultura
Cultura dos clássicos grecoromanos:
Cultura do imediato:
Coletivismo
Mudanças duradoiras
Assunção do passado
146
Individualismo
Mudanças transitórias
Rutura com o passado
Desafios da Globalização
Cultura do presente:
Cultura do projeto:
valorização do duradoiro
predomínio do transitório e
efémero
jogo de compromissos realizações
resultados e possessão
mundo das intenções,
finalidades, planos, programas e
previsões
Tempo circular:
Tempo linear:
da existência individual
de períodos curtos
do sonho de uma vida
febril e de intensa actividade
da realização pessoal
de realizações incessantes
de conceção mítica de origens e
de fins
de renovação ilimitada
Existência retrospectiva:
Existência prospectiva:
conformação ao ideal no
presente
remissão para o futuro da
esperança
imitação de modelos do passado
ausência de modelos:
autossuficiência
Centração no passado
Sobrevalorização do futuro
sob uma conceção circular do
tempo
sob uma conceção linear do
tempo
(Jean Pierre Boutinet, 1990, p. 18, adaptado)
2. Que contornos da nova realidade escolar? Evolução ou
substituição da escola?
Um pressuposto: a mudança não é endógena à escola, antes, a
mudança escolar segue, com atraso, a mudança social. Se a escola está a
mudar é porque a Sociedade mudou primeiro. Deste modo, a dificuldade
começa pela compreensão das mudanças sociais.
A grande questão do século XIX sobre a escola era saber se ela deveria
ser de elites ou de massas. Perante a indefinição da resposta a esta questão,
147
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
surgiu uma dupla escola, o “liceu napoleónico” das elites burguesas e
a “escola comercial e industrial” das classes populares, operárias ou
trabalhadoras. A primeira Guerra Mundial, em França, e o 25 de Abril, em
Portugal, proporcionaram a junção de ambas naquilo que foi chamado, a
Escola Única. Para além de Única, esta escola tornou-se de massas. Mais
tarde, ao lado dessa escola única e de massas, vemos surgir, alguns dizem
regressar, um ensino profissionalizante, mas cuja identidade ainda se não
constituiu.
O regresso ao futuro? Como observamos, a escola do século XIX e
XX aconteceu. Decorreu de vicissitudes sociais ou da incapacidade de a
Sociedade abraçar para si uma Escola voluntarista, pensada e implementada.
Iremos nós ficar reféns, uma vez mais, de outras vicissitudes que nos
dominam em vez de nos plantarmos acima delas?
Dados adquiridos: i) A Sociedade mudou nos últimos cinquenta
anos. Ora este tempo é suficiente, para identificar os eixos da mudança e
caraterizar as novas estruturas e valências pretendidas. ii) A etapa seguinte
será localizar as novas necessidades sociais educativas a partir das quais
haverá que constatar se existe(m) saber(es) disponíveis para serem
curricularizados de modo a refazer-se o triângulo de partida Sociedade –
Saber(es) - Escola. iii) Por último, ou fazer o “aggiornamento” da Escola
ou substituí-la por outra instituição capaz de servir as novas necessidades
identificadas na Sociedade.
Em todo o processo requer-se grande abertura de análise,
desprendimento de interesses corporativos e grande vontade de servir a
comunidade na busca do melhor caminho.
148
Desafios da Globalização
3. Uma escola de elites para uma democracia diferenciadora
como na Grécia?
Pressuposto: uma democracia com novos suportes conceptuais? Na
verdade, nós vemos surgir, frequentemente, novos controlos por parte de
indivíduos e instituições não legitimados…
Então, por que não legitimarem-se novos controlos aceitáveis
e a descoberto, embora atentando contra factos de manifestações de
alheamento das práticas democráticas como absentismos a 40, 50 ou mais
por cento?
Uma escola nova para todos, fundindo nela as duas culturas, seus
pressupostos e suas filosofias? Distinguindo os melhores, de facto? Criando
novos patamares de transparência, de exigência?
Verbalizamos a incerteza na busca de uma solução, que gostaria de
“ver fazer” e não, a posteriori, “ver acontecer”.
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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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Vadé, Y. (1990). L’Enchantement Littéraire. Ecriture et magie de Chateaubriand à Rimbaud. Paris : Gallimard.
150
Educação inclusiva
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA INTEGRAÇÃO DE ABORDAGENS
ENTRE PORTUGAL E CABO-VERDE
Joana Sofia Sousa Figueiredo; Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso
Universidade Portucalense Infante D. Henrique; Universidade
Católica Portuguesa
[email protected]; [email protected]
Educação Inclusiva
Resumo
Vivemos num Mundo complexo, marcado por aceleradas
transformações às quais estão associadas uma série de incertezas e
paradoxos, quer no plano dos discursos, quer ao nível das práticas, e que
trazem à Escola, que educa cidadãos para o Mundo, um novo desafio de
responder à diversidade da sua população. Neste artigo, procuramos fazer
uma análise de realidades educativas sobre os processos de inclusão de
alunos, com diferentes tipos de necessidades educativas especiais, nas
escolas regulares, com referencial teórico nos quadros reguladores da ação
educativa em Portugal e em Cabo Verde. Equacionamos as orientações
das políticas educativas destes países no sentido da regulação e dos
mecanismos de efetivação da escolaridade obrigatória, garantindo direitos
e deveres de cidadania a todos os indivíduos em idade escolar. Da análise
realizada percebemos que os preceitos da educação inclusiva encontramse regulamentados nas respetivas Leis de bases dos Sistemas Educativos.
Mas, em Cabo Verde ainda não existem normativos que definam os
apoios especializados a prestar aos alunos com limitações significativas ou
permanentes, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, como
já acontece em Portugal. Mas, em Portugal apesar do quadro regulador,
colocam-se limitações à sua interpretação pela escola, motivadas por outras
formas de carências. Assim, nos dois espaços identificam-se limitações à
educação inclusiva de natureza e expressividade específicos.
Palavras-chave: inclusão; educação inclusiva;
educativas especiais; educação para a diversidade.
necessidades
153
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Abstract
We live in a complex world, which is set by rapid changes. These
changes brought doubts and paradoxes both in speech and practice, which
mean a new challenge to the cultural diversity of Schools, who educate the
citizens to the World reality. This article aims to analyse compared educative
realities, concerning inclusion processes of students with different special
educational needs, in regular schools and is based on the legal framework
of education action in Portugal and Cape Verde. The educational policy
orientation of these two countries is considered in order to regulate and
succeed on the mechanisms of compulsory education. These mechanisms
must guarantee the rights and duties of citizenship of all individuals in
school age. Drawing on the analysis, the inclusive education is revealed to
be regulated in the Portuguese Fundamental Laws of Education Systems.
Nonetheless, unlike the Portuguese reality, in Cape Verde the settings that
define the special support of students, who have significant or permanent
limitations, resulting from functional and structural changes, do not exist, yet.
Portugal, on the other hand, despite the expressive regulatory framework
and its consummation, has certain restrictions on the application of these
settings in schools, caused by other kinds of needs. Therefore, there are
specific kinds of restrictions to inclusive education in both realities.
Keywords: inclusion; inclusive education; special educational needs;
education for diversity.
INTRODUÇÃO
Vivemos num Mundo complexo, marcado por aceleradas
transformações às quais estão associadas uma série de incertezas e
paradoxos, quer no plano dos discursos, quer ao nível das práticas, e que
trazem à Escola, que educa cidadãos para o Mundo (sejam elas crianças
154
Educação Inclusiva
com deficiência ou superdotadas, crianças de origem estrangeira ou vítimas
de trabalho infantil, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais
e crianças de outros grupos desfavorecidos ou marginalizados), um novo
desafio de responder à diversidade da sua população.
O reconhecimento e a valorização da diversidade social, educativa e
cultural nos processos de ensino-aprendizagem e na adoção de estratégias
educativas e pedagógicas diferenciadas, faz da escola uma escola inclusiva
que investe numa educação para o sucesso de todos e de cada um.
No presente artigo, fazemos uma análise comparativa das duas
realidades educativas sobre os processos de inclusão de alunos com
diferentes tipos de necessidades educativas especiais, na escola do
ensino regular, tendo como referencial os quadros legais reguladores da
ação educativa em Portugal e em Cabo Verde. Trata-se de equacionar as
orientações das políticas educativas destes no domínio supracitado.
A SOCIEDADE INCLUSIVA: UM OLHAR SOBRE O CONTEXTO
INTERNACIONAL
Apontadas como seres possuídos pelo demónio, na Idade Média,
como mortificação fruto de castigo e transgressões morais, ou ainda como
loucas, sendo internadas em hospitais e hospícios nos séculos XVIII e XIX,
as pessoas com deficiência foram objeto, desde a Antiguidade, de um tratamento especial.
Do ponto de vista científico, a partir de meados do século XX, a filosofia da educação especial começa a sofrer mudanças passando a ser contestado o papel exclusivo dos diagnósticos médico e psicológico para o ensino
e recuperação dos deficientes, valorizando-se a educação como forma de
mudança. Surge assim, na década de 70 o movimento da Integração, com
o conceito de normalização, expressando que à pessoa com deficiência de155
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
vem ser dadas condições as mais semelhantes possível às oferecidas pela
sociedade ao cidadão comum enfatizando-se a dignidade da pessoa como
direito fundamental, do qual derivam todos os outros direitos.
É ainda nesta década, com a aprovação da Declaração sobre os Direitos das Pessoas com Atraso Mental (1971) e da Declaração sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência (1975) que se verifica uma crescente consciencialização de que a segregação nos aspetos educativo e social era antinatural e indesejável bem como dos seus efeitos nefastos e estigmatizantes
– potenciando o desenvolvimento de movimentos pró-direitos sociais – que
contribuíram para a (re)concetualização da Educação Especial e subsequente alteração do quadro legal e das modalidades educativas de caráter segregativo (Stainback & Stainback, 1996; CNE, 1999).
É neste processo gradual de conscientização mundial que se dá a
aprovação da Public Law 94/142 (1975), nos Estados Unidos da América
e com ela os primeiros passos efetivos para a educação inclusiva. Seguiuse-lhes o Relatório Warnock, em 1978, que define pela primeira vez um
modelo de atendimento centrado nas dificuldades do aluno e em serviços
especialmente criados para ele, com novas abordagens curriculares. Introduziu-se a abordagem de integração (mais tarde, da inclusão), baseada em
objetivos educacionais comuns para todas as crianças, independentemente
das suas capacidades ou incapacidades, concretamente a independência, a
diversão e a compreensão.
Várias conferências mundiais se seguiram, nas décadas de 80 e 90,
que reafirmaram o direito à educação para todos. No entanto, foi a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) que a educação inclusiva recebeu um
impulso decisivo. A sua conceção foi orientada pelo princípio da inclusão e
pelo reconhecimento da necessidade de construir uma “Escola para Todos”,
reforçando o direito de aprender juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentam. Concretiza-se, o
156
Educação Inclusiva
desafio educativo (de todas as crianças e jovens) da tarefa não ser exclusiva
da escola e professores, acima de tudo, é uma responsabilidade de todos.
Aliás, a educação para a inclusão não começa nem acaba na escola, passa
pela escola como por muitos outros lugares ao longo da vida.
UM OLHAR SOBRE O CONTEXTO PORTUGUÊS
Em Portugal, remonta a 1822 o que podemos designar como os
primórdios da Educação Especial, altura em que D. João VI aceitou que
fossem educados os cegos e os surdos. Na década de 1960, os serviços e
estabelecimentos de educação especial existentes eram escassos, sendo
o Ministério dos Assuntos Sociais que superintendia a maior parte dessas
estruturas. Na década de 1970, já pelo Ministério da Educação, é criado
o Secretariado do Ensino Especial com o objetivo de proceder a uma
reestruturação do ensino especial, inserido numa política geral de educação.
Este organismo tinha como atribuições, entre outras, contribuir para a
definição de uma política global e unitária no domínio da educação do ensino
especial, velar pela integração social da criança deficiente e acompanhar
a preparação de pessoal técnico. Marcava o início do reconhecimento da
responsabilidade do Estado em assegurar a todas as crianças o direito à
educação; o início da integração das crianças e jovens com deficiência no
sistema educativo público.
Vários diplomas legais foram publicados definindo o regime escolar
com algumas especificidades relativamente a matrículas, tipo de frequência
e avaliação de conhecimentos. De realçar o contributo da Lei n.º 66/79, de 4
de outubro, sobre a natureza, o âmbito e os objetivos da educação especial
e que consagrava expressamente, como finalidade, “a preparação para uma
adequada formação profissional e integração na vida activa por parte de
jovens deficientes...” entre outras.
As profundas transformações no sistema educativo – decorrentes da
157
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de
outubro), as recomendações emanadas de organismos internacionais e a
consequente evolução dos conceitos relacionados com a educação especial, os diplomas vigentes no nosso país tornaram‐se obsoletos. Foi, então,
que a legislação conheceu um grande impulso. Assim, no desenvolvimento
do regime jurídico estabelecido na Lei de Bases do Sistema Educativo, em
que se consagrou a gratuitidade da escolaridade obrigatória e os apoios e
complementos educativos, surge o Decreto‐Lei n.º 35/90, de 25 de janeiro,
que realça a preocupação com o baixo índice de escolaridade dos alunos
com NEE e determina, no n.º 2 do art.º 2.º, que os mesmos alunos não
se encontram isentos da frequência da escolaridade obrigatória, devendo
ser integrados em estabelecimentos do ensino regular e/ou instituições de
educação especial.
O Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de agosto, apresenta, no seu articulado, princípios inovadores no âmbito da integração escolar das crianças
com necessidades educativas especiais, enfatizando o modelo pedagógico,
o conceito de necessidades educativas especiais e a crescente responsabilização da escola regular perante a educação das crianças com este tipo de
necessidades. O Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro, sobre a reorganização curricular do ensino básico, distingue, nos arts. 10.º- 11.º, os alunos
com necessidades educativas de caráter permanente e a diversificação das
ofertas educativas, abrindo, assim, o caminho à gestão flexível do currículo
e à sua adequação à especificidade dos alunos.
O Decreto-lei n.º 3/2008, ao contrário do que sucedia no diploma
anterior, estabelece o processo de referenciação bem estruturado, o qual
deverá ocorrer o mais precocemente possível e por qualquer interveniente
que estabeleça uma relação com a criança. Assume uma perspetiva de
inclusão, numa lógica de adequação de respostas educativas, de modo
a criar condições especializadas, além de definir a possibilidade de se
estabelecerem parcerias com instituições públicas, instituições particulares
158
Educação Inclusiva
de solidariedade social e centros de recursos especializados. Define, acima
de tudo, os apoios especializados para alunos com necessidades educativas
especiais de carácter prolongado.
Entre as alterações mais significativas, sublinhamos a possibilidade
de criação de escolas de referência para a educação bilingue de alunos
surdos e escolas para a educação de alunos cegos e com baixa visão, assim
como unidades de ensino estruturadas para a educação de alunos com
perturbações do especto do autismo e unidades para a educação de alunos
com multideficiência e surdo cegueira congénita (Art. 4.º, p. 2-3). Outra
alteração substantiva está relacionada com a avaliação das crianças, a qual
deve ter como referência a Classificação Internacional da Funcionalidade
e Incapacidade (CIF, Organização Mundial de Saúde), servindo de base à
elaboração dos programas educativos individuais. Possibilita, ainda, um
papel mais ativo dos pais, na medida em que define o papel destes nos
serviços prestados aos pais/encarregados de educação, os deveres e
direitos, e estipula procedimentos precisos em caso de incumprimento.
UM OLHAR SOBRE O CONTEXTO CABO-VERDIANO
Em Cabo Verde, a partir de 1990, com as diretrizes traçadas na
Conferência Mundial sobre a “Educação para Todos”, importantes medidas
foram tomadas com o intuito de incorporar as orientações sobre a
abordagem da Educação Inclusiva e criar condições no sistema educativo
para que todas as crianças possam ser escolarizadas no sistema regular de
ensino. Aliás, a Constituição da República, no art. 49.º – o qual reporta à
liberdade de aprender, de educar e de ensinar –, sublinha no ponto 2 que
“a liberdade de aprender, de educar e de ensinar compreende: a) O direito
de frequentar estabelecimentos de ensino e de educação e de neles ensinar
sem qualquer descriminação, nos termos da lei”.
Esta preocupação esteve presente, na Lei de Base do Sistema
159
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Educativo (1990), no art. 6.º, o qual defende o livre acesso ao sistema
educativo, assegurando o direito de todos à educação, independentemente
das suas condições físicas, intelectuais, sociais e emocionais.
Em 1999, os direitos dos portadores de deficiência são integrados na
Constituição da República (art. 75.º da versão revista). Em 2000, é criada a
Lei 122/V/2000 que estabelece as bases gerais da prevenção, reabilitação e
integração das pessoas deficientes. Três anos mais tarde, o Plano Nacional
de Educação para Todos e o Plano Estratégico para a Educação, efetivam
medidas de política, para a formação de professores na abordagem das
NEE. A estes documentos, que afirmam os direitos de todas as crianças a
uma educação equitativa, sem descriminação, dentro do sistema regular
de ensino juntou-se a nova Lei de Base do Sistema Educativo (2010) que
definiu pela primeira vez, os princípios reguladores da educação para
crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Não se conhecem
documentos operacionalizadores destas medidas, ou iniciativas da
formação de professores na atualidade.
A CONCLUIR: REALIDADES COMPARADAS
Constatamos uma evolução significativa dos quadros concetuais e
dos dispositivos legislativos que têm marcado o contexto, quer de Portugal
quer de Cabo Verde. Percebe-se que a educação e o ensino são direitos
fundamentais consagrados nas Constituições da República Portuguesa e
Cabo-verdiana as quais determinam a incumbência ao Estado da realização
da política de ensino ao que acresce o facto de os preceitos da educação
inclusiva, também, se encontrarem regulamentados nas respetivas Leis de
Bases dos Sistemas Educativos.
Em Portugal, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, foi fundamental
para a afirmação da Educação Especial, permitindo que se alinhassem
as políticas educativas com os princípios e recomendações de diversos
160
Educação Inclusiva
tratados e declarações de direito internacional em matéria de necessidades
educativas especiais e de não discriminação em razão de deficiência e
saúde. Afigura-se interessante a preocupação em propor uma linguagem
e terminologia unificadoras para este domínio. Embora a classificação
escolhida – CIF – OMS, tem sido objeto de algumas críticas, especialmente
pela inexistência de investigação consolidada sobre a adequação da CIF
ao domínio educativo (Correia, 2008). O País tem um quadro regulador
expressivo e da Educação Especial, mas que por déficit de cidadania ou
tradição curricular centralizadora, tem dificuldade em funcionar “no
terreno”.
Já em Cabo Verde, a educação inclusiva, enquanto desafio para
o país, carece de uma maior clarificação e divulgação, bem como de
normativas que definam os apoios especializados a prestar aos alunos
com limitações significativas ou permanentes – decorrentes de alterações
funcionais e estruturais –, visando a sua efetiva implementação em moldes
que correspondam às especificidades do país.
Torna-se necessário clarificar o processo de referenciação, no
sentido de providenciar o despiste das crianças e jovens que dela carecem,
detetando os fatores de risco associados às limitações ou incapacidades;
de construir e implementar os programas educativos individuais; e analisar
os princípios que norteiam o processo de avaliação dos alunos com
necessidades educativas especiais.
A escola inclusiva é uma inevitabilidade e não se vislumbra outra
alternativa perante a crescente diversidade. Há ainda caminhos a percorrer
e trilhos a desbravar, sendo necessário, em ambos os países, repensar a
formação dos professores, adequar práticas educativas, envolver toda a
comunidade educativa e desenvolver projetos de investigação nos contextos
educativos, com o intento de monitorizar e otimizar o sistema e as suas
estruturas, propondo as mudanças necessárias à inclusão.
161
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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condições para a adequação do processo educativo às necessidades
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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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164
HÁ ESCOLA NO HOSPITAL: CONTRIBUTOS PARA UM NOVO
MODELO DE INTERVENÇÃO EDUCATIVA
Joana Sofia Sousa Figueiredo; Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso
Universidade Portucalense Infante D. Henrique; Universidade
Católica Portuguesa
[email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
O presente artigo enquadra-se num projeto de investigação, de
âmbito da escolaridade obrigatória, tendo como premissa equacionar em
que medida a concretização de uma resposta educativa dirigida a crianças e
jovens hospitalizados, por um tempo prolongado, pode contribuir para um
maior índice de sucesso educativo, do processo de aprendizagem dos jovens,
bem como do quadro clínico (físico e emocional) dos mesmos, quando se
encontram em situação impeditiva de frequentar a sua escola por tempo
prolongado. Do ponto de vista metodológico, o estudo inscreve-se numa
abordagem qualitativa do tipo multicasos e está a ser implementado em
seis instituições do Sistema Nacional de Saúde Português (os casos), com
base em testemunhos de médicos e enfermeiros, professores e educadores
de infância; de crianças e jovens em idade escolar alvo de internamento; e
de seus familiares diretos, pais e/ou encarregados de educação.
As análises parciais projetam duas realidades: uma, a ausência de
intervenções organizadas para dar resposta à necessidade de se evitar a
interrupção das atividades escolares comprometendo, desse modo, o
sucesso educativo destes jovens; outra, a uma tentativa de resposta por
parte de algumas unidades hospitalares que, para contrariar a dificuldade de
desenvolvimento da dimensão educativa, promovem atividades educativas
de caráter lúdico com soluções que apenas satisfazem a educação préescolar, ficando de fora iniciativas adequadas a outros níveis do ensino
escolar.
Palavras-chave: criança hospitalizada; intervenção educativa;
inclusão; educação em contextos diversificados.
166
Educação Inclusiva
Abstract
This article can be framed in a research project and is connected to
compulsory education, under the premise of weighting the accomplishment
of an education response, towards long term hospitalized children and
adolescents. The response shall contribute to a higher level of success in
the educational and learning process of the teenagers. Their clinical picture
(physical and emotional) during the time of absence from school would also
be positively influenced.
From a methodological point of view, the study is inscribed by
a qualitative multiple case approach, which is under implement in six
institutions of the Portuguese National Health Service (the cases). This
approach is based on doctors’, nurses’, teachers’, nursery school teachers’
testimonials; and also on hospitalized children and adolescents in school
age; their close relatives, parents and/or guardians. The partial analysis
present two distinct realities: One, the absence of organized interventions
in order to avoid the scholar activities interruptions, would endanger the
educational success of these teenagers; Two, an attempt of some hospital
units to respond, would mean an attempt to thwart the development of
educational difficulties. These hospital units promote educational, ludic
activities that only benefit the pre-school education and exclude the
adaptation of measures to other school levels.
Keywords: hospitalised child; educational intervention; inclusion;
education in several contexts.
ENQUADRAMENTO DA INVESTIGAÇÃO
A educação do Homem é uma tarefa de vital importância e a
universalização do direito à educação constitui uma das conquistas mais
significativas resultantes da modernização das sociedades, sendo, hoje,
167
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
a liberdade para aprender - enquanto expressão do desejo de elevação
pessoal - sendo um elemento crucial na concretização dos direitos cívicos
e políticos. Acreditamos na educação com sentido amplo: pessoal, social e
profissional (saber, saber-fazer, saber-ser e saber-estar), significando que já
não basta o sucesso escolar, é imprescindível garantir igualmente o sucesso
educativo.
Assim, a presente comunicação enquadra-se num projeto de
doutoramento, que tem como premissa equacionar no âmbito da
escolaridade obrigatória em que medida, a resposta educativa existente
dirigida a crianças e jovens hospitalizados por tempo prolongado, efetiva o
seu direito à continuidade da ação educativa com vista à sua reintegração
social e escolar.
Do ponto de vista metodológico, o estudo inscreve-se numa
abordagem qualitativa do tipo multicasos e está a ser implementado em
seis instituições do Sistema Nacional de Saúde Português (os casos). A
sua base firma-se em testemunhos de profissionais de saúde (médicos e
enfermeiros), professores e educadores de infância (que atuam em contexto
hospitalar), crianças e jovens em idade escolar alvo de internamento e dos
seus familiares diretos, pais e/ou encarregados de educação.
A CRIANÇA HOSPITALIZADA: A CONQUISTA DE UM DIREITO
A educação é o mais importante foco de uma sociedade. Por meio
dela desenvolvemo-nos e crescemos enquanto nação e como cidadãos,
aspirando à formação individual de seres virtuosos e comprometidos. Hoje,
são vários os documentos de caráter internacional, assinados por países
pertencentes à Organização das Nações Unidas (ONU), que reconhecem e
garantem esse acesso a todos os cidadãos. É o caso da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, de 1948, enquanto carta edificadora do humanismo
das sociedades democráticas, na qual se destaca, entre tantos outros, o
168
Educação Inclusiva
direito à educação como uma das prioridades do desenvolvimento humano.
Assim, no seu art. 26.º, proclama-se que,
“toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita,
pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental.
O ensino elementar é obrigatório. Os ensinos técnico e profissional
devem ser generalizados; o acesso aos estudos superiores deve
estar aberto a todos em plena igualdade, em função das aptidões
individuais”. (Organização das Nações Unidas, 1948)
O direito à educação é, ainda, anunciado em diversas recomendações
e diretivas internacionais como a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (1950); a Declaração dos Direitos da Criança (1959); a Convenção
contra a Discriminação no Domínio da Educação (1960); o Pacto Internacional
sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966); a Convenção sobre
os Direitos da Criança (1989); e a Conferência Mundial sobre Educação para
Todos (1990). Nestes documentos oficiais alargam-se e aprofundam-se as
obrigações dos Estados relativamente à educação e impõem-se condições
para que a educação para os direitos humanos possa ser uma preocupação
inscrita nas políticas educativas nacionais.
Em 1994, Portugal foi um dos subscritores da política de educação
inclusiva, tendo como pilar a Declaração de Salamanca, que vinca a
necessidade de uma educação para todos, independentemente das
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais e linguísticas de cada um.
Além disso, em 2000, é instituída a Carta da Criança Hospitalizada, inspirada
nos princípios da Carta Europeia da Criança Hospitalizada (1986), que reflete
preocupações com a humanização dos hospitais e com a qualidade de vida
das crianças hospitalizadas. Este documento sintetiza os direitos da criança
hospitalizada com particular destaque para o 7.º direito, o qual evidencia
que o hospital deve oferecer às crianças um ambiente que corresponda
às suas necessidades físicas, afetivas e educativas, quer no domínio do
equipamento, quer no pessoal e de segurança. (Mota, 2000).
169
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Apesar da importância de que se reveste o tema, em Portugal, não
existe qualquer documento legislativo específico relativo à educação em
contexto hospitalar. Contudo, a Lei de Bases do Sistema Educativo, no art.
2.º, ressalva o direito de igualdade de oportunidades no acesso e sucesso
escolar, observando que este direito não cessa quando há interferências,
como é o caso da hospitalização.
O PAPEL DO EDUCADOR NO HOSPITAL
As primeiras tentativas de intervenção pedagógica em contexto
hospitalar cabem a Henri Sellier, em Paris, em 1935, com a inauguração
da primeira escola para crianças inadaptadas (Vasconcelos, 2003). Esta
experiência serviu de exemplo em muitos países da Europa e nos Estados
Unidos da América, que introduziram o mesmo sistema com o objetivo de
complementar as dificuldades escolares de crianças. Países como Espanha,
Inglaterra e Brasil são, nos dias de hoje, impulsionadores deste tipo de
medida de intervenção educativa. Ainda, não podemos deixar de considerar
a Segunda Guerra Mundial como um marco decisivo na implementação deste
espaço pedagógico neste tipo de ambiente devido ao grande número de
crianças e adolescentes atingidos e mutilados, que ficaram impossibilitados
de se deslocar à escola (Gomes e Rubio, 2012).
Entre os investigadores, formulam-se duas linhas de pensamento
principais: uma delas defende o atendimento dentro do contexto de
humanização das práticas hospitalares e, nesse sentido, deve prestar
um serviço de auxílio à promoção da saúde da criança e adolescente
hospitalizado, priorizando na sua prática as atividades lúdicas e recreativas
(Taam, 1997); a segunda linha de pesquisa defende que o acompanhamento
educativo esteja direcionado para o cumprimento do currículo escolar e
seja materializado em parceria com a instituição de ensino onde a criança
esteja matriculada (Fonseca, 2001) e Ceccim (1997 e 1999).
170
Educação Inclusiva
Independentemente destas duas orientações reflexivas, todos os
autores são unanimes em afirmar que cabe ao professor/educador que atua
em contexto hospitalar fazer o elo entre a educação e saúde, e mediar a
relação entre os novos conhecimentos que o ambiente hospitalar produz
e a aquisição de novos saberes escolares (Fontes, 2006). Dessa forma, o
professor exerce o importante papel de ajudar a criança a compreender
e ressignificar esses conhecimentos, num processo de construção e
apropriação de novas aprendizagens significativas.
É impossível, porém, ignorar que este processo se afigura um
processo educativo singular uma vez que as crianças e jovens hospitalizados
pertencem a diferentes faixas etárias e apresentam um quadro clínico
diferenciado e reações distintas ao processo de hospitalização, entre outros
aspetos. A atenção pedagógica nestas situações requer um atendimento
específico e direcionado, que seja coadjuvante do tratamento e abrevie a
permanência hospitalar. Ainda que não se verifiquem as caraterísticas da
escola regular, a intervenção educativa em contexto hospitalar procurará
resgatar a dinâmica escolar apoiando-se em atividades lúdicas e em
conteúdos programáticos, para assim promover um espaço de interação,
desafiando a criança a solucionar problemas, desenvolver o raciocínio e
pensar criticamente.
CONFIGURANDO OS RUMOS DA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA
Clarificada a natureza da investigação e a intenção de aprofundar o
objeto de estudo, a nossa opção metodológica passa por uma abordagem
qualitativa, cujo método de investigação se configurou num estudo
multicasos, procurando descobrir pontos de convergência entre vários
casos. Trata-se de um estudo de caráter descritivo analítico que incide sobre
um fenómeno atual muito pouco estudado em Portugal. Esta investigação
permite-nos a compreensão dos comportamentos a partir da perspetiva
171
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
dos sujeitos de investigação, apreender a riqueza e especificidade de cada
situação e compreender as ocorrências, induzindo novas formas de estar
(Almeida e Freire, 2000).
Sabemos que a realização bem sucedida de um estudo de caso, seja
ele de que natureza for, só é possível mediante uma seleção criteriosa
de técnicas de recolha de dados e tratamento meticuloso da informação,
devendo ser processual e faseado. Assim, no que se refere ao processo
de investigação, guiámo-nos por Yin (2001) e por Bodgan & Biklen (1994).
Para a recolha de dados fizemos a análise documental e a entrevista
semiestruturada. Para a análise de dados, recorremos à análise de conteúdo
(Cardoso, 2007).
Os respondentes para cada caso/hospital, foram: profissionais de
saúde (enfermeiros e médicos), que exercem funções nos serviços pediatria
dos seis hospitais referidos, as crianças e jovens com pelo menos quinze
dias de internamento, os pais e/ou encarregados de educação dessas
crianças e jovens e os professores e educadoras de infância que atuam
em contexto hospitalar. A escolha destes informantes teve como critérios:
hospitais que pertençam a regiões diferentes, de modo a podermos ter
uma maior representatividade da realidade nacional; hospitais públicos,
pertencentes ao sistema nacional de saúde e que efetivam o direito de
acesso de toda a população a cuidados básicos de saúde; hospitais centrais
ou hospitais distritais (no caso de não existir nenhum hospital central) de
modo a conseguirmos abordar um maior número de sujeitos; hospitais que
apresentam simultaneamente serviço de pediatria e de internamento e dos
quais surgiram as seis instituições que se pretendem estudar, num total de
sete casos, cinco no continente e um por cada região autónoma.
172
Educação Inclusiva
RESULTADOS CONCLUSIVOS PARCiaIS
Na perspetiva da educação inclusiva, atendendo à diversidade dos
alunos, o acompanhamento educativo em contexto hospitalar é fruto do
reconhecimento formal de que, independentemente do tipo e período
de internamento, cidadão tem direito à educação. As análises parciais do
estudo apontam, já, alguns aspetos relevantes: a) somos confrontados com
a ausência de intervenções organizadas para dar resposta à necessidade de
evitar a interrupção das atividades escolares, comprometendo, desse modo,
o sucesso educativo destes jovens; b), verifica-se uma tentativa de resposta
por parte de algumas unidades hospitalares que, contrariando a dificuldade
de desenvolvimento da dimensão educativa, promovem atividades
educativas de caráter lúdico com soluções que apenas satisfazem a educação
pré-escolar, sendo excluídas iniciativas adequadas a outros níveis do ensino
escolar. Mas toda a criança/jovem hospitalizado necessita de manter-se
vinculado ao quotidiano escolar anterior ao período de hospitalização, pelo
que nos parece fundamental que se estabeleçam propostas de trabalho
articuladas, entre as escolas de origem, o sujeito hospitalizado e a equipe
do hospital, para que a reinserção na sua rotina habitual seja facilitada após
a hospitalização.
Acreditamos que a disponibilização de uma modalidade de
acompanhamento educativo no hospital, mesmo que por um período
limitado, representa uma medida interventiva fundamental para as crianças
e jovens hospitalizados, uma vez que este tipo de atendimento propicia
sentimentos de integração e de pertença relativamente a um sistema
e promove a igualdade de condições para o acesso ao conhecimento,
mantendo o vínculo com a sua realidade fora do hospital e assegurando
a continuidade do desenvolvimento intelectual crianças e jovens doentes
e da ação educativa, com vista ao acesso e também ao sucesso educativo,
bem assim a manutenção do direito e do dever à educação.
173
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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com Necessidades Educativas Especiais no Ensino
Secundário
Maria José Alfama
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Uma das exigências mais prementes para implementação da Escola
Inclusiva é a aposta na formação dos agentes educativos, mormente dos
professores. Quais as necessidades de formação contínua percecionadas
pelos professores do Ensino Secundário e por responsáveis da educação e
formação, para dar resposta aos alunos com NEE nas Escolas Inclusivas em
Cabo Verde? A recolha de dados foi feita através de entrevistas semidiretas
e o tratamento dos mesmos com base na técnica da análise de conteúdo
(Bardin, 2008). Genericamente concluiu-se que os entrevistados concordam
com a inclusão de alunos com NEE nas turmas regulares, com a formação de
todos os agentes educativos e revelam que a atual não dá resposta às reais
necessidades da escola inclusiva. Foi reconhecida que adesão à formação
está condicionada por fatores intrínsecos e extrínsecos e por aspetos de
ordem pessoal (personalidade do professor), relacional (estratégias de
comunicação da entidade formadora e ME com o professor) e profissional
(resolução dos problemas existentes na classe).
Palavras-chave: formação de professores; necessidades de formação;
inclusão; alunos com NEE.
Abstract
One of the most pressing requirements for implementation of the
inclusive school is the training of educational staff, particularly teachers.
What are the ongoing training needs perceived by Secondary school
teachers and those responsible for education and training, to respond to
students Student with Especial Need (SEN) at Inclusive Schools in Cape
Verde? The data collection was done by applying semi-direct interviews and
analyzing the latter based on the technique of content analysis. Generally
178
Educação Inclusiva
is was found that respondents agree with the inclusion of SEN students in
regular classes, with the formation of all the educational agents and reveal
that the current classes do not respond to the real needs of the inclusive
school. It was recognized that participating in training is conditioned by
intrinsic and extrinsic factors, personal (the teacher’s personality) relational
(communication strategies of trainer and ME with the teacher) and
professional aspects (resolution of existing problems in the class).
Keywords: teacher training; training needs; inclusion; educational
special needs.
INTRODUÇÃO
Em Cabo Verde é notável a crescente sensibilidade da Comunidade
Educativa e da Sociedade em geral no que concerne ao direito de todos à
educação. A Educação promove sem dúvidas a melhoria da qualidade de
vida de qualquer indivíduo, permitindo-lhe não só ter ferramentas para
aceder à informação como também desenvolver diversas competências e
ter uma maior compreensão do mundo que o rodeia.
Apesar de reconhecidos alguns avanços neste domínio, os
constrangimentos são imensos. No Relatório preparado pelo GEP do
Ministério da Educação para a Conferência Internacional de Educação,
realizado em 2004, reconhecia-se que, apesar do quadro jurídico contemplar
medidas legislativas apropriadas, a concretização e materialização das
práticas inclusivas continuavam a ser deficitárias, por razões de vária ordem,
nomeadamente a carência de recursos materiais, financeiros e humanos.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INOVAÇÃO
A Formação pode ser entendida como o desenvolvimento do
179
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
sujeito de forma integral (implica a maturação interna e a possibilidade de
aprendizagem decorrente das experiências vividas pelo sujeito) ou, num
sentido mais restrito, “aquisição e/ou aperfeiçoamento de conhecimentos,
atitudes, competências, visando o desenvolvimento profissional do
individuo” (Marcelo-Garcia, 1999, p.19).
Segundo Estrela et al, (1999), a identificação das necessidades de
formação é um procedimento que não pode ser descurar pois,
“A análise de necessidades, no âmbito das actividades de formação,
permite conhecer as necessidades dos indivíduos a formar, visando
ajustá-los à organização/sistema, dando-lhes a ilusão de participar
responsavelmente nas decisões e diminuindo, por isso, a resistência
à formação (e à mudança) e/ou satisfazer as suas lacunas, tornando
o formando e os seus problemas e dificuldades no verdadeiro centro
do processo formativo” (Rodrigues e Esteves, 199,3 p.23).
Cardoso (2002, p. 22) considera prioritária a formação de professores,
especificamente para a mudança. Mas para que a mudança ocorra é
preciso que a classe esteja recetiva. A autora entende a recetividade como
“atitude, diferentes maneiras como reagem as pessoas perante a mudança
ou a inovação”. As propostas de inovação são, por vezes, acolhidas com
indiferença ou mesmo com receio e hostilidades porque a maioria delas,
centralmente decididas, surge devido a mudanças sociais, culturais e
políticas numa dada sociedade.
Se recorrermos à Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994)
encontraremos definidas como escolas inclusivas as que “devem acomodar
todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais,
emocionais, linguísticas ou outras”. Segundo González (2002), responder
à diversidade ao nível das escolas tem um conjunto de implicações para
180
Educação Inclusiva
os professores e para as próprias escolas. Os esforços devem centrar-se
na busca de estratégias de ajuda para todos os alunos, a fim de que estes
possam desenvolver ao máximo suas possibilidades.
A formação de professores para a inclusão implica o desenvolvimento
dos conhecimentos, de atitudes inclusivas, através da aceitação da diferença
e de capacidades do saber-fazer, através de um conjunto de práticas,
nomeadamente, observação e avaliação de necessidades educativas dos
alunos, questionamento da prática à luz da teoria (e vice-versa) e resolução
de incidentes críticos, de situações problemáticas e de dilemas éticos
(Madureira e Leite, 2007).
CABO VERDE E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA UMA ESCOLA
INCLUSIVA
Nos Estatutos do Pessoal Docente (EPD), Decreto Legislativo nº
2 de 2004, a formação é referenciada em dois capítulos, III e VII, sendo
este último dedicado exclusivamente ao desenvolvimento profissional.
Acrescente-se que o Decreto-legislativo nº 2/2010, de 7 de maio, revê as
Leis de Base do Sistema Educativo do Sistema Educativo Cabo-Verdiano
como forma do Governo “introduzir um novo quadro de reforma no sistema
educativo, tendo em vista dar respostas adequadas aos desafios globais da
sociedade cabo-verdiana (…) ”, segundo a nota introdutória. A qualificação
do corpo docente é nomeada como uma das inovações deste novo Decretolegislativo.
O Plano Estratégico para a Educação reforça as medidas de Políticas
do Plano Nacional de Educação para todos (2002) e o Programa do Governo (2006-2010) prevê o fortalecimento da Educação Especial com ênfase na
integração escolar das crianças com NEE.
181
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
PERGUNTA DE PARTIDA
As práticas atuais, relativamente à formação de professores,
nomeadamente do ensino secundário, serão adequadas a este novo
cenário que se desenha com a inclusão de alunos com NEE nas turmas ditas
regulares?
O estudo, cujos resultados apresentamos em síntese, teve a pretensão
de responder à seguinte pergunta de partida: Quais as necessidades de
formação contínua, percecionadas pelos professores do Ensino Secundário
e por responsáveis da educação e formação, para dar resposta aos alunos
com NEE nas Escolas Inclusivas, em Cabo Verde?
Recorremos à definição de necessidades de formação de professores
proposta por Mesa et al. (1990, p. 178): “o conjunto de preocupações,
desejos, carências e problemas sentidos ou percecionados pelos professores
no desenvolvimento do processo pedagógico”.
A partir desta definição, foi possível decompor a pergunta de partida
em questões orientadoras do estudo: quais são as preocupações dos
professores e dos responsáveis face à inclusão dos alunos com NEE?; quais
são os principais problemas que os professores sentem quando lecionam
em turmas inclusivas?; quais são as carências formativas explicitadas pelos
professores e pelos responsáveis da educação, face à inclusão de alunos
com NEE?; quais são os desejos dos professores e dos responsáveis,
relativamente à formação para a inclusão?
METODOLOGIA
Este estudo é de natureza qualitativa, orientado para a descoberta do
real a partir da perspetiva dos sujeitos, procurando obter-se informação tão
rica e aprofundada quanto possível (Carmo e Ferreira, 2008) e tem um caráter
182
Educação Inclusiva
descritivo e exploratório, uma vez que pretende compreender e explicar
a situação actual, respondendo às questões orientadoras anteriormente
colocadas (Quiwy e Van Campenhoudt, 1992; Carmo e Ferreira, 2008).
Para concretizarmos o que nos propusemos compreender,
construímos um plano de estudo aberto, como é caraterístico dos planos
qualitativos, no qual os resultados de cada etapa constituíram a base para
a realização da etapa seguinte, podendo ser sintetizado no esquema que
apresentamos em seguida.
1ª Etapa:
2ª Etapa:
3ª Etapa:
Conhecer o contexto,
base para elaboração
do guião da
entrevista.
Identificar
necessidades de
formação dos profs.
e saber o papel
atribuído à formação.
Esclarecer aspetos
decorrentes das
entrevistas aos profs.
do Ensino Secundário
Contatos informais
com responsáveis
pela educação e
formação em CV.
Entrevistas a profs. do
Ensino Secundário.
Entrevista a duas
responsáveis atuais da
educação e formação
de profs.
Para a recolha de dados optamos pela entrevista semidireta e, para o
tratamento de dados, recorremos à técnica da análise de conteúdo (Bardin,
2008).
Ao nível da realização das entrevistas (etapas 2 e 3), participaram
diretamente neste estudo duas (2) dirigentes da educação e formação de
professores e oito (8) professores.
183
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
RESULTADOS DO ESTUDO
Este estudo possibilitou a identificação das necessidades de formação
contínua e os constrangimentos decorrentes da inexistência de um Órgão/
Gabinete responsável pela formação em geral de professores do ES no País.
Em termos genéricos, concluiu-se que os entrevistados concordam
com a inclusão de alunos com NEE e com a formação de todos os agentes
educativos envolvidos no processo de inclusão. Segundo os mesmos, a atual
formação de professores não dá resposta às reais necessidades da escola
inclusiva porque as novas competências exigidas ao professor centram-se
essencialmente no domínio pedagógico, isto é, no domínio de estratégias
e técnicas, aliadas à formação específica na área de educação especial, não
ministradas ainda pelas Entidades Formadoras dos Professores do ES no
País.
No estudo, foi reconhecido o contributo positivo da formação contínua
no desenvolvimento pessoal e profissional do professor. No entanto, revela
que apenas “fazer a formação” não basta para que haja o sucesso que se
espera, isto é, o contributo da formação contínua do professor Cabo-verdiano
está atualmente condicionado por fatores intrínsecos (por exemplo, a
forma como o professor se sente na sociedade e suas reais necessidades de
formação) e extrínsecos (referentes às condições/estratégias de formação
a serem utilizadas e ao acompanhamento do professor pós-formação). Por
isso, se por um lado nenhum dos entrevistados se mostrou indisponível
para participar na formação, por outro, revelaram alguma reserva quanto à
sua adesão à mesma. Portanto, quanto à adesão do professor à formação,
concluiu-se que ela está condicionada a aspetos de ordem pessoal
(personalidade do professor), relacional (estratégias de comunicação da
entidade formadora e ME com o professor) e profissional (resolução dos
problemas existentes na classe).
184
Educação Inclusiva
PISTAS
Deixamos algumas pistas para a melhoria da formação do professor
do ES em Cabo Verde:
A primeira relaciona-se com os fatores contextuais, mais propriamente
com a forma como os professores têm investido na sua formação em Cabo
Verde. Existem Princípios que devem ser respeitados na conceção dos
cursos (que é a modalidade que parece ser a mais utilizada em Cabo Verde
para formar professores do ES). O respeito pelo 1º Princípio aconselha a
conceber a formação como um processo “continum” (Marcelo-Garcia,
1999). Não tem sido esta a prática.
Recomenda-se que o Governo/ME e as entidades formadoras criem
as condições para que passem a ser respeitados os Princípios subjacentes
à Formação do Professor, a começar pela definição das políticas de
formação do professor, a criação de um Órgão responsável pela gestão dos
processos formativos, passando pela discussão de estratégias para resolver
os problemas da classe e para motivar os docentes a aderir às ofertas
formativas.
A segunda relaciona-se com a criação de condições para respeitar as
preferências dos professores, principalmente os processos mais adequados
para a organização da formação para a inclusão. Se por um lado, todos
reconhecem a importância da formação contínua, é necessário também
respeitar o percurso profissional de cada professor.
Assim, recomenda-se que a formação contínua seja realizada na
Escola do professor, no período de férias entre períodos (preferencialmente)
e que sejam conhecidas previamente as experiências, motivações e
expetativas pessoais e profissionais de cada professor, de forma a orientar a
formação no sentido de responder às necessidades formativas específicas e
a problemas concretos da prática profissional.
185
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
A terceira relaciona-se com o processo de implementação da “Escola
Inclusiva”. O estudo permitiu reconhecer que, mesmo havendo uma
orientação geral para a educação inclusiva, “ela não está operacionalizada”
ainda nas escolas do ES nem no processo de Revisão Curricular em curso.
Recomenda-se que sejam dadas maior atenção à abordagem das
NEE no processo de Revisão Curricular, à criação de condições básicas para
a sensibilização da comunidade educativa e da sociedade em geral e à
formação de professores especializados nesta área (Educação Especial).
A quarta relaciona-se com a criação de um ambiente próprio para
que as escolas iniciem um processo de adesão ao acolhimento de casos
de alunos com NEE. A situação actual em que trabalha o professor (turmas
muito heterogéneas) principalmente nos centros urbanos, não é compatível
com o que é esperado do professor que trabalha para a inclusão. O ensino
condicionado à forma de ser e de estar do aluno e em particular do com NEE
implica um conjunto de adaptações na Turma/ Escola.
Recomenda-se que seja reduzido o número de alunos/turma; haja a
sensibilização de todos os agentes educativos (alunos, professores, pessoal
não docente, pais); e sejam criadas modalidades de compensação do
professor que trabalha com os alunos com NEE, nomeadamente a redução
da carga horária, a atribuição de uma compensação financeira, bónus em
termos de anos de serviço, entre outras.
Foram identificadas algumas limitações neste estudo, as quais se
atribuem a diferentes fatores:
Um deles prende-se com o número de participantes que limita a
possibilidade de generalização de resultados. No entanto, como em todos
os estudos qualitativos, o facto de se recorrer a um número menor de
informantes permitiu uma recolha de dados com mais profundidade e,
como vimos, possibilitou a identificação de preocupações, problemas e
carências que poderão ajudar na tomada de decisões.
186
Educação Inclusiva
Outro fator é a inexistência de dados fiáveis de alunos com NEE. Ainda
não existem em Cabo Verde instrumentos que permitam o recenseamento
destes alunos. Existindo, possibilitariam o enriquecimento do estudo,
pois impulsionariam a pesquisa sobre a inclusão dos mesmos na escola e
principalmente da relação que estabelecem com os seus professores.
A inexistência de estudos anteriores nas áreas de formação de
professores do ES e Educação Especial em Cabo Verde dificultou também
a realização deste trabalho. Isto justifica o caráter exploratório do mesmo.
Numa reflexão final sobre os resultados deste estudo, há algumas
questões que consideramos pertinentes colocar:
- Estamos atualmente perante o fenómeno do “mal-estar docente”
dos professores do ES em Cabo Verde? - Como conseguir motivar os
professores do ES para a adesão às ofertas formativas? - Será possível,
a curto prazo, criar e implementar um plano de formação contínua de
professores que responda, simultaneamente, às necessidades profissionais
de cada professor em exercício e às necessidades do sistema educativo?
Estas questões poderão vir a ser objeto de estudos posteriores,
contribuindo para o alargamento do conhecimento da problemática das
necessidades e dificuldades dos professores no nosso país.
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Lisboa: Edições 70.
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Lisboa: Universidade Aberta.
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CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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VIII, nº1. Departamento de Educação da F.C. da Universidade da Lisboa.
GEP/Educação. (2004). Relatório Conferência Internacional da
Educação. Praia - Cabo Verde.
Madureira, I. & Leite, T. (2007). Educação Inclusiva e formação de
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Rodrigues, A. & Esteves, M. (1993). A análise de necessidades na
formação de professores. Porto: Porto Editora, Lda.
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ArtMED.
Documentos oficiais consultados
Estatutos do Pessoal Docente – Decreto Legislativo nº 2 de 2004.
Praia – CV.
Programa do Governo 2006-2010. Praia – CV.
Lei de Bases do Sistema Educativo Cabo-verdiano. (1990). Decreto-lei
nº 103/III/90: Cabo Verde.
Lei de Bases do Sistema Educativo Cabo-verdiano. (2010). Decreto-lei
nº2/2010: Cabo Verde.
188
Formação e avaliação de
docentes
(DES)ENCANTOS DA INAUGURAÇÃO PROFISSIONAL DOS
DOCENTES
Cândida Mota-Teixeira; Elisabete Ferreira
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação- Universidade do Porto
[email protected]; [email protected]
Formação e Avaliação de Docentes
Resumo
A materialização de ideias, acerca dos professores neófitos concorre
para estabelecer um patamar de compreensão (e não de conclusão) para
o estudo dos problemas mais comuns aos professores nas sociedades
compósitas e complexas da contemporaneidade. O presente estudo decorre
do projeto de investigação FIPAIF (Formação inicial de profissionais de ajuda
e identidades dos formadores: um estudo sobre o ensino e a enfermagem).
Sob a égide de uma metodologia qualitativa de recorte de investigação
segundo entrevistas biográficas aos docentes neófitos - três educadores de
infância, e quatro professores do 1º e 2º ciclo do ensino básico, licenciados
na escola superior de educação do Instituto Politécnico do Porto, integrados
no mercado de trabalho há cerca de 5 anos, sublinharemos o significado
iniciação profissional dando a conhecer alguns dos maiores des(encantos)
associados a este período inaugural. Estes períodos foram sentidos com
apreensão que se traduzem em cortes e rupturas que geram acentuados
níveis de mal-estar docente (Lopes, 2007; Mota-Teixeira, 2009). A
inexistência de apoio e de (in)formação contextual processual e pedagógica,
a indisponibilidade para o outro e para o novo, por parte dos docentes mais
experientes, resultou em inquietudes que desaceleraram as conquistas
identitárias que ambicionavam no inicio da carreira profissional.
Palavras-chave: desenvolvimento profissional; (des)encantos;
constrangimentos; clima de trabalho; iniciação profissional.
191
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
1. INTRODUÇÃO
O processo inaugural de construção profissional faz-se com “avanços
e recuos, com consensos e rupturas, na relação do actor social [os
profissionais] com os seus pares e com a sociedade” (Sarmento, 2002:131).
Nesta circularidade relacional, os profissionais confrontam-se com desafios
de (in)certezas: certezas das suas perspectivas que a certificação, à partida,
lhes confere, incertezas pelas inquietações adjacentes a um mundo
incógnito, apesar de aparentemente familiar. Esta travessia para a outra
margem pauta-se por rupturas e, simultaneamente, pelo aparecimento de
tensões adicionais (Mota-Teixeira, 2009), que quando debilmente geridas
podem gerar consequências graves quer de foro pessoal, quer profissional.
Neste mundo aparentemente incógnito, os docentes experienciam
múltiplas tarefas que não se esgotam no trabalho pedagógico da sala de
aula (Cardona, 2006), perpassando os muros da sala e os muros da escola.
São tarefas que apontam para perspetivas plurais de interações entre
pares (Mesquita, 2011) onde se conta com a solidariedade da comunidade
aprendente (Correia & Matos, 2001). De facto, as solidariedades que
cuidam, que ajudam, que esclarecem e que incentivam, nem sempre
se registam na proporção desejada (Day, 2004). A iniciação profissional,
grande parte das vezes, estreia os docentes em caminhos de “sozinhez” que
se revelam inibidores do desenvolvimento profissional e condicionador do
desenvolvimento da pessoa (Fuentes & Mota-Teixeira, 2007).
Ancoramos a presente investigação em estudos realizados
anteriormente (Mota-Teixeira, 2009), agora redimensionados por
novas complexidades educativas que investigamos no projeto de
investigação FIPAIF. As narrativas orais suportaram a recolha de dados que
posteriormente analisados deram origem a uma triangulação geradora de
gnoses interpretativas, críticas e hipoteticamente (trans)formadoras da
192
Formação e Avaliação de Docentes
agência humana dos docentes neófitos (Ferreira, 2012).
Evidenciam-se, neste texto, os processos de socialização que
ocorrem nos períodos de iniciação profissional, dando conta de narrativas
tradutoras dos constrangimentos de mal-estar (solidão profissional; excesso
de tarefas; fadiga física e psicológica; falta de solidariedade entre pares;
desconforto e desencanto com a máquina técnico-burocrática) e aponta-se
para uma praxeologia potenciadora de desenvolvimento profissional e da
agência humana (ibidem).
2. VOOS DE INICIAÇÃO PROFISSIONAL
É na transição entre os dois mundos - socialização primária (família,
escola…) e socialização secundária (empresas, profissões…) que o indivíduo
incorpora o habitus profissional. Estes voos de iniciação profissional
ocorrem, objectivamente, com a entrada no mundo do trabalho, assumindo
aqui, através de um jogo de mudanças, de interacções e de relações sociais
a sua primeira identidade de trabalhador (Dubar, 1998).
Esta transição é designada por Azevedo (1999:95) de “voo de
borboleta”, por ser um voo aprazível e por ser, simultaneamente, incerto.
Revela que este “esconde um segredo: em cada dia e em cada momento que
o voo se esboça, ele nunca se repete. É sempre novo no seu ziguezaguear. Ora
sobe, ora desce, ora vira para um lado, ora passa para o outro, ora avança,
ora retrocede” (ibidem). Neste dizer metafórico, os docentes projetam, após
a obtenção do diploma, o seu futuro num contexto de enorme turbulência
e imprevisibilidade.
Nesta circularidade de voos, a identidade profissional redimensionase a cada instante, isto é, neste “caos vocacional [o docente] percorre áreas
193
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
tão diversas como os questionamentos intra-individuais, as mudanças intraorganizacionais e as mutações interorganizacionais” (ibid.:96). De facto,
inaugura-se e conquista-se um novo estatuto, “com direitos e obrigações,
talvez com vantagens, pessoais, sociais, económicas, mas, frequentemente,
com o preço do isolamento no meio dos seus pares, com olhares que ferem”
(Silva, 2007:55). Neste encalço podem ocorrer desabamentos de ideais
traduzíveis, na maioria das vezes, em crises identitárias.
2.1. Referenciais fundamentais na construção da identidade
profissional: (des) encantos
A construção da identidade docente encerra variáveis múltiplas e
consubstancia-se em distintos referenciais. As instituições de formação
ocupam na vida pessoal e profissional dos seus estudantes, enquanto
tempo primeiro de socialização profissional (Lopes et al, 2007) um grande
referencial que os acompanha ao longo da vida profissional. São referenciais
poderosíssimos de desenvolvimento de competências e conhecimentos
(ibidem). Em paralelo surgem as instituições de trabalho enquanto espaços
de reconfiguração desses mesmos saberes e enquanto plataformas de
(trans)formação da identidade situadas. Surgem neste contexto grandes
encantos, essencialmente com a possibilidade de colocarem em marcha
modos de ação pedagógica apreendidos.
A diversidade de novas variáveis que tiveram que mobilizar, a
quantidade, por vezes «avassaladora», de acontecimentos e informações,
coincidentes e cumulativas, que tiveram que «digerir», todos os dias e a
todo o momento, fizeram com que os protagonistas do estudo vivenciassem
constrangimentos vários e elevados níveis de stress (Machado, 2007).
Realça-se, em primeiro plano, uma imensidão de tarefas de difícil
194
Formação e Avaliação de Docentes
gestão, pelo que a falta de tempo é uma denominação comum em todos os
seus discursos, já que se esforçam por dar resposta às variadas solicitações
que se lhes apresentam (Gordon, 2000). A sua identidade de papel e a
abordagem acional da profissão passa pelas dimensões de integração
teórico-prática (pesquisa), reflexão (na ação e sobre a ação), planificação,
consistência e organização (recursos, de espaço e de tempo), avaliação,
entre outras questões técnico-burocráticas (ibidem). A protagonista do
estudo - Maria (P.2º ciclo) reforça a ideia das múltiplas tarefas quando narra:
“para além da…de dar aulas, há outras questões que também estão ligadas
à escola, a parte de direção de turma, aquela parte mais administrativa.
Neste ofício cumulativo mobilizam um conjunto de recursos pessoais,
alguns dos quais o indivíduo percebe, ainda, como insuficientes. Daí o
desconforto sentido. Aliado a este desânimo surge o desfasamento entre
as expectativas iniciais sobre a profissão e o confronto com uma realidade
diferente. Marta (E.I), de forma desencorajada diz: Eu posso dizer que (…)
nós não fazemos atividades pedagógicas… não dá”.
Questionam as convicções e precipitam-se numa indagação, que faz
com que esta fase seja, naturalmente, vivenciada de forma crítica (Lopes,
2007; Ferreira-Alves, 1994; Gordon, 2000).
Reivindicam, essencialmente os profissionais do 2º ciclo do Ensino
Básico, melhores condições de trabalho, que lhe permitam desenvolver
práticas educativas de qualidade. Declaram não possuir recursos materiais
adequados e que os próprios alunos reconhecem essa fragilidade: “Primeiro
eles dizem que não cabem todos no laboratório, o laboratório é metade
desta sala, não cabem todos lá dentro. Não dá… é impensável” (Maria, P.2º
ciclo). Os stressores típicos, nestes casos, passam pela falta de condições
que obviamente geram constrangimentos, fadigas e imprevisibilidades
esgotantes, como nos conta Alda (P.2º ciclo): “há certas salas que não têm
mesmo condições. Chegou-me a acontecer não ter cadeiras para os alunos
195
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
todos… era um caos!”.
Nem sempre a vontade de dar resposta a todas as solicitações
é possível, já que implicam a mobilização de um conjunto de recursos
pessoais, alguns dos quais o indivíduo percebe, ainda, como insuficientes
(Gordon, 2000). Daí o desconforto sentido. Aliado a este desânimo surge o
desfasamento entre as expectativas iniciais sobre a profissão e o confronto
com uma realidade diferente. Questionam as convicções e precipitam-se
numa indagação, que faz com que esta fase seja, naturalmente, vivenciada
de forma crítica (Lopes, 2007; Ferreira-Alves & Gonçalves, 2001; Gordon,
2000). Sublinhamos, agora, as solidariedades ausentes (Correia & Matos,
2001) como indicador de grande descontentamento.
A inexistência de apoio e de (in)formação contextual processual e
pedagógica, a indisponibilidade para o outro e para o novo, por parte dos
docentes mais experientes, resultou em inquietudes que desaceleraram
as conquistas identitárias que sofregamente apeteciam (Huberman, 1998;
Gordon, 2000; Cordeiro-Alves, 2001). Realçamos o facto de os protagonistas
idealizarem um maior apoio, interação e maior valorização por parte dos
pares. Aliás, Maria (P 2º ciclo) ilustra esta significação, enunciando: “eu acho
que nós somos encarados, não é por toda a gente, mas por grande parte
somos encarados por: oh, eles não percebem nada disto, são uns miúdos em certa parte acontece isso”.
Abraham (1988) argumenta que tal desvalorização é fortemente
alimentada no seio da própria comunidade docente, o que dificulta o
estabelecimento de uma identidade profissional positiva e valorizadora.
Atribui tais dificuldades a obstáculos de ordem interna, que impedem ou
dificultam o sentido de pertença a um grupo profissional, com finalidades e
identidade bem definidas. Em consequência, este tipo de indivíduos tende
a isolar-se e a sentir-se altamente insatisfeito com a profissão. Contudo,
neste caso, os sujeitos do estudo, apesar da desvalorização sentida, não
196
Formação e Avaliação de Docentes
questionam os sentidos e fundamentos da pertença à profissão.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho não ambiciona permanecer numa sociologia da
denúncia (Correia, 1998:109). Ambiciona, antes de mais, alertar as
organizações educativas, os professores, os educadores e outros atores
educativos para profissionalidades não assépticas, que vivem quotidianos
de iniciação profissional “dilemáticos e, por isso, desgastantes” (Lopes,
2012:13). Assim, face aos indicadores de descontentamento encontrados,
centrados na ausência de solidariedade entre pares, nas múltiplas tarefas
e na falta de condições ótimas para um ensino de qualidade foi nosso
objectivo enunciar um papel comunicacional e activo de acção humana
recombinado numa lógica compósita de acções (sensata, comunicacional,
dialógica e crítica), na medida em que, os professores/educadores devem ser
tomados como profissionais do desenvolvimento humano que interferem,
de forma intencional, racional e planificada no desenvolvimento de outros
seres humanos (Ferreira, 2012). E como tal, precisam de equilíbrio e de uma
profilaxia, fundamentalmente, relacional. Podemos, pois, depreender que
estes profissionais são “obrigados” a viver na linha de confluência entre
o pessoal e o profissional e que esta conjuntura apela a uma necessidade
constante de referências éticas, de pontos de apoio, de valores que ajudem
a estruturar um espaço de reflexão e de exercício profissional colegialmente
partilhado.
Sublinha-se que as estratégias de sobrevivência que estes sujeitos
forjam centram-se na formação continua e/ou complementar que lhe
proporciona a partilha de saberes e de angústias, o contato com os outros
e o (des)envolvimento de identidades solidárias e colaborativas. Encontram
nos muros da sala, na sua própria gestão curricular (que a fazem invisível ao
197
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
olhos de outros pares) e na interacção e relação com os alunos os patamares
de maior satisfação, a profilaxia do mal-estar.
Neste encalço, Ferreira (2012) tem defendido recorrentemente
uma organização educativa comunicativa, autónoma, sustentada no
reconhecimento de uma ética do afecto e da relação. Também Azevedo
(1999) atribui ao modus operandi da escola, a imperfeição dos voos. Diz
que transportar na bagagem conteúdos, não é garantia suficiente para
planar em “voo de borboleta” (ibid.), acrescenta as atitudes plurais no
encorajamento a voos mais altos. Estes coadjuvantes poderão ser diretas, no
contexto da sala, no âmbito de competências muito específicas e no âmbito
da dimensão pessoal, sendo que o mais importante é diluir as inseguranças
sentidas nesta fase. Urge, de facto, “o cuidado de pensar a ética” (Ferreira,
2012:151) da escola. Urge uma “ética do cuidado construída numa razão
dialógica” (ibidem) que apoie os docentes principiantes na construção das
suas identidades profissionais.
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201
Professional Development in Cape Verde: A Sample of
Primary and Secondary School Teachers
Courtney Creamer
Bridgewater State University
[email protected]
Formação e Avaliação de Docentes
Abstract
This study was developed to answer questions about professional
development training (PDT) for teachers in Cape Verde. Specific study
questions centered on whether Cape Verde teachers have had PDT since
completing their teacher licensing program, how current that training
has been, and whether PDT is available to teachers on a regular basis. To
systematically gather data on these questions, a survey was developed and
distributed to 136 teachers on three islands of Cape Verde: Brava, Fogo, and
Santiago. To illuminate answers from these surveys, follow-up interviews
were conducted with 23 teachers. Results indicate that the opportunities
for, and perceptions of Professional Development training for teachers in
Cape Verde varies between islands, administrators, and teachers. A majority
of teachers have had some PDT, though definitions and perceptions of
this training vary. Results also show great variability around how current
Professional Development Training has been, and the regularity with which
Cape Verde teachers are provided PDT.
Keywords: professional development for teachers; Cape Verde
education; teacher training.
Resumo
Este estudo foi desenvolvido para responder a questões sobre
a formação para o desenvolvimento profissional (FDP) de professores
em Cabo Verde. As questões do estudo estão centradas no fato de os
professores de Cabo Verde receberem FDP desde que completam o seu
programa de licenciatura. São questões sobre como tem sido a formação e
se a FDP está disponível para os professores de forma regular. Para recolher
203
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
sistematicamente dados sobre estas questões, a pesquisa foi desenvolvida
e endereçada a 136 professores em três ilhas de Cabo Verde: Brava, Fogo
e Santiago. Para esclarecer as questões dessa pesquisa, foram realizadas
entrevistas a 23 professores. Os resultados indicam que as oportunidades
para e as percepções sobre a formação para o desenvolvimento profissional
dos professores em Cabo Verde variam entre as ilhas, os administradores e
os professores. A maioria dos professores tiveram alguma FDP, embora as
definições e percepções deste treinamento variem. Os resultados também
mostram grande variabilidade em torno de como a atual Formação para o
Desenvolvimento Profissional tem ocorrido e da regularidade com que os
professores de Cabo Verde têm beneficiado dessa Formação.
Palavras-chave: desenvolvimento profissional de professores;
educação em Cabo Verde; formação de professores.
Problem, Purpose, Significance
As an aspiring teacher, one who will most likely accept a job in the
future from a Massachusetts school district with a high Cape Verdean
population, I took part in a Study Tour to Cape Verde in January of 2012,
a tour whose purposes included familiarizing participants with the
educational system of Cape Verde and asking questions about teaching
approaches, students, schools, and national educational outcomes. During
this tour, many of my questions about education in Cape Verde were
answered. Other questions, on teacher training and on-going professional
development, were, beyond the scope of the meetings at hand. Upon
returning from the tour, I was challenged with writing a literature review
and discovered that little to no research had been conducted in English
to my knowledge on the topic of professional development opportunities
for Cape Verdean teachers in Cape Verde. The purpose of this study is to
examine if any professional development opportunities, such as workshops
204
Formação e Avaliação de Docentes
for teachers to learn new ways of enhancing teaching strategies and training
sessions for teachers on different areas of pedagogy, exist for teachers in
Cape Verde. The significance of this study is important because there has
been little to no research in English previously conducted and published
about professional development opportunities for teachers in Cape Verde
that I have discovered. This research aims to inform Cape Verde education
policy makers, as well as other interested professionals from Africa and
around the world, about matters surrounding professional development in
Cape Verde. This research can demonstrate to the Cape Verdean Ministry
of Education Officials whether or not Cape Verdean teachers feel they have
had appropriate opportunities for professional development, and whether
they have taken or would take advantage of these opportunities if offered.
Research Question
Do Cape Verdean Teachers receive Professional Development?
If so, to what extent and how often do teachers take advantage of the
opportunities? Do teachers feel these opportunities have been helpful?
Population & Sampling
The researcher traveled to three islands of Cape Verde to conduct this
research; Fogo, Brava, and Santiago. These islands were chosen to be visited
as part of the Bridgewater State University Winter Study Tour 2013 in which
the researcher accompanied to carry out the study. In order to collect data,
the researcher visited a total of 14 schools on Fogo, Brava, and Santiago
Islands that were chosen in advance by Bridgewater State University’s
International Relation Coordinator Harold Tavares. He chose the schools
based on a variety of factors such as; urban and rural locations and student
population (large and small) so that the data would not be skewed by similar
205
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
demographics. The researcher handed out 136 surveys to teachers in the
schools. The surveys were given to primary and secondary Cape Verdean
teachers who were currently working at the time of the researchers visit in
each school. Interviews were then conducted by the researcher in order to
provide specific information that could not be received through a simple
survey, 23 teachers and 5 principals were interviewed. The teachers who
were interviewed consisted of teachers from various disciplines who
have been teaching in the school at the time of the visit. In all cases, the
principal was required to choose two individuals that would be interviewed
by the researcher, if there were no teachers available at the moment; the
researcher interviewed the principal, asking the same general questions
that were asked of the teachers.
Instrumentation
A 14 question paper survey was used as method of collecting data for
this study. The survey consisted of a variety of questions that the participant
responded to by either circling the best answer provided or writing in
their response in the designated areas. The questions were developed in
advance by the researcher as a way to determine if Cape Verdean teachers
receive professional development. The researcher chose to use a survey as
an instrument to gather data for this study because it would be the most
effective and efficient way to gather information in a short amount of time.
Procedure and Time Frame
In order to conduct this study, the researcher spent two weeks in
Cape Verde from January 4, 2013 to January 18, 2013. She traveled to three
islands, went to 14 schools, interviewed 23 teachers and 5 principals, and
received 136 completed surveys from teachers. The researcher along with
206
Formação e Avaliação de Docentes
an interpreter, Ismael Monterio, accompanied the 2013 Bridgewater State
University Winter Study Tour to all the schools in order to conduct interviews
and administer surveys. Schools were visited in the morning and in the
afternoon, depending on the itinerary that was provided by Bridgewater
State University. The visits to each school lasted approximately 2 hours.
Within that time, the researcher, with the help of the interpreter, would
interview two teachers per school while the principal gave each teacher in
the building the paper survey, provided by the researcher. The principal was
asked by the interpreter to provide the researcher with two teachers to talk
with. By asking the principal on the spot, there would be no bias in the
choosing of the best teacher in the school for the researcher to interview.
The researcher and interpreter would have a brief conversation in the school
with each of the chosen teachers about that teacher’s personal experience
or lack of experience with professional development. The researcher would
ask questions that were on the survey and asked the teacher to elaborate
and tell her exactly what opportunities that teacher had or didn’t have. The
goal of the interviews was to get more detailed information about what types
of professional development programs were available or not available for
teachers and why. Another goal for the researcher was to try and understand
the reasons behind the teacher receiving or not receiving professional
development opportunities. The researcher wrote down all responses from
the teachers translated in English from Portuguese by the translator in a
notebook. On the island of Fogo, the researcher visited 6 schools, three
secondary schools (Teixeira de Sousa, Teixeria de Sousa Middle School, and
Curral Grand) and three primary schools (Pedro Monterio Cardosa, Santa
Fillomaina, and Curral Grand) and interviewed 10 teachers and 3 principals.
On the island of Brava, the researcher visited 3 schools, two secondary
(Brava Secondary School and Our Lady of Grace funded by Americans) and
one primary school (Manuel Gomes). The researcher interviewed four
teachers and two principals. She received 17 completed surveys from all of
the schools combined.
207
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
On the island of Santiago, the researcher visited 5 schools, two
primary schools (Moia Moia and Alti Safendi) and three secondary schools
(Domingos Ramos, Pedro Gomes and Alfredo da Cruz Silva). The researcher
interviewed 9 teachers and received 59 completed surveys form the schools
combined.
Scope and Limitations
This study represents just a small sample of teachers in Cape Verde.
It was not possible to attend every school on every island in Cape Verde to
collect data; therefore there is a possibility that some schools and teachers
have a greater opportunity for professional development programs than
others. In schools that were attended, not every teacher was able to be
surveyed.
The sample from each school visited is not the complete population of
teachers in the school, as some teachers were not present during sampling.
The surveys were designed by the researcher based on knowledge from
a previous literature review that focused on professional development in
Cape Verde and other small island developing states. Some of the questions
on the survey were irrelevant to this study while others provided little to
no detail for this study. The survey was created in English and translated
into Portuguese by the means of a computer translating program that was
available to the researcher, Google Translate. The computer translation,
unfortunately, did not translate the correct grammar and language as it
was in English which could have confused many of the teachers reading and
taking the survey. Even though Portuguese is the official language in Cape
Verde, many individuals do not speak it as fluently as they speak Creole.
The type of Portuguese used by the computer translation could have been
a different version than the people of Cape Verde are familiar with. One
of the largest limitations for this study was the language barrier. Because
208
Formação e Avaliação de Docentes
the researcher does not speak the native language of Portuguese or Creole,
she depended on an interpreter for all means of communication with
teachers and administrators for this study. There were many times when the
researcher had to change the wording of questions for clarification when
interviewing teachers because the vocabulary used in English is not always
the same vocabulary that is used in Portuguese or Creole. The data collected
from interviews and surveys may not be as accurate as it could have been.
The results from the study of the surveys suggest that a high
majority 72% of the teachers in Cape Verde indicated that they have had
opportunities for professional development after their initial teacher
training program while 28% of the teachers surveyed indicated they have
not received any professional development opportunities. Of the teachers
who have had opportunities for professional development trainings, 92%
indicated that it was helpful. For those teachers who have never been
offered a professional development opportunity, 98% of them say they
would attend if a professional development opportunity was presented to
them. When asked if teachers would be willing to pay for training sessions,
72% of surveyed teachers said yes while only 28% said no. When asked
what time of day would be preferred for professional development training
sessions, 75 teachers said Saturday morning, 55 teachers said before school,
25 teachers said afterschool and 12 said Saturday evening. When given a
list of seven categories that teachers could get workshops to improve their
skills on, Technology in the Classroom ranked the highest with 71 teachers
choosing it. Next was, Meeting the Needs of All Learners with 60 teachers,
followed by Lesson Planning with 50 teachers. Next was, Teaching Instruction
Strategies followed by Classroom Management with 47 and Group Work
Skills with 28. Lastly was Reading Instruction with only 24 teachers choosing
that category.
In the interviews, more teachers indicated that they had not received
any professional development training since their initial teacher training
209
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
programs. In fact, 72% said they had not had any professional development
training opportunities since the completion of their original teacher training
program while only 28% said they did have professional development
opportunities. While interviewing a teacher in Praia, he said “There is no
trainings available now, Cape Verde is very poor in this.” Another teacher
mentioned that he had training 30 years ago in Cuba but nothing in Cape
Verde. Of the 28% who have had training, 75% said it was helpful and they
would definitely attend again. “I always ask for more training whenever I goI love them!” said a kindergarten teacher in Praia. When asked if teachers
wanted more professional development opportunities in the future, 100%
said yes. “We all must improve to not be stable and to achieve more” said
one teacher in Brava. Another teacher said “It’s always good to learn even
though there is no money for higher education (professional development) it
is always great to have more knowledge.” Another teacher said “Absolutely!
I would love more training! I would welcome it with open arms!” When
asked what areas or topics were in most need of training, the most common
answer was how to motivate students the second most common answer was
Portuguese and math instruction techniques. 100% of teachers interviewed
would attend professional development training opportunities if they were
offered and would all be willing to pay for them if necessary.
Conclusion
Results indicate that the opportunities for, and perceptions of
professional development training for teachers in Cape Verde varies between
islands, administrators, and teachers. A majority of teachers have had some
professional development training, though definitions and perceptions of
this training vary. Results also show great variability around how current
professional development training has been, and the regularity with which
Cape Verde teachers are provided professional development training.
210
Formação e Avaliação de Docentes
It is clear to see how much Cape Verdeans value their education.
100% of teachers interviewed expressed great interest in learning more
about teaching and said they would attend any workshops that were
offered even if they had to pay for it themselves. There is conflicting data
between the surveys and the interviews as far as who has had professional
development opportunities prior to the completion of teacher training
programs completed at the college level. Most of the teachers that were
interviewed expressed a great need and interest for more professional
development/teacher training programs and workshops. There is a longing
for more resources and support for teachers who are having difficulty in
the classroom. One of the biggest things teachers want to do is to be able
to motivate their students more so that they will want to learn. From the
teachers that were interviewed, there are hardly any opportunities for
professional development and they would love to see more of that in the
future.
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Avaliação de Desempenho dos Professores do Ensino
Secundário em Cabo Verde: Ambições e limites
José Rito Baptista Teixeira
Aldeia SOS – Assomada - Cabo Verde
[email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
A problemática da melhoria da qualidade do ensino é cada vez
mais referenciada, tantos nos escritos, nos debates políticos e nos media
contemporâneos. Ela abrange todos os países independentemente do
seu grau de desenvolvimento. Cabo verde, reafirmou desde o ano 2000,
a avaliação dos professores enquanto eixo para melhorar a qualidade da
educação e do ensino, bem como a melhoria da prestação pedagógica,
desempenho profissional, aperfeiçoamento e a valorização do trabalho
dos docentes. O presente artigo tem como objetivo explorar as seguintes
questões de partida: Em que medida essa avaliação em curso, atinge os
objetivos preconizados pelo decreto regulamentar vigente? Será que
ela é pertinente, eficaz e está adaptada aos desafios contemporâneos?
Para podermos responder a essa questão baseámos a nossa pesquisa
numa análise diacrónica e sincrónica. Para além da análise de estatísticas
e informações qualitativas, aplicamos entrevistas às pessoas chaves e
inquéritos em todas as ilhas com exceção da Boavista, totalizando cerca
de 1/5 da população docente efetiva do ensino secundário incluindo os
diretores. A pesquisa revelou-nos através dos testes não paramétricos,
toda a complexidade do processo de avaliação, na sua dimensão heurística
e praxeológica bem como o seu caracter contraditório. Evidenciamos um
certo “insularismo” e algumas posturas anti-avaliação.
Palavras-chave: avaliação de desempenho; avaliação formativa;
desenvolvimento profissional dos professores.
214
Formação e Avaliação de Docentes
Résumé
Le besoin d’améliorer la qualité de l’enseignement est de plus en
plus référencée dans les écrits, les débats politiques et dans les media
contemporains. Il touche tous les pays et tous les degrés de développement.
En ce qui concerne le Cap Vert depuis l’année 2000, il a été choisi
l’évaluation de la performance des enseignants, en tant instrument pour
le développement de son système éducatif, ainsi que l’amélioration des
performances professionnelles et la valorisation du travail des enseignants.
Cet article a pour objectif répondre aux questions de départ qui sont les
suivantes : Dans quelle mesure l’évaluation des enseignants mise en œuvre au
Cap Vert atteint les objectifs proposés par le décret en vigueur? L’évaluation
est-elle, pertinente, efficace et adaptée aux défis contemporains? Afin de
répondre aux questions posées, notre recherche a été basée sur l’analyse
diachronique et synchronique. En plus de l’analyse des statistiques et
des informations qualitatives nous avons appliqué des entrevues à des
personnes clés et réalisé des enquêtes sur toutes les îles à l’exception
de Boa Vista, totalisant environ un cinquième des enseignants de l’école
secondaire du pays y compris les directeurs. La recherche nous a révélé par
des tests non paramétriques, la complexité du processus d’évaluation dans
sa dimension heuristique et praxéologique et son caractère contradictoire.
Mots-clés: évaluation de la performance; évaluation formative;
développement professionnel des enseignants.
1. ENQUADRAMENTO DO TEMA
As mudanças na educação e na sociedade impõem novas exigências
aos professores, que doravante devem fornecer conhecimentos básicos para
ajudar os jovens a se tornarem totalmente autônomos através da aquisição
de competências-chave.
215
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Todavia a evolução dessas mudanças sociais cada vez mais rápida e
de aparência por vezes caótica repercutem-se de forma direta na educação
e ensino, transformando tanto as condições de acesso à profissão, como o
seu exercício, o desenvolvimento de carreira e identidade profissional dos
seus membros. (TARDIF, Maurice et LESSARD, Claude 2004)
Com efeito, o trabalho docente tornou-se uma atividade profissional
que faz apelo a conhecimento e competências pluridisciplinares e o ensino
tornou-se uma atividade especializada e complexa, exigindo daqueles que
o exercem um verdadeiro profissionalismo, pois “as diferenças de eficácia
dos professores são responsáveis em grande medida pela diferença de
aprendizagem dos alunos”. (KELLAGHAN , Thomas et GREANEY Vincent
– 2002). Por isso a aprendizagem ao longo da vida ganha cada vez mais
sentido.
Neste contexto face aos desafios relacionados com a necessidade
de melhorar a qualidade dos sistemas educativos, muitos países tem
enveredado por reformas, em vários domínios (organização escolar, revisão
dos programas, construção e melhoria das escolas etc), mas o que dominou
no seio da educação durante os anos 80, 90 e início do ano 2000 foi o recurso
à avaliação como forma de melhorar a qualidade do ensino. (KELLAGHAN ,
Thomas et GREANEY Vincent – 2002,)
No caso concreto de Cabo verde, o estudo sobre a reforma educativa
de 1987, concluiu que havia “ausência de um sistema de avaliação e
controle” assim no início da década de 90, (em plena reforma) em virtude
das inovações introduzidas no sistema educativo, foi elaborado o Estatuto
do Pessoal Docente (Decreto Lei nº 10/97, de 8 de Maio) que constitui um
passo significativo na medida em que define pela primeira vez, os objetivos
da avaliação de desempenho diferentes dos agentes da Função Publica.
Por essa via em 2000 a partir do decreto regulamentar de nº
10/2000, Cabo Verde reafirma a escolha da avaliação de desempenho
dos professores enquanto eixo para o desenvolvimento do seu sistema
216
Formação e Avaliação de Docentes
educativo e valorização dos docentes, com os seguintes objetivos:
a) Melhorar a qualidade da educação e do ensino ministrados;
b) Adaptar o sistema educativo às necessidades educacionais;
c) Melhorar a prestação pedagógica e a qualidade profissional dos
docentes;
d) Valorizar e aperfeiçoar o trabalho dos docentes.
2. HIPÓT ESES
Apesar da justeza desses propósitos na legislação atual caboverdiana, avançamos com a hipótese de que a avaliação que se pratica
nas escolas secundárias do país, não é eficaz e não cumpre os objetivos
propostos pois “seria ingénuo, imprudente e contrário à própria ideia de
liberdade na construção do nosso futuro aceitar a avaliação, sem um ponto
de vista crítico “ (JORRO, Anne 2007).
Pois segundo a autora, esta confrontação é importante em triplo
sentido:
1º - Reveste-se de um caracter contraditório, pois o real está
sempre em desintonia com o desejado, suscitando questionamentos sobre
a diferença (distância) identificada entre as duas realidades.
2º - Integra uma dimensão heurística no facto de questionarmos se
a atividade não tem um potencial não explorado, se os atores não podem
mobilizar de forma diferente as competências e ações profissionais.
3º - É caracterizada pela sua praxeologia nas decisões de ajustamento
que podem ser efetuadas.
Neste contexto, formulamos as seguintes perguntas de partida, das
quais só vamos responder às duas primeiras neste artigo:
217
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Será que a avaliação em curso, atinge os objetivos preconizados
pelo decreto regulamentar vigente?
Será que ela é pertinente, eficaz e está adaptada aos desafios
contemporâneos? Se sim, em que medida? Se não: Que fazer para que essa
avaliação seja um instrumento capaz de melhorar a prestação pedagógica,
a qualidade profissional, valorizar e aperfeiçoar o trabalho dos professores?
3. OBJETIVOS
Compreender em que medida a avaliação de desempenho dos
professores contribui para o cumprimento dos objetivos preconizados
Identificar os principais obstáculos que dificultam a sua
implementação tendo em conta a pertinência, validade e fiabilidade.
Fornecer pistas para a melhoria do desempenho dos professores e
do sistema de avaliação.
4. METODOLOGIA
Para podermos responder a essas questões baseámos a nossa
pesquisa numa análise diacrónica e sincrónica. Para além da análise de
estatísticas e informações qualitativas, aplicamos entrevistas às pessoas
chaves e inquéritos.
4.1. Espaço da amostra
Foram abrangidos um total de 368 inquiridos, sendo 347 professores
e 21 diretores das escolas secundárias, de todo o país com exceção da ilha
da Boavista que representa cerca de 1% do total dos 2.356 dos professores
218
Formação e Avaliação de Docentes
a nível nacional. Os inquéritos foram realizados no ano letivo 2006-2007
e contaram com a autorização e colaboração da Direção Geral do Ensino
Básico e Secundário e da Inspeção Geral.
Relativamente à distribuição dos professores nota-se que as ilhas
de Santiago, São Vicente, Santo Antão e Fogo concentram mais de 90% dos
professores do ensino secundário, por isso os inquéritos foram distribuídos
de forma proporcional, respeitando a sua variação percentual por ilhas,
conforme o quadro abaixo.
Quadro 1 – Distribuição proporcional dos inquéritos por ilhas, tendo em conta a
repartição dos docentes pelo País
Ilhas /Distribuição de
inquéritos
Inquéritos
realizados
% de docentes
coberta pelo
inquérito
% de docentes a
nível nacional por
ilhas- em 2005/06*
Santiago (ST)
198
57,1
57,59
S.Vicente (SV)
61
17,6
18,50
S. Antão (SA)
39
11,2
9,7
Fogo (FG)
19
5,5
5,6
Sal (SL)
10
2,9
2,84
Brava (BRV)
7
2,0
1,27
Maio (MAI)
7
2,0
1,18
S. Nicolau (SN)
6
1,7
2,12
Boavista (BV)
----
----
1,15
Total
347
100
100
* Dados provisórios – Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério de
Educação
4.2. Tratamento e análise dos dados
Para a análise e tratamento de dados, recorremos ao programa
219
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
SPSS (Statistical Package for Social Science), onde utilizamos os testes nãoparamétricos para as variáveis ​​qualitativas, mais concretamente o teste
independência do Qui-quadrado (X ²) que permite verificar se duas variáveis
estão relacionadas e o Coeficiente de correlação de Spearman que mede o
grau de associação entre as mesmas.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Respostas às questões de partida: Será que a avaliação em curso,
atinge os objetivos preconizados pelo decreto regulamentar vigente? Será
que ela é pertinente, eficaz e está adaptada aos desafios contemporâneos?
A resposta a esta questão vem mostrar toda a complexidade do
processo de avaliação de desempenho, na medida em que a resposta à
questão levantada, não se resume a um simples “SIM” ou NÃO”, devido a
dois fatores chaves que intervêm na apreciação dos professores que são, os
anos de serviço e o tipo de contrato.
A partir do teste de Qui-Quadrado e a correlação de Sperman,
distinguimos dois grupos bem identificados:
O primeiro grupo constituído por professores com menos anos de
serviço e com um Contrato a Termo, e os de Contrato Administrativo de
Provimento que consideram que a avaliação a que são submetidos tende a
atingir completamente os objetivos preconizados e os ajuda a melhorar o
seu desempenho enquanto profissionais. Para esses indivíduos a avaliação
parece ser um instrumento importante para melhorar o seu desempenho
visto que a avaliação joga um papel importante na revalidação dos contratos.
O segundo grupo, constituído por professores com mais anos de
serviço e do Quadro Definitivo da escola estão pouco convencidos e menos
recetivos a esta ideia. Consideram mesmo que esta avaliação além de não
atingir os objectivos, não tem qualquer impacto na sua vida profissional. De
220
Formação e Avaliação de Docentes
referir a existência nesse grupo de professores e diretores que consideram
que os objetivos são parcialmente atingidos. Neste grupo a avaliação parece
estar mais vinculada às progressões e promoções na carreira.
Em todo o caso, os resultados da análise põem em evidência os dois
pontos de vista diametralmente opostos.
Entretanto a reivindicação de formação continua, a denúncia da
falta de seguimento e de apoio, do relativo “isolamento” (individualismo) da
parte dos professores, a existência de uma percentagem significativa (mais
de 40%) de docentes que declaram que não tomam conhecimento sempre
das suas avaliações, ou a existência de uma percentagem de professores
(15%) com uma postura anti-avaliação, apesar dos indícios de uma
avaliação indulgente cuja pirâmide é invertida (51%, declaram ter avaliação
de Mbom, 32% de Bom e apenas 1% tem uma avaliação de Suficiente); as
críticas feitas reclamam especialmente da falta de formação dos diretores
no domínio da avaliação, ou do uso da avaliação enquanto instrumento
de poder e disciplina o que aumenta o risco de “deslizamento entre o
pessoal e o profissional (...) que visa não avaliar um ethos profissional, mas
a julgar a personalidade” (JORRO, Anne 2007), a grande subjetividade, a
predominância de uma avaliação de cima para baixo, em detrimento da
auto-avaliação, ou co-avaliação que facilitaria a reflexão e a criação de uma
cultura de rede entre outras; permite-nos afirmar que a avaliação que se
pratica em Cabo Verde sofre de inúmeras insuficiências que compromete
o cumprimento dos objetivos e torna difícil uma resposta apropriada aos
desafios atuais.
Por outro lado, este conjunto de problemas leva-nos a pôr em causa
a sua pertinência, validade e fiabilidade se tivermos em conta as posições
defendidas por De Ketele et Roegiers (1993,) e Paquay et al. (2004) devido a
um certo “insularismo” na aplicação da avaliação.
Segundo estes autores a pertinência significa que a avaliação
responde à sua função de base, neste caso os objetivos preconizados.
221
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Em relação aos dois primeiros objetivos, a) Melhorar a qualidade
da educação e do ensino ministrados; b) Adaptar o sistema educativo às
necessidades educacionais; constatamos que apesar de certos professores
considerarem que são atingidos, a ausência de analise e tratamento das
avaliações por parte das escolas e dos serviços centrais, a falta de uma
articulação entre essa avaliação e a avaliação das necessidades, recursos e
ações da instituição não permitem o fornecimento do feed back necessário
para melhorar e adaptar o sistema educativo às necessidades educacionais.
De salientar ainda que segundo as Delegações do Ministério de Educação,
muitas escolas não enviam as fichas de avaliação para serem homologadas
o que pode confirmar a versão dos professores quando declaram não ter
conhecimento das suas avaliações, ou que não são avaliados.
Em relação aos dois últimos objetivos, c) Melhorar a prestação
pedagógica e a qualidade profissional dos docentes e d) Valorizar e
aperfeiçoar o trabalho dos docentes, a ausência de ligação entre a avaliação
e a formação leva- nos a concluir que esta, não está ao serviço da formação
e o exercício do ensino não é considerado como uma profissão em que
se exige um aperfeiçoamento constante, exigindo dos que o exercem
competências múltiplas para adaptação às mais diversas situações.
Na medida em que a avaliação não é contínua, as necessidades
individuais e coletivas não são tidas em conta a fim de permitir fixar
prioridades para melhorar e aperfeiçoar a prática docente. Neste contexto
podemos afirmar que a avaliação não responde à sua função primeira, ou
seja não é pertinente.
No que concerne à validade, ela supõe que se avalie realmente o que
foi proposto avaliar. Uma avaliação é válida se ela incide claramente sobre
o objeto avaliado: se se quer avaliar a qualidade do ensino é necessário
identificar claramente em que reside esta qualidade e desenvolver
estratégias para a alcançar.
Relativamente à validade, constatamos que a maior parte dos
222
Formação e Avaliação de Docentes
professores, diretores, sindicatos entre outros declaram que os critérios de
avaliação são válidos, contudo põem o problema em relação aos intrumentos
de recolha que variam de escola para escola.
A fiabilidade diz respeito à confiança que se tem nas operações
efetuadas. Uma avaliação é fiável se são tomadas todas as precauções para
que haja uma constância no julgamento independente de quem seja o
observador-avaliador, o momento ou as circunstâncias dessa avaliação.
A falta de regulamentação e de comunicação durante a sua
implementação engendra uma multiplicidade de pontos de vista e
práticas diversas que os próprios professores desconhecem em quê são
realmente avaliadas. Pode-se mesmo dizer que esta situação leva a uma
certa “insularidade” na implementação da avaliação. (Citado por FERREIRA,
Cristina A. 2002)
É por isso que os professores caracterizam a avaliação de subjetiva
e pedem a clarifição dos critérios enquanto os sindicatos propõem «a
atribuição de tarefas mais precisas para professores, explicitando os seus
deveres e responsabilidades” de forma a melhor avaliar o trabalho docente.
Por outro lado a existência de uma percentagem significativa de
professores (quase 60%) que declaram não concordar com a sua avaliação
(em que metade destes aceita para evitar conflitos), bem como as posturas
anti-avaliação de alguns professores refletem um certo mal-estar (medo?)
em relação à sua fiabilidade contudo a “ avaliação não levanta muitas
reações defensivas quando o seu valor é realmente compreendido. Ela
contribui, no imaginário social, para um desenvolvimento profissional ou
uma readaptação organizacional. “ (JORRO, Anne 2007). Pelos motivos
apontados podemos dizer que essa avaliação não é fiável.
223
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
6. CONCLUSÃO
Do exposto podemos concluir que:

Existe uma grande diferença entre o que é prescrito pela lei e a prática.
 A avaliação de desempenho do pessoal docente parece estar mais centrada na lógica do controlo administrativo (os diretores avaliam os professores para responderem às normas legais, o ponto de vista dominante é dos
administradores escolares) e a gestão das carreiras (a avaliação visa tomar
decisões para revalidação do contrato progressão ou promoção) do que o
desenvolvimento profissional dos docentes
 Os conjuntos de problemas evidenciados põem em causa a pertinência,
validade e fiabilidade da avaliação de desempenho com base nesse instrumento.
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la qualité de l’enseignement – Paris. UNESCO : Institut International de
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224
Formação e Avaliação de Docentes
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Boeck université.
Documentos e Legislação
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(documento de divulgação), Projeto educaçao1 Partex-CPS, República de
Cabo Verde, Abril 1987
Estatuto do Pessoal Docente – Decreto legislativo 10/97 de 8 Maio,
capitulo VII e subsecção II- artigo 29
Avaliação do pessoal docente - Decreto Regulamentar n° 10/2000
- 4 setembro
225
PERFIL PROFISSIONAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR COMO ELEMENTO CONSTITUTIVO DE IDENTIDADE
DOCENTE
a
a,b
Maria da Conceição Valença da Silva1; bMaria da Conceição
Carrilho de Aguiar; cNatércia Alves Pacheco
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil; cUniversidade do
Porto, Portugal
[email protected]; [email protected];
[email protected]
1 Bolsista da CAPES
Formação e Avaliação de Docentes
Resumo
No contexto de ressurgimento da atenção sobre a qualidade do
trabalho do professor, a questão da identidade docente emerge como
temática significativa, uma vez que o foco envolve a constituição do ser
professor. Nessa perspectiva, o presente estudo aborda a identidade
profissional docente, e, nesta fase da pesquisa, buscou-se identificar e
analisar o perfil profissional dos professores através da aplicação de um
questionário, para evidenciar possíveis aspectos relacionados aos processos
identitários dos docentes. O locus de recolha das informações foi a Faculdade
Asces, na qual participaram trinta professores. O estudo demonstrou que
a identidade profissional docente, particularmente daqueles que exercem
a docência na Educação Superior, está atravessada por várias interações:
as histórias de vida dos professores, sua formação e o conhecimento
especializado, as relações com o grupo profissional, pela singularidade dos
sujeitos, numa permanente reinvenção de relações pessoais e profissionais
compartilhadas em cada cultura e entre culturas.
Palavras-chave: perfil profissional; identidade profissional docente;
educação superior.
Résumé
Dans le contexte de résurgence de l’attention sur la qualité du travail
de l’enseignant, la question de l’identité professionnelle enseignante
émerge en tant que thématique significative, étant donné que le focus de
l’étude est sur la constitution de l’être enseignant. Dans ce sens, cette étude
fait une approche de l’identité professionnelle de l’enseignant. Dans cette
phase de la recherche nous cherchons à identifier et à analyser le profil
227
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
professionnel des enseignants a partir de l’application d’un questionnaire
sur les aspects ayant un rapport aux démarches identitaires des enseignants.
La Faculté Asces s’est constituée en tant que locus de la recherche, dans
laquelle ont participé trente enseignants. L’étude confirme que l’identité
professionnelle enseignante, en particulier de ceux qui exercent au niveau
de l’Enseignement Supérieur, est traversée par plusieurs interactions: les
histoires de vie des enseignants, leur formation et leurs connaissances
spécialisées, leurs rapports avec le groupe professionnel d’appartenance,
la singularité des sujets, dans une permanente réinvention des rapports
personnels et professionnels partagés dans chaque culture et entre cultures.
Mots clés: profil professionnel ; identité professionnelle enseignante;
enseignement supérieur.
1. INTRODUÇÃO
No atual cenário educacional a temática - identidade profissional
docente1 - ganha relevo, uma vez que envolve a constituição do ser professor.
Esta pesquisa aborda a identidade profissional docente na Educação
Superior, e, nesta fase, buscou-se identificar e analisar o perfil profissional
de trinta professores que exercem a docência e são membros do Núcleo
Docente Estruturante (NDE)2 de Cursos de Graduação. A recolha das
informações deu-se através de um questionário, assumindo-se este como
elemento que sinaliza aspectos constitutivos de processos identitários. A
análise dos dados respaldou-se na Análise de Conteúdo (BARDIN, 2010).
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo locus de investigação foi a
Faculdade Asces, situada em Caruaru/PE/Brasil.
1 Neste estudo – identidade profissional docente – entendida no sentido plural de sentimentos de
identidade profissional docente.
2 O NDE - órgão responsável mais diretamente pela (re)construção, implantação e consolidação do
Projeto Pedagógico de Curso. BRASIL/MEC. Resolução n. 1 de 17 de junho de 2010.
228
Formação e Avaliação de Docentes
Neste momento, optou-se por identificar o perfil destes docentes
pelo acesso aos respectivos grupos nas reuniões já agendadas pelas
coordenações dos cursos. Entretanto, no decorrer da pesquisa serão
identificados e analisados os perfis dos demais docentes desta e de mais
três Instituições de Educação Superior (IES) que constituem o campo da
pesquisa.
2. DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: ALGUNS IMPASSES E
DESAFIOS
No atual cenário educacional é exigida da atuação docente o
fortalecimento das dimensões ética, didática e política, numa perspectiva
multireferencial, que possibilite o professor analisar fenômenos
socioeducacionais, entender e explicar a realidade, tomar decisões, assumir
posições críticas e intervir no processo de transformação da sociedade e
de nós mesmos, como sujeitos inconclusos, culturais. Tais processos estão
relacionados à construção de identidade profissional docente.
Há um reconhecimento no âmbito da educação de que a prática
docente é de natureza relacional. Tal prática tem também como base
a formação do professor. Contudo, os saberes utilizados por um número
significativo de docentes da Educação Superior são, prioritariamente,
aqueles que provêm da experiência, das lembranças e dos registros da
memória da época em que eram alunos, sem evidência de um contributo
teórico que dê sustentação à atividade docente (PIMENTA e ANASTASIOU,
2002; TARDIF e LESSARD, 2007).
Perante o atual contexto educacional permeado por impasses
e desafios, algumas inquietações remetem-nos a indagar: a) Que perfil
profissional têm professores que exercem a docência em Instituições de
Educação Superior? Quais aspectos desse perfil suscitam relações com
a identidade profissional docente? A partir destas questões, pretende229
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
se neste estudo sinalizar alguns elementos do perfil de um determinado
grupo de professores, na perspectiva de instigar outros questionamentos
relevantes para esta pesquisa.
Importante fator na construção de identidade profissional docente
é a formação dos professores, cujos processos incluiriam uma concepção
ampliada de pedagogia universitária que envolve várias dimensões e a
perspectiva de processualidade (CUNHA, 2010). Referindo-se à formação,
Pacheco (1996) diz-nos que trata-se de um processo que está relacionado
ao exercício de compreender o outro, que é ao mesmo tempo semelhante
e diferente de cada um de nós. Para esta autora a formação é sempre uma
escuta e uma troca. Daí que seja fundamental assumir que a formação de
professores universitários, sendo diferente da de outros níveis de ensino, é
tanto mais necessária quanto estes são também, em grande percentagem,
formadores de futuros professores.
Outros fatores também estão relacionados à construção de
identidade profissional docente, como, por exemplo, a categoria
administrativa da IES (faculdade, centro universitário ou universidade), se é
pública ou privada, uma vez que se diferenciam em vários aspectos, como:
visão de educação; missão institucional; organização acadêmica; interesses
sociais, educativos, políticos, econômicos etc., com implicações diretas
nas atividades desenvolvidas pelos professores. Quer dizer, a depender do
perfil da instituição e de sua intencionalidade e dinâmica organizacional,
os processos identitários dos docentes vão se constituindo e assumindo
diferentes características e contornos.
3. PERFIL DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR E IDENTIDADE
DOCENTE: QUE CONEXÕES?
Ao referir-se às identidades profissionais Dubar (2006) define-as como
maneiras socialmente reconhecidas para os indivíduos se identificarem uns
230
Formação e Avaliação de Docentes
aos outros, no campo do trabalho e do emprego. Ou seja, como afirma Lopes
(2001, p.188), é uma “identidade social particular que decorre do lugar
das profissões e do trabalho no conjunto social e, mais especificamente,
do lugar de uma certa profissão e de um certo trabalho na estrutura da
identidade pessoal e no estilo de vida do ator”.
Na busca de conhecimento do perfil profissional de professores de
Educação Superior, interessou-nos obter informações sobre a formação
e a atuação docentes, com o objetivo de identificar suas relações com os
processos identitários. Entretanto, solicitamos outras informações para
identificação do grupo, como: idade e sexo.
Quanto à faixa etária, 24 professores têm entre 25 e 50 anos, e destes,
18 têm idade entre 30 e 50 anos, o que demonstra ser um grupo com certa
experiência de vida e de docência. Cerca de 20 docentes tem entre 5 e 14
anos de experiência, 4 tem entre 15 e 19 anos de docência, 5 tem entre 20
e 40 anos de experiência, e apenas 1 professor não informou.
A maioria é composta por profissionais do sexo masculino. Estes
dados parecem ser generalizáveis, embora haja atualmente uma tendência
para um maior equilíbrio entre homens e mulheres em qualquer nível de
ensino. Mas continua ainda a ser um dado a ter em conta nos discursos em
que se supõe que as mulheres criam mais laços com os alunos e os homens
com as matérias a ensinar. Preconceito ou não, estas ideias interferem na
construção identitária deste grupo profissional.
No que concerne à formação dos professores, buscamos informações
sobre o percurso escolar compreendendo o nível médio, o nível superior
e a pós-graduação. Com relação ao nível médio, dos 30 docentes apenas
um cursou o magistério. Quanto à formação de nível superior é bastante
variada e abrange os seguintes cursos: Administração, Biomedicina,
Ciências Econômicas, Direito, Enfermagem, Fisioterapia, Odontologia,
Química Industrial, apenas um professor não informou. Dos 30 professores,
21 concluíram o curso de graduação entre 1990 e 2009, período em que são
231
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
retomadas as políticas de expansão da educação superior no Brasil.
Quanto à pós-graduação, 29 docentes fizeram cursos relacionados à
formação inicial (diferente da docência) e apenas um fez o curso de Mestrado em Ensino de Ciências. Em continuidade, perguntamos aos docentes
sobre cursos de formação continuada, diferentemente daqueles cursos de
pós-graduação. Os dados sinalizaram que professores têm buscado adquirir
conhecimentos referentes à atuação docente, uma vez que 26 deles disseram já ter feito algum tipo de curso relacionado à docência.
Quanto aos aspectos da atuação docente, interessou-nos saber sobre
o regime de trabalho dos professores e sobre outra atividade profissional,
uma vez que a identidade profissional docente vai se constituindo também
pelas exigências institucionais e estas variam mediante o tempo de permanência do professor na IES, bem como dos seus interesses profissionais.
Do total de professores, 25 tem regime de trabalho entre parcial e integral e 5 são horistas3. Contudo, há exigências legais do Ministério da Educação com critérios definidos para composição do NDE (regime de trabalho,
titulação etc.) De acordo com Aguiar (2004), a produção dos docentes como
grupo profissional e a construção da identidade profissional estão ligados às
relações com as instituições empregadoras e às consequentes transformações mediante relações com os sistemas educativos.
Dos professores envolvidos neste estudo, 21 exercem outra função
na IES além do ensino (pesquisa, extensão, gestão etc.). Quanto à outra
profissão, 17 docentes informaram exercer outra profissão e 13 exercem só
a docência.
Como se observa, o processo de constituição da identidade
profissional do professor é complexo, vai se configurando em diferentes
tempos/espaços/trajetórias, é individual e coletivo, não é um produto, é um
processo de permanente reinvenção, de relações pessoais, profissionais,
3 Regimes Parcial e Integral (atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão etc.); Regime Horista
(apenas atividades de ensino).
232
Formação e Avaliação de Docentes
experienciais, culturais compartilhadas, ou, como diz Dubar (2005), é um
processo de dupla transação biográfica e relacional.
4. CONSIDERAÇÕES CIRCUNSTANCIAIS
Em síntese, este estudo revelou-nos que quanto à formação dos
professores, a maioria dos inquiridos tem uma trajetória de formação
específica, diferentemente da docência. A formação para a atuação docente
na Educação Superior acontece num processo contínuo. Alguns professores
demonstraram a necessidade de conhecimentos e saberes da docência.
Entretanto, um fator instigou-nos à seguinte indagação: que necessidades
motivam essa busca de conhecimentos da docência, uma vez que esta não
é a atividade prioritária da maioria dos professores?
Com relação à atuação docente, as informações recolhidas sinalizaram
que a maioria dos professores tem um considerável tempo de experiência
docente. Percebeu-se que a construção identitária tem sido circunstanciada
considerando a carga horária de trabalho de cada professor, as exigências
do Ministério da Educação, as diferentes atividades por eles desenvolvidas,
bem como as exigências da própria instituição educacional mediante o seu
perfil, a sua organização e o seu funcionamento.
Com relação ao número de docentes que não exerce outra profissão,
é significativo, mas instigou-nos a outra indagação: haverá influências entre
a experiência de ser professor e a outra profissão?
Como se percebe, a identidade profissional docente está
permeada por variadas interações: histórias de vida dos professores,
formação, conhecimento especializado, relações com o grupo profissional,
conhecimento das especificidades da profissão e de sua prática, e ainda
pela singularidade dos sujeitos, dentre os fatores relacionados à construção
de uma identidade.
233
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Referências bibliográficas
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elemento na construção de sua identidade. 2004. Tese (Doutorado em
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Dubar, J. C.(2005) A Socialização: construção das identidades sociais
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Melo, M. M. de O.; Cordeiro, T. S. C. (Orgs.) (2008). Formação
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Pacheco, N. A. Tempos de “Sozinhez” em Pasárgada: estratégias
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Pimenta, S. G. & Anastasiou, L. (2002). Docência no Ensino Superior.
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Tardif, Maurice & Lessard, Claude (2007). O Trabalho Docente:
elementos para uma teoria da docência como profissão de interações
humanas. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
235
RUMOS indagadores con(sen)tidos na formação
inicial de professorEs
Susana Cristina Pinto; Cândida Mota-Teixeira
Instituto Superior de Ciências Educativas, Felgueiras; Instituto Piaget, Vila
Nova de Gaia e Universidade do Porto
[email protected]; [email protected]
Formação e Avaliação de Docentes
Resumo
O presente artigo reflete sobre os ambientes e as práticas e/ou os rumos
(indagadores) dos estudantes em contexto de duas turmas do Mestrado em
Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico, de dois institutos, situados
no norte de Portugal. Nestes meandros de prática pedagógica vivenciamos
experiências (intituladas de) contidas, sentidas, con(sen)tidas e com sentido
nas instituições de estágio e respetivos docentes cooperantes, as quais
nos merecem dedicação reflexiva e indagadora. O principal objetivo deste
ensaio é: narrar experiências observadas e vivificadas inerentes às práticas.
Os métodos que suportam esta análise reflexiva são de natureza dialógica
e consideram instrumentos diversos – observação, relatos, portefólios
reflexivos –, típicos de uma estratégia metodológica de investigação-ação,
que nos sustentam e informam enquanto professoras investigadoras. A
consecução do objetivo elencado permitiu um crescimento dos estudantes
e também dos educadores cooperantes, e simultaneamente, permitiu-nos
reequacionar modos de ação supervisora.
Palavras-chave: formação inicial; estágio pedagógico; supervisão de
prática pedagógica; educação de infância.
Abstract
The present article corresponds to the work that we have been done
in the supervised teaching practice (Preschool) from the Master’s degree
in Preschool and Primary School Education. This document contemplates a
reflexive analysis about our supervised teaching practice and we wonder it
means several kinds of experiences: contained, felt, consensual and meaningful. These experiences belong to institutions internship and to their res237
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
pective cooperating teachers; so we purpose to talk about it in a way that
make possible the growing not only of internship students, but also of cooperating teachers and our emancipation, as two investigators and teachers.
We use various instruments - observation, reports, reflective portfolios -,
typical of a methodology of action inquiry.
Keywords: initial training; supervised teaching practice; teaching
practice; preschool education.
INTRODUÇÃO
Neste artigo evidenciamos experiências de prática pedagógica de
estágios do Mestrado em Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico
(CEB), concretamente na valência de jardim-de-infância; estudantes estes
integrados em dois institutos politécnicos do norte de Portugal, nos quais cada
professora/supervisora realizou o seu estudo na correspondente instituição
de ensino superior. Aquelas experiências assumiram uma dimensão críticoconstrutiva, emersa num paradigma qualitativo de investigação, que visou
uma compreensão holística das práticas de supervisão de estágios e que
assentou na estratégia metodológica de investigação-ação.
Nesta linha, a supervisão pressupôs a vivência de climas de
transparência, de mútua aprendizagem, de fusão entre um saber teórico e
um saber prático, conforme anunciam Alarcão e Tavares (2003, p. 19) que
partem da convicção, assente em Dewey, “de que a formação profissional
deve ter uma componente teórica e uma componente prática”.
Damos ainda conta de jogos relacionais (contidos), que adotamos
para que a relação entre educador cooperante e estudante se estabeleça
e se mantenha com qualidade; tendo nós o cuidado de manter uma eficaz
cooperação e um acordo tácito entre a prática observada e a prática
idealizada.
238
Formação e Avaliação de Docentes
À semelhança de Serafini e Pacheco (1990, p. 1) partimos do
pressuposto de que a observação “como elemento regulador da tomada de
decisões adquire um significado curricular na formação de professores” e,
acrescentamos: serve os propósitos da supervisão pedagógica, pois “abordase a observação como processo de reflexão, inserido numa estratégia de
formação. Por outro lado, apresenta-se um instrumento de observação com
propósitos de avaliação”.
Todavia, entre as práticas observadas e as que gostaríamos de
observar, temos traçado diálogos entre pares (as duas supervisoras) e com
os estudantes; com o objetivo de, em conjunto, empreendermos estratégias
de superação e de maximização de aprendizagens. As estratégias relacionais
(Ferreira, 2012) constituem-se plataformas de diálogo, de transformação e
de emancipação (Freire, 2004), que servirão de guião de discussão para a
presente investigação.
Estes espaços, denominados de reuniões de prática de ensino
supervisionada, constituem-se em verdadeiros “nichos” de discussão,
pesquisa e indagação, onde a supremacia do educador, enquanto
profissional do desenvolvimento humano (Baptista, 2005), vai tomando
forma e vai resistindo a práticas educativas não intencionalizadas.
Analisamos e interpretamos as nossas experiências em supervisão
à luz de ensaios de referência na temática (Alarcão & Tavares, 2003; Vieira,
Moreira, Barbosa, Paiva & Fernandes, 2006), não obstante o facto de não
fazer parte do escopo deste trabalho uma abordagem teórica da supervisão
da prática pedagógica. Assim, num dueto em comunhão (duas supervisoras
de dois institutos politécnicos privados), atentamos numa reflexão acesa
entre as práticas desenvolvimentalmente adequadas e entre as práticas
“bolorentas; repetitivas e institucionalizadas” que se nos apresentam num
quotidiano de qualidade algo aparente. Conferiremos consistência a esta
dimensão discursiva através de instrumentos reconhecidos e validados, que
recorrentemente utilizamos com os nossos estudantes: COR (High/Scope
Educational Research Foundation, 1992); ECERS-R (Harms, Clifford & Cryer,
239
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
2008); SAC (Portugal & Laevers, 2010) e que nos ajuda(ra)m a sustentar
inferências rumo a uma educação de infância de qualidade. Sublinhamos
os portefólios de prática pedagógica como instrumentos chave desta
construção.
No entanto, nem sempre os estudantes estagiam nos centros de
estágio ideais, em termos de práticas pedagógicas de qualidade; nem
sempre o educador cooperante faz jus à palavra cooperação e, nestes
meandros, temos que adotar um estilo de supervisão “hábil” e obviamente
crítico (nos bastidores), para que o estudante consiga consentidamente
apreender a essência do trabalho de educador de infância, levando assim a
cabo os propósitos de uma observação/cooperação formativa e formadora.
Não deixamos, entretanto, de evidenciar e questionar as estratégias
de supervisão que vamos adotando em prol de uma sintonização entre
estudantes-formação e qualidade educativa, que por vezes consegue
incentivar os educadores cooperantes a (re)formularem as suas práticas,
conseguindo ajudar as supervisoras a acrescentarem pontos aos seus
futuros desempenhos. Acerca dos estudantes, apenas evidenciamos aquilo
que constitui(u) a nossa ação básica e fulcral: o seu desenvolvimento
profissional e a construção de uma identidade alicerçada em plataformas
de qualidade crescente, assim como a solidariedade que comungamos e
partilhamos no dia-a-dia de formação.
1. NOTAS METODOLÓGICAS
A escrita deste artigo tem como suporte um leque diversificado de
experiências de duas supervisoras. Uma com experiência docente de cerca
de vinte e três anos e outra (sua ex-aluna) com uma experiência neófita de
dois anos, sendo que a primeira sempre foi professora do ensino superior
e a segunda primeiramente foi educadora de infância, por um período
de sete anos. Ambas são educadoras de infância de formação base, com
graduação em Desenvolvimento Curricular e têm idades compreendidas
240
Formação e Avaliação de Docentes
entre os quarenta e os quarenta e cinco anos de idade. Neste hiato de duas
décadas de experiências, tecem-se reflexões construtivas de ideais tipo de
supervisão pedagógica e hierarquizam-se os domínios privilegiados.
Deste modo dialógico, emergem três categorias de supervisão
interpretativas, decorrentes de análise de casos, de narrativas e da
orientação/análise de portefólios reflexivos: experiências contidas;
experiências con(sen)tidas; experiências consentidas e experiências com
sentido.
Os métodos que suportam esta análise reflexiva são de natureza
dialógica (Freire, 2004) e consideram instrumentos diversos, típicos de uma
estratégia metodológica de investigação-ação. No presente ensaio, temos
o intuito de narrar e descrever as experiências observadas e vivificadas,
inerentes às práticas pedagógicas dos estudantes do Mestrado em epígrafe.
Por conseguinte, a amostragem compreende os estudantes do referenciado
curso de mestrado dos dois institutos, no ano letivo de 2012/2013. As duas
turmas, uma de cada instituição, eram compostas por estudantes do género
feminino, que estavam a frequentar o 3.º, e último, semestre do Mestrado
em Educação Pré-Escolar e 1.º CEB. Referimo-nos a turmas com dezassete e
vinte estudantes.
Entre as lógicas contidas e com sentido, importa-nos continuar
a desenhar perfis de desempenho, capazes de habitar uma educação
problematizadora (Freire, 2004), ainda que para tal os cenários de
supervisão subentendam alterações constantes, tanto que os dilemas que a
pós-modernidade nos coloca exigem a formação de profissionais reflexivos
e em desenvolvimento permanente e não apenas técnicos cumpridores de
tarefas (Severino, 2007). Das experiências con(sen)tidas, ambicionamos a
diluição dos parênteses e o efetivo consentimento de um crescimento plural
entre estudante – cooperante – supervisor(a).
241
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
2. EXPERIÊNCIAS VIVIDAS E SENTIDAS
2.1 Experiências contidas
As experiências vivenciadas em contexto de supervisão são
maioritariamente contidas, na medida em que se insurgem como alheias
ao desejado, isto é, marginalizadas e opressivas face às demandas teóricas
(Barros, 2008). Nestes contextos, as supervisoras assumem-se como
estrategas do conhecimento, ou seja, entre aprovações fictícias (risos
artificiais) e conversas de bastidores com as formandas, as docentes vão
intentando um conhecimento pedagógico, diluindo os conflitos, as perdas,
as lutas, os estereótipos, as categorias, as graduações e as concorrências,
transformando-os em mais-valias formativas.
O nosso papel, enquanto supervisoras, consiste em colocar
andaimes, incentivando a estudante a explorar os conhecimentos que
adquiriu de forma crítica, construtiva e sustentada. O sentimento que nos
afeta é o de liberdade, de inconformismo, de mudança, podendo encontrar
interrogações retóricas e induzindo o estudante a agir mentalmente,
em rumo da conscientização (Freire, 2004); cuja atitude crítica, movenos e impulsiona-nos a um cenário de supervisão dialógico e humanista
(Severino, 2007). Não obstante, muitas vezes, as estudantes assumem um
papel passivo, isto é, percebendo que não podem transformar, limitam-se
mais à visualização e menos à observação participante. Neste processo, elas
impregnam e vivem inquietudes que geram um inevitável conhecimento;
sendo, contudo, as supervisoras um “andaime” securizante, o qual assegura
um cenário de aprendizagem pela descoberta guiada (Alarcão & Tavares,
2003).
Nestas experiências contidas, as estudantes retraem
experimentações, saberes, aptidões, conhecimentos, atitudes e
competências, pois sentem-se algo contraídas nas decisões que têm
que tomar e nas práticas implementadas. Isto porque, muitas vezes, não
242
Formação e Avaliação de Docentes
querem entrar em atrito com as ideologias e as pedagogias dos educadores
cooperantes; cujas práticas destes últimos poderão desconhecer a
implementação de instrumentos de avaliação da qualidade educativa em
sede de educação pré-escolar.
2.2 Experiências con(sen)tidas
Por sua vez, as experiências con(sen)tidas representam a afirmação
dos orientadores cooperantes em colaborar; muito embora, podendo
não estar abertos, à partida, à permeabilidade de novas práticas ou de
práticas diferentes. Não deixa de ser relevante assinalar que, por vezes,
estes educadores cooperantes poderão equacionar modos de trabalho
diferentes dos seus, ainda que se pressinta uma certa efemeridade desta
transformação.
Assim sendo, adotamos atitudes de insistência estratégica que os
levam a transformar as suas práticas. Entramos num jogo de valorização de
pormenores, encetamos uma espécie de jogos “teatrais”, através das quais
os induzimos a reformular práticas…
Entretanto, facultamos instrumentos validados que “silenciosamente”
conduz os educadores ao equacionamento de uma hipotética mudança. A
título de exemplo, incentivamos os estudantes a aplicar a ECERS-R, para
que – no “silêncio” con(sen)tido – o docente cooperante condescenda
uma aprendizagem sustentada. Outros instrumentos já referenciados
– COR e/ ou SAC – servem de plataformas de (in)formação e de troca de
saberes entre estudantes e educadores cooperantes. Repare-se que o
uso destes instrumentos, ou até de artigos científicos, têm como objetivo
a (in)formação dos educadores cooperantes, no sentido de estes estarem
recetivos à mudança que os referenciais podem imprimir nas suas próprias
práticas. Só desta forma, se efetiva a equiparação entre o que se idealiza da
formação e o que de facto os estudantes colhem e experienciam.
243
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
2.3 Experiências consentidas
As denominadas experiências consentidas e/ou com sentido
traduzem-se em experiências partilhadas, nem sempre de fácil acesso.
Num compromisso metodológico de investigação-ação, almejam-se
desempenhos alicerçados em relações dialéticas, contextuais, relacionais
e cooperadas (Severine, 2007), no sentido em que o potencial desta
estratégia propicia a transformação das situações de trabalho (Silva, 1996;
Estrela & Estrela, 2001; Sá-Chaves, 2002; Ponte, 2002; Caetano, 2004, cit.
por Vieira et al., 2006). Face ao aferido, os docentes cooperantes entram
neste processo de “achamento de si”, do outro (estudante estagiário) e de
sustentabilidade das suas práticas. Este cenário parece algo raro. Talvez
seja mais um cenário idealizado; em que, numa tríade, comungaríamos de
experiências, descobertas, indagações. Este é (seria) o cenário idealizado;
uma ocorrência que nos apraz(aria) supervisionar a todo o instante. Um
quadro onde todos aprende(ría)mos com todos; onde nos descobri(ría)
mos; onde experimenta(ría)mos autenticamente a estratégia investigativa
de investigação-ação.
A noção de intervenção que defendemos, nesta categoria, remetenos para a ideia de projeto construído numa dinâmica intrínseca; remetenos para a ideia de produção do novo partindo do existente, ou seja,
para um encadeamento original do existente” (Correia, 1998, p. 1). Esta
formação para a mudança, para a produção do novo, implica novas atitudes,
tal como o envolvimento e o empenhamento de cada um na sua própria
formação. Os indivíduos desenvolvem as suas aptidões, enriquecem os seus
conhecimentos, melhoram as suas qualificações profissionais, fazem evoluir
as suas atitudes ou o seu comportamento, reorganizam os seus valores na
perspetiva de um desenvolvimento global equilibrado e independente, mas
em interação com o meio social a que pertencem (ibidem). Esta formação
para o desenvolvimento deve ter subjacente a preocupação expressa por
Schwartz (1969, p. 69 cit. in Mota-Teixeira, 2009, p. 226):
244
Formação e Avaliação de Docentes
“tomar toda a pessoa capaz de se transformar em agente de
mudança, isto é, de melhor compreender o mundo [...] que a cerca
e de agir sobre as estruturas onde vive modificando-as; de trazer
a cada um a tomada de consciência do seu poder como agente
actuante, de desenvolver seres autónomos no sentido de se situarem
e compreenderem o ambiente que os rodeia, de o influenciar e de
compreender o jogo relativo entre a evolução da sociedade e de si
próprio”.
Promovemos, por conseguinte, um ciclo de supervisão com
contornos coincidentes aos pressupostos defendidos por Alarcão e Tavares
(2003, p. 98), que se baseia no seguinte: observação (propriamente dita);
análise de dados (focalizados em incidentes críticos observados) e, posterior,
discussão/reflexão das praxis. Neste processo, faculta-se documentação
pedagógica que ajuda a sustentar o feedback das supervisoras. Ainda, neste
encalço, colocam-se às alunas desafios de melhoria.
CONCLUSÃO
Mais do que supervisoras somos mediadoras de relações contidas,
con(sen)tidas e efetivamente consentidas. Os contextos influenciam-nos,
levam-nos a adotar estratégias diferenciadas; no entanto, não podemos
deixar de assumir a nossa preferência por uma supervisão do tipo
colaborativo, isto é, do tipo consentida de colegialidade e de qualidade
sustentada. Referimo-nos a uma (super)visão informada por um saber
teórico-prático, onde a dimensão pessoal se assume como fronteira entre o
con(sen)tido e o dito e não dito das práticas pedagógicas.
Das duas experiências em dois contextos diferentes, dois institutos
politécnicos, sobressaem práticas de ensino supervisionadas muito
semelhantes, mais tendentes para as experiências contidas e con(sen)tidas.
245
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Há, assim, que refletir sobre os processos de construção da identidade
profissional e colocar em primeiro patamar a relação entre o eu, o outro
e os outros. É nesta alternância entre o eu e o outro que nos consentimos
educadoras e professoras e que idealizamos os nossos cenários de
supervisão.
Por conseguinte, as relações entre educador cooperante,
professoras/supervisoras e alunas estagiárias são cruciais na qualidade da
construção do conhecimento prático.
As relações e as práticas de supervisão consentidas e providas de
sentido pedagógico serão um cenário de formação humanista/dialógica
a alcançar. Esta atitude transformadora resultará na aquisição de uma
perspetiva nova sobre a supervisão que beneficiará o trabalho de educador
de infância e o seu profissionalismo.
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Formação e Avaliação de Docentes
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247
Organização escolar e avaliação
institucional
Avaliação Externa de Escolas em Portugal: Impacto
no Processo de Autoavaliação das Escolas
Maria da Graça Bidarra; bCarlos Barreira; cManuela Soares
a
a,b
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de
Coimbra; cAgrupamento de Escolas de Lagares da Beira
Oliveira do Hospital
[email protected]; [email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Tendo como ponto de partida a revisão da literatura sobre a avaliação
das escolas no quadro das políticas educativas, as implicações dos estudos
sobre a eficácia das escolas e as iniciativas que se têm vindo a desenvolver,
designadamente em Portugal, procurámos conhecer o desempenho
no domínio Capacidade de auto-regulação e melhoria da escola, mais
concretamente no que diz respeito à autoavaliação, de acordo com os
resultados no primeiro ciclo da Avaliação Externa das Escolas (AEE). Por
outro lado, procurámos refletir sobre o impacto e os efeitos desta atividade
no processo de autoavaliação. De acordo com estes objetivos, em termos
metodológicos, optámos por um estudo de natureza documental (Estudo
1), procedendo-se à análise dos relatórios anuais de AEE produzidos pela
Inspecção-Geral da Educação (IGE). Esta serviu de base a um segundo
estudo de natureza descritiva com recurso a uma amostra não probabilística
intencional de casos típicos (Estudo 2), no âmbito do qual aplicámos um
inquérito por questionário dirigido aos diretores das Unidades de Gestão
(UG) que obtiveram classificações de insuficiente e suficiente no domínio
supracitado, no ano de 2007/2008. Constituem aspetos fundamentais
a ter em conta no Estudo 1, que foi no domínio Capacidade de autoregulação e melhoria da escola que as escolas obtiveram níveis mais baixos
de classificação. No Estudo 2, a AEE parece ter constituído um incentivo
às escolas que obtiveram piores resultados no referido domínio, já que as
alterações introduzidas no processo de autoavaliação, ao que parece com
tendência a alicerçar-se em fins emancipatórios, se verificam, na grande
maioria das UG, sendo notória a perceção de um elevado grau de impacto
da AEE no processo de autoavaliação.
Palavras-chave: avaliação de escolas; avaliação externa; autoavaliação.
250
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Abstract
Considering the study effectuated on the evaluation of schools within
the frame of educational policies, the implications of the studies on the
efficiency of schools and the initiatives that have been developing, namely
in Portugal, we look to understand at the performance in the capacity of the
domain of self-regulation and improvement of schools, more specifically,
what regards self-evaluation and the improvement of schools according to
the results of the first cycle of Schools’ External Evaluation (SEA). On the
other hand, we seek to reflect upon the impact and the effects this activity
has on the self-evaluation process. In accordance with these objectives and in
methodological terms, we choose a documental study (Study 1), proceeding
to the analysis of the annual reports of Schools’ External Evaluation (SEA),
produced by the Inspecção-Geral da Educação (IGE). This served as basis
for a descriptive study with resource a sample non probabilistic intentional
of typical cases (Study 2). In this second study, an inquiry per questionnaire
was applied to the directors of the Management Units (MU) who obtained
insufficient and sufficient classifications in the above stated domain in the
year 2007/2008. The fundamental aspects to consider in the first study
are that schools got lower classification marks within the capacity of selfregulation and the improvement of schools domain. In the second study, it
seems that the SEA gave schools with the worse classifications an incentive
in the above domain considering that the changes introduced in the selfevaluation process, with the tendency to be founded upon emancipatory
ends in the vast majority of the MU. The awareness of how much impact the
SEA has on the process of self-evaluation is notorious.
Keywords: school evaluation; self-evaluation; external evaluation.
251
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Introdução
Ao longo dos últimos anos tem vindo a ganhar maior visibilidade
a intensa atividade das escolas para estabelecer e cumprir os múltiplos
objetivos a que são cometidas, em parte devido à divulgação dos resultados
no âmbito da avaliação em que têm sido envolvidas. Podemos dizer que
se tem procurado conhecer melhor as escolas, nos seus processos e
resultados, bem como estas têm vindo a criar dispositivos no sentido de
se autoconhecerem para melhorarem o seu funcionamento. Em suma, tem
vindo a desmitificar-se a escola e a sua avaliação, ainda que não se tenham
eliminado dilemas e tensões que esta atividade suscita, designadamente no
que diz respeito à sua função (controlo vs. melhoria) e dinâmicas (avaliação
interna vs. externa) (Clímaco, 2002; Marchesi, 2002), sendo igualmente
reconhecida a importância de um suporte social e de um quadro normativo
(Clímaco, 2002).
Foi, pois, com a publicação da Lei nº 31/2002 de 20 de Dezembro,
que aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior,
e de uma experiência piloto realizada em 2006, que se desencadeou mais
recentemente um processo de avaliação externa de escolas de ensino não
superior (AEE), que completou o primeiro ciclo em 2010-2011. Este sistema
integra duas modalidades de avaliação: a auto avaliação ou avaliação
interna, realizada por cada escola ou agrupamento de escolas, e a avaliação
externa, da responsabilidade da administração educativa.
O quadro de referência da AEE, que presidiu ao primeiro ciclo de
avaliação, foi elaborado com base num referencial inspirado em experiências
nacionais e internacionais (IGE, 2009a; ME, 2006), contemplando cinco
domínios fundamentais, que integram entre dois e cinco subdomínios ou
fatores, num total de 19, e as correspondentes questões orientadoras:
Resultados (como conhece a escola os seus resultados, quais são e o que
faz para os garantir?); Prestação do Serviço Educativo (para obter esses
resultados, que serviço educativo presta a escola e como o presta?);
252
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Organização e Gestão Escolar (como se organiza e é gerida a escola para
prestar o serviço educativo?); Liderança (que lideranças tem a escola, que
visão e que estratégia estão subjacentes à sua organização e gestão?); e
Capacidade de Regulação e Melhoria da Escola (como garante a escola o
controlo e a melhoria deste processo?) (IGE, 2009a; ME, 2006).
As classificações dos cinco domínios e fatores que constituem o
quadro de referência foram atribuídas numa escala qualitativa com quatro
níveis: Muito Bom, Bom, Suficiente e Insuficiente, sendo que a distinção
entre estes níveis se realizou pelo balanço entre o número de pontos fortes e
fracos, pelo caráter mais ou menos generalizado das ações e procedimentos
adotados pela unidade de gestão e pelo respetivo impacte na melhoria dos
resultados dos alunos.
Entre os objetivos do programa de AEE destaca-se precisamente o
de promover a auto avaliação das escolas, defendendo-se a articulação
da avaliação externa com a cultura e os dispositivos de auto avaliação das
mesmas (IGE, 2009a). Assim, se a auto avaliação de escolas constitui o ponto
de partida da avaliação externa é igualmente um dos domínios em que é
esperado o impacto ou efeito desta. É precisamente no âmbito do último
domínio Capacidade de Regulação e Melhoria da Escola que encontramos
o fator auto avaliação.
Parece-nos, pois, oportuno começar por analisar os resultados
obtidos neste domínio, procurando desta forma dar a conhecer o lugar
da auto avaliação no quadro da avaliação externa das escolas, no que diz
respeito às apreciações de que tem sido alvo. Neste sentido, retomamos
parcialmente os dados obtidos de um estudo que realizámos sobre os
principais resultados e tendências do processo de avaliação externa de
escolas entre 2006 e 2010 que envolveu 960 agrupamentos de escolas e
escolas não agrupadas (Barreira, Bidarra & Vaz-Rebelo, 2011), e os de um
estudo mais recente (Soares, Barreira & Bidarra, no prelo) que dá conta do
impacto da avaliação externa no processo de autoavaliação das escolas.
253
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Relativamente ao primeiro estudo, os dados aqui apresentados
baseiam-se nos resultados publicados pela IGE nos Relatórios sobre a
Avaliação Externa de Escolas (IGE, 2008, 2009b, 2010, 2011). No Quadro 1,
reproduzem-se as percentagens de cada nível de classificação nos domínios
do quadro de referência, nos diferentes anos letivos. Por conveniência
de representação gráfica e de análise da evolução da classificação nos
diferentes domínios, adotámos uma escala de 1 a 4 correspondente aos
quatro níveis de classificação: Insuficiente, Suficiente, Bom e Muito Bom que
constituem a escala de avaliação utilizada.
Conforme se pode ler no Quadro 1 e na Figura 1, a classificação
obtida nos vários domínios que integram o quadro de referência aponta
para um predomínio de níveis de classificação positivos de Bom/Muito Bom
superiores aos restantes níveis de classificação, com excepção do domínio
Capacidade de autorregulação e melhoria da escola. Este constitui sempre
o domínio em que os níveis de classificação são inferiores, enquanto que os
domínios Organização e gestão escolar e Liderança são os que obtêm uma
percentagem superior dos níveis de classificação de Bom e de Muito Bom,
seguidos da Prestação do serviço educativo e Resultados.
Quadro 1 – Percentagens dos níveis de classificação atribuídos às escolas em
função dos domínios do quadro de referência (Percentagens-coluna por ano
letivo)
Classificação
Muito Bom
Bom
254
Ano
Resultados
Prestação
do serviço
educativo
Organização e
gestão escolar
Liderança
Capacidade de
autorregulação e
melhoria da escola
11
2006-2007
10
14
29
40
2007-2008
4
10
24
32
6
2008-2009
7
9
23
33
4
2009-2010
12
13
29
36
4
2006-2007
55
63
61
43
48
2007-2008
56
59
64
52
37
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Suficiente
Insuficiente
2008-2009
60
73
67
51
36
2009-2010
64
70
63
56
46
2006-2007
34
22
9
16
39
2007-2008
37
31
11
15
50
2008-2009
33
18
10
15
54
2009-2010
24
17
8
8
47
2006-2007
1
1
1
1
2
2007-2008
3
0
0
1
7
2008-2009
0
0
0
1
6
2009-2010
0
0
0
0
3
Figura 1 – Evolução das pontuações obtidas nos domínios
Considerando que foi no Domínio Capacidade de autorregulação
e melhoria da escola que as escolas revelaram pior desempenho
estabelecemos como principal objetivo do segundo estudo conhecer o
impacto e os efeitos da avaliação externa no processo de autoavaliação das
escolas.
Neste sentido, construímos um questionário com uma seção
referente aos aspetos relativos ao processo de auto avaliação que sofreram
alterações após a AEE, que contempla oito itens de resposta dicotómica
Sim/Não, de caráter factual, e outra sobre questões de opinião, com
utilização de uma escala ordinal de cinco pontos, adequada à formulação
255
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
do item (exemplo: 1- pouco impacto- 5 muito impacto; 1- regulação para
a conformidade- 5-regulação para a emancipação). Este questionário foi
dirigido às Unidade de Gestão (UG, 11 agrupamentos e sete escolas não
agrupadas que se candidataram à AEE) da DRC-IGE intervencionadas no ano
letivo de 2007/2008 que obtiveram a classificação de Suficiente/Insuficiente
no domínio Capacidade de autorregulação e melhoria da escola. Trata-se,
assim, de uma amostra não probabilística, intencional de casos típicos.
Numa primeira leitura dos dados relativos à perceção das alterações
após a intervenção da AEE, podemos registar um número significativamente
maior de respostas afirmativas relativamente ao número de respostas
negativas (cf. Quadro 2), indicando que, de uma forma geral, na maioria das
unidades de gestão, todos os aspetos relativos ao processo de autoavaliação
foram alvo de alteração após a AEE.
Quadro 2- Alterações ao processo de auto avaliação após a AEE
Respostas / Total de UG
Itens
Sim
Não
Não
respondeu
E7 / 1 UG
E9
E1, E2, E3, E4,
E5, E6, E8, E10,
Quadro de referência.
E11, E12, E13,
E14, E15, E16,
E17, E18 /
16
UG
E1, E2, E3, E4,
E5, E6, E8, E9,
Modelo de auto avaliação
E10, E11, E12,
E7, E14 / 2
implementado.
E13, E15, E16,
UG
E17, E18
UG
256
/
16
Organização Escolar e Avaliação Institucional
E1, E2, E3, E4,
Estruturas responsáveis pela auto
avaliação.
E5, E6, E8, E9,
E10, E11, E12,
E13, E14, E15 /
E7, E16, E17,
E18 /
4
UG
14 UG
E1, E2, E3, E4,
Constituição da equipa de auto
E6, E8, E9, E11,
E5, E7, E17,
avaliação.
E12, E13, E14,
E18 / 4 UG
E10
E15, E16 / 13 UG
E1, E2, E3, E4,
Recursos disponibilizados no
E6, E8, E9, E11,
E5, E7, E14,
processo de auto avaliação.
E12, E13, E16,
E15 / 4 UG
E10
E17, E18 / 13 UG
E1, E2, E3, E4,
E6, E8, E9, E10,
Instrumentos utilizados.
E11, E12, E13,
E14, E15, E16,
E17, E18 /
E5, E7 / 2 UG
16
UG
E1, E2, E3, E4,
E6, E8, E9, E10,
Gestão da informação.
E11, E12, E13,
E16, E17, E18 /
14 UG
E1, E2, E3, E4,
Divulgação dos resultados do
E6, E8, E9, E10,
processo de auto avaliação.
E11, E12, E13,
E15, E16 / 13 UG
E5, E7, E14,
E15 / 4 UG
E5, E7, E14,
E17, E18 /
5 UG
Numa segunda leitura dos dados (cf. Figura 2) permite constatar que
as alterações relativas ao processo de auto avaliação com um peso mais
significativo se verificaram no Quadro de referência e no Modelo de auto
257
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
avaliação implementado e nos Instrumentos utilizados (89%), nas Estruturas
responsáveis pela auto avaliação e na Gestão da informação (78%). A
Constituição da equipa de auto avaliação, os Recursos disponibilizados no
processo de auto avaliação e a Divulgação dos resultados do processo de
auto avaliação foram igualmente alvo de alteração em 72% das UG.
Figura 2 - Percentagem de respostas afirmativas relativa aos aspetos do processo
de auto avaliação que, de uma forma geral, sofreram alterações após a AEE.
Em resposta à questão Qual a sua perceção sobre o grau de impacto
da AEE no processo de auto avaliação na escola/agrupamento de escolas
que dirige? (cf. Quadro 3), constata-se que a perceção que as escolas têm
sobre o grau de impacto da AEE no processo de auto avaliação é elevado,
situando-se 13UG acima do nível intermédio e apenas duas abaixo deste
nível.
Quadro 3 - Perceção sobre o grau de impacto da AEE no processo de auto avaliação
na escola/agrupamento de escolas
258
1
2
3
-
E5, E7
E10, E14, E18
O UG
2 UG
3 UG
4
E1, E2, E3, E4, E9,
E11, E12, E13, E15,
E17
10 UG
5
E6, E8, E16
3 UG
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Relativamente ao grau de conformidade/emancipação das práticas
de auto avaliação desenvolvidas pelas escolas (cf. Quadro 4), os resultados
obtidos na questão Como se situa a escola/agrupamento de escolas que
dirige relativamente ao grau de conformidade/emancipação das práticas
de auto avaliação que desenvolve? indicam que 13UG se situam acima do
nível intermédio, traduzindo uma perceção de desenvolvimento de práticas
de auto avaliação orientadas para a emancipação.
Quadro 4 – Perceção sobre o grau de conformidade/emancipação das práticas de
auto avaliação desenvolvidas
1
2
-
-
O UG
0 UG
3
E5, E7,
E11, E17, E18
5 UG
4
E1, E2,
5
E3, E4, E8, E9, E12,
E6, E10
E13, E14, E15, E16
11 UG
2 UG
Conclusão
Da análise das classificações obtidas nos diferentes domínios do
quadro de referência da AEE, pelas UG que participaram no presente estudo
que se caraterizam pela obtenção de níveis de classificação de suficiente
e insuficiente no domínio da Capacidade de autorregulação e melhoria da
escola, ressalta que a classificação de Suficiente é igualmente predominante
nos domínios Resultados e Prestação do Serviço Educativo. Já nos domínios
da Organização e Gestão e Liderança, a classificação de Bom é a mais
frequente, recaindo nestes igualmente a atribuição de Muito Bom, ainda
que num número reduzido de escolas. A atribuição de Insuficiente registase também em apenas um caso no domínio dos Resultados e noutro no
domínio Capacidade de autorregulação e melhoria da escola.
259
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Estes dados aproximam-se dos obtidos a nível nacional entre
2006/2007 e 2009/2010, onde se constata também que os domínios com
níveis de classificação superiores são os domínios da Organização e Gestão
e Liderança e o domínio com classificação inferior o da Capacidade de
autorregulação e melhoria da escola (cf. Barreira, Bidarra & Vaz-Rebelo,
2011; Bidarra, Barreira & Vaz-Rebelo, 2011).
No entanto, a AEE parece ter tido efetivamente um efeito “catalisador
da auto avaliação junto das escolas que obtiveram classificações mais fracas
no domínio 5” (Inspeção Geral de Educação, 2011a, p. 66). A grande maioria
das escolas procedeu à reformulação do dispositivo de auto avaliação
implementado, adoptando um modelo mais estruturado. Por outro lado,
algumas escolas começaram a utilizar os materiais disponibilizados pela IGE
e o seu quadro de referência. O dispositivo de auto avaliação foi alargado a
outras áreas/serviços na maioria das escolas, verificando-se também, que
os procedimentos de auto avaliação passaram a desenvolver-se ao longo do
ano. Foram também criados novos instrumentos de recolha de dados, tendo
sido, na maioria dos casos, aplicados a vários elementos da comunidade. É
de salientar o facto de existirem escolas que criaram pela primeira vez um
dispositivo de auto avaliação.
Cumpre ainda salientar a perceção do elevado grau de impacto da AEE
no processo de auto avaliação das escolas, traduzido nas opiniões das UG,
que é consonante com as alterações registadas, existindo igualmente uma
perceção de que as práticas de auto avaliação se alicerçam em propósitos
emancipatórios. Isto leva-nos a questionar como se passa de uma situação
generalizada de práticas de auto avaliação que não permitem o conhecimento
sustentado do desempenho da escola e, consequentemente, inviabilizam
a elaboração de planos de ação de melhoria com impacto no processo
de ensino e aprendizagem, para uma situação que revela uma intenção
que ultrapassa a mera conformidade. Quererá isto dizer que apesar da
dificuldade inerente à implementação de processos de auto avaliação que,
260
Organização Escolar e Avaliação Institucional
além de tempo, necessitam de conhecimentos técnicos e envolvimento de
todos os atores educativos, as escolas já estão a desenvolver uma verdadeira
cultura de auto avaliação?
Referências bibliográficas
Barreira, C., Bidarra, G., & Vaz-Rebelo, M. P. (2011). Avaliação externa
de escolas: do quadro de referência aos resultados e tendências de um
processo em curso. Revista Portuguesa de Pedagogia, Homenagem ao
Professor Doutor João José Matos Boavida, Extra-Série, 81-94.
Bidarra, G., Barreira, C., & Vaz-Rebelo, M. P. (2011). O lugar da
autoavaliação no quadro da avaliação externa de escolas. Nova Agora –
Revista 2, 41-44.
Clímaco, M.C. (2002). A inspecção e avaliação das escolas. In J.
Azevedo (Ed.), Avaliação das escolas: Consensos e divergências (pp. 63-67).
Porto: ASA.
Inspecção-Geral da Educação (2008). Avaliação externa de escolas Relatório 2006-2007. Lisboa: Ministério da Educação - IGE.
Inspecção-Geral da Educação (2009a). Avaliação externa de escolas Referentes e instrumentos de trabalho. Lisboa: Ministério da Educação - IGE.
Inspecção-Geral da Educação (2009b). Avaliação externa de escolas Relatório 2007-2008. Lisboa: Ministério da Educação - IGE.
Inspecção-Geral da Educação (2010). Avaliação externa de escolas Relatório 2008-2009. Lisboa: Ministério da Educação - IGE.
Inspecção-Geral da Educação (2011). Avaliação externa de escolas Relatório 2009-2010. Lisboa: Ministério da Educação - IGE.
Lei n.º 31/2002. Diário da República – I Série - A Nº 294 de 20 de
261
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Dezembro (aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não
superior).
Marchesi, A. (2002). Mudanças educativas e avaliação de escolas. In J.
Azevedo (Ed.), Avaliação das escolas: Consensos e divergências (pp. 33-49).
Porto: ASA.
Ministério da Educação (2006). Relatório final da actividade do Grupo
de Trabalho para Avaliação das Escolas. Lisboa: CNE.
Soares, M. , Barreira, C., & Bidarra, M.G. (no prelo). Impacto da
avaliação externa de escolas no processo de autoavaliação.
262
AVALIAÇÃO EXTERNA DAS ESCOLAS EM PORTUGAL. QUE
IMPACTO E EFEITOS NA ESCOLA E NA SALA DE AULA?
Isabel Fialho; bJosé Saragoça; cMaria José Silvestre; dSónia Gomes
a
Universidade de Évora; bCesNova/FCS-UNL e Universidade de Évora;
c
Agrupamento de Escolas nº 2 de Évora;
d
Agrupamento de Escolas de Castro Verde
a
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Portugal iniciou, em 2007, um Programa de Avaliação Externa
das Escolas, sob a responsabilidade da Inspeção-Geral de Educação.
Atualmente está em curso o segundo ciclo de avaliação. Desta avaliação
externa resulta um Relatório que é enviado para as escolas e ao qual estas
podem responder com um Contraditório. O trabalho que apresentamos é
parte de um estudo desenvolvido no âmbito de um projeto de investigação
em curso, intitulado «Impacto e Efeitos da Avaliação Externa nas Escolas do
Ensino não Superior». A partir da análise dos Contraditórios aos Relatórios
oficiais procurámos respostas para duas questões: A avaliação externa teve
impacto na escola e conduziu as escolas a implementarem mudanças na
organização e em contexto de sala de aula? Se sim, que mudanças foram
planeadas e/ou implementadas? Metodologicamente, recorremos à análise
de conteúdo dos Contraditórios, a partir de uma matriz de categorização
previamente estabelecida em torno de duas variáveis: «impacto e efeitos
do Relatório na escola» e «impacto e efeitos do Relatório na sala de aula».
Os principais resultados evidenciam que, em geral, os Relatórios
produzem impactos e efeitos maioritariamente positivos, sendo globalmente
assumidos como um instrumento potenciador de autorregulação escolar e
de aprendizagem e melhoria contínuas.
Palavras-chave: avaliação externa de escolas; contraditórios; impacto;
escola; sala de aula.
Résumé
Portugal a commencé, en 2007, un Programme d’Évaluation Externe
des Écoles (EEE), sous la responsabilité de l’Inspection Générale d’Éducation.
Actuellement, est en cours le deuxième cycle d’évaluation. Cette évaluation
externe a produit un Rapport, envoyé aux écoles évaluées, auquel elles
264
Organização Escolar e Avaliação Institucional
peuvent répondre produisant un Contradictoire.
Le travail que nos présentons est inclus dans une étude, produite en
contexte d’un projet de recherche, dont le titre est «Des Impacts et des
Effets de l’Évaluation Externe des Écoles de l’Enseignement non Supérieur».
L’analyse des Rapports et des Contradictoires officiels, nous a permis de
répondre aux questions suivantes: l’évaluation externe a eu un impacte au
niveau de l´institution et a conduit les écoles vers un chemin de changements,
permettant améliorer soit l’organisation, soit la classe? Quels changements
ont été planifiés et/ou accomplis? En ce qui concerne la méthodologie,
nous avons mettre en cours l’analyse de contenu des Contradictoires, à
partir d’une matrice de catégories établie préalablement autours de deux
variables: «des impacts et des effets du Rapport à l’école» et «des impacts
et des effets dans la classe». Les principaux résultats indiquent que, en
général, les Rapports produisent des impacts et des effets majoritairement
positifs, étant globalement considérés comme un outil/instrument d’auto-régulation organisationnel et d’apprentissage et amélioration continues.
Mots-clés: évaluation externe d’écoles; contradictoires; impacte;
école; classe.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho insere-se no projeto de investigação «Impacto e Efeitos
da Avaliação Externa nas Escolas do Ensino não Superior» (AEEENS) que
teve por objetivo evidenciar os consensos e as divergências entre Relatórios
e Contraditórios produzidos no âmbito do processo de Avaliação Externa
das Escolas (AEE), em Portugal. O Projeto AEENS (projeto PTDC/CPECED/116674/2010, financiado por Fundos FEDER através do Programa
Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos
Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia de
265
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Portugal) cruza duas das vertentes temáticas que compõem o abrangente
tema deste Colóquio, As pegadas das reformas educativas. De facto, a
questão investigativa central que abordamos insere-se na especificidade
da qualidade das escolas, problemática que abarca quer o subtema das
políticas educativas, quer o subtema da avaliação institucional.
A avaliação da qualidade das escolas constitui, hoje, um processo
generalizado, ainda que diversificado, que assume enorme importância nos
sistemas de educação/formação dos países mais desenvolvidos.
A AEE teve início, em Portugal, em 2007, após a publicação da Lei nº
31/2002, sob a responsabilidade da Inspeção-Geral de Educação (IGE), atual
Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC). Integrando a dupla vertente
de avaliação externa e autoavaliação/avaliação interna, o programa de
AEE foi antecedido de uma fase piloto, a qual, por sua vez, surgiu após
algumas experiências avaliativas diversificadas, quer na génese, quer nos
modelos implementados, quer na área de abrangência. Ele emerge num
contexto politicamente marcado: o interesse geopolítico de adesão à então
Comunidade Económica Europeia (Fialho, 2011), na década de 80 do século
passado, donde resulta, para o campo das políticas educativas, a existência
de um modelo de governança educativa que Barroso (2005) denomina de
burocrático-profissional.
Este programa opera com um referencial que permite a avaliação
das escolas ao nível dos resultados e das diferentes áreas e domínios da
organização, gestão e liderança. O primeiro ciclo avaliativo decorreu entre
2006-2011 e o segundo ciclo teve início em 2011-2012, estando atualmente
em curso. Desta avaliação externa resulta um Relatório, que é enviado para
as escolas, ao qual estas podem responder com um Contraditório.
A AEE assume, atualmente, uma dimensão instrumental de regulação
do sistema educativo (IGE, 2012; OCDE, 2012), devendo os seus resultados
servir de base a decisões de política educativa de nível macro, meso e micro,
constituindo-se assim como sustentáculo dessas decisões (Terrasêca, 2010).
266
Organização Escolar e Avaliação Institucional
2. QUESTÕES E OBJETIVO DO ESTUDO
O presente estudo centrou-se na análise de conteúdo de Contraditórios
redigidos pelas escolas portuguesas, no âmbito do 1º e do 2º ciclos da AEE,
com vista à construção de significados, a partir de elementos discursivos
explícitos e/ou implícitos, sobre eventuais impactos e efeitos do Relatório.
Em concreto, perspetivámos encontrar respostas para as seguintes
interrogações: a avaliação externa teve impacto nas escolas e conduziu as
unidades de gestão escolares a implementarem mudanças na organização
e em contexto de sala de aula? Se sim, que mudanças foram planeadas e/
ou implementadas?
3. MÉTODO
Centrámo-nos no paradigma interpretativista, assumindo,
por conseguinte, que o conhecimento emerge como resultado das
interpretações dos investigadores acerca das perceções manifestadas pelos
atores escolares nos Contraditórios aos Relatórios da AEE. Assim, levámos a
cabo uma abordagem predominantemente qualitativa, por considerarmos
que seria esta a que melhor responderia aos objetivos da investigação. Tratase de um estudo contextualizado, no qual analisámos um largo número de
informações complexas e pormenorizadas, que teve por base a análise
discursiva documental de 69 Contraditórios elaborados pelas escolas.
Os critérios de seleção da amostra foram os seguintes: 1) representação
das quatro regiões da área territorial da IGEC; 2) Contraditórios relativos
a unidades orgânicas participantes nos 1º e 2º ciclos avaliativos; 3)
Contraditórios relativos a unidades orgânicas que obtiveram classificações
mais altas e mais baixas, em cada um dos ciclos avaliativos.
A amostra é constituída por 100 escolas, 50% das quais obtiveram as
267
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
classificações mais altas nos relatórios e 50% tiveram as classificações mais
baixas. Foram analisados todos os contraditórios (N=69) da amostra o que
significa que apenas 35% exerceram o direito de contraditório, sendo 37 do
1º ciclo avaliativo e 32 do 2º ciclo.
A recolha e a análise dos dados iniciaram-se com a produção da
matriz de categorização, que incluiu a definição das subcategorias, usadas
na análise de conteúdo.
4. Apresentação e discussão dos resultados
Na análise dos Impacto e efeitos do Relatório na escola, encontrámos
referências que evidenciam quer aspetos positivos quer aspetos negativos
que decorreram da AEE nas escolas como podemos constatar no Quadro 1.
Quadro 1: Comparação entre os Contraditórios do 1º e do 2º ciclo avaliativos, no
que diz respeito às mudanças planeadas ou implementadas nas escolas a partir da
AEE
Ciclos avaliativos
1.º ciclo de AE
2.º ciclo de AE
Classifica-ções
mais baixas
Classificações
mais altas
N=20
%
N=17
%
N=37
Oportunidade
de melhoria
7
35%
5
29%
Promoção
da reflexão
interna
4
20%
3
Responsabilização da Escola/
AE
0
0%
Motivação dos
atores
0
Mobilização
para a ação
coletiva
TOTAL
Classifica-ções
mais baixas
Classifica-ções
mais altas
%
N=24
%
N=8
%
N=32
%
N=69
%
12
32%
7
29%
2
25%
9
28%
21
30%
18%
7
19%
13
54%
4
50%
17
53%
24
35%
1
6%
1
3%
0
0%
1
13%
1
3%
2
3%
0%
3
18%
3
8%
1
4%
1
13%
2
6%
5
7%
0
0%
2
12%
2
5%
3
13%
0
0%
3
9%
5
7%
Maior sucesso
da Escola/AE
1
5%
0
0%
1
3%
1
4%
0
0%
1
3%
2
3%
Desmotivação
dos atores
1
5%
0
0%
1
3%
1
4%
0
0%
1
3%
2
3%
Diminuição
da imagem
externa da
escola
0
0%
1
6%
1
3%
0
0%
0
0%
0
0%
1
1%
Total
Total
Subcategorias
268
Organização Escolar e Avaliação Institucional
A leitura do quadro permite-nos verificar que:
- globalmente, os impactos do Relatório nas escolas são mais visíveis
no 2º ciclo do que no 1º ciclo da AEE; os impactos negativos do Relatório são
residuais em ambos os ciclos avaliativos – [‘desmotivação dos atores’ (3%) e
‘diminuição da imagem externa da escola/AE’ (1%)];
- nos Contraditórios do 1º ciclo avaliativo, a subcategoria
‘Oportunidades de melhoria’ é a que regista mais ocorrências (32%),
pese embora o facto de, nos Contraditórios do 2º ciclo, o impacto mais
significativo dos Relatórios da AEE se verificar na subcategoria ‘Promoção
da reflexão interna (53%)’;
- o discurso dos Contraditórios assume, ainda, como impactos
importantes dos Relatórios ‘a motivação dos atores’ e ‘a motivação para a
ação coletiva’, orientada para a melhoria da qualidade educativa, expressões
identificadas em 7% dos Contraditórios.
As referências seguintes, retiradas dos Contraditórios, ilustram o
impacto da avaliação externa na promoção da reflexão interna – “Constituindo
o relatório recebido mais um instrumento de reflexão e debate para a
comunidade educativa, a sua divulgação, análise e consequente debate
foi imediatamente promovido”, e na oportunidade de melhoria contínua
– “os pontos fracos evidenciados no vosso relatório serão considerados
oportunidades de melhoria na senda da melhoria contínua de resultados e
práticas de funcionamento”.
No que se refere aos Impactos e efeitos do Relatório em contexto
de sala de aula, a análise que efetuámos revelou que os Contraditórios
descortinam muito pouco sobre as mudanças que, nesse âmbito,
decorreram da AEE. Efetivamente, apenas dois Contraditórios do 1º ciclo
da AEE contêm asserções que indiciam que, à data da sua redação, já
tinham sido implementadas mudanças, a partir do diagnóstico traçado pela
AEE: “De notar que algumas das sugestões apresentadas pela equipa de
269
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
avaliação foram já implementadas” e “Na sequência da avaliação externa, o
Agrupamento já pode contar com a existência de um conjunto de materiais,
para o ensino das ciências e actividades experimentais”.
Na verdade, as unidades de gestão que optaram por redigir um
Contraditório fizeram-no no curto espaço de tempo pré-estabelecido, logo
após a receção do Relatório, sem que houvesse oportunidade de observar/
avaliar a abrangência dos impactos e efeitos do mesmo sobre a organização.
Todavia, nos Contraditórios são frequentes as referências à
importância da AEE e, em particular, do respetivo Relatório, para a melhoria
das dinâmicas e dos serviços prestados pelas organizações escolares. Em
alguns Contraditórios (poucos) especificam--se as modificações que se
pretendem implementar, nomeadamente em contexto de sala de aula,
como se pode observar no Quadro 2.
Quadro 2: Comparação entre os Contraditórios do 1º e do 2º ciclo avaliativos, no
que concerne às mudanças que as escolas afirmam pretender implementar
1.º ciclo de AE
Ciclos avaliativos
Classifica-ções
Classificações
mais baixas
mais altas
2.º ciclo de AE
Classifica-ções
Classifica-ções
mais baixas
mais altas
Total
Subcategorias
TOTAL
Total
N=20
%
N=17
%
N=37
%
N=24
%
N=8
%
N=32
%
N=69
%
11
55%
6
35%
17
46%
11
46%
5
63%
16
50%
33
48%
1
5%
1
6%
2
5%
0
0%
0
0%
0
0%
2
3%
Afirmação da
intenção de
proceder a
mudanças, sem
referir se as
mesmas são ou
não ao nível da
sala de aula
Afirmação da
intenção de
proceder a
mudanças em
contexto de sala
de aula
270
Organização Escolar e Avaliação Institucional
A análise dos dados do Quadro, relativos aos 37 Contraditórios do 1º
ciclo avaliativo, permite-nos chegar aos seguintes resultados:
– dos 20 Contraditórios de escolas com classificações mais baixas,
em apenas uma (5%) consta, de forma explícita, que há uma intenção de,
no futuro, se implementarem mudanças em contexto de sala de aula. No
entanto, em 11 desses 20 Contraditórios (55%) afirma-se a intenção de
proceder a mudanças, sem referir se as mesmas se situam ou não ao nível
da sala de aula;
– dos 17 Contraditórios emanados de escolas com classificações mais
altas, somente um (6%) contém, de forma explícita, referências à intenção
de proceder, no futuro, a mudanças em contexto de sala de aula. Porém, em
6 (35%) afirma-se que se planeiam mudanças, sem especificar se estas são
ou não ao nível da sala de aula.
No que diz respeito ao 2º Ciclo da AEE, a análise do Quadro anterior
evidencia que:
– dos 24 Contraditórios de escolas com classificações mais baixas, em
11 (46%) afirma--se a intenção de proceder a mudanças, sem referir se estas
se situarão ou não em contexto de sala de aula;
– dos 8 Contraditórios de escolas com classificações mais altas, em 5
(63%) afirma-se que se planeiam mudanças, sem especificar se estas são ou
não ao nível da sala de aula.
Estabelecendo comparações entre as informações destacadas no
texto anterior, parece poder afirmar-se que:
– não existe, em ambos os ciclos avaliativos, uma diferença expressiva
entre as escolas avaliadas com classificações mais baixas e as que obtiveram
classificações mais altas, no que concerne à expressão da intenção de
proceder a alterações ao nível da sala de aula;
271
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
– relativamente à intenção de implementar mudanças na organização
mediante o feedback emitido pelos avaliadores externos (sem especificar
o tipo de alterações), as escolas com níveis mais baixos de classificação no
1º ciclo da AEE expressam-no em maior número nos seus Contraditórios,
verificando-se a tendência contrária no 2º ciclo avaliativo, cabendo esse
papel às unidades de gestão com níveis mais altos de classificação.
5. Conclusão
A partir do que expusemos cremos poder concluir que as organizações
escolares realizaram já um caminho no sentido de compreenderem
melhor a importância e o sentido da prestação de contas através da AEE,
principalmente as que obtiveram classificações mais altas, revelando a
intenção de implementar mudanças de acordo com as sugestões deixadas
pelos avaliadores externos. De facto, cerca de metade dos Contraditórios
(48%) evidencia a intenção dos atores procederem a mudanças, embora
seja residual o número daqueles que destacam as mudanças planeadas ou
implementadas ao nível da sala de aula.
Constatámos ainda que os Contraditórios evidenciam a ocorrência de
impactos e efeitos dos Relatórios nas escolas, maioritariamente impactos
positivos, sendo os impactos negativos residualmente referidos.
Destacamos a aprendizagem organizacional que as escolas efetuaram
ao longo do período em estudo (entre 2006 e 2012). De facto, as escolas
assumem expressamente que uma boa classificação pode não ser um
sinal de que tudo está bem, ou de nada há a mudar ou a melhorar, no
sentido da prestação de um serviço educativo de excelência. A análise dos
Contraditórios evidenciou ainda o caráter formativo atribuído pelas escolas
à AEE, sendo o Relatório acolhido como um instrumento potenciador de
autorregulação e de aprendizagem e melhoria contínuas. Efetivamente, o
Relatório produzido pela AEE parece cumprir os objetivos de promoção da
272
Organização Escolar e Avaliação Institucional
melhoria organizacional, ao promover a reflexão interna, a autocrítica e a
autoavaliação das escolas.
Referências bibliográficas
Barroso, J. (2005). O Estado, a educação e a regulação das políticas
públicas. Educação e Sociedade [On-line], Campinas, 26 (92), 725-751,
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273
Projeto TurmaMais: A caminhar para o sucesso
escolar
Ana Maria Cristóvão; Isbel Fialho; Hélio Salgueiro; Marília Cid
Universidade de Évora
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Resumo
Com o alargamento da escolaridade obrigatória para o 12.º ano e
com a manutenção de modelos organizacionais de escola desajustados da
realidade atual, tendem a agravar-se problemas como a reprovação ou o
abandono precoce do sistema de ensino. O Projeto TurmaMais parte da
convicção de que é possível melhorar os resultados escolares dos alunos
através da manipulação das variáveis dimensão e composição da turma.
O grande objetivo do Projeto TurmaMais é o de melhorar o desempenho
escolar dos alunos. Este objetivo é tão válido para os alunos com dificuldades
de aprendizagem, como para os alunos com elevado rendimento escolar e
com os quais, habitualmente, os docentes pouco podem avançar quando
integrados em turmas heterogéneas. O Projeto tem apresentado evidências
muito favoráveis à sua continuação e disseminação em outras escolas. O
presente texto apresenta o Projeto TurmaMais, a sua origem, os princípios
e dinâmicas organizacionais.
Palavras-chave: organização escolar; programa Mais Sucesso Escolar;
projeto TurmaMais, melhoria de resultados.
Abstract
The extension of compulsory education to 12 school years and the
poorly adjusted school organizational models tend to worsen problems
such as failure or early withdrawal of the education system. The TurmaMais
Project bases upon the conviction that it is possible to improve students’
outcomes by manipulating the variables size and composition of the class.
The major objective of the Project TurmaMais is to improve the students’
academic performance, valid for students with learning disabilities as for
students with high academic performance, which teachers usually have
275
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
less opportunity to make progress when integrated into heterogeneous
classes. The Project has shown evidence in favor of its continuation and
dissemination to other schools. This paper presents the TurmaMais project,
its origin, principles and organizational dynamics.
Key-words: school organization; More School Success program;
TurmaMais project, outcomes improvement.
Programa Mais Sucesso Escolar
Num estudo da OCDE, em 2007, denominado No more Failure.
Ten Steps to Equality in Education, recomendava-se que os países que
apresentassem maiores taxas de retenção desenhassem e implementassem
estratégias que permitissem “identificar e ajudar sistematicamente aqueles
que revelam atraso na aprendizagem e reduzir as altas taxas de retenção
(…). As elevadas taxas de retenção em alguns países necessitam de ser
reduzidas, alterando e encorajando abordagens alternativas”.
Em Portugal, com o alargamento da escolaridade obrigatória para
o 12.º ano e com a manutenção de modelos organizacionais de escola
desajustados da realidade atual, tendem a agravar-se problemas como a
reprovação ou o abandono precoce do sistema de ensino. Neste sentido,
em 2009, o Ministério da Educação, através da então Direção-geral de
Inovação e Desenvolvimento Curricular, lança o Programa Mais Sucesso
Escolar (PMSE) que consistia no apoio ao desenvolvimento de projetos de
escola para a melhoria dos resultados escolares no ensino básico, “ com o
objetivo de reduzir as taxas de retenção e de elevar a qualidade e o nível de
sucesso dos alunos” (Despacho n.º 100/2010, de 5 de Janeiro).
O PMSE teve a particularidade de a sua origem partir de
experiências inovadoras de organização pedagógica realizadas em duas
escolas, designadamente, na Escola Secundária Rainha Santa Isabel e no
276
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Agrupamento de Escolas de Beiriz. Estas escolas dentro do quadro da
autonomia de gestão pedagógica que possuíam definiram os projetos de
intervenção, designados de Projeto TurmaMais, que apresentamos neste
texto, e o Projeto Fénix. Ainda um conjunto mais pequeno de escolas
apresentou projetos independentes, que apesar de diferentes tinham por
base as ideias matriciais do PMSE, sendo denominados de Híbridas. Assim,
o PMSE é composto por três tipologias: TurmaMais, Fénix e Híbridas.
As escolas ou agrupamentos de escolas foram convidadas a
participarem no PMSE em Junho de 2009, através de um Edital Mais Sucesso
Escolar. As escolas/agrupamentos que se queriam candidatar tinham que
elaborar um plano detalhado de recuperação dos resultados dos alunos.
No plano de trabalho cada escola ou agrupamento de escola comprometiase, com as Direções Regionais de Educação (DRE) respetivas, a atingir em
cada ano taxas de sucesso escolar consideráveis, com redução sucessiva das
taxas de retenção em 1/3 relativamente à sua taxa histórica de retenção por
um período de 4 anos.
Na base do PMSE estão subjacentes ideias matriciais como o ciclo de
estudos como unidade de análise, a melhoria das condições organizacionais
escolares de ensino e aprendizagem, a melhoria de resultados escolares sem
quebra de exigência, o desenvolvimento de mecanismos de coordenação
e regulação inter escolas. No que concerne aos recursos necessários,
as dimensões contempladas foram os créditos horários, a dimensão,
rotatividade e natureza das parcerias/protocolos com o Ministério e os
Centros de Investigação.
277
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Projeto TurmaMais
A origem do Projeto TurmaMais
No ano letivo 2000/2001 a Escola Secundária com 3.º Ciclo Rainha
Santa Isabel, de Estremoz iniciou experimentalmente, no 7º ano de
escolaridade, a Gestão Flexível do Currículo1. A escola teve a oportunidade
de criar uma hora semanal comum a todos os docentes que compunham
cada Conselho de Turma com o objetivo de promover uma maior troca de
experiências. Foram ainda criadas novas áreas curriculares de Formação
Cívica, Estudo Acompanhado e Área Projeto. Acreditava-se que a introdução
destas novas áreas curriculares seria uma mais-valia para melhorar as
aprendizagens dos alunos.
Apesar de muito trabalho realizado, no primeiro ano experimental da
Gestão Flexível do Currículo, os resultados no final do ano letivo evidenciaram
um aumento do insucesso escolar. A escola concluiu que este modelo não
os ajudava a melhorar os problemas relacionados com o insucesso escolar.
Os docentes tentavam obter respostas e questionavam-se “como
é possível manter nestes alunos, ao longo de todo o ano letivo, as altas
expectativas com que regressam à escola e iniciam os trabalhos nos meses
de setembro e outubro?” (Magro-C, T., 2011, p.19). A solução encontrada,
como afirmou a coordenadora do projeto, passava por “doses periódicas e
reforçadas de atenção. Evitar o acumular do insucesso, promover o hábito
de recuperação imediatamente após o insucesso. Sabíamos que para atuar
neste sentido teríamos que retirar estes alunos da sua turma de origem”
(Magro-C, T.2011, p.19). Para dar resposta aos problemas desta escola,
foi proposta a criação de uma turma a mais, que funcionasse como uma
1 Por gestão flexível do currículo entende-se a possibilidade de cada escola organizar e gerir
autonomamente o processo de ensino/aprendizagem, tomando como referência os saberes e as
competências nucleares a desenvolver pelos alunos no final de cada ciclo e no final da escolaridade
básica, adequando-o às necessidades diferenciadas de cada contexto escolar e podendo contemplar a
introdução no currículo de componentes locais e regionais (Despacho n.º 9590/99 (2.ª série), de 14 de
Maio).
278
Organização Escolar e Avaliação Institucional
plataforma rotativa de alunos não tendo, por isso, alunos fixos, nascia assim,
o que hoje chamamos Projeto TurmaMais.
Em Julho de 2002 a Escola Secundária com 3º Ciclo Rainha Santa
Isabel apresenta o Projeto TurmaMais à Direção Regional de Educação do
Alentejo, que por sua vez autorizou o seu funcionamento para o 7º ano
de escolaridade, solicitando também o seu acompanhamento e avaliação à
Universidade de Évora. No final do ano letivo de 2002/2003 os resultados
dos alunos do 7º ano surpreenderam, as taxas de retenção tinham diminuído
de 38 % para 16 %.
No ano letivo 2005/2006 o projeto é candidatado, através do Centro
de Investigação em Educação e Psicologia da Universidade de Évora (CIEPUÉ) e em parceria com a Direção Regional de Educação do Alentejo (DREALE),
ao apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito de um programa de
apoio a medidas de combate ao insucesso e ao abandono escolar. O Projeto
candidata-se com a designação “TurmaMais, uma plataforma giratória no
combate ao insucesso e abando escolar”, a sua aprovação leva que, entre os
anos letivos 2005/2006 e 2006/2007, o Projeto seja alargado a três escolas
do Alentejo (Magro-C, T. & Fateixa, J., 2010).
No ano letivo 2009/2010,com a implementação do PMSE, estiveram
envolvidos 67 agrupamentos/escolas que utilizaram a metodologia
TurmaMais, em 2010/2011 63 agrupamentos/escolas e em 2011/2012
59 agrupamentos/escolas distribuídos pelas várias regiões de Portugal
Continental.
Princípios e
TurmaMais
dinâmicas
organizacionais
do
Projeto
O PTM assenta na ideia de promoção do sucesso escolar, não
compreendendo só os alunos com dificuldades, mas promovendo o sucesso
279
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
escolar de todos os alunos, alunos com dificuldades, alunos médios, alunos
bons e excelentes alunos. Para alcançar este objetivo o PTM centra-se na
ideia de mudança do conceito de organização de turma como estratégia
para melhoria de resultados escolares.
Projeto TurmaMais: organização da turma
Em Portugal a constituição das turmas encontra-se legislada e a
lei nesta matéria afirma que “deve ser respeitada a heterogeneidade das
crianças e jovens, podendo, no entanto, o diretor , perante situações
pertinentes, e após ouvir o conselho pedagógico, atender a outros critérios
que sejam determinantes para a promoção do sucesso e o combate ao
abandono escolares” (Despacho n.º 5048-B/2013). A lei determina ainda
um número mínimo e máximo de alunos por cada turma tendo em conta os
pressupostos anteriores.
O PTM com o objetivo primordial de promoção do sucesso escolar
e de combate ao insucesso e abandono escolar insere-se nas exceções de
organização de turmas que a lei permite. Assim, o PTM tem como princípio
a criação de uma turma ad hoc sem alunos, designada TurmaMais, que
acolhe por períodos determinados de tempo (geralmente seis semanas),
grupos de alunos com resultados escolares semelhantes provenientes de
diversas turmas do mesmo ano de escolaridade e disciplina, como se pode
observar na figura 1.
280
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Turmas de Origem
Turma A
Turma B
Turma C
X alunos
X alunos
X alunos
Nível 5
Nível 4
Nível 3
Nível 2/1
TurmaMais
(alunos da Turma
A, B e C)
Figura 1. Constituição da TurmaMais
A nível organizacional, a tipologia TurmaMais vai implicar a
constituição de grupos temporários de alunos conforme os seus níveis de
desempenho que durante seis a sete semanas vão estar sujeitos a uma
rotação entre a turma de origem e a TurmaMais, esta rotação é estabelecida
previamente pelo conselho de turma. A rotação dos alunos tem em conta
as características dos alunos face aos seus interesses pela disciplina,
ao trabalho desempenhando e às relações interpessoais que podem
possibilitar a rotação. Todos os alunos de cada turma vão ser chamados
a participar na TurmaMais num momento previamente calendarizado pela
equipa educativa.
A rotação dos grupos de alunos ocorre normalmente da seguinte
281
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
forma:
1º período – O período é dividido em duas fases diferentes, a primeira
fase, de cerca de seis a sete semanas, a TurmaMais será frequentada pelos
alunos de nível 4/5, na segunda parte do 1º período por alunos com mais
dificuldades, nível 2;
2º período – O período é dividido em duas fases diferentes, a primeira
fase, de cerca de seis a sete semanas, a TurmaMais será frequentada por
alunos de nível 4, na segunda parte do 2º período a TurmaMais é frequentada
por alunos de nível médio, nível 3/2;
3º período – Reservado a alunos em risco de retenção.
Este modelo de organização permite aos docentes trabalharem com
grupos de alunos temporários; de menor dimensão e menos heterogéneos,
quer nas turmas de origem quer na TurmaMais; permite aos professores
adotarem estratégias de diferenciação pedagógica para poderem responder
às necessidades individuais dos alunos, tanto para os bons alunos como
para os alunos que possuem mais dificuldades.
Aspetos organizativos do Projeto TurmaMais
As escolas envolvidas no programa têm autonomia de combinar as
variáveis (disciplinas, anos e ordem de grupos) de acordo com o que pensem
ser a melhor forma para atingir os níveis de sucesso contratualizado. A
metodologia do PTM permite uma margem de manobra considerável, no
que respeita às disciplinas a envolver e os grupos de alunos a frequentar a
TurmaMais.
O Programa Mais Sucesso Escolar, em particular a tipologia TurmaMais,
tem subjacente o princípio de ciclo de estudo como unidade organizativa.
Por ciclo de estudos entende-se uma etapa definida na estrutura do sistema
282
Organização Escolar e Avaliação Institucional
educativo, com determinado tempo de duração e com uma identidade
própria, a nível de objetivos, finalidades, organização curricular, tipo de
docência e programas.
Como afirma Verdasca (2009) no quadro de autonomia da escola e
da sua esfera organizacional existe espaço para estruturar agrupamentos de
alunos e equipas de docentes na base de ciclo de estudos. A lógica de ciclo
de estudos, e o que lhe está associado, lança novos desafios no âmbito da
gestão curricular, como afirma o autor “faz emergir perspetivas inovadoras
de flexibilização, reorganização e adaptação do currículo, potenciando novas
soluções em termos de (re)organização pedagógica dos agrupamentos
internos dos alunos e respetivas equipas de docentes” (Verdasca, 2009, p.1).
Da lógica do PTM surge um conjunto de implicações organizacionais
que, como afirma Verdasca (2009), têm um impacto direto e imediato nas
condições escolares de ensino e aprendizagem, das quais destacamos:
a) o desenvolvimento de dinâmicas organizativas flexíveis em
termos de (re)agrupamento e (re)distribuição de alunos;
b) menor heterogeneidade dos grupos e respetivos níveis e
ritmos de aprendizagem;
c) gestão direcionada e focalizada do critério horário ao acompanhamento e apoio direto a alunos, de acordo com as suas necessidades e capacidades;
d) constituição de equipas docentes, tendo a seu cargo o
acompanhamento das gerações escolares ao longo de todo o ciclo de
estudos e sendo cada equipa integralmente responsável pelo acompanhamento de uma coorte de alunos;
e) maior autonomia organizacional da escola e flexibilização
curricular pedagógica, na distribuição de alunos e docentes e na afetação de outros recursos;
283
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
f) maior intercomunicabilidade, implicação e corresponsabilização da comunidade escolar, maior estreitamento e regularidade de
contacto com as Associações de Pais, no âmbito do acompanhamento e evolução da vida escolar dos alunos;
g) criação e dinamização da ‘rede de escolas do programa mais
sucesso escolar’ em estreita cooperação e parceria com centros de
investigação de universidades.
Segundo Verdasca (2011) a tipologia TurmaMais além de ser uma
tecnologia organizacional que se apoia no princípio do ciclo de estudos
“contribui enquanto experiência afirmada no terreno e reconhecida
como referência de sucesso, para a corroboração da sua adequabilidade
e extensibilidade como fator organizacional pedagógico potenciador das
condições para uma melhoria das aprendizagens e dos resultados escolares
dos alunos.”
Considerações Finais
O Projeto TurmaMais e a originalidade da sua tecnologia permitiram
um reforço do direito à excelência, garantindo uma maior possibilidade de
recuperação dos alunos com dificuldades e elevando o interesse e resultados
dos alunos com bom desempenho escolar.
Os resultados obtidos nos três primeiros anos de PTM permitiram
fazer um balanço positivo, os dados, na generalidade, apontam para uma
melhoria progressiva do sucesso escolar. No entanto, como sublinha
Verdasca (2012), o processo “adquire complexidades e dificuldades
acrescidas à medida que se caminha para níveis tendencialmente residuais”
(pp.140-141). É necessário que as escolas continuem a desenvolver a
sua capacidade de autorregulação no sentido de otimizarem recursos e
garantirem um trabalho sustentado que conduza à melhoria e consolidação
284
Organização Escolar e Avaliação Institucional
do sucesso dos alunos.
O lançamento do Programa Mais Sucesso Escolar, e neste caso,
do Projeto TurmaMais e todo o trabalho de divulgação, sensibilização,
envolvimento dos professores, técnicos, pais, alunos vieram de alguma
forma agitar o interior da escola, pois levaram ou a que se fizesse uma
reflexão sobre o trabalho escolar realizado, opções a tomar e modos de
concretização.
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2005
Despacho n.º 100/2010, de 5 de Janeiro
Despacho n.º 5048-B/2013
287
DIRETOR DE TURMA NO QUOTIDIANO DA ESCOLA
Lionilda Mágueda Évora de Sá Nogueira
Universidade de Cabo Verde
[email protected]
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Resumo
Vivemos num mundo globalizado em que o mercado de trabalho
exige um novo perfil de trabalhador capaz de desenvolver competências
designadamente criatividade, iniciativa e capacidade para trabalhar em
equipa (Libaneo, 2003). Assim a escola se vê confrontada com as reivindicações
por parte da sociedade de uma educação de qualidade. Com a massificação
do ensino, a escola acolhe atualmente alunos de estratos socioeconómicos
diferenciados e cujo perfil é diferente dos alunos anteriormente albergados.
Tal situação requer da escola novas competências para o desenvolvimento
de novos papéis (Formosinho, 2009). Neste contexto a direção das escolas
não consegue dar uma resposta eficiente e eficaz devido a massificação do
ensino e pelo surgimento de novo perfil de aluno. Surgem assim os órgãos
de gestão intermédia, designadamente o diretor de turma, o orientador
pedagógico, coordenador de disciplina de entre outros. O diretor de turma
desempenha o cargo de docente e de gestor enquanto membro dos órgãos
de gestão intermédia. Este artigo intitulado visa apresentar o papel do
Diretor de Turma no desenvolvimento curricular, na gestão do currículo da
turma e relação funcional com outros docentes. Desenvolvemos o trabalho
empírico junto a professores que desempenham o cargo de Diretores de
Turma na Escola Secundária Pedro Gomes situada na cidade da Praia.
Palavras-chave: gestão escolar; diretor de turma; currículo.
Resumé
Dans le cadre de la globalisation, le marché de travail devient
de plus en plus exigeant concernant le profil du travailleur. Il faut être
capable de développer des compétences, notamment la créativité, l’esprit
289
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
d’initiative et le travail collaboratif (Libaneo, 2003). Dans ce contexte,
l’école est obligée de répondre à la demande d’une éducation de qualité.
Avec le phénomène de la démocratisation de l’enseignement, à l’heure,
l’école a accueilli des élèves de couches socioéconomiques défavorisées
et différenciés avec un profil différent par rapport aux anciens élèves. Ce
scénario exige de l’école de nouvelles compétences pour le développement
de nouvelles taches (Formosinho, 2009). Dans ce contexte, l’école ne
réussit pas à donner des réponses efficientes et efficaces à cause de cette
massification et du nouveau profil de l’élève. Ainsi, sont créés des organes
de gestion intermédiaires, notamment l’enseignant responsable de classe,
l’orienteur pédagogique, le coordinateur etc. L’enseignant responsable de
classe a les tâches d’enseignant et de gestionnaire. Ce papier dont le titre
vise présenter le rôle de l’enseignant responsable de la classe au niveau de
développent, management du curriculum et des rapports inter personnelles
avec les autres enseignants. Nous avons développé une étude de cas parmi
les enseignants responsable de la classe de l’École Secondaire Pedro Gomes
de la cité Praia.
Mots-clés: direction de l’école; classe de directeur; curriculum.
INTRODUÇÃO
Cabo Verde ascendeu à independência em Julho de 1975. Após a
independência, considerando o contexto sociopolítico, o currículo se revelava
obsoleto. Assim ao currículo foram sendo feitas algumas adaptações não só
em conteúdos, mas também na sua estruturação e nos anos 90 avançouse com a Reforma do Ensino Básico e Secundário, que se consubstanciou
a partir da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) publicada a 19 de
Dezembro de 1990 e que define a configuração do Sistema Educativo em
subsistemas com os respetivos objetivos.
290
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Em 2002 através do Decreto nº 20/2002 (BO de Agosto de 2002)
estabeleceu-se o Regime de Organização e Gestão dos Estabelecimentos do
Ensino Secundário. Esse decreto adequa o papel do Diretor de Turma ao
contexto atual.
Durante o período que antecedeu a independência, a orientação
dos alunos e coordenação dos professores sempre estiveram na agenda de
preocupação. Através da reforma do ensino liceal em 1895 (Decreto 14 de
Agosto de 1895, criou-se o cargo de Diretor de Classe. Em 14 de Outubro de
1936, o Decreto 27084 no seu art.28º e 1ª) cria a figura do Diretor do Ciclo.
Em 1968, o estatuto do ciclo Preparatório (Decreto 48572 de 9 de Setembro
de 1968) substitui o Diretor de Ciclo pelo Diretor de Turma.
Neste trabalho pretende-se dar relevância ao papel do Diretor de
Turma, gestor intermédio enquanto profissional de destaque na organização
escolar, na medida que para além da função docente, coordena os trabalhos
dos diferentes docentes da turma, de forma que o ensino contribua para a
formação integrada e integral do aluno, desenvolve também a função de
interface entre os intervenientes do processo de ensino-aprendizagem, a
saber, alunos, professores, pais/EE e órgãos de gestão da escola.
1. O PAPEL DO DIRETOR DE TURMA NO DESENVOLVIMENTO
CURRICULAR E GESTÃO DO CURRICULO DA TURMA
O termo currículo definido por vários autores varia desde a sua
relação com material didático e métodos pedagógicos (Ribeiro, 1990) até
ao conceito mais alargado defendido por Foshay (1969) que entende ser
um conjunto de experiências significativas vividas na escola sob orientação
do professor.
291
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
1.1 Desenvolvimento curricular
A construção do currículo é dinâmica e compreende quatro fases
de um processo: justificação, planeamento, implementação e avaliação.
Existem vários mecanismos para implementação de currículos dependendo
da maior ou menor grau de autonomia das escolas. Tratando-se de uma
escola com autonomia curricular, o currículo é elaborado pela própria
escola. No entanto, nos países com forte centralização administrativa,
nomeadamente, França e Portugal o currículo é definido ao nível do
Ministério da Educação cabendo as escolas a sua implementação e gestão.
Nesses casos considerando que as escolas possuem realidades diferentes,
convém que o currículo seja adaptado à realidade local (Zabalza, 1992).
Os principais atores chamados a intervir na implementação e gestão
do currículo, são os órgãos de gestão da escola responsável pela execução,
os órgãos intermédios, nomeadamente os Coordenadores de Disciplina que
juntamente com os seus pares definem estratégias de implementação da
respetiva disciplina tendo sempre como pano de fundo a visão holística
do currículo. Por fim o professor é chamado a intervir diariamente
na concretização desse currículo a partir da criação de situações de
aprendizagem na disciplina da sua especialidade, (Roldão, 2007).
Considerando o esforço de cada docente, é natural que se verifique
a necessidade de coordenação desses diferentes esforços e essa função
é desempenhada pelo Diretor de Turma. Segundo Roldão (2007), tal
coordenação permite:
•Estruturar as aprendizagens da turma como um todo coerente e
adequado às necessidades;

Definir as prioridades curriculares tendo por base a análise da
situação da turma;

Estabelecer consensos relativamente ao perfil de competências
292
Organização Escolar e Avaliação Institucional
necessárias ao aluno;

Consensualizar ao nível do Conselho de Turma, as atitudes e valores
a promover nos alunos evitando diferentes níveis de exigências por parte
dos docentes.
Cabe ao Diretor de Turma enquanto líder do Conselho de Turma, fazer
um diagnóstico da turma relativo aos saberes já adquiridos e as possíveis
lacunas, de modo que ao nível do Conselho de Turma crie-se mecanismos
de superação, (Skinner, citado Ribeiro, 1990).
Um outro domínio de intervenção do Diretor de Turma está
relacionado com a definição em Conselho de Turma de competências a
desenvolver no aluno.
1.2 Gestão curricular
Segundo Chiavenato (1998) gerir é fazer com outros realizem as
atividades pretendidas pelo gestor visando o alcance de determinado(s)
objetivo(s). Gerir constitui um conjunto de processos e procedimentos
através dos quais se tomam as decisões necessárias quanto aos modos de
implementação e organização de um currículo proposto, no quadro de uma
instituição escolar, (Roldão, 2007).
Na gestão curricular, o Diretor de Turma tem como função articular
com os diferentes interlocutores, designadamente, alunos, pais /
Encarregados de Educação e professores. O papel do Diretor de Turma na
gestão curricular visa coordenar as diferentes disciplinas lecionadas de
modo que os saberes construídos não sejam segmentados e/ou deficientes.
A gestão curricular abarca quatro dimensões, nomeadamente,
reconstrução, diferenciação, adaptação e construção.
A reconstrução do currículo consiste na implementação do currículo
293
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
validado pelos Órgãos competentes do Ministério da Educação, tendo em
conta a realidade da turma.
Com base no diagnóstico da turma e o currículo validado o Diretor
de Turma juntamente com a equipa docente define as prioridades a adotar
e os professores farão a necessária adequação nas respetivas disciplinas.
A diferenciação se refere à necessidade de levar em conta o ritmo de cada
aluno.
O Diretor da Turma conjuntamente com o Conselho de Turma deverá
definir estratégias diferenciadas de trabalhos a serem implementadas nas
aulas.
A adaptação se impõe devido à heterogeneidade em termos de faixa
etária e cultura dos alunos da turma, com vista à promoção do sucesso do
aluno e da turma.
A construção se refere a situações em que os docentes elaboram e
implementam projetos pedagógicos, designadamente de saúde escolar,
clube de leitura, entre outros, aonde cabe ao Diretor de Turma coordenar
as diferentes iniciativas, promovendo a interdisciplinaridade.
2. A LIDERANÇA DO DIRETOR DE TURMA E A RELAÇÃO INTERPESSOAL
COM OS SEUS PARES
2.1 Diretor de Turma, líder da Turma e do Conselho de Turma
Ser líder consiste na capacidade de influenciar alguém de modo a
fazer o que o líder deseja.
O Diretor de Turma é um docente da turma que acumula as funções
de Diretor de Turma. No quadro de suas funções, deve ser um conselheiro,
tutor dos alunos, responsável e interessado no sucesso escolar dos seus
294
Organização Escolar e Avaliação Institucional
alunos. Deve acompanhar e orientar o processo de ensino-aprendizagem.
Além disso cabe-lhe estabelecer a mediação entre docentes
dessa turma e alunos, gerir conflitos entre os diferentes intervenientes,
designadamente, alunos, professores pais/EE. É o coordenador de equipas
de trabalho, o responsável pela planificação, elaboração e acompanhamento
de projetos pedagógicos, quem propõe ao Conselho de Turma estratégias
e o principal responsável pela sua implementação. Recolhe, trata e divulga
informações pertinentes à vida escolar dos seus alunos.
Compete ainda ao Diretor de Turma fazer um levantamento da
situação sócio económica e o rendimento escolar do aluno, contribuir para
a integração saudável do aluno, verificar as faltas, publicita-las e informar
às famílias, colaborar na conservação e asseio do material escolar, preparar
as pautas, livros de frequência para as reuniões de avaliação, incentivar os
alunos para a assunção de responsabilidades comunicar com os pais/EE
sobre o aproveitamento do educando e presidir às reuniões do Conselho
de Turma.
2.2 Relações interpessoais com os pares
Alguns autores referem às competências de relacionamento
interpessoal, (Herdeson et al. 1994, citado Silva, 2007) destaca a importância
da afetividade nas relações interpessoais que passa por ter o interlocutor
como pessoa. Zins (1996) reitera o papel da afetividade na construção de
uma boa relação interpessoal conjuntamente com a empatia, autenticidade,
disponibilidade para prestar apoio e colaboração.
A interação do Diretor de Turma com os seus grupos pares ocorre ao
longo de todo ano escolar. Entretanto os momentos em que essa colaboração
demonstra ser mais relevante é no início do ano letivo nas reuniões de
preparação metodológica aonde se deve refletir conjuntamente, visando o
295
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
estabelecimento de objetivos pedagógicos e dos da escola a atingir.
No final do ano letivo, para além dos encontros de avaliação das
aprendizagens é o momento também de se fazer o balanço do ano, refletir
sobre os pontos fortes e fracos, e recolher subsídios para a preparação do
próximo ano.
Neste contexto o Diretor de Turma desempenha um papel de líder,
animador/moderador, coordenando e dinamizando a interacção entre
docentes e optimizando a reflexão estabelecida.
3. PERFIL E FUNÇÕES DO DIRETOR DE TURMA
Segundo o Decreto-Lei 20/2002 de 19 de Agosto de 2002, que trata
da Organização e Gestão das escolas secundárias em Cabo Verde, o Diretor
de Turma é um docente com a totalidade dos alunos da turma e que é
nomeado sob a proposta do Conselho Pedagógico.
No dia-a-dia do Diretor de Turma cabe-lhe a tarefa de para além das
atividades de caráter burocrático comunicar com os seus interlocutores.
A literatura é pródiga na afirmação de que a linguagem da escola
constitui um motivo de afastamento de muitos pais/EE, pela utilização
de muitos termos técnicos. Nessa ótica o Diretor de Turma deve estar
atento à linguagem que utiliza e a sua adequação às caraterísticas sociais e
culturais das famílias, para além de segundo Artigot, (citado por Cruz, 2006)
desenvolver qualidades como pessoa, técnico da educação e orientador
familiar.
Enquanto pessoa deve desenvolver, humanidade,
autenticidade, exigência, justiça e espírito desportivo.
amizade,
Para além de qualidades humanas o Diretor de Turma deve revelar
competência técnica no domínio da educação nas áreas de Psicologia,
296
Organização Escolar e Avaliação Institucional
Pedagogia, Didática Específica, Organização e Administração Escolar e
conhecimentos na sua especialidade.
No que respeita às qualidades como orientador familiar deve:
-recolher e disponibilizar as informações de alunos e famílias; -receber
os pais semanalmente e -solicitar a colaboração desses na realização de
atividades.
Em Cabo Verde a legislação propõe como perfil do Diretor de Turma
qualidades como pessoa nomeadamente: capacidade de relacionamento,
senso e ponderação; tolerância, compreensão e espírito de diálogo
associadas sempre a atitudes de rigor e firmeza; espírito metódico e
dinamizador.
No que respeita às funções esse mesmo decreto prevê as de caráter
burocrático designadamente, organizar um ficheiro da turma sobre a
condição socioeconómica do aluno, o rendimento escolar e outros;
registo, divulgação e participação às famílias das faltas dos alunos; receber
semanalmente os pais e encarregados de educação e; presidir as reuniões
do Conselho de Turma, de entre outros.
Da análise da legislação verificou-se algum esvaziamento das
competências do Diretor de Turma relativamente ao proposto na literatura.
As funções previstas na lei são mais de foro administrativo do que
pedagógico, embora também compete ao Diretor de Turma coordenar as
reuniões de conselho de turma.
4 . APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Por ocasião das reuniões de preparação metodológica na Escola
Secundária Pedro Gomes realizámos uma formação destinada aos Diretores
de turma. Para o efeito, foi dividido o grupo de Diretor de Turma em dois
grupos de trinta e oito formandos cada.
297
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
A formação foi organizada em dois momentos: a apresentação da
temática seguida de debate e, trabalho de grupo com apresentação e
discussão em plenária.
4.1 Organização e funcionamento da escola
Essa escola apresenta uma infra-estrutura adequada com espaços
em condições de uso. Possui para além das 32 salas de aula, laboratório,
biblioteca, placa desportiva de entre outros.
Dos 1140 alunos, 684 pertencem ao turno da manhã repartidos em
21 turmas e 623 ao da tarde, distribuídos em 22 turmas.
No que se refere ao corpo docente, a escola possui um corpo docente
qualificado com 46% licenciados e 4% o Curso Médio. São professores com
alguma experiência; 46% possuem de 10 a 15 anos de e 2% apenas 1 ano.
54% possuem contrato de trabalho e 46% pertencem ao Quadro da Função
Pública.
No que concerne ao pessoal não docente, verifica-se baixa qualificação
e muitos anos de experiência. Dos 13 funcionários, 54% detêm a 4ª classe
e 8% 10º ano de escolaridade. 54 % possuem de 10 a 15 anos de serviço e
8% de 6 a 10 anos. 77% trabalham em regime de contrato e 23% pertencem
ao quadro.
4.2 Metodologia
A amostra utilizada neste trabalho é constituída por trinta e oito
Diretores de Turma, representando 50% do universo. O grupo foi dividido
em quatro pequenos grupos.
Foi solicitado como questões de reflexão as seguintes:
298
Organização Escolar e Avaliação Institucional
• principais dificuldades enfrentadas pelo Diretor de Turma
• medidas que visem a melhoria do trabalho de Diretor de
Turma
• participação dos pais na vida escolar e propostas de
melhoria e
• estratégias de melhoria das competências linguísticas dos
alunos.
4.3 Apresentação dos resultados
Principias dificuldades enfrentadas pelo Diretor de Turma
• Turmas numerosas
Na opinião dos Diretores de Turma, as turmas numerosas vem
dificultando o trabalho dos Diretores de turma no atendimento aos
alunos.
• Baixa participação dos pais/EE na escola. Alguns pais
se dirigem a escola apenas no início e fim do ano letivo. Outros só
comparecem quando convocados.
• Vulnerabilidade da escola em relação ao meio em que está
inserida.
O liceu tem sofrido algumas situações de insegurança,
designadamente alunos que vão armados à escola e devido ao meio
onde a escola se encontra inserida.
• Não comparência de alguns professores às reuniões de
Conselho de Turma.
299
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
• Atribuição do cargo de Diretor de Turma a professores de
disciplinas opcionais
O facto de se atribuir direção a docentes que não lecionam
o total de alunos da turma significa que esse mesmo não conhece
todos os alunos. Tal situação cria constrangimentos em termos de
comunicação e qualquer ajuda que o Diretor deseja prestar, para
além de ir contra ao que está legislado (art.).
• A não introdução no horário, do espaço reservado ao
encontro do Diretor de Turma com os seus alunos.
A não contabilização no horário das duas aulas de Direção de
Turma tem constituído constrangimento por permitir o atendimento
conjunto dos alunos.
Medidas que visam a melhoria do trabalho de Diretor de
Turma
Como medidas conducentes à melhoria do cumprimento eficaz das
funções do Diretor de Turma:
• Implementação efetiva do Conselho de Turma
• Realização de atividades com os pais/EE
Das diferentes discussões havidas confirmou-se várias vezes a
não comparência dos pais na escola e mesmo não envolvimento na vida
escolar do filho. Assim propôs-se o desenvolvimento de atividades com
os pais
• Formação para os pais/EE
• Socialização e partilha de experiência entre os Diretores de
Turma.
300
Organização Escolar e Avaliação Institucional
5. CONCLUSÕES
O Diretor de Turma é o responsável pelo desenvolvimento curricular,
pela gestão curricular da turma e relação funcional entre os intervenientes no
processo de ensino e aprendizagem. No entanto a legislação cabo-verdiana
aponta como funções atividades mais burocráticas e que se enquadram mais
na relação funcional entre o Diretor de Turma e a comunidade educativa.
Por vezes é atribuída a função de Diretor de Turma a docentes das
disciplinas opcionais.
As turmas são numerosas e assim dificultam o trabalho do Diretor de
Turma.
A não comparência de alguns docentes às reuniões de Conselho de
Turma.
A participação deficiente dos pais.
A vulnerabilidade da escola a nível da insegurança em relação ao
meio circundante e aos próprios alunos.
Referências bibliográficas
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Cruz, P. (2006). O Papel do Director de Turma face aos desafios
da autonomia – um estudo de caso”, Tese de dissertação de Mestrado,
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Roldão, M. C. (2007). Director de Turma e a Gestão Curricula, Cadernos
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Teixeira, S. (1998). Gestão das Organizações, McGRAW-HILL.
Zabalza, M. (1992). Planificação da Educação Pré-escolar. Porto:
Edições ASA.
302
Processos e realidades
educativas
TRABALHO DE PROJETO: EXPERIÊNCIAS VIVIDAS E SENTIDAS
EM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA
Cândida Mota-Teixeira; Beatriz Silva
Instituto Piaget, Universidade do Porto; Nuclisol Jean Piaget Mirandela,
Universidade de Santiago de Compostela
[email protected]; [email protected]
Processos e Realidades Educativas
Resumo
A equipa pedagógica da Instituição Particular de Solidariedade Social
(IPSS) – Nuclisol, Jean Piaget de Mirandela, Portugal, tem desenvolvido um
projeto educativo que visa uma articulação estreita com a comunidade
envolvente na recuperação de tradições. Neste sentido, tem colocado em
marcha projectos em articulação com a família, com a autarquia, com a cultura
e com as gentes locais. Nesta perspectiva, daremos conta de um manancial
de experiências pedagógicas sentidas e vividas na esteira da metodologia
de projeto, evidenciado a escuta ativa das crianças (grupo de 4/5 anos) e
da comunidade educativa. Sublinharemos a forma como formulamos os
problemas, como equacionamos as soluções, como planeamos e gerimos a
mudanças necessárias ao exímio desenvolvimento dos projetos. Frisaremos,
ainda, transformações geradas na comunidade local, destacando as
sinergias colaborativas enquanto andaimes de (des)envolvimento dos
projetos e da qualidade educativa, a que estes nos transportam. Num
registo qualitativo, e na esteira da investigação ação, interpretam-se as
experiencias pedagógicas, centradas em projetos, enquanto conducentes
a ações solidárias, de valorização da cultura local, de implicação de toda
a comunidade aprendente e, sobretudo, de potenciadoras de uma ciência
social crítica e transformadora (Habermas,1987).
Palavras-chave: trabalho de projeto; investigação ação; educação de
infância; trans(formação); exploração olivícola.
Abstract
The teaching team of Private Institution of Social Solidarity (IPSS) Nuclisol, Jean Piaget of Mirandela, Portugal, has developed an educational
project that aims to a close articulation with the envolved community and
305
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
restoring traditions. In this sense, it has set in motion projects in conjunction
with the family, with the municipality, with the culture and local people. In
this perspective, we will realize a wealth of teaching experience felt and
experienced in the wake of the design methodology, demonstrated active
listening of children (group of 4/5 years) and the educational community.
Underline how we formulate the problems as we equate the solutions,
we plan and manage the necessary changes to the project development
expert. say further transformations generated in the local community, while
highlighting the synergies collaborative scaffolding of developed projects
and educational quality, that they transport us. A record qualitative and
action in the wake of the investigation, to interpret the experiences teaching,
focusing on projects while leading to solidarity actions, appreciation of local
culture, the implication of the all learning community and, especially, the
enhancer of a science social critique and transformative (Habermas, 1987).
Keywords: work design; action research; childhood education;
formation and olive exploration.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos, tem-se apostado em produzir conhecimento,
que argumente a lógica plural da educação, pelo que agremiamos esta
tendência investigativa a necessidades prementes do nosso contexto de
estudo – educação de infância (E.I).
Esta dimensão educativa, permeável a uma educação com todos e
para todos, permite-nos cultivar uma educação ativa centrada em modos de
trabalho de projeto, alicerçada na estratégia metodológica de investigação
ação e ancorada numa ciência social crítica e transformadora. Assim, a
descrição e interpretação que aqui se apresenta, em torno dos projetos
vivenciados na IPSS – Nuclisol de Mirandela, visa exercer a ciência social
numa práxis crítica, na qual os saberes da comunidade tenham ligação
306
Processos e Realidades Educativas
direta com a ação social transformadora (Habermas,1987).
Sublinhamos a vivência de uma conjuntura de desertificação em terras
do nordeste transmontano português, que acarreta inúmeras fragilidades
sociais e institucionais que decidimos (trans)formar. Convictas de que a
infância é mobilizadora de consciências e de que as práticas que aí se tecem,
deixam sementes de transformação nas comunidades, empreendemos
projetos singulares, tais como “a apanha da azeitona”; “produção de azeite”
e “confecção de sabão”. Tomamos como exemplo este ciclo de projetos,
no entanto, poderíamos resgatar outros que, igualmente, cumprem os
preceitos desta pedagogia em participação (Oliveira-Formosinho, 2011) e
desta pedagogia crítica (Freire, 2004).
Esta dinâmica encerra atitudes de implicação, na qual a comunidade
aprendente se torna construtora de conhecimentos e elabora estratégias de
superação de “situações-limite” (ibidem). Assim, com os referidos projetos
ambiciona-se valorizar um bem alimentar essencial – o azeite, percebendo
os processos e os procedimentos da sua produção e aplicação (finalidades
várias); estimar a nossa cultura local; recuperar olivais abandonados; angariar
fonte de rendimentos para sobreviver à crise e sobretudo consciencializar
as famílias e restante comunidade para a importância de dar continuidade
à exploração olivícola.
Numa pedagogia em participação, o ciclo de projetos potenciará
diferentes aprendizagens numa vivência plural da realidade e na construção
da experiência dessa pluralidade (Oliveira-Formosinho, 2011). Possibilitando
a todos os envolvidos um reequacionamento de práticas, ideias e conceitos.
2. DA EXPLORAÇÃO OLIVÍCOLAS EM ABANDONO À EDIFICAÇÃO DE
PROJETOS
A desertificação em Trás-os-Montes é uma realidade que afeta a
307
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
vida das gentes e põe em causa o desenvolvimento económico, social e
cultural. Estas tendências, resultantes do modelo de desenvolvimento que
tem moldado a evolução das sociedades e das economias europeias (e
globais), estão intimamente ligadas com os conhecidos processos de êxodo rural. Estes são responsáveis pelo declínio populacional das áreas mais
periféricas e consequentemente, originam fragilidades várias (Vaz, 2011).
Ora, este facto inunda, inevitavelmente, as instituições educativas e requer
destas um olhar atento e trans(formador).
Esta instituição educativa, fazendo parte de uma grande cooperativa de desenvolvimento – Instituto Piaget, não poderia ficar alheia a factos
que afetam a sociedade civil e que, direta ou indiretamente, influenciam a
educação das crianças. Pelo que, a sua equipa multidisciplinar aproveitou
as problemáticas referidas, uniu esforços, interesses e pertinências curriculares, des(envolvendo) todos os atores educativos.
Percebe-se, face ao exposto, que no contexto de E.I os docentes
experienciam múltiplas tarefas que não se esgotam no trabalho pedagógico
da sala de atividades, perpassando os muros da sala e os muros institucionais.
São tarefas que apontam para perspetivas plurais de interações entre pares
onde se conta com a solidariedade da comunidade aprendente e onde se
tenta fazer a diferença. Diferença que se (re)faz nos e pelos projetos que se
empreendem, numa ação concertada entre as crianças, equipa educativa,
famílias e a comunidade. E, juntos tentam produzir melhorias (Monteiro,
1998).
3. METODOLOGIA EMERGENTE
A estratégia metodológica que sustenta este estudo alicerça-se na IA,
por esta ser permeável à prática e por desencadear processos de reflexão
que visam e permitem engajar caminhos de conscientização e de mudança
308
Processos e Realidades Educativas
(Máximo-Esteves, 2008). Assim, a ação concretizou-se no próprio contexto
transformando-o e transformando-se.
Repare-se que esta sequencialidade de projetos em rede (Katz &
Chard, 2009) se desencadeou no momento em que necessitamos de criar
oportunidade de participação das crianças em visitas de estudo e não
havia meios financeiros para tal. Portanto, em equipa analisamos (im)
possibilidades de resolução, verificamos as oportunidades curriculares
(ibidem) e formamos redes antecipatórias com as crianças. A partir desta
aceitação, gradualmente, o projeto foi-se estendendo aos familiares
numa dimensão interpretativa e participativa, passando pela articulação e
integração das dimensões de investigação e intervenção/ação. Perseguiu,
deste modo, as fases propostas pela IA: “diagnóstico e planificação da ação,
implementação, avaliação e definição de novos conhecimentos” (Monteiro,
1998:17).
A articulação da IA e do modo de trabalho de projetos em rede (Katz
& Chard, 2009) experienciado constituíram-se num desafio de participação
potenciando um envolvimento colectivo e solidário de todos os atores
implicados num processo de intervenção sociocostrutivista. Pelo que a ação
desta equipa se aproximou, inevitavelmente, desta perspectiva, sendo esta
entendida como “um processo complexo e dinâmico que, visa a mudança”
(Fernandes et al, 2001 citado por Ludovico e Teixeira, 2007:50).
Numa pedagogia da escuta e da negociação ensaiamos experienciar
o currículo num comprometimento com o trabalho de projeto e com a
IA, perspetivando-se a aprendizagem dai decorrente, como um processo
“consciente, integrador de uma estrutura aberta e de um cenário de
aprendizagem significativa” (Miranda, 1999 citado por Mendonça, 2002:18).
309
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
4. ITINERÁRIOS DE PROJETOS VIVIDOS E SENTIDOS
Daremos conta, resumidamente, dos itinerários vividos e sentidos
neste ciclo de trabalho em projeto. Assim, em primeiro plano, as crianças
compartilham, de várias maneiras, o seu conhecimento prévio e as suas
experiências relacionadas ao assunto. De seguida procedeu-se à elaboração
de uma rede antecipatória permeada pela reflexão da equipa acerca das
possibilidades curriculares que esta indagação possibilitava, primando-se
por um planeamento realizado em participação. Desta forma permitiu-se
ao grupo “beneficiar da sua diversidade, das capacidades e competências
de cada criança, num processo de partilha facilitador da aprendizagem e do
desenvolvimento” (DEB, 1997: 26).
Incentivou-se á pesquisa, junto das famílias e comunidade e integrouse esta possibilidade de aprendizagem na semana do festival do azeite novo
promovida pelo pelouro da educação e da cultura da autarquia local. Neste
encalço procedeu-se a uma visita ao lagar de azeite de Carvalhais, guiada
pelos estudantes e docentes da Escola Profissional ai sediada. Assistiuse a todo o processo de transformação do azeite, desde a chegada da
azeitona trazida pelo agricultor, até ao produto final. Terminando com uma
degustação de torradas com azeite.
De facto, esta visita foi uma mais-valia a nível da aprendizagem,
provocando contagio e curiosidade, junto das famílias. Ora, este facto
originou a possibilidade de explorarmos a apanha da azeitona de um olival
abandonado em Cabanelas, gentilmente cedido por uma habitante idosa.
O tempo frio e rigoroso que se fez sentir não permitiu a participação
desejada por parte das famílias, pese embora tenhamos conquistado um
número considerável de intervenientes. Produziram-se cerca de 2.100 kg
de azeitona que deram origem a 300 litros de azeite. Através desta vivência,
proporcionamos às crianças o acompanhamento de todo o processo de
produção do azeite, desde a apanha da azeitona à extração final.
310
Processos e Realidades Educativas
De realçar que este azeite produzido serviu para consumo próprio e
para venda, de forma a proporcionarmos vivências formativas às crianças
(visitas de estudo, passeios), colmatando necessidades financeiras que
algumas das atividades impunham.
A atividade procurou ser o resultado de todo o trabalho pedagógico
desenvolvido: consciencializar as famílias para a importância de dar
continuidade à exploração olivícola e junto das crianças dar a conhecer
hábitos culturais da nossa região. Seguidamente, exploraram-se
potencialidades do azeite através de mapas concetuais, uma vez que estes
envolvem as crianças em atividades de investigação: hipóteses, questões,
recolha, análise da informação e conclusões (Máximo-Esteves, 2008).
Proporcionou-se, ainda, na sequência de eventos propostos pelo
Pelouro da Educação e da Cultura, uma visita de estudo à exposição “O ciclo
do azeite” ao auditório municipal. Ali, encontramos uma representação
do olival, da apanha tradicional da azeitona e os vários tipos de azeite que
podemos encontrar no mercado.
No final da visita, graciosamente, prepararam-nos um lanche, onde
serviram torradas com azeite, confeccionadas com a azeitona proveniente
das oliveiras que encontramos a ornamentar os parques e jardins da cidade.
A partir desta degustação, despoletou-se um interesse e gosto pelas torradas
com azeite, aprendeu-se que serão mais saudáveis com azeite do que com
a manteiga e procedeu-se á sua confecção para um lanche alargado a todas
as crianças e famílias.
De salientar que nesta fase do projeto a força mais motivadora, tanto
para as crianças como para os adultos, foi o prazer da descoberta e do
conhecimento. Aliás, como refere Spodek (2002:187), “é importante que
a aprendizagem se faça de uma forma divertida e que as crianças façam as
coisas de que gostam”.
Mais tarde, surgiu a oportunidade de alargar conhecimentos
311
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
através da audição de uma história, na qual sobressaía a confecção de sabão
a partir do azeite. Obviamente, que quisemos re(produzir) esta experiencia.
Decorreram daqui inúmeras aprendizagens, tais como: a possibilidade de
rentabilizar o azeite para fins distintos dos alimentares; descoberta de que
o sabão não engordura a roupa e que a lava com eficácia; sensibilização das
famílias para a produção artesanal do sabão e a sua utilização quotidiana.
Subsequente, ainda, da exploração olivícola fomos convidados,
pela autarquia, a participar num concurso de rótulos para as garrafas de
azeite. Elaboraram-se registos, pesquisou-se, comparou-se e elegeram-se
os rótulos a concurso.
Em jeito de culminância, e em colaboração com as famílias das
crianças, estas vestiram-se de azeitoneiro(a)s e foram passear pela cidade,
a fim de promoverem os costumes e hábitos da nossa cultura.
De referir que a avaliação foi, ao longo do(s) presente(s) projeto(s)
“(…) um mediador contínuo” Mendonça (2002:19), que esteve presente ao
longo de todas as etapas. Neste processo as crianças sintetizaram o saber
adquirido e apresentaram-no aos outros, socializando os seus conhecimentos
e partilhando-os. Em conjunto, as crianças teceram comparações entre
aquilo que aprenderam, analisaram o contributo que cada criança deu à
qualidade das tarefas realizadas e o trabalho de equipa que realizaram ao
longo de todo o processo (Vasconcelos,2012). Assim, na lógica da IA esta
fase é essencial para que os sujeitos participantes realizem uma reflexão
síntese de tudo o que aprenderam, abrindo possibilidades de inauguração
de outro ciclo de descoberta e aprendizagem (Diego, 2000).
O trabalho de projeto afigura-se como uma plataforma de
desenvolvimento óptimo para uma cidadania ativa, apresentando-se
permeável a uma escuta ativa; a uma negociação democrática e a uma
reflexividade permanente (Vasconcelos, 2012).
Aliás, a natureza da educação de infância nem permitiria outro tipo
312
Processos e Realidades Educativas
de vivência curricular, uma vez que o trabalho de projeto, como forma de
aprendizagem, “acentua a participação ativa das crianças no planeamento,
desenvolvimento e avaliação do seu próprio trabalho” (Katz & Chard,
2009:5). Pelo que, o presente ciclo de projetos, se alimentou de uma sinergia
emancipadora, de trabalho em parceria, sedimentando um sentimento
colaborativo e participativo visando a busca de mudanças e superações.
5. CONCLUSÕES
Através das práticas narradas, dos entendimentos e das situações
vivenciadas procuramos investigar o problema e elaborar acções estratégicas
para superação do mesmo. Neste encalço permitimo-nos colocar em
prática uma educação dialógica, problematizadora e com perspetivas
emancipatórias (Freire,2004). Estas dimensões foram agenciadas por todos
os sujeitos, isto porque gerir o currículo em EI na perspectiva de “adequação,
contextualização e articulação [com a comunidade de aprendizagem],
assume uma complexidade e uma postura crítica não só para entender
o real como para mudá-lo” (Ludovico &Teixeira, 2007 citado por MotaTeixeira, 2008:50).
Assim, na atualidade o azeite, para a comunidade aprendente, é muito
mais do que um complemento de uso culinário, servindo para múltiplos fins.
Pelo que vale a pena, apostar na exploração dos minifúndios que, tem vindo
a ser absorvidos pelas grandes explorações agrícolas, e realizar a apanha da
azeitona de modo tradicional. Resiste-se, deste modo, ao abandono destas
pequenas produções usando as mais-valias colhidas para fins comunitários
e solidários.
Criamos, através deste ciclo de projetos, oportunidades de
participação e erigimos novas posturas epistemológicas perante o
conhecimento e a ação, refletida em novas práticas que corporizam os
princípios da participação e do partenariado.
313
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Perspetiva-se, no âmbito do doutoramento em Ciências da Educação
a realizar na universidade de Santiago de Compostela, acerca das cidades
educadoras, contribuir para que a autarquia expanda estas práticas a outras
instituições educativas, na tentativa da conquista de um investigador coletivo
que se envolva em práticas de recuperação de tradições, que re(conheçam)
a exploração olivícola como fonte de conhecimento e como fonte de
transformação da vivencia crísica que se ensaia em terras transmontanas.
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315
A ABORDAGEM DE PROJETO COMO AUTONOMIA E AGÊNCIA
RELACIONAL NO ENSINO SUPERIOR
Elisabete Ferreira; Cândida Mota-Teixeira
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Universidade do Porto
[email protected]; [email protected]
Processos e Realidades Educativas
Resumo
O presente artigo sublinha os enredos formativos que os docentes
do ensino superior vivenciam quando optam por estratégias de ensinoaprendizagem centradas em itinerários de projeto. Esta abordagem
permite, um ensino centrado no auto questionamento, na problematização
e na elaboração de propostas de projetos e, na construção de competências
científicas, suportadas pelo domínio da investigação e da indagação
(Mesquita, 2011). Defende-se que uma aprendizagem centrada em projetos
favorece: i) a orientação para uma profissionalidade docente ativa e
interativa; ii) a dialética entre teoria- prática; iii) uma perspetiva de trabalho
centrada em problemas e na interdisciplinaridade, mobilizando a criação de
constantes mapas mentais por parte de estudantes e docentes (Vasconcelos,
2012); iv) o investimento pessoal, orientando o formando para objetivos de
desenvolvimento profissional (Mota-Teixeira, 2009); v) uma orientação para
os fins sociais da aprendizagem (Dewey, 1959); vi) uma estreita combinação
de comunidade e autoria; (Freire, 1997) e por último vii) a edificação de
uma agência relacional (Ferreira, 2012). A partir de narrativas e trabalhos
de estudantes da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade do Porto (FPCEUP), problematizamos, as potencialidades
de aprendizagem em projeto supra mencionadas. Evidenciaram-se, de
incontestável importância a autonomia e a agência relacional enquanto
andaimes do (des)envolvimento de aprendizagens significativas dos
estudantes.
Palavras-chave: aprendizagem em projeto; narrativas; agência
relacional, autonomia.
317
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Abstract
This article addresses the educational issues that university lecturer
experience when they opt for teaching strategies focused on project
itinerary.This approach allows to focus the learning on self-questioning
problematisation, drafting of project proposals and building scientific
competencies, supported by investigation (Mesquita, 2011). Project-based
learning supports: i) orientation towards an active and interactive teaching;
ii) The dichotomy between theory and practice; iii) a work perspective
centered in problems and interdisciplinary relationships, supporting the
creations of mental maps by students and lecturers (Vasconcelos, 2012);
iv) self-investment, leading the student towards professional development
objectives (Mota-Teixeira, 2009); v) orientation towards learning whit social
ends (Dewey, 1959); vi) a strong relationship between community and
authorship (Freire, 1997); vii) the building of a relationary agency (Ferreira,
2012). Based on narratives and papers developed by students of FPCEUP,
we explore the potential of project-based learning in its various forms, as
mentioned above. Autonomy and relationary agency revealed themselves
as the most important foundations of the development of meaningful
learnings of students.
Keywords: project-based learning; autonomy; narratives; reflationary
agency.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, os processos de ensino e aprendizagem no Ensino
Superior (ES) e o cuidado no acolhimento e envolvimento dos estudantes
universitários no quotidiano escolar ganharam novos contornos, de
reconhecimento e estatuto por parte dos docentes e dos órgãos de gestão
do ES. Esta valorização geral e específica apresenta-se como uma tendência
318
Processos e Realidades Educativas
de reconhecimento da importância destas dimensões na promoção do
bem-estar para e o sucesso académico dos estudantes. Nesta perspetiva e,
nos últimos três anos letivos, temos vindo a desenvolver com estudantes de
licenciatura, um modo de trabalho pedagógico que apresenta um conjunto
de caraterísticas e que se baseia na aprendizagem em projeto. Propõe-se aos
estudantes assumirem a elaboração de um projecto a pesquisar em torno
dos conteúdos da gestão democrática das organizações e que se sustenta
num ambiente crítico e problematizador que se desenrola em narrativas
dos estudantes e numa dinâmica de agir relacional em contexto de sala de
aula.
O agir relacional, em contexto de sala de aula, apoia-se num princípio
relacional de agência humana (Ferreira, 2007), que do nosso ponto de
vista, se concretiza na intencionalidade educativa e no desempenho
diferenciado de papéis, ainda que, estruturados em interação simétrica.
Deste modo, valoriza-se a autonomia, a autoria, a participação e o
entusiasmo, o envolvimento dos discentes e docente, para e na escolha e
no desenvolvimento do projeto, a propósito, da aprendizagem de saberes
teóricos específicos.
O trabalho que trazemos resulta então, desta vivência de ensino e
aprendizagem, entre a docente e os estudantes. Neste texto apresentaremos,
sintetizando, a unidade curricular em que ocorre e dando conta, de algumas
narrativas e dos discursos dos jovens estudantes a propósito desta proposta
de trabalho.
Assim e, no âmbito do curso de licenciatura em Ciências da Educação,
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do
Porto (FPCEUP), lecionamos uma unidade curricular (UC), no 4º semestre,
intitulada: Organizações e Administração Educacional que é desenvolvida
num tipo de aulas teórico-práticas, de 3 horas num total de 84 h; a unidade
curricular visa contribuir para o estudo da administração educacional e
das organizações em geral. Apresenta a investigação e a caraterização
319
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
das organizações e da administração pública e educacional em Portugal
através dos contributos de domínios organizacionais, psicossociológicos,
comunicacionais e políticos. Nesta disciplina têm destaque os processos
de governação democrática, a autonomia, as lideranças e a tomada de
decisão juvenil nas organizações em geral, e em particular, nas escolas.
Se considerarmos as principais competências visadas para os estudantes,
estas podem-se sintetizar nas seguintes: i)·Analisar, identificar e aplicar
diferentes modelos e imagens organizacionais na análise e compreensão das
organizações educativas; ii)·Problematizar a escola democrática; iii) Analisar
processos democráticos, a autonomia, as lideranças e a tomada de decisão
dos jovens em contextos organizacionais. Por sua vez, o desenvolvimento dos
conteúdos programáticos propostos ocorre numa dinâmica pedagógica que
inclui: i).Sessões teóricas de exposição de conteúdos e, respetivo debate;
ii) Sessões teórico-práticas de análise de textos e realização de exercícios
orientados; iii) Dinâmicas de pesquisa, individual, de grupo e a realização de
um role-play; iv).Trabalho de grupo e organização do portefólio; v)Trabalho
e estudo autónomo do aluno; vi) Orientação tutória.
Do ponto de vista da avaliação, esta é discutida com os estudantes
mas apresenta-se uma proposta avaliativa de modalidade distribuída com
teste final. Logo a classificação final é função da qualidade do trabalho, ao
longo do ano, em contexto de sala de aula, através da organização de um
portefólio e do “ Trabalho de Grupo em Dinâmica e Pesquisa” e da discussão
e participação, no contexto das horas de contato; e ainda, através, da
apresentação da pesquisa e do projeto desenhado em grupo e vivido na
experiência final, de organização de um role-play, materializado num Fórum
intitulado: Pensar Livre. A organização e simulação deste momento ocorre
no final das aulas e estrutura-se em duas áreas temáticas: “Escola, Jovens
Experiências e Aprendizagens” e “Em Educação, Organizações e Processos
Democráticos”.
Nesta dinamização é esperado dar conta dos saberes adquiridos e da
320
Processos e Realidades Educativas
construção argumentativa para o desempenho do papel, de cada um, e com
vista a refletirem os contributos da UC para o desempenho da sua profissão,
a de mediador socioeducativo e da formação. Neste contexto e com estes
objetivos e metodologia acontecem-nos enredos formativos que valem a
pena serem refletidos.
Nesta comunicação selecionamos o recorte que visibiliza estratégias
diferenciadas de ensino e aprendizagem e possíveis (e)feitos. Através de uma
ilustração empírica, o objetivo é desvendar os fatores que nos permitem
refletir sobre a autonomia e o sucesso dos estudantes e, por fim, trazer um
entendimento informado pelo quotidiano e que pode ser expandido para
uma compreensão mais profunda da exigência em termos de conhecimento
dos professores do Ensino Superior.
1. A ABORDAGEM DE PROJETO COMO AUTONOMIA E AGÊNCIA
RELACIONAL
Temos vindo a proclamar a ciência tal qual se pensa, se sente e se
faz e com isto, queremos enaltecer o paradigma holístico e humanista de
abordagem nas ciências sociais e humanas. E nesse sentido, admite-se
falar em metodologia de projeto a ser desenvolvida numa UC de nível de
licenciatura, e que tradicionalmente, cumpre um modelo pedagógico de
cariz teórico e prescritivo que é assim, desafiado num auto-questionamento
crítico numa lógica de acção que se pretende emancipadora.
Com esta comunicação, mais do que discutir ou aferir o lugar desta
abordagem, pretende-se demonstrar que qualquer escola, universidade
incluída, pode ser entendida enquanto estúdio de interação e de relação
intergeracional. Portanto, um local privilegiado em processos relacionais,
comunicacionais e emocionais. Falar de escola neste olhar, implica
assumir a relação dos saberes no favorecimento e desenvolvimento das
novas gerações com entusiasmo e rigor científico. Este princípio de ação
321
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
requer emoção no sentido de ânimo e de bem-querer, entre todos, os que
partilham saberes, culturas e fazeres, no campo escolar e educativo. Não
obstante, sabemos que no quotidiano escolar persiste uma lógica de ação
racionalizadora, como única e capaz de produzir aprendizagem e saber;
por isso, importa-nos desenvolver uma outra compreensão que implique
emocionalmente os professores e os estudantes e, promova outras lógicas
de ação no quotidiano académico, que permitam uma reflexão com destaque
para o paradigma de uma relação autónoma de ensino; na medida em que,
se acentua uma maior proximidade e preocupação entre os estudantes
e os professores a par do reconhecimento de uma maior autonomia dos
estudantes quer para a escolha das componentes da pesquisa quer pela
liberdade que o estudo autónomo promove. Na perspetiva de Freire (1997:
105-106) sem autonomia não é possível haver ensino nem aprendizagem,
no fundo, o essencial nas relações […] é a reinvenção do ser humano no
aprendizado da sua autonomia.“ O que equivale a dizer que este modo de
aprendizagem baseado na autoria e criatividade dos estudantes pressupõe
um desenvolvimento de saber argumentativo, crítico e transformador logo
um outro desafio relacional entre docente e estudantes. Decerto e deste
saber-fazer, podemos referir que definem o essencial de uma agência
relacional na medida em que se sustenta num diálogo de confiança e
reciprocidade de saberes diferentes e distribuídos.
Neste sentido pretendemos concretizar uma narrativa sobre a relação
docente no ensino superior e no âmbito, da orientação de estudantes em
formação, contemplando questões relacionadas às possibilidades desta
formação desencadear diálogos com o saber-fazer autónomo, criativo e
inovador.
Temos um princípio de trabalho com os estudantes e um tipo
de orientação pedagógica que assenta na autonomia e nas lideranças
distribuídas que coloca o ênfase no grupo, na participação e na possibilidade
de formar uma equipa de pensamento que nos permita um sério
322
Processos e Realidades Educativas
envolvimento promotor de aprendizagens significativas.
2. A AGÊNCIA RELACIONAL COMO ANDAIME DE (DES)ENVOLVIMENTO
DE APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS
No Ensino Superior ao desenvolvermos a nossa prática docente numa
intencionalidade educativa de princípio ético e relacional, expressamos
certamente a valorização de uma outra racionalidade de compreensão dos
saberes e do desenvolvimento da ciência.
Neste olhar a agência relacional enquanto relação de autoria e de
interação expressa-se com os estudantes universitários, a todos os níveis,
de comunicação e na construção dos conteúdos, o progresso de trabalhos
e pesquisas. Realiza-se com entusiasmo e no reforço crítico e reflexivo,
a agência relacional enquanto andaime necessário às aprendizagens
significativas que obviamente permitem os saberes fluírem. Seguimos
neste fazer e agir relacional o pressuposto de Sousa Santos (1998), em que
“todo o conhecimento é auto-conhecimento”, supondo-se o conhecimento
científico como ato de criação, isto é, “A ciência não descobre, cria, e o acto
criativo protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica no
seu conjunto tem de se conhecer intimamente antes que conheça o que
com ele se conhece do real.” (ibidem: 52). Este apelo à criação é muito
valorizado pelos estudantes que se descobrem em novos conhecimentos e
interpelações de si, dos outros e do mundo. Trata-se, então, da necessidade
“ de uma outra forma de conhecimento compreensivo e íntimo que não nos
separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos” (ibidem: 53).
A agremiação recomendada por Sousa Santos (ibidem) percebe-se
nas narrativas escritas que produziram acerca do processo de aprendizagem
exposto. Assim, referem, sublinhando as questões da autonomia
conquistada: “ o que mais valorizei foi a possibilidade de decidir, a autonomia
[…] e tudo o que aprendi. Tornou-se único e compensatório porque deu323
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
me novos olhares para o mundo atual e principalmente para a escola”
(org, 2013). De facto e em geral, os estudantes valorizam a autonomia que
detém e que lhes é reconhecida pela docente, para a escolha e a tomada
de decisão sobre os temas e realçam ainda, “a liberdade de pesquisa para a
problematização” (org, 2012).
Exaltam, como circunstância deste trabalho de projeto, a possibilidade
de pesquisa exploratória, as questões críticas e reflexivas, bem como, o jogo
entre a formação e a transformação que se foi tecendo e que resulta em
aprendizagens significativas dos estudantes, como se pode observar no
excerto desta narrativa: “ os incentivos à pesquisa, o processo contínuo
de incentivo à visão crítica e reflexiva, face às questões de organização
e administração […] contribui para um desenvolvimento formativo e
transformativo fulcral ” (Org, 2013).
A gratificação desta tipologia de aprendizagem é ainda traduzida
pelos estudantes e, como referem, nos ” novos olhares [sobre] o mundo
atual e principalmente [sobre] a escola” (Org, 2011). Evidenciam a maisvalia da orientação docente que coloca andaimes de desenvolvimento aos
estudantes (Rogoff e Wertsch, 1984, in Mota-Teixeira, 2009) enquanto os “
direcciona e instiga à pesquisa” (Org.2013).
Percebe-se nesta perspetiva de trabalho centrada em problemas e na
interdisciplinaridade enquanto mobilizadora e criadora de mapas mentais
por parte dos estudantes e da docente (Vasconcelos, 2012) e enquanto
geradora de aprendizagens significativas (Mesquita, 2011), um contributo
valioso para a discussão de estratégias de ensino e aprendizagem no
quotidiano académico.
A propósito da avaliação final, enquanto atividade de culminância
do projeto formativo, assumir o formato de role-play afigurou-se como
“estratégia inovadora e original” (Org,2013) para os sujeitos, pelo que
anunciam uma estreita combinação entre as competências de autoria;
(Freire, 1997; Ferreira, 2012) e a edificação de uma agência relacional
324
Processos e Realidades Educativas
(Ferreira,2012), reforçada na expressão “o role-play foi uma estratégia
dinâmica, reflexiva, interativa que levei como bagagem” e ainda, “permitiu
o contato com a realidade, reflexão e, acima de tudo, dar voz ao nosso
trabalho” (Org, 2013). Nesta lógica reforçam que apesar de estarem “a
representar personagens o poder de argumentação teve que ser trabalhado”
(Org.2013).
Lê-se claramente, nos seus discursos, proventos orientadores de uma
profissionalidade interativa e numa dialética constante entre teoria- prática
(Leite e Arez, 2011); bem como um investimento pessoal e profissional no
projeto, conforme narram: “ao colocarmos por escrito o trabalho da aula
permitiu-nos reflectir sobre os erros, as falhas e o que podíamos melhorar”.
Exibem o cariz trans(formador) desta estratégia. Nas dinâmicas sentidas e
vividas pelo projeto e no projeto sublinha-se o papel da “agência humana”
nas organizações educativas e, nesta circunstância, Friedberg (1995: 11) diz:
“compreender a dimensão organizacional [da] acção colectiva dos homens”,
entendendo-a, sobretudo, como “um contexto de ação entre outros”
(ibidem).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente investigação alicerça-se em múltiplas questões que
desencadeiam em nós, docentes, um processo de pensamento que tem as
suas origens “na esfera motivadora da consciência, uma esfera que inclui
as nossas inclinações e necessidades, os nossos interesses e impulsos e
os nossos afetos e emoções (Vygotsky (1986:282). Pelo que, colocamos
o enfoque (Rogoff, 1990) na competência do ensino aprendizagem
indagando: i) Como reconhecer no desenvolvimento humano e na relação
das pessoas com o saber, o caráter cognitivo e emocional? ii) Como trazer
para o quotidiano das nossas escolas o significado da e na aprendizagem?
iii) O que equivale a dizer da vontade e do entusiasmo de saber aplicado
325
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
à metodologia de projeto? Este inventário questionador defende a escola
como um lugar plural, como agência relacional, como espaço gerador de
autonomias e autorias, conforme evidencia o estudo em questão. Isto porque
experimentamos um comprometimento com e em propostas pedagógicas
potenciadoras do desenvolvimento do ser humano na totalidade das suas
possibilidades (Pinto, 1999), isto é, na aplicabilidade do projeto como
autonomia e agência relacional. Neste meandro de análise assume-se uma
nova centralidade, que se manifesta na proximidade e no envolvimento que
os estudantes atingem, e que do nosso ponto de vista, pode também, ser
promotor do sucesso educativo no ensino superior e expandir-se para uma
outra compreensão das exigências do trabalho docente no ensino superior.
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327
A Survey of Reading Instruction and Reading
Attitudes in the Republic of Cape Verde
David A. Almeida
Bridgewater State University
[email protected]
Processos e Realidades Educativas
Abstract
Preliminary conversations with educators in Cape Verde (CV) raised
questions about reading attitudes and reading instruction in the nation’s
primary schools. Specifically, these questions were: “What methods
do primary level CV teachers use to teach children to read?” and “What
attitudes do primary level CV teachers hold concerning academic reading,
pleasure reading, and the use of children’s literature for instruction?” In
order to formally examine these and other literacy-related questions in Cape
Verde, this study surveyed more than 1000 primary level teachers across all
nine inhabited islands. In addition, to illuminate answers from the surveys,
interviews with over 100 teachers were conducted. Results indicate that
most primary level teachers in CV use a bottom-up approach to reading
instruction, and follow strictly the official government-provided textbook for
reading instruction, which most of them dislike. Most teachers report they
do not focus on reading children’s storybooks as vehicles for instruction,
preferring to use only short excerpts from these books, if they use them at
all. Teachers indicate that while they sometimes read for pleasure, this is not
typical for most Cape Verdeans, who prefer oral interactions over reading.
A high percentage of respondents indicate that in CV, poverty and a lack of
government-provided children’s books in schools prevent the formation of
a “habit of reading” for most Cape Verdeans.
Keywords: Cape Verde education; literacy in Cape Verde; reading
attitudes in Cape Verde; reading instruction in Cape Verde.
Resumo
Conversas preliminares com educadores em Cabo Verde (CV)
trouxeram questões sobre as atitudes de leitura e o ensino da leitura nas
329
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
escolas primárias do país. Especificamente, estas questões foram: “quais
são os métodos que os professores de CV do ensino básico usam para
ensinar as crianças a ler?” e “que atitudes os professores de CV do ensino
básico adoptam em relação à leitura académica, leitura por prazer, e ao uso
da literatura infantil para a educação?” Com o objectivo de analisar estas
e outras questões relacionadas com a alfabetização em Cabo Verde, este
estudo inquiriu mais de 1.000 professores de nível primário em todas as
nove ilhas habitadas. Além disso, para esclarecer as respostas do inquérito,
foram realizadas entrevistas com mais de 100 professores. Os resultados
indicam que os professores do ensino básico em CV usam uma abordagem
de cima para baixo para o ensino da leitura e seguem rigorosamente o
manual fornecido pelo governo para o ensino, e que a maioria deles não
gosta de ler. A maioria dos professores refere que não se foca na leitura de
livros de histórias infantis como veículos de ensino, preferindo usar apenas
pequenos excertos desses livros, ou não os usar de todo. Os professores
indicam que, embora às vezes leiam por prazer, isso não é típico para a
maioria dos cabo-verdianos, que preferem interações orais à leitura. Uma
elevada percentagem dos inquiridos indica que em CV, a pobreza e a falta
de dotação das escolas com livros infantis nas escolas impedem a formação
de “hábitos de leitura” para a maioria dos cabo-verdianos.
Palavras-chave: educação; literacia; atitudes de leitura; ensino da
leitura; Cabo Verde.
In 2007, Commeyras and Inyega, published “An integrative review
of teaching reading in Kenyan primary schools” and encouraged others
to study reading instruction in Africa, asking researchers “to follow our
example and to locate all pertinent literature and to conduct a review of
the state of reading education in each of the African countries” (p.278). The
Republic of Cape Verde is one African nation where reading education has
not before been thoroughly examined, and observations made and data
330
Processos e Realidades Educativas
collected during an informal pilot study in 2010 raised questions about
the similarities that might exist between Kenya and Cape Verde, as far as
reading instruction is concerned.
Located approximately 350 miles off the coast of West Africa, Cape
Verde gained its independence from Portugal in 1975. During previous
observational visits to Cape Verde primary schools this researcher observed
teaching practices similar to those observed in Kenya by Commeyras and
Inyega, including a bottom-up approach to reading instruction, centered
on the recitation and memorization of phonetic constructs and word parts,
the copying of words off of the blackboard, and no use of story books by
teachers.
In order to examine these observations more formally for Cape Verde,
a study of reading instruction in representative primary schools on all nine
inhabited islands of Cape Verde was carried out. A survey, consisting of
twenty (20) questions on reading instruction and reading attitudes in Cape
Verde was developed in English and translated into Portuguese. In addition,
1:1 interviews with randomly selected primary teachers were held. The
surveys were distributed to all 2972 primary level teachers in Cape Verde
and interviews were carried out with 116 teachers. In order to assure
randomness, two schools from each of the nine islands were randomly
selected by Cape Verde’s Office of the Minister of Education and five teachers
from each school were randomly selected by the school’s principal. This
researcher traveled, along with an interpreter fluent in English, Portuguese,
and Cape Verdean Creole, to each island over the course of one year, in order
to interview these subjects. Data was then collected, coded, and analyzed.
331
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Results
Out of the 2972 questionnaires distributed, 1071 questionnaires
were returned for a total return rate of 36 %. A minimum of 10 teachers
were interviewed on each island, for a total of 116 primary level (grades 1-6)
teachers, across all nine islands.
Results showed that the average number of years of experience for
primary teachers is 16.5, with the least number of years of experience
being 1 and the greatest number of years of experience being 36. Teachers
indicated that the two most common approaches (almost evenly split across
research subjects) that Cape Verdean teachers use to teach reading are “An
approach which emphasizes teaching whole words first and then examining
the parts of those words later on” and “An approach which emphasizes
teaching letter sounds and syllables before teaching whole words”.
When asked if teachers used storybooks as part of their reading
instruction (translated into Portuguese as livros de contos infantis) 78%
of the teachers responded on the surveys that they did use storybooks,
but when shown samples of storybooks during the interviews, only 12%
of the early primary teachers said that they used storybooks for reading
instruction and only 5% of teachers teaching grades 4, 5 and 6 said they
used such materials. Most often, teachers said that they didn’t use story
books to teach children how to read because none were available to them,
they did not relate to the lives of Cape Verdean children, and there was
no time to fit them into the curriculum. The vast majority of teachers
stated that, while they do use the government provided textbook to teach
reading, most do not like it because it is bland, lacks motivational activities
for children, and does not represent the reality of Cape Verdean children.
Teachers report that they often supplement this textbook with photocopies
of material found in textbooks from Portugal, which have been donated to
them. A majority of teachers noted that their school does not have a school
library, and only very few teachers had a classroom library for student use.
332
Processos e Realidades Educativas
Teachers were also asked questions about Cape Verdean attitudes on
reading for pleasure. To the question, “Approximately how many hours per
week do you estimate most of your students spend reading for pleasure
outside of school?” the highest percentage response (72%) indicated that
primary students might spend 1-5 hours per week reading for pleasure
outside of school, though during the interviews it became apparent that
1-2 hours per week was more accurate, with that amount getting lower
as students advance in grade level. Teachers were then asked how many
hours per week they, themselves, spend reading for pleasure and the most
common response was the same, 1-5 hours per week, with interviews
showing that a more accurate amount of time was at the lower level of the
scale, at perhaps only 1 hour per week at most. Over ninety percent of those
responding to a question about reading attitudes among Cape Verdean
adults described feeling that Cape Verdeans have developed a culture that
embraces conversation and an oral tradition and is less interested in reading
novels, children’s stories, and other fictional literature.
Commeyras & Inyega’s (2007) study on African teachers demonstrated
that teachers in Kenya would like their students to be fluent and voluntary
readers, but they cite language issues, a lack of resources, and a strong
oral tradition as difficulties they face in achieving that goal. Primary level
teachers in Cape Verde present, in the current study, a profile similar to that
found by Commeyras & Inyega in Kenya; Cape Verdean teachers describe
themselves as a group of dedicated educators who generally do not have
books readily available to them, are not pleasure readers themselves, and
may not understand the research-based importance of using story books as
part of a balanced approach to literacy instruction.
Yet Commeyras & Inyega end with a concern that post-colonial and
utilitarian views on literacy seem to prevent change in African schools, a
concern that may not be appropriate for Cape Verde. Cape Verde primary
teachers split evenly between strict, bottom-up approaches to reading
333
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
instruction and approaches which started with whole words and then
moved to examining letters and sounds; they discussed often the desire to
be the best teachers they can be, and other research shows that they are
hungry for professional development, though they may not have had the
opportunity to participate in any (Creamer, 2013).
The current Cape Verde Minister of Education is at present working
decisively towards educational reform, and a new reading program has been
developed for all of Cape Verde; moreover teacher training institutions like
the University of Cape Verde and Cape Verde’s Institute of Pedagogy are
strongly interested in preparing new teachers for a 21st century reality. As
Cape Verde moves forward as a nation, interest in modernizing curriculum,
instruction, and educational policy are at the forefront. (World Bank, 2013)
References
Commeyras, M. & Inyega, H.N. (2007) An integrative review of
teaching reading in Kenyan primary schools, Reading Research Quarterly,
Vol 42 (2), AprMayJune, pp 258-281.
Creamer, Courtney (2013) Professional Development for Teachers
in Cape Verde. Unpublished Undergraduate Research Thesis. Bridgewater
State University, Bridgewater, MA, U.S.A.
World Bank (2013) “Cape Verde - Education and Training
Consolidation and Modernization Project.” Cape Verde - Education and
Training Consolidation and Modernization Project. Retrieved from http://
www1.worldbank.org/publicsector/pe/bankcape.htm 25 June 2013.
334
Eu e eles: a construção da identidade em alunos do
Ensino Básico
Dulce Martinsa; Carolina Carvalhoa ; Ana Paula Gamab;
Cristina Carvalhoc; David Tavaresd; Edite Fiúzae; Jesuína Fonsecaf; Joseph
Conboya; Maria Helena Salemaf; Maria Odete Valenteg
IEUL, Universidade de Lisboa;bINUAF, Loulé; c Agrupamento de Escolas D.
Manuel I, Tavira; dESTESL, Instituto Politécnico de Lisboa; eUniversidade
Lusófona; fUIDEF, Universidade de Lisboa; gFCUL, Universidade de Lisboa
a
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Partilhando a ideia que a identidade individual é um conceito que
expressa caraterísticas singulares que se constroem e desenvolvem na ação
de relacionamento com os outros, o domínio da identidade cruza-se com
o da aprendizagem. Este estudo faz parte de um projeto investigação, cujo
objetivo principal é compreender a relação entre a natureza do feedback do
professor, a identidade do aluno e o comprometimento do aluno na escola.
A finalidade deste trabalho foi a construção de um questionário. Pretendiase compreender como os alunos do Ensino Básico vão construindo a sua
identidade de aluno, partindo das questões: a) Como me vejo enquanto
aluno?; b) Como os meus colegas me veem enquanto aluno?; c) Como os
professores me vêem enquanto aluno? Alunos do 6º e 9º ano de escolaridade,
entre os 10 e os 19 anos de idade, num total de 44, responderam a um
questionário em formato de resposta aberta.
Uma análise preliminar indica que os alunos têm imagens positivas
e negativas de si mesmos enquanto alunos, verificando-se semelhanças
entre as imagens que os alunos referem de si e as que consideram que os
colegas e os professores têm deles enquanto alunos. Os alunos de 6º ano
descrevem-se com um maior número de imagens, tanto positivas como
negativas. Contudo, as imagens destes alunos são semelhantes às descritas
pelos alunos de 9º ano. Estes resultados sugerem-nos que as imagens que
os alunos vão construindo acerca das suas posições são estáveis.
Palavras-chave: identidade; feedback; alunos do Ensino Básico.
Abstract
Sharing the idea that individual identity is a concept which expresses
unique characteristics that are constructed and developed during the
336
Processos e Realidades Educativas
relations established with others, identity domain is interconnected with
learning. This study is part of a research project in which the main goal is to
understand the relation between teacher feedback, student´s identity and
student´s school engagement. The finality of this work was the construction
of a questionnaire. The goal was to understand how Basic Level students
construct their image as students, based on the following questions: a) How
do I see myself as a student?; b) How my colleagues see me as a student?; c)
How my teachers see me as a student. Students from the 6th and 9th grade,
between 10 and 19 years, in a total of 44 answered to an open response
questionnaire. A preliminary analysis indicates that students have both
positive and negative images of themselves as learners, with registered
similarities between the images that students have of themselves and the
images they consider their colleagues and teachers to have of them as
students. Sixth grade students describe themselves with a greater number
of images, both positive and negative. However these student´s images
resemble the ones described by the 9th grade students. These results suggest
that the images students construct about their positions are stable.
Keywords: identity; feedback; Basic Level students.
INTRODUÇÃO
Na literatura vários significados são associados ao conceito de
identidade. Black, Mendck e Solomon (2009) referem que diversas
disciplinas o utilizam e procuram esclarecer. Consequentemente, a resposta
para o que é a identidade não é consensual e simples. Mais útil do que
ter a resposta para esta questão talvez seja compreender o impacto dos
contextos de interação dos sujeitos no desenvolvimento da sua identidade.
Por exemplo, os discursos e as práticas da escola. Assim, a identidade é (co)
construída pela participação em diferentes práticas sociais, incluindo, entre
outras, as escolares.
337
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Na maioria dos países ocidentais a escolaridade é obrigatória e todas
as crianças têm de a frequentar durante um determinado período de tempo.
Esta realidade gera investimento ou rejeição de determinada disciplina,
consequentemente, respostas emocionais de gosto/não gosto; uma posição
que cada aluno ocupa de acordo com o seu desempenho escolar, bom/mau
aluno ou os discursos políticos sobre as questões de avaliação, aprovado ou
retido.
Enquanto aprendentes desenvolvemos relações complexas com
os vários conteúdos escolares, tanto dentro como fora da sala de aula.
Podemos então aceitar que a identidade origina formas de ser, de agir,
de nos relacionar com os agentes educativos e com as práticas de sala de
aula que influenciam não só as decisões que o aluno vai tomando sobre a
escola (Freire, Carvalho, Freire, Azevedo & Oliveira, 2009), como também
as posições que vai ocupando na comunidade escolar (Holland, Lachiotte,
Skinner & Cain, 1998; Gee, 2000; Hand, 2006). A identidade do aluno joga
então um papel central na forma como ele próprio se vê enquanto aluno e
como se posiciona e participa na sala de aula, o que nos leva a sugerir que a
identidade do aluno influencia o comportamento do professor, incluindo o
feedback que lhe dá quando interage com ele.
Hattie (2009) considera que o feedback não é apenas informação dada
pelos professores sobre o desempenho dos alunos. Os alunos também dão
feedback aos professores pelos erros que cometem, pelos comportamentos
que adotam, pela desmotivação que manifestam, pelas hesitações que
revelam. O feedback que os alunos dão aos professores ajuda-os a gerir a
sua prática, ou seja, o feedback é consequência de um desempenho e numa
sala de aula não são apenas os alunos que manifestam desempenhos. O
feedback revela-se como um aspeto importante na relação entre professor
e aluno (Black & Wiliam, 1998; Black, Harrison, Lee & Marshall, 2002; Hattie,
2009) e possibilita ao aluno reificar uma posição.
O presente trabalho faz parte do projeto Feedback, Identidade
338
Processos e Realidades Educativas
e Trajectórias Escolares: Dinâmicas e Consequências (FITE-PTDC/CPEPEC/121238/2010). O objetivo principal é compreender a dinâmica e as
consequências da natureza do feedback dos professores no desenvolvimento
da identidade dos alunos e nas suas trajetórias escolares. Concretamente
neste trabalho pretende-se perceber como os alunos do 6º e 9º ano de
escolaridade vão construindo a sua identidade de aluno. Para isso os alunos
responderam a três questões: Como me vejo enquanto aluno?; Como os
meus colegas me veem enquanto aluno?; Como os professores me veem
enquanto aluno?. As respostas dadas pelos alunos serão analisadas no
presente trabalho.
2. MÉTODO
2.1 Participantes
Os participantes deste estudo eram alunos da área metropolitana de
Lisboa e da região do Algarve num total de 44 alunos: duas turmas do 6º
ano de escolaridade, 7 raparigas e 7 rapazes da zona de Lisboa e 6 raparigas
e 9 rapazes do Algarve. No 9º ano participaram 1 rapariga e 14 rapazes da
zona de Lisboa.
No 6º ano as idades estavam compreendidas entre os 10 e os 13 anos
e no 9º entre os 15 e os 19 anos de idade. Os alunos do 6º ano integravam
turmas do ensino regular. A turma do 9º ano eram alunos a frequentar um
Curso de Educação e Formação (CEF).
2.2 Instrumento e procedimento
O instrumento utilizado surgiu numa fase inicial do projeto referido.
Optámos por um questionário com seis questões de resposta aberta, com o
339
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
qual indagámos como os alunos vão construindo a sua identidade de aluno.
Neste trabalho, só iremos tratar três dessas questões. O preenchimento
deste questionário foi supervisionado por alguns investigadores do projeto
FITE, nas suas zonas de trabalho, bem como nos anos de escolaridade de
docência.
Este trabalho de investigação decorreu durante o horário escolar das
turmas de 6º e 9º ano e os alunos colaboraram voluntariamente.
3. RESULTADOS
A análise dos resultados procurou compreender como os alunos
do Ensino Básico vão construindo a sua identidade de aluno. Partindo das
questões de estudo mencionadas, as respostas escritas dos participantes ao
questionário foram investigadas de um modo indutivo. Assim, os gráficos
apresentados ao longo deste trabalho são o resultado da elaboração de várias
grelhas de redução de dados, isto é, do “recorte, agregação e enumeração”
para representar o conteúdo (Bardin, 2011, p. 129), com recurso ao NVivo,
versão 10. A utilização deste software, de análise de dados qualitativos,
permitiu-nos encontrar padrões nas respostas dos alunos do 6º e do 9º ano.
Nas respostas dos alunos emergiram duas categorias que designámos:
caraterísticas académicas e caraterísticas relacionais. Em ambas havia
caraterísticas positivas e negativas. Estas caraterísticas traduzem o discurso
que cada participante faz da sua posição de aluno.
No Gráfico 1 apresentamos as caraterísticas académicas positivas dos
participantes por ano de escolaridade. A leitura deste Gráfico revela que são
os alunos do 6º ano que recorrem a uma maior variedade de caraterísticas
e em ambos os casos a caraterística mais utilizada, bom aluno, sugere que
as classificações escolares são determinantes para a posição que construo
de mim enquanto aluno. Interessante é a caraterística bem comportado
ser a mais referida pelos alunos mais velhos, como que sugerindo que o
comportamento que se adota na sala de aula me posiciona como aluno.
340
Processos e Realidades Educativas
Gráfico 1: Caraterísticas académicas positivas para a questão “Como me vejo
enquanto aluno?”
O bom aluno parece surgir como caraterística académica principal,
sendo as restantes subsequentes a esta e presentes em discursos
diversos. Isto é, para se ser bom aluno tem de se reunir algumas das
outras caraterísticas identitárias, como ser bem comportado, trabalhador,
responsável. Claramente, estas caraterísticas estão presentes nos discursos
e nas comparações dos professores quando interagem com os alunos na
sala de aula.
As caraterísticas académicas negativas surgem no Gráfico 2 e em
oposição ao Gráfico 1 em menor número.
341
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Gráfico 2: Caraterísticas académicas negativas para a questão “Como me vejo
enquanto aluno?”
Em ambos os anos de escolaridade as duas caraterísticas académicas
que se revelaram negativas são Distraído e Preguiçoso. Se no gráfico
anterior muitos alunos se viam com caraterísticas de bom aluno, verificase que alguns se opõem, posicionando-se de diferente forma em relação à
sua identidade enquanto aluno. Ao recorrerem às caraterísticas Distraído e
Preguiçoso é possível perceber como os alunos se centram nas questões da
atenção e na quantidade de trabalho desenvolvido, para se posicionarem
enquanto alunos.
Nos Gráficos 3 e 4 apresentamos as respostas dos alunos participantes
à segunda questão de estudo “Como os meus colegas me veem enquanto
aluno?”
As caraterísticas académicas positivas e negativas que surgem são
enumeradas com maior frequência pelos alunos mais novos, os de 6º ano.
Assim, no Gráfico 3 conseguimos verificar que a caraterística Inteligente é
a que se destaca claramente como a mais utilizada pelos alunos do 6º ano
342
Processos e Realidades Educativas
para descreverem a posição onde os colegas os colocam. Por outro lado, à
semelhança do Gráfico 1, a característica Bom aluno é muito referida, tanto
pelos alunos do 6º ano como pelos alunos do 9º ano, como uma das mais
salientes.
Gráfico 3: Caraterísticas académicas positivas para a questão “Como os meus
colegas me veem enquanto aluno?”
Tal fato parece indicar que as classificações escolares são
determinantes, não só na posição que construo de mim enquanto aluno,
mas também no posicionamento que penso que os outros me atribuem
enquanto aluno.
Em seguida, no Gráfico 4 em oposição ao Gráfico 3, as caraterísticas
negativas surgem em menor número.
343
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Gráfico 4: Caraterísticas académicas negativas para a questão “Como os meus
colegas me veem enquanto aluno?”
A leitura deste gráfico permite observar que, tanto para os alunos
do 6º ano como para os alunos do 9º ano, a caraterística mais saliente no
seu posicionamento enquanto alunos para os seus colegas, é Preguiçoso.
É possível assim perceber que, à semelhança do que se observa no
Gráfico 2, a questão do esforço despendido na sala de aula parece ser tão
determinante no posicionamento que tenho de mim enquanto aluno, como
no posicionamento que penso ter para os outros. Curioso é também o fato
de haver alunos do 9º ano, um curso CEF, que se posicionam como sendo
alunos com dificuldades.
Nos Gráficos 5 e 6 surgem as carateristicas académicas reveladas pelos
alunos participantes relativas ao seu posicionamento na terceira questão de
estudo “Como os professores me veem enquanto aluno?”.
Este gráfico revela que os alunos do 6º ano destacam na sua
esmagadora maioria a característica Empenhado, como a de maior relevância
no posicionamento que os professores lhes atribuem enquanto alunos. Esta
344
Processos e Realidades Educativas
caraterística poderá ter surgido por ser valorizada pelos professores no seu
discurso em relação ao esforço despendido e ao envolvimento dos alunos
na aula.
Gráfico 5: Caraterísticas académicas positivas para a questão “Como os professores
me veem enquanto aluno?”
Quanto aos alunos do 9º ano, as caraterísticas Bem comportado e
Bom aluno são as mais referidas, sugerindo que para os alunos mais velhos,
o comportamento nas aulas e as classificações escolares são determinantes
para o posicionamento que lhes é atribuído pelos seus professores enquanto
alunos.
Em oposição ao Gráfico 5, surge o Gráfico 6. A partir da sua observação
verificamos que as caraterísticas que os alunos do 6º ano e do 9º ano mais
salientam surgem relacionadas com a quantidade de atenção prestada na
aula (Distraído) e a quantidade de trabalho desenvolvido (Preguiçoso).
345
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Gráfico 6: Caraterísticas académicas negativas para a questão “Como os
professores me veem enquanto aluno?”
Nos alunos mais novos, verifica-se que a grande maioria associa a
caraterística Preguiçoso a um eventual posicionamento negativo que os
seus professores lhes atribuem enquanto alunos.
4. DISCUSSÃO
Independentemente do ano de escolaridade e da idade dos
alunos observámos alguma regularidade nas caraterísticas usadas para
descreverem as suas posições como as que consideram que os professores
e os colegas têm deles enquanto alunos. O que pode sugerir que a posição
que vou construindo de mim enquanto aluno vai sendo formatada pela
interação que vou estabelecendo com os outros, colegas e professores, no
contexto escolar ou que a minha posição de aluno está bastante consistente
entre como eu me posiciono na sala de aula e os outros me posicionam. E se
isso pode ser positivo, se me vejo como um bom aluno e com caraterísticas
346
Processos e Realidades Educativas
positivas, também pode ser uma fragilidade quando estas caraterísticas são
negativas.
Os alunos de 6º ano descrevem-se com um maior número de
caraterísticas, positivas e negativas, mas estas são as mesmas dos alunos
de 9º ano. Estes resultados sugerem-nos que o aluno vai construindo a sua
identidade ouvindo diferentes vozes e que as posições que os alunos vão
construindo acerca de si próprios são estáveis e refletem muito do feedback
dado pelos professores.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identidade é (re)construída na ação com os outros em contextos
diversificados. Os modos como os sujeitos se posicionam enquanto alunos
dão sentido à sua trajetória escolar, uma vez que se baseiam em esquemas
de pensamento e de ação (Abrantes, 2003; 2005). É possível perceber que
tanto os alunos de 6º como os de 9º ano incorporam discursos e posições
que lhes permite adquirir uma identidade enquanto aluno. Neste sentido,
a trajetória escolar parece ser marcada não somente pela interiorização de
discursos e práticas presentes no feedback dos professores, mas igualmente
pela participação e comparações vividas na sala de aula. Por exemplo, a
caraterística Bom aluno, das mais referidas pelos alunos, revela como os
alunos se vem e são vistos com analogias ao envolvimento positivo e bem
sucedido nas atividades de aprendizagem (Kuh, 2003). Por outro lado, os
sujeitos enquanto alunos também adotam uma atitude pouco envolvida com
a aprendizagem ao se intitularem de Distraídos e Preguiçosos, no sentido
em que se opõem aquilo que no discurso escolar se julga ser caraterísticas
de bom aluno (Vasconcelos, 2008).
A experiência vivida na forma de julgamentos e comparações
presentes no feedback dos professores e dos colegas sobre o que cada
347
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
aluno realiza na sala de aula origina e aglutina um conjunto de “rótulos”
que quando usados repetidamente reificam a posição que cada um ocupa
aos olhos de todos os outros com quem interage na sala de aula, os colegas
e professor.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
com o contrato PTDC/CPE-PEC/121238/2010 e pela Unidade de Investigação
e Desenvolvimento em Educação e Formação do Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa. Os autores agradecem ao bolseiro de investigação
do projeto João Santos.
Referências bibliográficas
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Sociologia, problemas e práticas, 41, 93-115.
Abrantes, P. (2005). As transições entre ciclos de ensino: entre
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Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Black, L. ; Mendick, H. & Solomon, Y. (2009) (Eds). Mathematical
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Vasconcelos, E. (2008). Uma análise da identidade do sujeito-aluno
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periodicos/revista_forum_identidades/revistas/ARQ_FORUM_IND_4/
SESSAO_L_FORUM_Pg_141_151.pdf
349
Estratégias pedagógicas para o desenvolvimento de
uma competência comunicativa bilingue
Elvira Reis
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
[email protected]
Processos e Realidades Educativas
Resumo
Este artigo aborda a competência comunicativa bilingue e apresenta
estratégias pedagógicas que fomentam o desenvolvimento da referida
competência, indispensável à construção de conhecimentos, num processo
de aprendizagem que se quer significativa e permanente. Faz parte do
trabalho de investigação tutelado, realizado no âmbito do doutoramento
em Educação e Desenvolvimento Humano, com recurso à metodologia
qualitativa interpretativa. Propõe-se uma abordagem transdisciplinar que
focaliza a correlação entre três disciplinas: Cultura Cabo-verdiana, Língua
Portuguesa e Formação Pessoal e Social. Para além dos conhecimentos
à volta dos conteúdos específicos de cada disciplina, o que leva ao
desenvolvimento de uma competência científica, a tónica é colocada na
clarificação de valores universais, internacionais e nacionais, com base em
três técnicas fundamentais: discussão de dilemas morais, jogos de papéis/
desenvolvimento de habilidades sociais que favorecem o desenvolvimento
de competências sociais, socorrendo-se das metáforas do quotidiano caboverdiano, enquanto expressão do imaginário. Neste sentido, as estratégias
permitem o desenvolvimento dos quatro pilares da educação segundo
Delors: saber, saber ser, saber fazer e saber viver juntos.
Palavras-chave: bilinguismo; competência comunicativa; estratégia
pedagógica; transdisciplinaridade; educação para os valores.
Abstract
This paper addresses the bilingual communicative competence and
presents teaching strategies that foster the development of those powers
essential to the construction of knowledge in a learning process that is
both significant and permanent. It is part of the research work protected,
held under the PhD in Education and Human Development, using the
351
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
interpretive qualitative methodology. We propose a transdisciplinary
approach that focuses on the correlation between the three subjects:
Culture Cape Verdean, Portuguese and Personal and social Development
In addition to the knowledge around the specific content of each discipline,
which leads to the development of scientific competence, the emphasis is
on the clarification of universal values​​, international and national, based on
three fundamental techniques: discussion of moral dilemmas games roles
/ development of social skills that foster the development of social skills,
bailing up the metaphors of everyday life in Cape Verde, as an expression
of the imagination. In this sense, the strategies allow the development of
the four pillars of education Delors: namely, how to be know-how and know
how to live together.
Keywords: bilingualism; communicative competence; pedagogical
strategy; transdisciplinarity; education values.
INTRODUÇÃO
A fraca atenção à cultura da língua em Cabo Verde compromete os
resultados escolares. O uso do crioulo cabo-verdiano (CCV) é generalizado,
a língua portuguesa (LP) só é usada na sala de aula, mas os conteúdos
científicos continuam a ser transmitidos apenas em LP. O aluno possui fraca
competência linguístico-comunicativa, já que, muitas vezes, não conhece
as fronteiras entre CCV e a LP. Limita-se a reproduzir conhecimentos, num
discurso onde o léxico aportuguesado se mistura com a morfo-sintaxe do
CCV. Não tem hábitos de leitura e manifesta uma fraca competência de
compreensão oral e escrita.
Geralmente, o aluno não consegue interpretar o enunciado e
vai perdendo direito à frequência do sistema de ensino por excesso de
reprovações. Os professores acham que o problema da interpretação
do enunciado é da responsabilidade do professor de LP, pois, a eles só
352
Processos e Realidades Educativas
compete a transmissão dos conteúdos científicos. Quanto ao veículo dessa
transmissão e a garantia de que a mensagem chega aos alunos não são da
sua conta. Acham, ainda, que o professor de LP é quem deve corrigir os
erros dos alunos.
Este pensamento não favorece o ensino e a aprendizagem.
A preocupação com uma boa comunicação pedagógica deve ser
transdisciplinar, visto que a metalinguagem é comum a todas as disciplinas.
Uma boa aprendizagem depende de uma boa comunicação, ou seja,
professor e alunos têm de partilhar os mesmos significados.
Também, é necessário que a formação dos professores e a definição
curricular e metodológica integrem a nossa realidade, a fim de valorizar a
cultura.
A forma como o ensino em Cabo Verde se encontra organizado dificulta
o sucesso escolar e, consequentemente, atiça a exclusão. Muitos alunos,
por não possuírem instrumentos intrapsicológicos que lhes permitam
descodificar a mensagem do professor, encaram a prática discursiva como
desanimadora, desinteressante e afastam-se, por se sentirem incapazes de
aprender. Uma vez que só se conseguem exprimir e, portanto, se realizar
em CCV, a única língua adquirida no seu ambiente sociocultural, mas, que
não é tida em conta no ensino. Faz-se necessário a valorização do mundo de
referências do aluno, cuja realidade linguística não é a LP, e o dinamizador
deste processo é o professor.
Assim, propõe-se neste trabalho uma coordenação entre o CCV e a
LP, onde o ensino de ambas aconteça em paralelo e o CCV sirva de base ao
ensino da LP ou de qualquer outra língua, desde o ensino pré-escolar, onde
o aluno aprende a expressar e a brincar com as duas línguas, consciente de
que a primeira é tão valiosa quanto a segunda e que as duas são igualmente
necessárias para o seu desenvolvimento.
A cultura da comunicação, convida-nos a uma correlação
353
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
interdisciplinar e transdisciplinar na qual é útil o diálogo entre: LP e a
disciplina de Formação Pessoal e Social (FPS); e, propomos, ainda, uma
terceira disciplina – a de Língua e Cultura Cabo-verdianas (LCCV). O
objectivo é colocá-las em diálogo à volta da pedagogia de valores, para
o desenvolvimento de uma dupla competência linguística, a valorização
do mundo de referências do aluno e a clarificação de valores universais,
internacionais e nacionais
1. A EDUCAÇÃO PARA OS VALORES E A DUPLA COMPETÊNCIA
COMUNICATIVA
Nota-se que a pedagogia sem uma base sólida nos valores não
tem valor. Daí a ligação que se pretende entre a pedagogia de valores e a
formação linguística, pois, a língua é, sobretudo, um meio de percepção
axiológica do mundo.
Com base na hierarquização sistematizada pela UNESCO pretende-se
relacionar os diferentes níveis de clarificação de valores com as disciplinas
que se quer correlacionadas:
1.Valores universais que funcionam como axiomas – a LP é aqui o
veículo privilegiado para acesso aos bens da cultura que exemplifiquem
esses valores axiomáticos, já que o volume de bens da cultura universal
disponível em CCV é reduzido.
2.Valores da cultura europeia ou mundial que alargam a aceitação
do outro e preparam para a compreensão e tolerância – a LP também é um
veículo privilegiado, principalmente para acesso à cultura europeia.
3.Valores nacionais, onde a cultura nacional é ponto de referência para
a identidade étnica e social e os valores são estimuladores da identificação
– o CCV é um instrumento de experiências axiológicas, algumas delas com
manifestação muito original em Cabo Verde. É o caso, por exemplo, da
354
Processos e Realidades Educativas
morabeza. Assim, uma reflexão sobre o campo semântico da morabeza em
LCCV, metáforas relacionadas, seria enriquecedora.
A emoção é importante na interiorização de valores que não são
aceites só na base da razão, já que a ordem do coração, como a chamou
Blaise Pascal é um princípio, particularmente, válido nos adolescentes que
não aturam o vazio emocional. Daí que a língua materna (LM), carregada
emocionalmente, deva ser a aliada deste processo.
Assim, aproximamo-nos da pedagogia do diálogo e o aluno tem de
saber que o diálogo é uma necessidade, visto que as descobertas nascem
da confrontação de opiniões. Facilmente, dar-se-á conta da existência
do diálogo entre o CCV e a LP, o que é natural e só a sua ausência seria
preocupante. O diálogo como forma de pensar pode ser um objectivo da
educação.
2. CORRELAÇÃO INTERDISCIPLINAR: FPS, LCCV E LP
A pedagogia de valores requer que a educação proporcione um vínculo
e uma aprendizagem cívicos, sensíveis às matrizes culturais, mas capaz de
animar uma socialização intercultural. Esta é a vocação da disciplina de FPS
que carecerá da LM na expressão da visão do mundo do aluno e da LP na
clarificação de valores universais e europeus.
Na comunicação intercultural, o domínio da LP é muito importante.
O conhecimento de outras culturas é indispensável à compreensão e à
apreciação da nossa, pois leva à aceitação das diferenças, ao reconhecimento
da relatividade das normas de cada cultura, propondo que a análise
de padrões culturais seja feita unicamente no contexto da função que
desempenham na totalidade de fenómenos da cultura, tida apenas como
diferente das outras e nunca superior.
Conhecemos as atrocidades cometidas pela intolerância imposta
355
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
por atitudes etnocentristas que motivaram o colonialismo, a escravatura, o
genocídio e o extermínio dos considerados incivilizados e bárbaros.
Hoje, o apelo é à tolerância e ao respeito pela diversidade na unidade
e, nisto, a aprendizagem de línguas ganha uma importância fulcral, pois,
quem domina línguas domina as relações de contacto entre os povos. Daí a
necessidade de se fazer um efectivo ensino da LP, pois, é ela que permitirá
a nossa ligação com o mundo.
Essas questões podem, por uma lado, ser trabalhadas na disciplina de
FPS, com o objectivo de clarificar valores como o respeito pelas diferenças,
a paz e a tolerância, por outro, a disciplina de LCCV pode aproveitar esse
mesmo conteúdo e trabalhar a comunicação intercultural, especificando
pontos convergentes e divergentes entre as culturas em diálogo, destacando
a riqueza da diversidade cultural.
A globalização forçou a educação a redefinir suas estratégias, suas
formas de realização pessoal e social, onde vencer as limitações impostas
pela diversidade cultural requer o domínio de diferentes línguas. Este
domínio garante ao aluno a livre expressão do eu, o que se torna fácil,
numa comunidade onde a sua cultura é valorizada. Daí a necessidade da
disciplina de língua e cultura cabo-verdiana (LCCV) que se preocupe com a
forma como o cabo-verdiano vê o mundo, a sua maneira de pensar a sua
forma de ser e de estar na sociedade. As metáforas do quotidiano caboverdiano, enquanto expressão do imaginário, são uma fonte inesgotável
desses elementos, por isso devem fazer parte deste currículo.
O desafio é de se fazer uma educação para uma sociedade plural
e inclusiva que todos os grupos podem perceber como legítima. Assim, é
necessário que o curriculum vise a construção de conhecimentos, atitudes
e destreza necessários para edificar e viver numa comunidade aberta e os
professores devem ajudar os alunos a examinar e a descobrir o significado
da comunidade e dos conhecimentos e valores culturais que trazem para a
escola, e a compreender as semelhanças e diferenças com os conhecimentos
356
Processos e Realidades Educativas
escolares e culturais do outro. O estudo das metáforas já referidas facilitaria
a descoberta de tal significado e a compreensão das diferentes culturas.
Por isso, é de se focalizar as estratégias que optimizem a auto estima
do aluno, o desenvolvimento da empatia e a aprendizagem de habilidades
para a comunicação, pois, no mundo multicultural, teremos que trabalhar,
estabelecer trocas e pensar com os outros sem subjugação. Estes aspectos
podem ser objecto de estudo para desenvolver objectivos de qualquer uma
das disciplinas apresentadas.
Na relação entre a cultura da língua, a educação para os valores e o
desenvolvimento humano focalizaremos os quatro pilares da educação de
Delors, segundo o qual o indivíduo deverá: «aprender a ser» como processo
aglutinador de elementos próprios do «aprender a conhecer»; «aprender a
fazer», «aprender a viver juntos».
Cabo Verde, enquanto país globalizado, não poderá ficar alheio a
esta matéria que se revela de importância universal, e deverá apostar na
reformulação e reforço da disciplina de FPS, que servirá de estandarte para
a formação de um cidadão intercultural, preparado para o exercício pleno
da cidadania. Esta consiste na assunção de deveres e responsabilidade, na
participação na vida social e política do país e no ensino/aprendizagem de
princípios e valores sobre os quais se assenta a nossa sociedade.
A educação para os valores visa o desenvolvimento integral do
homem, isto é, mais do que inteligência, é cultura enquanto forma de vida.
Daí a necessidade de construirmos esquemas de valores para poder (com)
viver em sociedade.
Por isso, esse desenvolvimento integral carece de uma correcta cultura
da língua o que implica o efectivo ensino da escrita da CCV para eternizar
toda a nossa tradição oral, através da qual podemos passar os valores
nacionais de geração em geração. Com efeito grande parte da tradição oral
cabo-verdiana se tem vindo a perder, pois, a memória colectiva tem sido a
357
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
única forma de a preservar e esta tem limitações.
A capacidade de expressão é fundamental para a participação activa e
plena na vida social. E a metaforização e a alegorização podem ser utilizadas
enquanto técnicas de argumentação nas duas línguas: LP e CCV. Por isso, esta
disciplina preocupar-se-á em desenvolver conhecimentos, sensibilidades
e procedimentos para criar no aluno o interesse e a preocupação com
a cultura e a estética da língua. A produção escrita de poesia, anedotas,
contos, adivinhas, lengalengas, provérbios, metáforas, peças de teatro,
romances, etc., em CCV, deve ser incentivada através desta disciplina.
3. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA UMA DUPLA COMPETÊNCIA
COMUNICATIVA
Exemplificaremos aqui o jogo de papéis, como facilitadora do
desenvolvimento de uma competência bilingue e clarificadora de valores,
numa correlação interdisciplinar e transdisciplinar.
3.1.Dramatização
Personagens:
- Uma jovem cabo-verdiana
- Um jovem guineense
- Um jovem português
G. Amiga, amiga, konprá, konprá, amiga, baratu, baratu,
C.V. Larga’m nhê brose, trivide, nhe brose e de mi ma bó.
G. (Ainda, segurando o braço da jovem) Konpra, amiga, e baratu.
C.V. Já N deze’b pa bo larga’m nhe brose N ka ti ta konpra nenhum
kosa kê N ká ten denher.
358
Processos e Realidades Educativas
G. Kantu bo ten, kantu bo ten? N ta dixi’u N ta dixi’u.
P. Deixa a miúda em paz. (nesta altura o guineense solta o braça da
jovem e esta agarra o braço do português que a fitou com um olhar de
espanto, mas ela nem deu por isso). Não estás a ver que ela não quer ser
agarrada.
G. N ka fazê’l nada.
P. O que disseste?
G. Eu só queria que ela me comprasse.
P. Há! É? E quanto custas?
G. Barato, barato.
P. Mas pelos vistos ela não te quer nem de graça.
C.V. Há! Ise agora ka bo dezê pamade, de grasa, se’l dam N ta tmá sin
e ta korré.
G. Pamó k’N tá dób de grasa, se min N ka podê pega na bó e bó bo ta
pega na brose de portuga.
C.V. Kel li go é ka bo bizniz.
G. É ka nha bizniz pamó min N ka kopu leti.
C.V. Kopolet? O kê ke bo kre dezê ke kopolet.
G. N ka branku N ka riku.
C.V Há! Bo N e kope de lete?
G. Nou.
C.V. E ken ke e kulpode se bo e un kaneka de folha de kafé de sevada
pret e margoz.
P. Com licença, menina. Solta o meu braço, porque eu preciso ir. Não
estou minimamente interessado nessa vossa discussão.
359
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
C.V. Hádê mose já bo tá bai? Bo ka kré dá un voltinha na prasa ma
min?
P. Não obrigado! (o português saí e a jovem dirige-se ao guineense
furiosa)
C.V. Bezot pret é só pa trapalha vide dun kriston. Ben ke kel português
podia f´ka mas ma min se bo ka ta sentá preli ne bos paranoia. Bsot ben pra
li so pa ben eskurese algen juizo.
Análise – Na Guiné, o contacto físico demonstra atenção, mas a caboverdiana não o tolerou. Entretanto, não previu que o português, também,
pudesse não o tolerar e fez-lhe a mesma coisa.
A comunicação falhou, originando o cómico da linguagem. A metáfora
kopu leti- branco/rico - não é do conhecimento da jovem, mas, rapidamente,
entende a sua funcionalidade e usa outra com sentido contrário, Kaneka
de folha de kafe de sevada – preto/pobre. Essas metáforas oferecem
informações culturais, permitem comparar aspectos da nossa cultura
em épocas diferentes. Podem ser trabalhadas na disciplina de FPS para
clarificar valores negativos como: o racismo e a discriminação, evidenciados
através da utilização da língua. Podem ser aproveitadas na disciplina de
LP, procurando na cultura portuguesa metáforas com sentidos próximos e,
como é óbvio, na de LCCV, onde a tradução pedagógica e análise contrastiva
possam evidenciar as diferenças e semelhanças linguísticas, trabalhar as
transferências e interferências e, assim clarificar as fronteiras em o CCV e a
LP, num ambiente pedagógico lúdico e descontraído.
4. CONCLUSÃO
Julgamos ter ficado clara a necessidade de novas metodologias de
ensino da LP, de introdução de uma disciplina de LCCV, e o reforço da de
FPS, a fim de melhorar a competência comunicativa, diminuir o insucesso
360
Processos e Realidades Educativas
escolar, reforçar as relações interculturais, contribuir para uma verdadeira
clarificação de valores e, consequentemente, fomentar o exercício da
cidadania e a formação do cidadão global.
As metáforas revelam-se importantes para o desenvolvimento da
capacidade de argumentação, de interpretação da realidade, visto que elas
representam a visão do mundo do cabo-verdiano e estão presentes quer no
pensamento científico, quer na linguagem quotidiana. Portanto, podem ser
exploradas para melhor conhecer nossa cultura e a dos outros.
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Santiago de Compostela.
361
Competências reedificadas na/com a estratégia
metodológica de projeto
Cândida Mota-Teixeira; Susana Cristina Pinto
Instituto Piaget, Vila Nova de Gaia e Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação Universidade do Porto; Instituto Superior de Ciências
Educativas Felgueiras
[email protected]; [email protected]
Processos e Realidades Educativas
Resumo
O ambiente de aprendizagem no ensino superior politécnico em
Portugal, nomeadamente no que concerne ao ensino no Mestrado em
Educação Pré-Escolar e 1º Ciclo do Ensino Básico, mais concretamente na
unidade curricular de Prática Pedagógica, centra-se num estímulo constante
para o domínio e aplicabilidade do trabalho de projeto em contexto de
jardim-de-infância. Neste âmbito, e numa lógica qualitativa assente na
investigação-ação, registamos os maiores ganhos conquistados pelos
estudantes enquanto dinamizadores de uma prática centrada em projetos:
maior autonomia; capacidade crítica; articulação mais eficaz da teoria/
prática; aumento da capacidade dialógica; maior destreza no trabalho em
equipa e sobretudo a conquista de um desenvolvimento profissional mais
opulento. Evidenciamos, ainda, esta estratégia metodológica enquanto
potenciadora de uma maior compreensão da essência do processo de
ensino/aprendizagem da educação pré-escolar (Vasconcelos, 2007). Os
estudantes, enquanto experimentavam e refletiam os itinerários processuais
do trabalho em projeto, vivenciavam com mais entusiasmo a sua praxis e
nós, docentes, alocamos que a abordagem metodológica da produção do
projeto constituiu, ela própria, um projeto formativo para ambas as partes
e uma possibilidade de redimensionar as práticas pedagógicas que se
vivenci(av)am no contexto pré-escolar da atualidade.
Palavras-chave: formação inicial; estratégias de ensino/aprendizagem;
projetos de acção; projeto formativo; educação pré-escolar.
363
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Abstract
The learning environment in polytechnic higher education in Portugal,
especially regarding teaching in the Master on Preschool Education and
Primary Education, specifically in the subject of Teaching Practice, focuses
on a constant stimulus for the domain and applicability of the project work
in a preschool context. In this context, and from a qualitative perspective,
we intend to make the greatest gains made by students known as the motor
for a practice focused on projects: greater autonomy, critical capacity, more
effective articulation between theory and practice; increased capacity for
dialogue; greater skills in team work and, mostly, the achievement of a richer
professional development. We also point out this methodological strategy as
a promoter for a greater understanding of the essence of teaching / learning
in preschool education (Vasconcelos, 2007). While students experience and
reflect the procedural itineraries of project work, they also experience their
praxis with more enthusiasm and we, teachers, feel that the methodological
approach of the project production is, itself, a formative project for both
parties and a possibility to resize the teaching practices experienced in the
preschool context of today.
Keywords: initial strategies; teaching / learning; action projects;
project training; preschool education.
1. INTRODUÇÃO
Com o novo paradigma de formação, sustentado no projeto formativo
de Bolonha, as dimensões de trabalho de projeto intensificaram-se, dando
cariz à aprendizagem autónoma veiculada por esta reforma. Assim, a
implementação do trabalho de projeto nos estágios em educação de
infância promoveu e espicaçou a aprendizagem ativa, assim como a auto e
364
Processos e Realidades Educativas
hétero crítica metodológica.
Numa lógica de investigação qualitativa – ancorada na investigaçãoação (Máximo-Esteves, 2008) – apreendemos as principias vantagens dos
estudantes do Mestrado em Educação Pré-Escolar e 1º Ciclo de Ensino
Básico (CEB), como propulsoras de práticas centradas em projetos.
Observamos, através das reflexões contidas nos portefólios – realizados
pelas estagiárias para a sua avaliação na unidade curricular de Prática de
Ensino Supervisionada –, as competências conquistadas e exigidas nas
experiências da aprendizagem centrada em projetos.
Após ponderada análise de conteúdo (Bardin, 1995) aos mesmos
portefólios, realçamos a metodológica de projeto como a melhor estratégia
para entender os procedimentos inerentes ao ensino/aprendizagem com
crianças em idade pré-escolar. Note-se, aliás, que o trabalho de projeto
transporta consigo a possibilidade de redimensionar as práticas pedagógicas,
através de dinâmicas transformadoras, críticas e dialógicas. Nesta senda,
destacam-se as competências de: autonomia; capacidade crítica; articulação
teoria/prática; capacidade dialógica; trabalho em equipa; desenvolvimento
pessoal e profissional.
1.1 Competências imprescindíveis em educação de infância
Cientes não só da centralidade e necessidade da definição de
competência, assim como da divergência de opiniões da mesma, adotamos
para o nosso estudo as seguintes conceptualizações: i) são múltiplos os
significados da noção de competência, passando esta pela capacidade
de agir em situação, mobilizando, para tal, conhecimentos capacidades
e atitudes (Le Boterf, 1994); ii) capacidade de agir eficazmente num
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitarse a eles (Perrenoud,1999).
365
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Assim, o desempenho competente em situação depende do
equipamento, cognitivo e afetivo, de um dispositivo, cujos conteúdos são
disponibilizados na ação, pelo que o trabalho de projeto se afigura como
desencadeador de inúmeras competências.
Uma pessoa é competente, na área de educação de infância, na
medida em que domina determinados saberes relativos ao seu âmbito de
acção e é capaz de os utilizar em problemas ou situações de carácter prático.
Possui, portanto, saberes singularizados no seu campo específico e é capaz
de enfrentar, com êxito, as situações complexas que se lhe apresentam.
Na perspetiva de Condon et al. (2007:216), este carácter prático
assume-se como uma “capacidade para desempenhar com eficácia uma
determinada actividade, mobilizando os conhecimentos, habilidades e
destrezas necessárias para concretizar os objectivos da actividade”. Estes
atributos concretizam-se nos conhecimentos e capacidades intelectuais,
nas habilidades e destrezas, nas atitudes e valores, que são os componentes
fundamentais de toda a competência (ibid.:ibidem). Sob o ponto de vista da
formação inicial, fazem-se referência a competências de ordem profissional
que o educador de infância deve adquirir e que se concretizam em torno
de um conjunto de saberes (saber, saber fazer e saber estar) que adquirem
sentido, ou sobressaem quando os profissionais agem num contexto prático.
Estes saberes são experimentados nos contextos dos estágios curriculares,
operacionalizados em lógicas de alternância. Nestas comunidades de
experimentação profissional, os estudantes apreendem e experimentam
banhos de práticas que se traduzem num conhecimento profissional
imprescindível a um bom desempenho (Severino, 2007).
Convém referir que quando falamos em competências as dividimos
em duas categorias distintas e obviamente complementares, competências
específicas e transversais.
366
Processos e Realidades Educativas
2. METODOLOGIA
A partir do compromisso com os estudantes, aquando da dinamização
do trabalho de projeto, intentamos assumir a mudança e consequente
melhoria da qualidade da prática pedagógica. Adotamos, por isso, uma
metodologia de prática dialógica, a investigação-ação, pretendendo-se
a adoção processual de uma postura transformadora que incentivasse a
“melhoria das práticas mediante a mudança e a aprendizagem a partir das
consequências dessa mudança” (Vilelas, 2009:195).
Nesta linha de pensamento, optamos por esta estratégia, uma vez
que a prática de ensino supervisionada das estudantes (todas do género
feminino) do Mestrado em Educação Pré-Escolar e 1º CEB se assume
como um processo constante de investigação e que pressupõe uma
intervenção ativa. A investigação-ação constituiu-se, assim, num excelente
guia para orientar as práticas educativas destas duas turmas de mestrado
integrado (uma docente com dezassete estudantes e a outra com vinte),
pertencentes a duas instituições de ensino superior politécnico privado do
norte de Portugal, com o objetivo de melhorar o ensino e os ambientes de
aprendizagem que as estudantes habitavam (Fernandes, 2001). O estudo
decorreu no ano letivo de 2012/2013, durante o 3.º semestre do aludido
mestrado.
Desenvolveram-se, assim, um conjunto de ciclos de planificação,
ação, observação e reflexão, vertidos no(s) portefólio(s) do practicum.
Na avaliação acerca dos projetos desenvolvidos, aí contida, patenteamos
as evidências desenhadas através da análise de conteúdo (Guerra, 2006).
Não podemos negligenciar o facto de os diálogos ocorridos ao longo das
supervisões de estágio serem coadjuvantes interpretativos.
367
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
3. CAMINHOS CONDUCENTES AO TRABALHO DE PROJETO
Através de referenciais teóricos (Katz & Chard, 2009; Vasconcelos,
2012) incentivamos as estudantes a enveredarem pela estratégia
metodológica de trabalho de projeto, conscientes de que este modus
operandi conduziria a uma aprendizagem mais autónoma e mais crítica.
Assim, ancoradas numa metodologia de investigação-ação, pretendíamos
que as estudantes desenhassem as possibilidades de intervenção de acordo
com as inquietações encontradas através de um diagnóstico fidedigno. Neste
encalço, surgiram projetos variados: os peixes; as experiências da natureza;
a biblioteca; os morcegos; o arco-íris; prevenção rodoviária; medos, entre
outros.
Assinala-se que a condução dos projetos obedeceu a lógicas
veiculadas por Vasconcelos (2012), conforme se sistematiza no quadro
seguinte:
Quadro 1: Síntese das fases do trabalho de projeto (Vasconcelos, 2012)

Formulação de um problema ou questão;
Fase I

Definição de dificuldades/ansiedades a resolver;
Definição do problema

Conversação com as crianças;


Desenho e esquematização de ideias (pelas crianças).
Previsão de possíveis metas a atingir;

Elaboração de mapas conceptuais, teias, etc.;

Definição de: o que fazer, por onde começar, como realizar;

Divisão de tarefas.
Fase II
Planificação e
desenvolvimento do
trabalho
368
Processos e Realidades Educativas

Pesquisas das crianças (através de experiências diretas e
daquilo que pretendem fazer);
Fase III

Organização, seleção e registo de informação pelas crianças;
Execução

Elaboração de gráficos e síntese da informação obtida;

Aprofundamento da informação recolhida, através da

discussão, representação e contraste com as ideias iniciais.
Solidificação do saber;

Sintetização e apresentação dos conhecimentos adquiridos
Fase IV
pelas crianças;
Divulgação/ Avaliação

Exposição dos trabalhos realizados.
A partir do exposto e considerando que “a atitude investigativa é
a base para o ser humano se colocar em projeto e que aqui se encontra
o recurso fundamental à mudança e à inovação educativa” (Mendonça,
2002:21), transformaram-se, colaborativamente, intenções em ações
(Barbier,1996).
3.1 Competências emergentes do trabalho de projeto
A(s) noção(ões) de competência(s), supra citadas, ajuda(m) a um
pleno entendimento nos meandros de uma reflexão sobre a formação
de educadores de infância, sintonizando-nos com o trabalho pedagógico
centrado em projetos.
Trata-se de erigir reflexivamente o tipo de competências
desenvolvidas no contexto dos projetos edificados nas duas instituições
de ensino superior proponentes e resultantes da análise das práticas,
sobretudo nos/dos portefólios construídos pelas estudantes. Assim, nas
dinâmicas vivenciadas, as estudantes edificaram projetos através dos quais
desenvolveram competências vividas, sentidas e conquistadas em três
369
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
dimensões complementares, conforme quadro 2.
Quadro 2: Dimensões – Competências instrumentais, interpessoais e sistémicas
Competências instrumentais
® Capacidade de análise e
síntese;
® Destreza para organizar e
planificar;
® Conhecimento
profissão;
básico
da
® Comunicação escrita e oral;
® Habilidade para obter e tratar
informação;
® Resolução de problemas;
® Capacidade
decisões.
para
tomar
Competências
interpessoais
® Capacidade crítica e
autocrítica;
® Trabalho em equipa;
® Habilidade para as
relações interpessoais;
®
Capacidade
para
trabalhar em equipas
interdisciplinares;
®
Capacidade
para
adquirir um compromisso
ético.
Competências sistémicas
® Capacidade para aplicar, na
prática, conhecimentos teóricos;
® Habilidade para a investigação;
® Capacidade para aprender;
® Capacidade para se adaptar a
novas situações;
® Capacidade para gerar novas
ideias (criatividade);
® Capacidade para
autonomamente;
trabalhar
® Capacidade para empreender
novos projetos.
Desta tríade interpretativa, consideramos que as estudantes erigiram
três tipologias de competências, a saber: i) competências instrumentais:
que dizem respeito a um saber fazer em ação; ii) competências
interpessoais: que significam a capacidade de trabalhar consigo mesmo
e com o outro, numa relação de alteridade; iii) competências sistémicas:
que veiculam a transversalidade de competências entre o saber ser, estar
e fazer – numa relação dialética com o contexto prático e teórico. Das
competências assinaladas destacam-se as competências transversais. A
conquista de autonomia e a capacidade de mobilizar novos saberes – quer
para si, quer para as crianças e educadores cooperantes – emergem com
grande centralidade. Evidenciam-se, ainda, as competências interpessoais
vivenciadas pelas dinâmicas de trabalho em equipa transdisciplinar. Das
competências instrumentais destacam-se as competências de resolução de
370
Processos e Realidades Educativas
problemas.
4. CONCLUSÕES
O trabalho de projeto, enquanto metodologia ativa, conduz
a avenidas de liberdade (Vasconcelos, 1997), possibilitando (des)
envolvimentos múltiplos. Como sugere Cortesão et al. (2002), este funciona
como uma porta aberta para a curiosidade do(a)as estudantes e do(a)s
docentes, sendo simultaneamente um suporte para a educação, a cidadania
e a aprendizagem ao longo da vida.
Os trabalhos de projeto propostos erigiram-se a partir de estudos
em profundidade de uma situação ou de um problema, o que consentiu
proventos de consciência através de uma análise reflexiva constante,
documentada em portefólios. Exigiu, portanto, uma articulação entre as
intenções e as ações, entre a teoria e a prática, organizada num plano que
estruturou essas mesmas ações.
As estudantes puderam perceber que esta dinâmica metodológica
distanciou-se de uma atividade tradicional e isolada de ensinoaprendizagem, pelo sentido que possuiu, pelas intencionalidades que
orientou, pela organização que previu, pelo tempo de execução e pelos
efeitos que produziu, em detrimento de uma atividade ocasional (Cortesão
et al., 2002).
Desta articulação espiralada, as competências transversais,
nomeadamente a competência de autonomia, evidenciaram-se. Pese
embora este tipo de trabalho tenha apelado a participações plurais, exigiu
simultaneamente tomadas de decisão, um forte trabalho de pesquisa, de
implicação e de inovação. Permitiu, ainda, a concretização de intenções
através do plano apropriado e negociado, a capacidade relacional
connosco, com os outros e com o contexto (Boutinet, 1999). Ora, tendo
371
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
em consideração que esta abordagem valorizou o agir, a ação entre o eu e
os outros, a criação ativa da pessoa humana e os processos internacionais;
tornou-se permeável, por conseguinte, às conquistas autónomas do ser.
Aliás como reitera Ferreira (2012), a autonomia emerge como um recurso
exigente de possibilidades de desenvolvimento humano.
Numa lógica de projeto formativo, interpreta-se que quer sejamos
docentes, quer sejamos estudantes ou quer sejamos crianças em idade préescolar, se estivermos envolvidos em dinâmicas que mobilizem a pesquisa,
a discussão e a criação de consensos, se criam condições para um projeto
individual e colectivo que se traduz em comprometimentos potenciadores
do desenvolvimento contínuo dos implicados (Day, 2004).
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Supervisão pedagógica
Práticas de apoio à supervisão pedagógica com
recurso a um ambiente virtual na Universidade de
Cabo Verde1
Adriana Mendonça; Maria João Gomes
Universidade de Cabo Verde; Universidade do Minho
[email protected]; [email protected]
1 Este trabalho é financiado através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia – Programa Ciência
Global – Referência: SFRH / BD / 51465 / 2011
Supervisão Pedagógica
Resumo
Neste artigo pretendemos relatar uma experiência de apoio à
supervisão de estágio e de dinamização de duas disciplinas na licenciatura
de Ciências da Educação – Percurso de Desenvolvimento Pessoal e Social na
Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), com recurso à plataforma Moodle.
Esta experiência, em curso, enquadra-se num projeto de Investigação-Ação
(IA) a decorrer e com o qual se pretende melhorar a prática de orientação/
supervisão de estágios pedagógicos no contexto da Uni-CV. Este texto
reporta-se a um dos momentos de desenvolvimento do projeto, relativo à
caraterização das competências tecnológicas dos estudantes- estagiários,
principais destinatários desta ação e das suas expectativas em relação
ao trabalho com ambientes virtuais de aprendizagem. Os dados foram
recolhidos com recurso a um inquérito por questionário e a partir da sua
análise constatamos que os inquiridos têm alguma facilidade de navegação
na Web, possuem também competências básicas para o trabalho em
ambientes online, assim como vontade experienciar trabalhar em diferentes
ambientes de aprendizagem. As principais dificuldades identificadas,
prendem-se com a dificuldade de acesso a um computador e à Internet.
Palavras-chave: ambientes virtuais; estagiários; supervisão de
estágio.
Abstract
This article aims at relating experiments as a support to training
supervision as a way of dynamic touch to the two disciplines in the degree
program of the Educational Science in the area of Personal and Social
Development at the University of Cape Verde (Uni-CV), using the Moodle.
377
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
This experiment, an ongoing project is part of a Research-Action and the
course which is aimed at improving the act of guidance / supervision of
teaching practice in Uni-CV. This text refers to one of the stages of the
development of the project as it relates to the technological skills of the
students -trainees, the main recipients of this action and its expectations
in working with virtual learning environments. The data were collected
using a questionnaire survey and from the analysis, it was found that the respondents can browse the webs with ease, also possess basic skills to
work in online environments, as a result willing to experience working in
different learning environments. The main difficulties identified, relates to
the difficulty of access to a computer and the Internet.
Keywords: virtual environments; trainees; probation supervisión.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Este texto reporta-se a uma fase de um projeto de Investigação –
Ação (IA) em desenvolvimento e que envolve os estudantes-estagiários, da
Licenciatura em Ciências da Educação – Percurso Desenvolvimento Pessoal
e Social na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), no Campus do Palmarejo,
situado na cidade da Praia, ilha de Santiago, durante o ano letivo 2012/2013.
O projeto em curso tem como objetivo melhorar as práticas de
supervisão de estágio pedagógico de estudantes da Uni-CV, com recurso
a um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), no caso em análise, a
plataforma MOODLE (acrónimo de “Modular Object-Oriented Dynamic
Learning Environment” disponível em http://moodle.org/). A familiarização
com ambientes virtuais de aprendizagem, pretende proporcionar ao
estudante-estagiário, futuro professor do ensino secundário de Cabo
Verde, a oportunidade de contato com abordagens diferenciadas de ensino
e de aprendizagem, que poderão revelar-se essenciais nas suas práticas
diárias quer enquanto docentes, quer, eventualmente, enquanto futuros
378
Supervisão Pedagógica
participantes em iniciativas de formação contínua.
A crescente exigência na formação dos professores, designadamente,
para fazer face às novas realidades educativas e sociais representa um
aspeto que deverá estar sempre presente nas práticas pedagógicas. Como
sublinha Simões (2007, p. 99),
“os professores estão imersos num contexto sociocultural amplo, mas
também, e ao mesmo tempo, numa “cultura” profissional. É essencial
tomar consciência das várias culturas que influenciam o seu trabalho
quotidiano, as suas acções e decisões. Neste sentido, os professores
devem estar preparados para terem uma atitude constante de
investigação das suas práticas profissionais. Faz então sentido uma
cultura de escola que ofereça oportunidades para a reflexão crítica e
a indagação constante.”
A importância dos ambientes online está fortemente relacionada
com as características que os mesmos oferecem, designadamente: (i)
flexibilidade e interatividade, (ii) vinculação a uma verdadeira comunidade
virtual de aprendizagem e (iii) acesso a materiais de estudo e a outros
recursos (Duart & Sangrá, 2000b cit. por Miranda, Morais & Dias, 2005).
Para além da facilidade de acesso à informação que a web garante,
“construir espaços de formação online constitui um desafio que
não se limita à simples disponibilização de conteúdos no ambiente
ou na plataforma. (…) O que está em causa é a necessidade de
criação de uma nova pedagogia baseada na partilha, na exposição
das perspectivas individuais entre pares a na colaboração e iniciativa
conjunta orientada para a inovação e criação.” (Dias, 2004, cit. por
Miranda, Morais & Dias, 2005, p. 1902)
Subjacente a este estudo está a convição de que proporcionar aos
estudantes-estagiários, futuros profesores, a oportunidade de participarem
em atividades de formação que envolvam o uso de um Ambiente Virtual
379
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
de Aprendizagem (AVA) contribui para a sua literacia digital, amplia a sua
visão no que concerne às potencialidades pedagógicas dos ambientes
online, desenvolve competências de aprendizagem online que podem ser
rentabilizadas em futuras iniciativas de formação contínua e proporcionalhes novas forma de partilhar e construir conhecimento.
2. DESENHO DO ESTUDO
O projeto de IA que nos encontramos a desenvolver prevê a
realização de atividades pedagógicas nomeadamente na dinamização de
uma experiência de apoio à supervisão de estágio e de dinamização de
duas disciplinas na licenciatura de Ciências da Educação com recurso a um
AVA. Este processo tem estado a ser desenvolvido no segundo semestre
do ano letivo de 2012/1023, tendo sido antecedido de um trabalho de
caraterização das condições existentes, em termos de competências
tecnológicas dos estudantes-estagiários, principais destinatários desta
ação e das suas expectativas em relação ao trabalho com ambientes virtuais
de aprendizagem. Neste texto procede-se à análise e discussão dos dados
recolhidos nesta fase preliminar.
2.1. O instrumento de recolha de dados
Como instrumento de recolha de dados optou-se pelo questionário
impresso, com aplicação direta por parte da investigadora, primeira autora
deste texto. O questionário desenvolvido tinha como principal objectivo
caraterizar o estudante-estagiário, especificamente no que concerne às
suas competências tecnológicas, comportando questões fechadas, e apenas
uma questão semi-aberta.
Procedeu-se a um processo simples de validação do questionário
380
Supervisão Pedagógica
construido para o efeito, através da sua análise por um professor/
investigador no dominio da Tecnologia Educativa , bem como realização de
uma pré-testagem do mesmo no que concerne à clareza e pertinência das
questões, através da sua aplicação junto de um grupo de recém licenciados
em Ciências da Educação. Com base neste conjunto de procedimentos,
elaborou-se a versão final do questionário que foi aplicada aos participantes
neste estudo.
2.2. Sujeitos participantes
Participaram neste estudo todos os alunos em processo de estágio
pedagógico no ano letivo 2012/2013, no contexto da Licenciatura em Ciências
da Educação – Percurso Desenvolvimento Pessoal e Social na Universidade
de Cabo Verde (Uni-CV), no Campus do Palmarejo, como referenciado. O
estudo envolveu 11 sujeitos, ou seja, a totalidade do estudantes da Uni-CV
nas condições descritas.
2.3. Apresentação dos dados
Atendendo a que este artigo visa a caraterização das competências
tecnológicas dos estudantes- estagiários e uma vez que a caraterização dos
individuos inquiridos foi apresentada em Santos e Gomes (2012), iremos
restringir-nos essencialmente a esses dados.
Os inquiridos que referem ter acesso a computadores, 5 possuem um,
enquanto os restantes (2) mencionam que têm um computador emprestado
e os restantes 4 inquiridos não respondem à questão.
Relativamente aos locais de acesso à Internet, a maioria dos inquiridos
(8 indivíduos), diz ter acesso à Internet em casa (local onde residem durante
este período de estágio). Percebemos que os estagiários também acedem
a partir de outros espaços, designadamente nas escolas secundárias
onde estão a realizar o estágio, onde o acesso à Internet é realizado
essencialmente a partir de dispositivos móveis, muitas vezes utilizando o
381
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
acesso pessoal subscrito pelo próprio estagiário. Atualmente, mesmo na
Uni-CV, grande parte dos estudantes e docentes recorrem aos dispositivos
móveis para aceder à Internet, principalmente porque têm possibilidade de
navegar livremente por todos os sites, incluindo o Facebook, cujo acesso
se encontra bloqueado pelos serviços técnicos da instituição, por ter sido
considerado um forte distrator durante as aulas.
Os 3 indivíduoxs que não conseguem aceder à Internet a partir da
sua residência, ou por não terem cobertura de rede, ou por não terem um
computador, fazem-no quando se deslocam à Uni-CV, muitas vezes com
recurso à ajuda dos colegas.
No que se refere à frequência do acesso à Internet, 7 inquiridos
acedem “algumas vezes por semana”, enquanto 4, o fazem “diariamente”.
Consideramos que, numa fase final da licenciatura, seria importante que o
acesso à Internet por parte de todos os inquiridos fosse diário, atendendo
ao pontencial da mesma, nomeadamente num país em que o acesso a
recursos de informação bibliográficos, mesmo ao nível das bibliotecas
existentes, é limitado. Contudo, temos que reconhecer, que face aos custos
ainda elevado dos equipamentos e das tarifas de acesso à Internet em Cabo
Verde, já é produtivo que todos os estudantes inquiridos acedam à Internet
“várias vezes por semana”.
Quando questionados sobre os serviços ou equipamentos que os
inquiridos dispõem, constatamos que todos têm telemóvel, email e têm
acesso a redes sociais, designadamente o Facebook. Pudemos perceber
que alguns estagiários criaram neste 2º semestre o seu email para
poderem comunicar com a supervisora, orientadores e colegas, quando
foram informados da intenção de recorrer às TIC no contexto de duas das
disciplinas que iriam frequentar.
Relativamente às atividades que desenvolvem quando acedem à
Internet, constatamos que estas variam, sendo que as principais são: (i) “a
pesquisa de informações para o trabalho na Uni-CV” (10 indivíduos), (ii) “a
382
Supervisão Pedagógica
interação em redes sociais” (6 indivíduos), (iii) “pesquisa de informação
para o desenvolvimento do estágio” (2 indivíduos), (iv) “interação através
do chat” (3 indivíduos) e do Skype (1 indivíduo).
No que concerne à utilização da Moodle, constatamos que todos já
tinham ouvido falar dessa plataforma, mas apenas um inquirido a tinha
utilizado antes do ano letivo 2012/2013, ano em que se encontram a realizar
o estágio pedagógico.
Finalmente, quando questionados sobre como poderiam recorrer
às TIC para dinamizar três atividades nas escolas onde irão fazer o estágio,
sentimos que houve algumas dificuldades na elaboração das respostas,
que em nosso entender, estavam relacionadas com o desconhecimento
geral dessas questões . Parece provável que durante todo o seu percurso
académico e, por vezes até profissional, a utilização das TIC não tenha
sido uma prática recorrente, sendo-lhes difícil imaginar tais actividades
em contextos pedagógicos. Ao analisar algumas das respostas facultadas,
verificamos que a “atividade” mais apontada (5 indivíduos) foi a utilização
do power point para a dinamização das suas aulas nas escolas secundárias,
de alguma forma “mimetizando” as suas experiências com as TIC ao nível
da Uni-CV.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados representam a realidade de muitos dos
nossos estudantes-estagiários no país. Ainda existem estudantes que não
dispõem de um computador pessoal ou mesmo de acesso facilitado a um
computador, o que acaba por dificultar a realização de qualquer trabalho,
principalmente na fase final da licenciatura.
Contudo, atualmente o acesso à Internet está mais facilitado e a um
custo relativamente acessível, pois um indivíduo poderá ter um dispositivo
383
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
para acesso à internet móvel (pen), que lhe garante o acesso à Internet em
qualquer zona geográfica do país (com cobertura de rede).
Como vimos, a quase totalidade dos inquiridos (10 indivíduos) admite
que têm competências médias/razoáveis de utilização dos computadores
e da Internet, porém relativamente à frequência do acesso à Internet, 7
inquiridos acedem “algumas vezes por semana”, enquanto 4, fazem-no
“diariamente”. Na nossa perspetiva, existirem apenas 4 indivíduos com a
prática de acesso diário à Internet, acaba, atualmente, por representar um
dado ligeiramente preocupante. No entanto, pensamos que isso se deve
essencialmente à falta de hábito, pois alguns destes estudantes-estagiários,
apenas neste último ano da sua licenciatura, estabeleceram práticas mais
frequentes de acesso à Internet, devido à necessidade de trabalho na
Moodle e de comunicação com a supervisora de estágio.
Os dados demostram também que ainda existe um desconhecimento
quase generalizado das potencialidades das TIC em contexto de sala de
aula, sendo ainda complexo para estes estudantes-estagiários pensarem em
atividades/estratégias que possam ser dinamizadas com recurso às mesmas.
Porém, esta dificuldade é ainda mais acentuada, quando percebemos que
as escolas onde estes estudantes-estagiários desenvolveram a sua prática
pedagógica, também não apresentam condições para que tal ocorra (uma
das escolas não tem tomadas elétricas em algumas salas e as turmas são
numerosas – 37 a 40 alunos - o espaço de sala de aula é exiguo).
Quando nos referimos à necessidade de realizar alterações nas
metodologias de ensino e de aprendizagem, assentes na introdução de
tecnologias educativas, não podemos deixar de destacar que o ritmo da sua
introdução depende muito de instituição para instituição, atendendo a que
cada uma tem subjacente uma filosofia de educação, muitas vezes vinculada
a raízes culturais, económicas e sociais, muito próprias e específicas do país
a que pertence.
384
Supervisão Pedagógica
Referências bibliográficas
Miranda, L.; Morais, C. & Dias, P. (2005). Estilos de aprendizagem em
ambiente online. In Bento Silva & Leandro Almeida (Coords.), Actas do VIII
Congresso Galaico Português de Psicopedagogia, pp. 1897-1912. Braga:
CIEd/IEP/UM.
Santos, A., M. & Gomes, M. J. (2012, Novembro). Relação dos
estagiários e seus orientadores com as TIC: um estudo realizado no ano
lectivo 2011/2012 no Departamento de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade de Cabo Verde. In Atas do II Congresso Internacional TIC e
Educação, Lisboa, pp.902-920. Acedido em http://ticeduca.ie.ul.pt/atas/
pdf/349.pdf
Simões, A. M. V. (2007). Formação, desenvolvimento profissional
e aprendizagem ao longo da vida: que desafio para as escolas e para os
professores em contextos de mudança? In Flores, M., A. & Viana, I., C.
Profissionalismo docente em transição: as identidades dos professores em
tempos de mudança. Braga: Centro de Investigação em Educação (pp. 9408).
385
PRÁTICAS DE SUPERVISÃO DE ESTÁGIO, NA PERSPETIVA DE
EDUCAÇÃO COMPARADA: DUAS EXPERIÊNCIAS ENVOLVENDO
A UNI-CV E A UCP
Adriana Mendonça1; Sílvia Maria Castro Fortes Cardoso
Universidade de Cabo Verde; Universidade Católica Portuguesa
[email protected]; [email protected]
1 Este trabalho é financiado através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia – Programa Ciência
Global – Referência: SFRH / BD / 51465 / 2011
Supervisão Pedagógica
Resumo
Neste artigo, procuramos interpretar e partilhar duas experiências
de realização de estágios pedagógicos na área de Ciências da Educação,
nos cursos de Licenciatura em Ciências da Educação (Universidade de Cabo
Verde) e Mestrado em Ensino de Informática (Universidade Católica Portuguesa), na perspetiva de educação comparada. Do ponto de vista metodológico, apoiamo-nos na observação e análise, recorremos a notas de
campo com a descrição das experiências vividas. Destas, concentramo-nos
nas atividades e comportamentos manifestos e observados enquanto supervisoras pedagógicas. Da nossa análise, percebemos que, apesar das
diferenças evidentes, as práticas supervisoras de estágio, nos dois cursos
são substanciais semelhanças. Mas têm particularidades interessantes do
ponto de vista da formação de professores. A experiência portuguesa revelou-se mais complexa e metodologicamente mais exigente para professor e
alunos. Isto, provavelmente por se tratar de níveis académicos diferentes.
Contudo a exigência e a taxa de esforço colocada no Mestrado em Ensino
de Informática, não seria de todo descabida se aplicada à Licenciatura em
Ciências da Educação, contribuindo para o aprofundamento da formação
ministrada neste âmbito.
Palavras-chave: supervisão pedagógica; formação de professores;
estágio pedagógico e profissionalizante; Ciências da Educação; ensino de
Informática.
Abstract
In this paper, we interpret and share two experiences of conducting
teaching practice in the area of Education, on the courses of Science in
387
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Education (Cabo Verde University) and a Master in Computer Teaching
(Portuguese Catholic University), by a comparative education perspective.
From the methodological point of view, we rely on the observation and
analysis, we used the field notes describing the experiences. From these
experiments, we focused on activities and behaviors manifest and observed
while teaching supervisors. From our analysis, we realized that despite the
obvious differences, the supervisory practices of stage in the two courses
have substantial similarities as well as interesting peculiarities in terms of
teacher training and professional education. The Portuguese experience
proved more complex and methodologically more demanding for teachers
and students. This is probably because it was different academic levels.
However the requirement and the rate of stress placed on the Masters in
Education would not at all unreasonable if applied to the course of Science
in Education, contributing to the deepening of the training in this area.
Keywords: pedagogical supervision; teacher training; educational
training; education sciences; teaching Informatics.
INTRODUÇÃO
A formação e o desenvolvimento profissional do professor
pressupõem uma complexidade de situações e experiências de formação
e atuação profissional onde, de forma gradual, evolutiva e processual, o
professor adquire competências múltiplas e multifacetadas especializandose, numa perspetiva de formação ao longo da vida.
Este processo desenha um desenvolvimento profissional, que se
pretende contínuo e sistemático e que envolve distintos níveis de realização:
a formação inicial, a iniciação/indução, o desenvolvimento profissional
permanente (Flores, 2000), ou de formação contínua (Marcelo, 1994),
interativa, acumulativa e integrativa de uma variedade de formatos (Fullan,
1987, cit. in Marcelo 1994).
388
Supervisão Pedagógica
A primeira carateriza-se pela apropriação de competências
fundamentais ao exercício profissional e à sua experimentação em situação
de estágio. Para Ribeiro (1993, p.8) “o sentido fundamental da formação
inicial reside em preparar o futuro professor para desempenhar a sua função
e para continuar a desenvolver-se no entendimento e na prática de ensino”.
A segunda pela socialização profissional na procura de ajustamento,
marcado pela melhoria e aprofundamento dos conhecimentos e
competências. Acontece durante o período da indução que decorre
num espaço de 3 a 5 anos (Flores, 2000). Neste período, processa-se
“a aprendizagem do papel institucional na perspetiva da socialização
organizacional, que permite ao neófito integrar-se no contexto profissional,
na medida em que compreende os valores, o conhecimento e o
comportamento associados a determinada profissão e/ou organização”
(ibidem, p. 45).
A terceira, na perspetiva de formação ao longo da vida, envolve
a atividade de aprendizagem profissional contínua, pela expansão
das competências existentes, ajustamentos e apropriação de novas
competências face aos desafios do desenvolvimento integral dos sistemas
de ensino e educação.
Nessa trajetória o professor mune-se de conhecimentos científicos
e técnicos, ajusta atitudes e valores, devendo expressar competências
científicas, técnicas e relacionais no seu quadro de referências profissionais.
Assim sendo, “ a competência profissional do professor exige a promoção
de uma articulação entre a teoria e a prática de ensino” (Flores, 2000, p. 44),
para que o professor em formação possa tornar-se competente e realizado,
pessoal e profissionalmente.
Assim se justifica a supervisão pedagógica na formação e
acompanhamento do profissional docente, como um elemento fundamental
no processo de construção e experimentação das competências
profissionais, com particular enfase na formação inicial dos professores.
389
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Assim, pareceu-nos pertinente partilhar, aqui, a nossa experiência sobre
esta matéria na aprendizagem profissional (supervisão), que pressupõe uma
prática docente acompanhada, ou supervisionada, onde um “professor, em
princípio, mais experiente e mais informado, orienta um outro professor
ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional”
(Alarcão & Tavares 2003, p.16).
A supervisão de qualquer atividade e, especificamente, a supervisão
da prática atividade, envolve, no nosso entender, uma responsabilidade
muito grande, atendendo a que dela poderão resultar mudanças nas
práticas dos indivíduos supervisionados, que poderão ser determinantes
para o exercício da sua futura profissão e consequente construção do
mesmo, enquanto pessoa e profissional.
Para tanto, o supervisor deve munir-se de um conjunto de
competências específicas que o permitam desempenhar com sucesso este
desiderato, dada a responsabilidade de orientação do professor na linha
de um desempenho de qualidade associadas à integração dos indivíduos e
ao seu sucesso educativo, e a responsabilidade que acarreta o facto de se
colocar na posição de orientar alguém, supostamente com necessidades de
formação e acompanhamento na construção da sua profissionalidade.
Para Alarcão (1996, p. 126), o supervisor é um “facilitador, criador
e dinamizador de contextos da aprendizagem e confiante em que os
professores têm potencialidades para aprender, para se desenvolverem,
para continuarem a sua qualificação, precisando para isso apenas de
contextos favoráveis, de apoios e desafios”. No contexto de realização dos
estágios pedagógicos, Pacheco (1995), apela à importância deste referindo
que,
“apesar de muitas críticas organizacionais, o estágio surge como uma
etapa fundamental da aprendizagem profissional de um professor,
tornando-se necessário não só problematizar o fim último das aulas
assistidas, que são vistas como sendo mais para os observadores do
390
Supervisão Pedagógica
que para os alunos, como também equacionar a compartimentação
que existe, no modelo integrado, entre ciências da especialidade/
ciências da educação, entre universidade/escola e entre teoria/
prática” (idem, 1995, p.190).
A supervisão é importante na formação do estudante professor/
estagiário, que, com base nas orientações e acompanhamento das mesmas,
gere as práticas pedagógicas, aperfeiçoando-as. Vieira (2010, p.36) considera
que “o apoio do supervisor no questionamento da prática do estagiário,
assim como o desenho e análise de práticas alternativas, é necessário a
uma experimentação fundamentada e orientada para a qualidade das
aprendizagens”.
Apesar da multiplicidade de definições que existem, podemos
resumir a supervisão pedagógica numa estratégia de formação envolvendo
o supervisor e o supervisionado, numa relação de acompanhamento, ajuda,
cooperação e superação, que se desenvolve num clima relacional positivo,
num processo que se pretende aberto do ponto de vista metodológico
(Vieira, 2010). Neste processo, o supervisor possui uma função globalizadora
do conhecimento, através da integração das diferentes componentes
curriculares e o supervisionado deve ter uma postura recetiva, interativa,
proativa e dialogante, para se permitir aprender e desenvolver as suas
competências.
Nesta comunicação referimos a supervisão pedagógica associada
às experiências pessoais, na Universidade Católica de Braga (UCP) e na
Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), para fomentar debate e construção
académica em torno do tema, na expetativa da partilha e influência mútuo
nos processos de melhoria das mesmas práticas. Tivemos como base
metodológica a observação e análise, ancoradas na investigação qualitativa.
391
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
O MÉTODO
A investigação científica requer, que o investigador se aproprie e
manipule um conjunto de princípios que o orientam e garantam a validade
da informação e consequente estudo. Pardal & Correia (1995) afirmam
que, para toda a investigação é necessário um método que não é mais
que uma caraterização do percurso adequado ao objeto de estudo e
que assume caráter científico quando as opções feitas são devidamente
sustentadas evidenciando uma correlação explicativa entre a teoria e a
prática.
Neste estudo, pretendemos provocar a reflexão sobre as experiências
e as expetativas vividas, com base no conhecimento organizado dos pontos
de vista teórico e prático na supervisão pedagógica. Assim, procurámos
conhecer as situações vivenciadas por nós, nos dois espaços de realizações,
relações e emoções, buscando, na organização do nosso vivido, retirar
contributos com sentidos e significados para consolidar a nossa experiências
e o equacionamento de soluções de mudança.
De muitas resoluções metodológicas decidimo-nos pela abordagem
qualitativa, procurando apreender os percursos e seus significados na
especificidade de cada situação e comparativamente. Assim, propomo-nos a
compreender as ocorrências, induzindo novas formas de estar e instituindo
novas formas de agir e agindo em harmonia com os nossos interesses
(Almeida & Freire, 2000) e normas institucionais.
O acompanhamento da experiência na Uni-CV foi feito com estagiários
da licenciatura em Ciências da Educação – Percurso de Desenvolvimento
Pessoal e Social, numa das escolas secundárias da cidade da Praia. Quanto à
experiência, baseou-se na supervisão das Práticas de Ensino Supervisionadas,
em Braga e em Sta. Maria dos estagiários em turmas constituídas por alunos
do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário Profissional.
As observações foram realizadas pela supervisora de estágio (Uni392
Supervisão Pedagógica
CV) e orientadora científica (UCP). A primeira participou da observação nos
dois espaços, nas perspetivas de observação participante e não participante
(Estrela, 1994). No processo, conforme sugerido por Vilelas (2009), teve-se
como referencial da observação o lugar, as pessoas, a ação e a descoberta.
Esta foi sempre acompanhada de registo de conversas informais e notas de
campo (Carmo & Ferreira, 2008). Este estudo integra-se num doutoramento
na Universidade do Minho sob o tema “Contributos das TIC e dos ambientes
online para a formação de professores em Cabo Verde: um projeto de
investigação- ação na Uni-CV”.
ANÁLISE CONCLUSIVA
Pensamos que o modelo de gestão pedagógica e da sua supervisão,
nas práticas de ensino supervisionadas da UCP é interessante para a
prática da Uni-CV, em aspetos, como sejam: a planificação realizada em
colaboração com o supervisor pedagógico (no caso da Uni-CV orientador),
para posterior disponibilização à supervisora científica, uma semana
antes da aula assistida; a participação em todas as atividades/reuniões do
grupo disciplinar; a integração de atividades propostas pelos estagiários
e destinadas à comunidade educativa no plano de atividades da escola; a
elaboração de um relatório de progresso, de forma a partilhar e discutir
as práticas dos estagiários durante o estágio nas escolas; flexibilização na
organização dos elementos integrantes de um plano de aula; a nível da
prática pedagógica (trabalho com os alunos na sala de aula); a permanente
aplicação de um instrumento para avaliação dos alunos, a criação de uma
ficha de atividades para cada aula, para ser disponibilizada aos alunos que
acabam por realizar as tarefas mais rapidamente do que os outros, de forma
a mantê-los interessados e ocupados, evitando distrações.
Também, e em resposta a elementos de avaliação formativa contínua
implementados pela UCP nos estágios, deve-se questionar, nas práticas da
393
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Uni-CV, a introdução de um “relatório de progresso”, que, tanto permite
monitorar as práticas e sistematizar a experiência no sentido da reflexão e
consequente evolução, como a avaliação intermédia dando lugar a possíveis
ajustes e, não menos importante, permite os estagiários organizarem-se,
esclarecendo muitas das dúvidas que surgem, não as deixando para o final
do processo (como acontece na Uni-CV), acarretando muitas ansiedades
por parte dos seus orientadores e dos próprios estagiários.
Quando à organização e planificação do estágio, da parte da UCP, há
uma elaboração prévia do plano de estágio, exequível face às possibilidades
contextuais e devidamente concebido em matéria de planeamento e
planificação, tendo como pano de fundo a cultura colaborativa de partilha e
construção no núcleo de estágio (estagiários e supervisores/orientadores),
bem como uma planificação das atividades de ensino. Assim, consolidamse as intenções para a ação, permitindo o aprofundamento de conceitos,
bem como uma melhor gestão do tempo e das atividades previstas. Esta
perspetiva também seria interessante para a experiência da Uni-CV.
Da gestão curricular pelos estagiários, há uma grande diferença de
método e diversidade do trabalho em sala de aula, em que na experiência da
UCP ressalta-se a facilidade criada para o acesso ao moodle pelos alunos em
geral, para beneficiar dos recursos disponibilizados nas atividades de aula,
bem como interagir com professor e colegas, de entre outros conteúdos,
sendo frequentemente utilizado e com bastante entusiasmo por estes;
a projeção do estágio antevendo oportunidades letivas e não letivas de
intervenção no contexto de estágio; as dinâmicas construídas pelos projetos
de complemento curricular e de formação da comunidade escolar.
Da orientação/supervisão, destaca-se que a qualidade da relação
científica e relacional entre orientadores e estagiários tem bastante peso na
supervisão da UCP, sendo, neste caso, facilitador do processo de estágio onde
é fundamental o acompanhamento permanente do estagiário dos pontos
de vista teórico e prático; o modelo de acompanhamento relaciona a teoria,
394
Supervisão Pedagógica
a metodologia e a prática pedagógica que sai reforçada da apresentação
dos relatórios por parte da UCP; a autonomia do estagiário e a “intervenção
cirúrgica” dos orientadores.
Da experiência da Uni-CV, registámos a dificuldade de conciliar
as planificações com a programação da própria disciplina e/ou com as
orientações que, por vezes são facultadas pelo supervisor.
Das duas experiências, vimos fragilidades pedagógicas dos
estagiários, que se prenderam com o articular de significados e sentidos
dos conteúdos teóricos da ação pedagógica com a ação letiva e não letiva,
ou seja, de contextualizar e usar assertivamente e não intuitivamente
os conceitos teóricos pedagógicos envolvidos na sua conduta da ação
educativa. Naturalmente, porque os estagiários estarão a ensaiar a entrada
em cena pedagógica, falta-lhes a visão de conjunto que, entretanto, vão
desenvolvendo durante o processo.
Ainda, na perspetiva de reciprocidade de influências positivas
da organização dos estágios pedagógicos em análise, existe diferença
substancial em recursos físicos, materiais, conhecimentos tecnológicos dos
estagiários e orientadores, e a organização geral do estágio pedagógico,
a desfavor da Uni-CV e associado às condições existentes na Escola
Caboverdiana, que contamos vir a ser superado com o desenvolvimento do
Programa tecnológico “Mundo Novu”, que prevê os petrechos da mesma
para uma educação renovada, reforçada e ajustada às perspetiva da inclusão
e da globalização. Ficamos a aguardar a boa nova.
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396
O ACOMPANHAMENTO CIENTÍFICO E TÉCNICO-PEDAGÓGICO
DO PROJETO TURMAMAIS. IMPACTO NAS ESCOLAS
Isabel Fialho; Ana Maria Cristóvão; Hélio Salgueiro; Marília Cid
Universidade de Évora
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
O Projeto TurmaMais constitui um projeto inovador centrado na
escola, assente em pressupostos de eficácia e orientado para a melhoria.
É assumido como um projeto das escolas, de natureza flexível e aberta,
cuja implementação e desenvolvimento têm sido acompanhados de
forma sistemática por equipas de apoio externo criadas para o efeito. O
clima de proximidade entre as escolas e as equipas de apoio, a abertura
e disponibilidade, a vontade das escolas em experienciar novas formas
organizacionais e pedagógicas têm sido o motor das mudanças na cultura
da escola, visíveis no crescimento das taxas de sucesso e na diminuição
do abandono escolar. O presente texto aborda a metodologia usada no
apoio/acompanhamento do projeto TurmaMais, que acontece de forma
contextualizada próxima, regular e horizontal e se desenvolve a dois níveis
(técnico-pedagógico e científico), sendo concretizado por duas equipas
que desempenham funções distintas mas complementares e articuladas.
Também evidenciamos o impacto desse acompanhamento, através de
diversos testemunhos.
Palavras-chave: Projeto TurmaMais; acompanhamento técnicopedagógico; acompanhamento científico; impacto.
Abstract
The Project TurmaMais is an innovative project focused on schools,
based on assumptions of efficiency and targeted for improvement; it is
assumed as a project of the schools, with a flexible and open nature, which
implementation and development have been systematically backed up by
external teams. The climate of closeness between schools and support
teams, the openness and availability and the willingness of schools to
experience new organizational and teaching forms have been the heart
of the change in the schools culture, noticeable by the growing rates of
398
Supervisão Pedagógica
success and dropout decline. This paper discusses the methodology used in
the support/monitoring of the TurmaMais project, which takes place on a
regular basis, in a contextualized, horizontal and close way and is developed
on two levels (technical-scientific and pedagogical), implemented by two
teams that play distinct but complementary and articulated roles. Also
showed the impact of this support/monitoring, through various testimonies.
Keywords: TurmaMais project; technical-pedagogical monitoring;
scientific monitoring, impact.
APOIAR A MUDANÇA NAS ESCOLAS
O Projeto TurmaMais (PTM) foi lançado em 2009 pelo Ministério
da Educação (ME), de Portugal, integrado num programa de combate ao
insucesso escolar no ensino básico - Programa Mais Sucesso Escolar (PMSE)
que visa apoiar o desenvolvimento de projetos de escola. No ano letivo
de 2009-2010, o PTM funcionou em 67 escolas, em 2010-2011, em 63 e
em 2011-2012, em 59 escolas que se encontram distribuídas por diversas
regiões de Portugal continental. O Projeto TurmaMais tem como principal
objetivo criar condições organizacionais e pedagógicas que levem à melhoria
efetiva das aprendizagens e dos resultados escolares dos alunos, apostando
na prevenção do insucesso e abandono escolares. Assenta em pressupostos
do movimento das escolas eficazes (Fialho, 2012) e valoriza a interação com
centros de investigação e universidades para reforço da credibilidade e da
confiança social perante a comunidade educativa (Verdasca, 2011, p.35).
A investigação mostra-nos que a inovação centrada na escola é a que
melhor pode contribuir para a mudança efetiva e que os serviços de apoio
externo, a consultoria ou o acompanhamento são fatores potenciadores da
melhoria. A implementação do Programa Mais Sucesso Escolar - TurmaMais
(PMSE-TM) nas escolas é acompanhada por equipas de docentes que
disponibilizam apoio científico e pedagógico em áreas consideradas
399
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
prioritárias para garantir que as escolas alcancem as metas de sucesso
contratualizadas com o Ministério da Educação.
O projeto TurmaMais tem sido acompanhado de forma sistemática
por duas equipas externas com funções distintas mas complementares
e articuladas que, através de diversas modalidades de apoio (técnicopedagógico e científico), contribuem para o desenvolvimento de
competências e de capacidades internas geradoras de mudança. Este
acompanhamento decorre de forma contextualizada próxima, regular
e horizontal, num processo de construção da mudança “nos” e “com” os
professores, tendo em conta as necessidades, a autonomia e a maturidade
organizacional de cada escola.
O acompanhamento/apoio técnico-pedagógico é assegurado por
dois professores com um conhecimento aprofundado do projeto, com
origem na escola onde este foi criado, a Escola Secundária Rainha Santa
Isabel de Estremoz. Esta proximidade tem sido fundamental pois os
professores podem partilhar problemas, e em conjunto encontrar soluções
para a melhoria organizacional de cada escola. Esta equipa desenvolve
duas modalidades de acompanhamento/apoio: presencial e à distância. O
acompanhamento/ apoio presencial concretiza-se em reuniões ordinárias
(com o diretor, os coordenadores do projeto na escola e os professores)
realizadas em todas as escolas, ao longo do ano letivo (geralmente duas
por ano); reuniões extraordinárias nas escolas que revelam dificuldades em
atingirem as metam contratualizadas e cinco reuniões de encerramento
do ano letivo que reúnem as escolas de cada uma das Direções Regionais
de Educação. Os temas debatidos nas reuniões ordinárias são diversos,
procuram sempre ir ao encontro das necessidades das escolas, numa lógica
de criar desafios e de promover o debate para que cada escola trilhe os seus
próprios caminhos em função da sua realidade concreta.
As reuniões regionais de final de ano promovem o benchmarking,
servem para as escolas fazerem o balanço do ano, partilhar materiais e
400
Supervisão Pedagógica
experiências e para debater propostas de trabalho a desenvolver no ano
letivo seguinte.
O acompanhamento à distância é realizado por e-mail, telefone
e envio regular de cartas com recomendações, sugestões e palavras de
incentivo. Estas cartas são, na opinião das escolas, um elemento importante
no apoio e acompanhamento, constituem um estímulo ao trabalho dos
docentes, ajudam a alimentar o debate e a reflexão iniciada nas reuniões
ordinárias.
O Acompanhamento Científico é da responsabilidade de uma equipa
de professores/investigadores do Centro de Investigação em Educação e
Psicologia da Universidade de Évora (CIEP-UE). A sinergia entre esta equipa
e a equipa que apoia as escolas no terreno permite o desenvolvimento de
um trabalho centrado nas reais necessidades dos professores do PTM. No
âmbito do acompanhamento/apoio científico são desenvolvidas diversas
ações: realização de eventos científicos (seminários nacionais e encontros
regionais) com o objetivo de criar momentos de debate, reflexão e partilha
entre professores e entre estes e especialistas de reconhecido mérito
em áreas significativas para o PTM; dinamização de formação em áreas
consideradas prioritárias pelos professores, de que são exemplos: 1) a
avaliação na lógica do ciclo de estudos, a monitorização de resultados e
a definição de metas de sucesso; 2) a avaliação formativa; 3) o trabalho
colaborativo entre os docentes e a reflexão partilhada sobre a prática;
4) o envolvimento das famílias no percurso escolar dos educandos; 5) a
diferenciação pedagógica.
ÁREAS DE INTERVENÇÃO DO PROJETO TURMAMAIS E IMPACTO NAS
ESCOLAS
Para uma melhor compreensão das áreas de intervenção do PTM e
do impacto nas escolas, recorremos aos testemunhos de diversos atores
401
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
organizacionais. O melhor reconhecimento do trabalho desenvolvido
pelas equipas de acompanhamento/apoio é o que nos chega através
dos testemunhos de quem diariamente vivencia nas escolas o Projeto
TurmaMais. São essas vozes que nos fazem acreditar que este projeto está
a fazer uma “revolução” silenciosa nas escolas, está a romper com práticas
rotineiras e a fazer emergir novas dinâmicas de trabalho.
Foi no sentido de se criar uma profunda reflexão no interior das escolas
com o Projeto TurmaMais, sobre o modo como se poderia operacionalizar a
avaliação segundo a lógica do ciclo de estudos, que estas foram incentivadas
a desenvolver processos sistemáticos de monitorização das aprendizagens
dos alunos. Esta era uma necessidade que se impunha às escolas com o
PTM que contratualizaram com o Ministério da Educação taxas crescentes
de sucesso escolar (Fialho, 2012). O uso sistemático da monitorização de
resultados tem-se traduzido na introdução de uma lógica de análise de
progressão controlada por ciclo de estudos, diferente da lógica que tem
como mero fim a retenção ou progressão do aluno, no final do ano letivo
(Favinha, Silvestre & Magro-C, 2011).
A monitorização sistemática é reconhecida por diversos investigadores
como um dos fatores de eficácia com maior impacto nos resultados escolares
dos alunos. Com efeito, a monitorização constante das dificuldades e
necessidades que os alunos manifestam ao longo do seu percurso escolar
evita o impacto cumulativo de acontecimentos negativos resultantes da não
satisfação dessas necessidades e/ou não superação dessas dificuldades. A
contratualização das metas de sucesso, se por um lado responsabiliza as
escolas pela prestação de contas, por outro, focaliza as escolas em objetivos
concretos, gerando no seu interior dinâmicas mobilizadoras de práticas
inovadoras, capazes de gerar atitudes positivas dos professores em relação
aos alunos e expectativas elevadas relativamente às suas capacidades de
aprendizagem, provocando ganhos em termos de rendimento escolar
(Fialho, 2012). São vários os testemunhos de professores que dão conta do
402
Supervisão Pedagógica
modo com as escolas se foram apropriando destes pressupostos:
“(…) no final do terceiro período, deu-se um “terramoto pedagógico”,
com a chegada de uma das mais pertinentes “cartas à escola”,(…)
sobre a importância da monitorização dos resultados e da avaliação
à luz da lógica de ciclo. A esta distância, pensamos que esta carta
constituiu um momento de viragem, um ponto de não retorno, em
relação à forma como a maior parte do corpo docente encarava a
avaliação no final do ano letivo e, em consequência, a retenção ou
transição dos alunos. As “ondas de choque” prolongar-se-iam no ano
seguinte…
(…) a monitorização dos resultados escolares permite aos professores,
alunos e encarregados de educação acompanharem melhor o nível
das aprendizagens realizadas e por realizar, sabermos onde estamos
e onde queremos chegar, numa perspetiva de avaliação continuada,
à luz da lógica de avaliação de ciclo.
(…) decidimos estender algumas das práticas pedagógicas,
nomeadamente, a monitorização dos resultados escolares, a todos
os anos do 3º ciclo e, a título experimental, a duas turmas do 2º ciclo.
(…) discutimos nos órgãos e estruturas de gestão pedagógica as
metas de sucesso a alcançar (no âmbito do PMSE-TM e do 20/15),
confrontando com os resultados estabelecidos.” (Campos, Lisboa &
Lamela, 2011)
Num outro testemunho, Lemos, Cartaxo e Gomes (2011) sublinham
o papel da monitorização mas também das metas de sucesso, enquanto
estratégias de responsabilização e compromisso:
“(…) foram, então, desencadeados processos de monitorização
dos resultados escolares dos alunos que permitiram uma análise
sistemática dos mesmos e uma intervenção atempada.
403
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Procedeu-se, assim, à recolha regular de dados quantitativos relativos
ao desempenho de cada aluno nas diversas disciplinas, fez-se a sua
análise e estabeleceram-se, com os próprios alunos, metas para o
sucesso, responsabilizando-os pela melhoria dos seus resultados.”
Ao longo do Projeto, a avaliação formativa surge de forma recorrente
como uma área de intervenção prioritária, que exige reconceptualização de
práticas de avaliação no sentido de conduzir à apropriação de uma “avaliação
formativa alternativa” (Fernandes, 2011), intrinsecamente articulada com
os processos de aprendizagem e de ensino, utilizada de forma deliberada,
sistemática e contínua, recorrendo a uma diversidade de processos de
recolha de informação, em que os alunos são chamados a participar,
nomeadamente através da autoavaliação; os professores distribuem
regularmente feedback a todos os alunos e o seu poder de avaliar é
partilhado com outros intervenientes. Os testemunhos seguintes constituem
exemplos desta mudança paradigmática na avaliação das aprendizagens em
sala de aula - Uma das práticas que evoluiu com o Projeto TurmaMais foi a
criação e utilização de instrumentos de trabalho, desenvolvidos no âmbito
de uma avaliação formativa, orientados para ajudar o aluno a participar
na sua avaliação e a melhorar as suas aprendizagens. (Lemos, Cartaxo &
Gomes, 2011); a chamada de atenção para a realização de tarefas de caráter
formativo, que permitam ao professor orientar e regular o processo ensinoaprendizagem, identificar dificuldades, corrigir e indicar um caminho a
seguir, ou seja, intervir atempadamente (Campos, Lisboa & Lamela, 2011).
O trabalho colaborativo e a reflexão partilhada sobre a prática
docente impõem a constituição de equipas educativas e o reforço das
lideranças intermédias. Os conselhos de turma são espaço privilegiado para
o planeamento das atividades educativas de acordo com as características
do grupo de alunos, reflexão sobre a prática e sobre os desempenhos e
resultados dos alunos e resolução de problemas que emergem no dia-a-dia.
O testemunho de Campos, Lisboa & Lamela (2011) reconhece a necessidade
404
Supervisão Pedagógica
de constituição de equipas educativas que reforcem o trabalho colaborativo
e que façam da análise e resolução dos problemas dos alunos o principal
foco da sua ação. Duarte (2001) relata que a necessidade de melhoria dos
resultados escolares, juntamente com a descoberta de novas perspetivas
acerca da partilha da informação vieram, assim, despoletar uma atitude
reflexiva sobre práticas. Também Lemos, Cartaxo & Gomes (2011) sublinham
que a oportunidade de trabalhar em parceria pedagógica, (…) permitiu aos
professores inovar, diversificar estratégias, monitorizar resultados e dar
um apoio mais individualizado aos seus discentes, concorrendo para uma
melhoria da qualidade do processo de ensino/ aprendizagem.
Outra das áreas de intervenção foi a promoção do envolvimento das
famílias na vida escolar dos seus educandos. A investigação evidencia que
o envolvimento dos pais favorece o sucesso escolar, sendo a cooperação
escola-família, apontada como um dos fatores das escolas eficazes
(Hallinger & Murphy, 1986). Os testemunhos seguintes evidenciam a
consciencialização desta necessidade: quando incentivados a participar
de forma ativa os pais fazem-no de forma tão mais empenhada quanto
mais concretos forem os objetivos a atingir (Vasconcelos, Freitas e Teixeira,
2011); a partilha da informação contribui para a aproximação entre alunos,
professores e pais, corresponsabilizando-os relativamente aos resultados
escolares e permitindo a todos dar o seu contributo para a tão desejada
melhoria das aprendizagens (Duarte, 2011).
A escola confronta-se com a necessidade de se reorganizar para vencer
o desafio de acolher todas as crianças e jovens, desenvolver o currículo
nacional e assegurar a diferenciação pedagógica (Formosinho & Machado,
2011). A diferenciação pedagógica requer a utilização de práticas educativas
flexíveis proporcionando a “todos os alunos um ensino de qualidade,
dinâmico e útil” (Correia, 2005, p. 41), atendendo às suas características,
interesses e estilos de aprendizagem. A este propósito, Duarte (2011) dános um testemunho interessante, que começa:
405
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
“Era uma vez uma escola igual a tantas outras, onde os alunos eram
todos diferentes e as aulas eram todas iguais. (…) Porém, um dia,
nessa escola, os professores decidiram que, se os alunos eram todos
diferentes, as aulas não podiam continuar a ser todas iguais.
(…) o simples facto de existir um espaço onde pudéssemos diversificar
as estratégias e onde o ensino pudesse ser mais individualizado e
adequado ao perfil dos alunos parecia ser a solução por que todos
ansiávamos.”
Lemos, Cartaxo e Gomes (2011) sublinham que a oportunidade de
trabalhar em parceria pedagógica, de lecionar em grupos de alunos com
níveis de desempenho equivalentes e de ter um número reduzido de
alunos por turma permitiu aos professores inovar, diversificar estratégias,
monitorizar resultados e dar um apoio mais individualizado aos seus
discentes, concorrendo para uma melhoria da qualidade do processo de
ensino/aprendizagem.
REFLEXÃO FINAL
É nossa convicção que as mudanças educativas que visam ter
incidência real na vida da escola, terão de ser geradas a partir do seu interior.
As equipas de acompanhamento/apoio têm desenvolvido a sua ação no
sentido de capacitar as escolas para a mudança e melhoria, incidindo nas
dimensões organizacional e pedagógica com o objetivo de implicar os
professores na (re)construção de uma nova cultura de escola, sustentada
na análise reflexiva dos processos de organização e gestão e das práticas em
sala de aula.
O clima de proximidade entre as escolas e as equipas de apoio, a
abertura e disponibilidade, a vontade das escolas em experienciar novas
formas organizacionais e pedagógicas têm sido o motor das mudanças
406
Supervisão Pedagógica
na cultura da escola, visíveis no crescimento das taxas de sucesso e na
diminuição do abandono escolar. Os professores que participaram no
Projeto TurmaMais reconhecem essas mudanças: o Projeto cumpriu a
sua missão, tendo-se tornado aquilo que todos os projetos devem ser, um
exemplo de boas práticas. Temos a esperança de poder contribuir, com a
nossa experiência (…), para que outros tenham sucesso. Criando ambição
onde existia resignação. (Chico e Saúde, 2011). Independentemente dos
resultados finais, da obtenção ou não da meta contratualizada, acreditamos
que o PMSE-TM trouxe mais-valias para o futuro que são irreversíveis
(Campos, Lisboa & Lamela, 2011). O Projeto TurmaMais tem sido um grande
desafio para os professores, implicando muito empenho e alterações na sua
prática profissional (Lemos, Cartaxo & Gomes).
Todos os testemunhos apresentados são importantes indicadores
de impacto do Projeto TurmaMais que configuram processos de melhoria
estimulados e apoiados pelas equipas de acompanhamento, são o resultado
de um percurso que as escolas têm vindo a fazer, com mais ou menos
sucesso, com mais ou menos resistências, não são acontecimentos pontuais
mas antes fruto de uma grande caminhada.
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409
Supervisão do estágio na formação de futuros
professores no ensino secundário cabo-verdiano
Isabel Salomé de Lima; bAna Isabel Andrade; cNilza Costa
a
a
Escola Secundária Abílio Duarte; bcUniversidade de Aveiro
[email protected]; [email protected]; [email protected]
Supervisão Pedagógica
Resumo
O Estágio Pedagógico é a parte do processo de formação do futuro
professor, com início no contexto real da prática profissional docente. Tratase de uma fase em que a supervisão ocupa o epicentro do processo formativo,
ou seja, traduz-se em um momento importante de acompanhamento,
orientação e reflexão que, permitindo dotar o formando de competências
necessárias ao seu desenvolvimento pessoal e profissional, capacita-o para
enfrentar com sucesso os desafios inerentes aos contextos educativos da
actualidade, os quais decorrem das exigências colocadas pela sociedade
contemporânea, em constante transformação. Entre os diversos e mais
importantes factores condicionantes do sucesso do Estágio Pedagógico,
destaca-se a forma como o mesmo se encontra estruturado e organizado.
Através deste artigo, inserido num projecto mais vasto de doutoramento
em Didáctica e Formação área da Supervisão da Universidade de Aveiro,
pretende-se apresentar os resultados de um questionário aplicado a 10
supervisores e um outro a 19 orientadores de Estágio Pedagógico dos cursos
de História, Filosofia e Geografia dos anos lectivos 2007 a 2010, no Ensino
Secundário cabo-verdiano. A partir da análise dos dados de caracterização
da organização e do funcionamento do Estágio Pedagógico, procura-se
identificar e debater propostas que visem contribuir para a sua melhoria,
tendo em atenção as recomendações constantes da literatura especializada,
sem prejuízo da sua adequação à realidade do país.
Palavras-chave: formação inicial de professores; estágio pedagógico;
supervisão.
411
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Résumé
Le Stage Pédagogique est la partie du processus de formation du futur
professeur, qui a lieu dans le contexte réel de la pratique professionnelle
de l’enseignant Il s’agît d’une phase dans laquelle la supervision occupe
le centre du processus de la formation. C’est-à-dire qu’il constitue un
moment important d’accompagnement, d’orientation et de réflexion,
permettant au futur professeur d’acquérir les compétences nécessaires
à son développement personnel et professionnel, en le rendant capable
d’affronter avec succès les défis inhérents aux contextes éducatifs
actuels, lesquels découlent des exigences de la société contemporaine
qui se trouve en transformation constante. Parmi les plus divers et plus
importants facteurs qui conditionnent son succès, il faut souligner la
manière dont le Stage Pédagogique se trouve structuré et organisé. Avec
cette communication, intégrée dans un projet plus vaste et insérée dans le
cadre du programme de formation doctorale en Didactique et Formation,
section de la Supervision de l’Université d’Aveiro, on voudrait présenter les
résultats d’un questionnaire appliqué à 10 superviseurs scientifiques et à 19
superviseurs du Stage Pédagogique des formations en Histoire, Philosophie
et Géographie des années scolaires de 2007 à 2010 dans l’enseignement
secondaire capverdien. À partir de l’analyse des données de caractérisation
de l’organisation et du fonctionnement du Stage Pédagogique, on cherche à
identifier et à débattre les propositions qui contribuent à son amélioration,
en tenant en compte des recommandations constantes de la littérature
spécialisée, sans porte préjudice à son adéquation à la réalité du pays.
Mots clés: formation de professeurs; stage pédagogique; supervision.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
No actual mundo dinâmico e impulsivo, é patente a inquietação,
412
Supervisão Pedagógica
um pouco por todo o lado, relativamente à problemática da qualidade
educacional, com particular enfoque na qualidade do processo de ensino/
aprendizagem em que o ofício do professor se traduz no alargamento de
novas responsabilidades e na assunção de papéis diferenciados.
Como escreve Hargreaves (1998), estamos num período em que
“filosófica e ideologicamente, os avanços nas telecomunicações, a par da
disseminação mais rápida e mais lata da informação, estão a fazer com que
as velhas certezas ideológicas percam reputação” (p. 10). Tal afirmação
pressupõe que a formação de professores habilitados a responder às novas
exigências da profissão em cenários do imprevisível e da ambiguidade exige
uma formação ao longo da vida, devendo sair da instituição formadora
motivados para a “aprendizagem contínua, confiantes nas suas capacidades
e, com ajuda adequada, capazes de estabelecer e conseguir atingir as suas
próprias metas de aprendizagem” (Eraut, 2005, p. 10).
Assim, a formação inicial de professores é vista como “início,
institucionalmente enquadrado e formal, de um processo de preparação
e desenvolvimento da pessoa, em ordem ao desempenho e realização
profissional numa escola ao serviço de uma sociedade historicamente
situada” (Estrela, 2002, p. 18). Nesta óptica, percebe-se que esta etapa de
formação prepara o professor apenas para a entrada na profissão. Tal como
se lê no Relatório da Unesco sobre a Educação para o Século XXI, nenhuma
formação basta para toda a vida, pois a permanente transformação da
sociedade actual exige uma continuada mudança de saberes (Delors, et al.,
2005).
Perrenoud (1993), nesta perspectiva, sublinha que “a formação
deixou de ser normalizada” e que “já não pretende dar resposta certa para
cada situação-tipo, mas sim, dar recursos com vista a analisar e a enfrentar
uma grande variedade de situações”.
Neste âmbito, o estágio pedagógico (EP), na formação do professor,
tem sido encarado como um espaço-tempo decisivo, devidamente
413
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
articulado com a escola onde se realiza e a instituição superior que o
organiza, constituindo-se num processo fundamental na construção das
bases essenciais ao desenvolvimento pessoal e profissional do formando
(Formosinho, 2009), de modo a que possam estar preparados para lidar
com os problemas da docência hoje.
A supervisão na formação deve ser entendida como sendo “um
processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais
informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu
desenvolvimento humano e profissional” (Alarcão e Tavares, 2007, p. 16).
Depreende-se desta asserção que a acção supervisiva ocorre num tempo
continuado, o que justifica a sua definição como processo, tendo ainda
como objectivo o desenvolvimento humano e profissional do professor,
por um lado, e, por outro, situa-se no âmbito da orientação de uma acção
profissional, o que justifica também a sua designação de orientação da
prática pedagógica.
Aos supervisores/orientadores é, assim, exigida a capacidade de
passar do nível da observação da realidade para a sua compreensão mais
profunda, o que pressupõe serem profissionais capazes de valorizar as
tentativas de aprendizagem, mesmo que tendencialmente erróneas do
futuro professor, e pô-las ao serviço do seu desenvolvimento, incentivando
a reflexão na e sobre a sua acção (Alarcão 1996). Porque só assim os
professores poderão corrigir, melhorar as suas práticas, promover o sucesso
educativo dos seus alunos e do seu próprio sucesso profissional. Estes
tornar-se-ão nesta linha, “agente de mudança de si próprio, dos outros e
da sociedade” (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996, p. 94). A supervisão do EP
deve, nesta linha, processar-se num clima de mútua colaboração e ajuda
entre os vários actores envolvidos, de modo a que se desenrole com base
numa atitude de permanente diálogo. Nesta linha, Alarcão e Tavares (2007)
pressupõem profissionais qualificados, para garantia de uma formação
sustentada e de qualidade.
414
Supervisão Pedagógica
PROCEDIMENTOS NA RECOLHA E TRATAMENTO DOS DADOS
Neste texto, delineamos os seguintes objectivos: a)caracterizar a
organização e o funcionamento do estágio pedagógico na formação dos
futuros professores para o ES cabo-verdiano; b) referenciar as necessidades
de melhoria da organização e do funcionamento do estágio pedagógico;
c) sugerir propostas de melhoria à luz dos resultados de investigação
concernentes à problemática da formação de professores, sem prejuízo da
sua adequação à realidade do país.
Para atingir esses objectivos, recorremos a dados sobre a organização
e funcionamento do EP de um questionário dirigido a 10 supervisores e um
outro a 19 orientadores que supervisionaram o Estágio Pedagógico dos
cursos de Geografia, História e Filosofia referentes aos anos lectivos de 2007
– 2010.
Para análise e tratamento dos dados contidos nos questionários
recorreu-se ao programa de análise de conteúdo WebQDA (Souza, F., et al
2011), para às questões abertas, e o programa estatística SPSS (Maroco,
2003), para as questões fechadas.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Os dados revelaram que os supervisores são licenciados na área
de ensino. Em termos de formação pós-graduada, apenas um estava a
frequentar o doutoramento, mas 70,0% detinha o grau de mestrado; 20,0%
estava ainda a frequentar esse nível e os restantes conservavam o grau de
licenciatura. Contudo, importa referir que as formações pós-graduadas e as
em curso nada têm a ver com áreas de especialização do ramo de ensino
e/ou de educação. Em relação aos orientadores, todos possuíam o grau de
licenciatura, se bem que a formação de um deles não correspondesse à
área na qual orientou o estágio. No que concerne à pós-graduação, apenas
415
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
um orientador se encontrava a frequentar o curso de mestrado, igualmente
sem qualquer ligação com a área de ensino e/ou educação.
Tanto os supervisores como os orientadores afirmaram que antes do
exercício das funções de supervisão já haviam exercido outras, sobretudo
ao nível do Ensino Secundário. Outra coincidência tem a ver com o percurso
profissional em que, pelos dados analisados, os elementos de ambos os
grupos, antes de exerceram as funções de supervisão, na sua maioria,
tinham lecionado nos diferentes níveis de ensino em Cabo Verde, com
maior destaque no secundário.
No exercício das funções de supervisão, 50,0% dos supervisores
afirmou ter um ano de experiência; 20,0% cinco anos; 10,0% menos de
um ano, enquanto que os restantes, na razão de 10,0% não responderam à
questão. Verificou-se ainda que 52.6% dos orientadores possuía apenas um
ano de experiência; 36,8% dois anos, enquanto que 5,3% apresentava três
anos e os restantes (5,3%) cinco anos.
Em relação ao arranque do estágio, verificou-se que tanto os
supervisores como os orientadores iniciaram essa fase no primeiro semestre
relativo aos anos lectivos 2007 a 2010, conforme previsto no Regulamento
de Estágio (RE) então em vigor, se bem que em datas diferentes, já que
50,0% dos supervisores respondeu ter iniciado o estágio no primeiro
trimestre e os restantes no início do segundo trimestre. Dos orientadores,
42,1% afirmou ter iniciado o seu estágio no primeiro trimestre e 57,9% no
início do segundo trimestre.
Pode-se aferir que, na maioria dos casos, a duração do estágio
não correspondeu ao tempo estabelecido no regulamento então vigente
(duração de um ano letivo). Esta constatação foi confirmada com as
respostas dos supervisores, porquanto, 70,0%, respondeu que o mesmo
durou seis meses; 20,0%, oito meses e 10,0%, sete meses. No que concerne
aos orientadores, 5,3%, respondeu que durou três meses, 52,6% seis meses,
5,3% oito meses e 36,8% nove meses.
416
Supervisão Pedagógica
Tendo sido questionados quanto à suficiência do período de tempo
disponível para a formação dos estagiários, 70% dos supervisores respondeu
que sim e 30%, respondeu que não. Já em relação aos orientadores, 52,6%
respondeu que sim, 26,3%, disse não e 21,1% não respondeu. Desafiados
a justificar as suas opiniões, conseguimos registar um número bastante
significativo de respostas. Da análise dessas respostas, tanto em relação às
matrizes de respostas afirmativas quanto negativas, é possível identificar
duas opiniões de natureza distinta no tocante ao tempo disponível à
formação dos estagiários.
Dos que responderam afirmativamente, viu-se que alguns acreditavam
na exequibilidade desse tempo, sob a condição de o estágio se realizar logo
no princípio do ano lectivo (supervisor); ou seja, o estágio deve decorrer
durante o ano lectivo completo e de preferência, com cada estagiário numa
turma (orientador). Nessa mesma categoria houve quem acredita que seis
meses seria o tempo mais do que suficiente, argumentando que quem
em seis meses não mostrar qualidades nem competências para leccionar,
dificilmente as mostrará em mais tempo. (orientador); na medida em que
um estagiário empenhado, consegue em 6 meses de trabalho sair com um
conhecimento científico-pedagógico mínimo que lhe ajudará no exercício
da sua futura função (supervisor).
Na opinião dos que integram as matrizes de respostas negativas, um
trimestre constitui um lapso de tempo bastante exíguo para a adaptação
do estagiário à nova realidade (supervisor); pois, os alunos vêm sem
experiência, por isso é necessário tempo suficiente para adaptarem à
realidade da profissão (orientador). Outrossim, consideraram seis meses
um período de tempo insuficiente para colmatar todos os constrangimentos
eventualmente surgidos na decorrência dessa actividade, pelo que o estágio
deveria ter a duração de um ano (supervisor); sendo que um semestre
traz muitas limitações no sentido de apoiar os estagiários que precisam
de um maior acompanhamento a fim de colmatar as suas necessidades.
417
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
(orientador).
Quanto ao número de núcleos por supervisores, os dados permitiramnos aferir que 80,0% dos inquiridos trabalharam cada um com dois núcleos
e 20,0% com três, o que, de certa forma se harmoniza com o RE da época:
um máximo de três núcleos por cada supervisor.
No tocante ao número de estagiários por núcleo, é de realçar que
cada orientador não poderia ter a seu cargo mais do que cinco estagiários,
conforme o RE então em vigor. Porém, excepcionalmente, esse número
poderia ser elevado para oito, mediante acordo entre a Direção-geral do
Ensino e a instituição de formação, de acordo com o Dec. Lei nº23/96. Desta
forma, o número de estagiários por núcleo estaria conforme o estabelecido
no RE, sendo que: 80,0% dos supervisores dispunha de núcleos de cinco
estagiários; 10,0% com quatro e 10,0% com sete. Quanto aos orientadores,
57,9% dispunha de núcleos com cinco estagiários, 26% com quatro e 15,8%
com seis.
Em relação ao número de turmas por núcleo, 30,0% dos supervisores
respondeu que os núcleos eram constituídos por seis turmas; 20,0%, por
cinco; 10,0%, por quatro; 10,0%, por três e 10,0%, por uma. Quanto aos
orientadores, 36,8%, respondeu que o núcleo possuía duas turmas, 31,6%,
três, 26,3%, cinco e 5,3%, por uma, com afectação direta nos números de
aulas, que oscilam entre 15 a 33 por cada estagiário.
Aos supervisores pediu-se ainda opinião sobre quantas vezes um
supervisor devia ir à escola onde decorre o estágio, tendo a análise dos
dados demonstrado que 70,0% respondeu quantas vezes forem necessárias;
20,0% duas vezes por semana e 10,0% sempre que possível.
As opiniões apresentadas a fim de justificarem as suas respostas
são divergentes e, para as analisar, criamos duas categorias: a) revela
conhecimento de suas funções enquanto supervisores; b) não revela
conhecimento de suas funções enquanto supervisores.
418
Supervisão Pedagógica
Na primeira categoria, foram incluídas as matrizes em que os
inqueridos dão a entender conhecimento muito próximo daquilo que
estipula o RE então em vigor, no que tange à forma de actuação do supervisor,
por exemplo: As visitas devem ser ajustadas de acordo com as necessidades
de cada estagiário e de questões muito específicas que aparecem ao
longo do processo; nessa mesma categoria inclui-se uma matriz um pouco
diferente, segundo a qual, para além de supervisor o docente lecciona outra
cadeira e, assim, o tempo fica limitado para as actividades do estágio. Este
supervisor deixa uma opinião muito clara sobre o assunto, ao demonstrar
conhecimento de suas funções. Contudo, relativamente às outras funções
anteriormente assumidas na instituição, aliadas às novas surgidas
posteriormente aquando da realização do estágio, o mesmo qualifica como
um factor do incumprimento daquilo que é estabelecido no RE em vigor.
Na segunda categoria, foram incluídas as matrizes em que os inquiridos
evidenciam desconhecer as funções do supervisor no RE, então em vigor,
por exemplo: Estando o estagiário sob a responsabilidade do orientador, o
supervisor deve ir de vez enquanto.
Sobre a participação dos supervisores em reuniões de planificação
do EP, verificou-se pela análise dos dados que 60% participava; e 40% não
participava.
Quanto ao número de aulas dos estagiários assistidas pelos
supervisores, 31,6% dos orientadores afirmou que o supervisor assistiu 10
a 13 aulas de cada estagiário;21% 2 a 5 aulas, igualmente 21% 6 a 9 aulas e
15, 8% com menor ou igual a 16 aulas.
Ante este cenário, parece haver uma discrepância entre o exercício
prático da supervisão do estágio, no terreno, e aquilo que o então RE
estabelecia, segundo o qual, o supervisor devia observar as aulas de cada
estagiário em número mínimo de 15, com vista à recolha de informações
relativamente aos objectivos traçados nos encontros de pré-observação.
Em relação à formação específica para exercer a função de
419
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
supervisor, pela análise dos dados 90,0% respondeu não ter tido qualquer
tipo de preparação para o efeito. Só um respondeu possuir tal formação,
apontando o próprio estágio pedagógico efetuado aquando da licenciatura
como competência para o exercício da mesma função. Dos orientadores
89,5% respondeu não ter tido qualquer formação específica. Apenas 10,5%
respondeu que sim, referenciando a sua formação em ensino.
CONCLUSÃO
Os resultados a que chegamos no contexto deste estudo, elucidamnos, com a relativa clareza, que os inquiridos são conhecedores da realidade
dos contextos onde os estágios eram realizados.
Contudo, os resultados desafiam-nos a repensar o programa de
organização e funcionamento das actividades do estágio. Com efeito podese concluir pela situação de alguma perturbação da boa operacionalização
do processo de estágio marcado por uma duração insuficiente, tendo havido
mesmo casos de uso inferior a 50% do tempo estabelecido no RE, então em
vigor .
Também, parece haver um relativo desconhecimento daquilo que é,
à luz do pensamento actual, a verdadeira função da supervisão na formação
dos futuros professores. A Uni-CV deve desempenhar um importante papel
na formação dos professores que já exercem as funções de supervisão/
orientação, ou que desejam vir a exercê-las, designadamente através
de workshops ou mesmo criação de cursos de pós-graduação na área de
supervisão em prol da qualidade da formação dos professores.
420
Supervisão Pedagógica
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421
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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Documento Legislativo
Decreto Lei nº23/96 de 22 de Julho
422
TIC na educação
“INTERAÇÃO” EM AMBIENTES VIRTUAIS DE ENSINO E
APRENDIZAGEM: QUE MODELO DE INTERAÇÃO SERVE
MELHOR A FORMAÇÃO A DISTÂNCIA?
Maria da Luz Correia; Maria Luísa Inocêncio
Universidade de Cabo Verde
[email protected]; [email protected]
TIC na Educação
Resumo
No âmbito da monitorização de um curso do campus virtual da UniCV, iniciado em Março de 2013, o Núcleo de Apoio ao Ensino a Distância
tem dado especial atenção às questões operativas das representações
dos participantes sobre “interação” no ambiente virtual de ensino e
aprendizagem. Os resultados da análise exploratória das declarações e
das atuações de formadores e formandos seguem a tendência assinalada
noutras investigações sobre modelos de formação de formadores e práticas
de ensino em ambientes virtuais de ensino e aprendizagem. A análise
das declarações - respostas a um questionário, apreciações e justificação
de atuações em entrevista, registos eletrónicos de apreciações dos
formandos - evidencia a polissemia do termo “interação” e a existência de
concepções antagónicas de ensino e de aprendizagem vinculadas, por um
lado, ao modelo de ensino transmissivo e, por outro lado, a um modelo de
ensino baseado na concepção construtivista sociocultural do ensino e da
aprendizagem. As conclusões do estudo exploratório serão um contributo
para a requalificação pedagógica e tecnológica da equipa docente do curso.
Palavras-chave: interação; interatividade; modelo de ensino de
orientação construtivista sociocultural; aprendizagem de qualidade.
Résumé
Au cours d’un monitorage du champ virtuel de l’Université du Cap Vert,
commencé en mars 2013, l’équipe de support à la Formation à Distance,
est en train d’analyser des questions opératives des représentations que les
participants ont sur « interaction » dans un milieu virtuel d’enseignement
et d’apprentissage. Les résultats de l’analyse exploratoire des déclarations
et des actuations des formateurs et des apprenants suivent la tendance
425
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
identifiée chez d’autres investigations. L’analyse des déclarations –
des réponses au questionnaire, des appréciations et des justifications
de l’actuation (interviews), des enregistrements électroniques des
appréciations des apprenants – met en évidence la polysémie du terme
“interaction” et l’existence de conceptions antagoniques de l’enseignement
et de l’apprentissage liées au modèle d’enseignement transmissif et à
un modèle de l’enseignement basé sur une conception constructiviste
socioculturel de l’enseignement et de l’apprentissage. Les conclusions de
l’étude exploratoire seront un apport à la requalification pédagogique et
technologique de l’équipe d’enseignants du cours.
Mots-clés: interaction; interactivité; modèle d’enseignement
d’orientation constructiviste socioculturel; apprentissage de qualité.
INTRODUÇÃO
O Núcleo de Apoio ao Ensino a Distância - NaEaD da Universidade de
Cabo Verde partilha as conclusões de um estudo exploratório realizado no
acompanhamento do primeiro -Curso de Complemento Pedagógico - CCPL da
Licenciatura, em e-learning. As questões operativas das representações dos
participantes sobre “interação” no processo de ensino e aprendizagem têm
merecido especial atenção pelo potencial que representam na construção
do modelo pedagógico institucional. A adopção de um modelo de e-learning
parte de dois pressupostos: (i) os ambientes e-learning possibilitam novas
formas de ensinar e aprender; e (ii) a adopção de uma concepção de ensino
e aprendizagem sócio-construtivista melhora o potencial dos ambientes
e-learning institucionais para multiplicarem o aprendido fora da formação.
Compete ao docente a tarefa de conceber as actividades, acompanhar,
orientar as discussões e definir as normas de participação (Moreira, Pedro
e Santos, 2009).
426
TIC na Educação
1. QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
A interação e o envolvimento na construção colaborativa de
conhecimento são elementos que têm vindo a destronar as estratégias
de mero consumo ou transmissão de conteúdos distribuídos na Internet.
A abordagem sócio-construtivista do conhecimento está a transformar
as tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em Tecnologias de
Interação/Integração Cognitiva (Moreira, Pedro e Santos, 2009). Vários
estudos (mencionados em Moreira, Pedro e Santos, 2009) destacam
elementos como o controlo e a autonomia do aprendente no processo
de aprendizagem, os elementos relacionados com a interação e mostram
que a qualidade da interação é directamente responsável pelo aumento da
motivação dos aprendentes.
Abordamos a questão das concepções dos docentes sobre interação
recorrendo à tipologia de dimensões da atuação docente (Mercer, 1998: 84).
As dimensões e atuações dos professores estão associadas a determinadas
concepções sobre o papel do professor e do aluno. Seleccionámos um
conjunto de quatro dimensões. A dimensão I - “a aprendizagem é um
processo individual versus processo social e comunicativo”- permite
interpretar a maneira como os professores justificam, por exemplo, a
organização das actividades de aprendizagem em que os alunos trabalham
juntos e partilham responsabilidades. A dimensão II - “o conhecimento deve
ser transmitido pelo professor ou encontrado pelo aluno individual versus
deve ser construído conjuntamente”- permite interpretar a maneira como os
docentes justificam o uso de recapitulações e reformulações da informação
apresentada pelos alunos. A dimensão IV - “completar a tarefa é prioritário
versus o processo de aprendizagem é prioritário” -permite interpretar a
justificação que o professor dá para interromper as actividades com a revisão
dos progressos dos alunos, porque atribui uma importância fundamental
à qualidade do processo de aprendizagem. Finalmente, a dimensão V “aprender é uma responsabilidade do aluno versus pode ser estimulada
427
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
pelo professor” - refere-se a atuações que consideram a utilização dos erros
como elemento de uma estratégia de revisão do percurso de aprendizagem
dos alunos para ajudá-los a reconstruir conhecimento.
A importância das interacções orientadas para o desenvolvimento
de processos colaborativos em ambientes virtuais de aprendizagem para
a promoção das actividades de participação, partilha e colaboração estão
profundamente associadas aos contextos de aprendizagem (Dias, 2009). Na
investigação sobre participação, entendida como interação entre colegas
e o professor, destacamos que a participação tem um efeito positivo
na percepção que os alunos formam da aprendizagem e na qualidade
da avaliação das tarefas, e favorece a redução das taxas de reprovação
(Hrastinski, 2008). O ensino, na epistemologia construtivista sociocultural,
é um processo de adaptação da ajuda à medida das necessidades que o
professor vai detectando (Coll, 2001, in Coll, Mauri e Onrubia, 2006). Um
dos principais elementos da ajuda consiste em guiar o formando num duplo
processo de construção: (i) a construção de significados sobre os novos
conteúdos, com progressiva atribuição de sentido; e (ii) a construção de
uma representação adequada das tarefas de aprendizagem (a interpretação
que o formando faz das instruções da tarefa). Ambos os processos de
construção têm avanços e recuos, pelo que o professor deve ir ajustando o
grau e o tipo de ajuda (Coll, 2007).
2. METODOLOGIA
No quadro teórico exposto, a unidade de análise é a actividade
conjunta. Consideramos indicadores objectivos (registos electrónicos
na plataforma Moodle) e indicadores subjectivos (as declarações dos
estudantes relativas à actividade de ensino e aprendizagem na primeira
metade do semestre 1 do curso). Foram considerados os indicadores
electrónicos da atuação dos docentes.
428
TIC na Educação
2.1. Perguntas que orientaram a pesquisa
O conteúdo das perguntas reporta-se ao período compreendido
entre o início do curso, em 25 de Março, e o dia 31 de Maio.
Perguntas:(1) Como os estudantes descrevem a interação ocorrida
durante a atividade nas quatro disciplinas?; (2) Como os estudantes
apreciam a interação durante a atividade nas quatro disciplinas?; (3) Quais
são os elementos que os estudantes explicitam sobre o que entendem por
“interação” no CCPL?; (4) Quais são os indicadores electrónicos da interação
na comunidade virtual de cada disciplina?; (5) Quais são os indicadores da
interação exterior à atividade virtual?
2.2. Abordagem metodológica
A opção metodológica para o estudo de caso é qualitativa, com
tratamento quantitativo sempre que o objectivo da investigação o justifique.
Adopta-se uma perspectiva situada e da interatividade, bem como a
perspectiva fenomenológica (elementos subjectivos das declarações dos
participantes). A triangulação dos dados visa alcançar a convergência de
duas ou mais fontes independentes (Yin, 2006).
Os 8 participantes (30%) são estudantes (E1,…, E8) do CCPL;
25%-homens e 75%-mulheres. O CCPL é o primeiro curso da iniciativa
da UNI-CV realizado em e-learning; o semestre 1 tem quatro unidades
curriculares e quatro docentes das disciplinas (“D1”, “D2”, “D3” e“D4”).
Instrumentos para a recolha de dados: (i) um questionário para os
estudantes em formato electrónico e um guião para as entrevistas semiestruturadas com três componentes -Parte A (tipo de interação com
os outros participantes no CCPL); Parte B (interação do estudante com
os recursos); e Parte C (grau de satisfação sobre a interação em cada
429
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
disciplina). O guião das entrevistas aos estudantes visa recolher declarações
complementares às respostas ao questionário. A recolha de dados decorreu
no período compreendido entre 23 e 31 de Maio (questionários) e de 31 de
Maio a 14 de Junho (entrevistas).
3. Resultados
A apresentação dos resultados da recolha de dados segue as
perguntas orientadoras (P).(P1) Na descrição da interação com os docentes,
os estudantes pediram esclarecimentos: 37,5% a 50% sobre questões
técnicas, via e-mail pessoal; 62,5% a 75% (D2, D4) sobre questões técnicas,
via e-mail de estudante; 12,5% (D1) a 25% (D2, D3) ao formador sobre a
disciplina (como fazer os trabalhos, prazos de entrega,…) via e-mail pessoal;
12,5% (D1) a 25% (D2, D3) ao formador sobre a disciplina (como fazer os
trabalhos,…) via e-mail de estudante.
Os estudantes responderam a perguntas da Coordenação do NaEaD
- 37,5% (D1), 12,5% (D3) -,do formador - 62,5% (D2, D3) - 50% (D1) e 37,5%
(D4).
Os estudantes tomaram a iniciativa de: comunicar com outro colega
do CCPL sobre a atividade via e-mail pessoal e via e-mail de estudante: entre
12,5% e 25%.
(P2)Apreciação da interação com os docentes -Ex.: “O professor
de (D1) é o que mais gera interação, envolve mais as pessoas” (E19); “A
única experiência de interação é nos Fóruns de (D1), permite criar temas
e faz muitos comentários, o que é bom” (E12); “Os docentes que menos
interagem com os alunos são de (D2) e de (D4). Este, por exemplo, não diz se
os trabalhos estão bem” (E19); “A interacção com os docentes, à excepção
da docente da disciplina (D1), não favoreceu tanto. Não houve grande
interacção” (E7); “O professor de (D2) dá algum feedback e o de (D3) é o que
430
TIC na Educação
menos reage aos trabalhos”; “na disciplina (D4) estou bastante insatisfeita,
a interacção professor-aluno é praticamente nula”(E15); “Na disciplina (D4)
foi mais complicado. Escrevi-lhe um e-mail, mas nunca me respondeu. Tive
que pedir ajuda à Directora do Núcleo” (E18).
Interação com os colegas - Ex.: “a interacção entre colegas foi muito
boa. Somos 5 colegas na Escola e aproveitamos para trocar e debater ideias,
tiramos dúvidas umas às outras” (E7); “Em relação à interacção entre
colegas, tive a sorte de trabalhar com colegas no mesmo local. Partilhamos
dúvidas, questões” (E18); “A interacção com os colegas é muito pouca ou
quase inexistente. Há alguma interacção com os colegas nos fóruns de (D1)”
(E19).
Interação com os recursos do repositório em cada disciplina:
- Declarações descritivas: consultaram recursos do repositório do
docente da disciplina: 100% (D1, D2); 87,5% (D3 e D4); descarregaram
recursos do repositório criado pelo docente da disciplina: 87,5% (D1,
D2); 75% (D3) e 62,5% (D4); consultaram recursos (vídeos, páginas web)
exteriores à Moodle da Uni-CV, através de links: 50% (D1), 37,5% (D4) e 25%
(D2).
- Declarações de apreciação. Ex.: “Ler textos e fazer trabalhos, ler, ler
e fazer trabalhos. Sentiu-se que faltava qualquer coisa. Embora no que toca
a (D1), o professor disponibilizou alguns vídeos” (E7); “Os alunos fogem à
leitura dos textos exigidos pelos professores porque têm preguiça” (E12);
“Considero o material disponibilizado pelos docentes como ponto de partida
para a realização de outras pesquisas. Estimula a busca e a investigação.
Eu aprendi bastante, estou contente”(E18); “O professor de (D3) recorreu
muito ao texto, é cansativo” (E18); “sinto que aprendo coisas novas, pois
estes conteúdos incentivam-me a pesquisar mais e consequentemente
acaba-se por aprender mais” (E19).
- Interação com as ferramentas Moodle. Ex.: “o problema dos alunos
431
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
desde o início esteve ligado à inscrição nas disciplinas” (E1); “o pouco que
sei descobri sozinha; tenho enviado trabalhos por e-mail. Às vezes na minha
página não aparece a opção submeter ficheiro” (E12).
(P3) Identificámos elementos da definição geral e de interação em
situações concretas.
Definição - Ex.: “Interagir” é “contactar com os outros e com os
colegas” (E15); “Interacção é dar e receber” (E19); “A interacção varia
consoante a disciplina e a percepção de cada docente”(E18).
Interação no fórum virtual - Ex.: “Gostei do trabalho do resumo da
nossa participação no fórum na disciplina (D1). O professor faz comentários
às nossas contribuições, há realmente interacção” (E7); “Novo tema é
quando proponho um tema novo que me suscita alguma dúvida mas que
está no âmbito das temáticas” (E19).
Interação na dimensão avaliação da aprendizagem: Ex.:“Devia
haver avaliação dos trabalhos, não se sabe se estamos a corresponder às
expectativas” (E17); “Qualquer aluno precisa de feedback para melhorar e
eu quero aprender” (E12); “O retorno dos docentes, à excepção de (D1), é
muito pouco” (E19); (e-mail) “(D1) agradecida pela crítica construtiva sobre
o meu trabalho”(E12).
Mudanças na interação de docentes - Ex.: “O professor de (D4) dá
feedback aos trabalhos, mas antes não dava. Será que fizeram alguma
reunião chamando a atenção dos professores?” (E19); “O professor de (D4)
apenas atribui classificação aos trabalhos, sem qualquer comentário. E fez
isto só ultimamente. Devia haver avaliação dos trabalhos para saber se
estamos a corresponder às expectativas”(E7).
(P4) No fórum virtual das disciplinas (D2) e (D3) participaram
apenas estudantes e no fórum da disciplina (D4) não se registou qualquer
participação. No fórum da disciplina (D1) registaram-se 146 respostas, tendo
o docente realizado a abertura do fórum, com normas de participação; os
432
TIC na Educação
estudantes iniciaram 72,72% dos temas e contribuíram com 52,73% de
respostas.
(P5)Os indicadores identificados enquadram-se em duas
subcategorias da interação exterior à atividade virtual. (i) interação com
colegas de profissão (docentes) para preparar a participação nas atividades
virtuais de aprendizagem (Ex.:“Existe interacção com as três colegas” (E12);
(ii) interação prevista para favorecer a aprendizagem dos alunos próprios
na escola (Ex.: “Professor (D1), Achei excelente a sua sugestão, será possível
ultrapassar certas dificuldades e motivar o aluno” (E7).
5. Discussão e conclusões
A representação de “interação” pelos estudantes incide em “dar e
receber”. As apreciações das formas concretas de interação e de atuação
docente são relacionadas com o feedback para aprender. Dimensões
da interação identificadas: (i) a dimensão interação no ambiente virtual
da formação entre docente-estudante-conteúdo de aprendizagem; (ii)
a dimensão interação no exterior, preparatória da atividade virtual
(aprendizagem entre estudantes); (iii) a dimensão interação na formação
virtual projectada para a interação na atividade profissional (escola),
quando o estudante-professor transfere as suas aprendizagens para
favorecer a aprendizagem dos seus alunos. As dimensões (ii) e (iii) parecem
ter boas potencialidades para expandir a influência educativa em contextos
exteriores ao contexto virtual da formação. Estes resultados contribuem
para repensar os modelos de avaliação online de duas formas: focalizando
os feedbacks dos docentes às atividades dos formandos para promover
aprendizagens significativas e redireccionando o foco para as práticas de
ensino que favorecem interacções em que os formandos são co-construtores
de conhecimento.
433
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Referências bibliográficas
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434
Nativos Digitais: Atreve-te a empreender1
Karine P. de Souza; Bento Silva
Universidade do Minho
[email protected]; [email protected]
1 Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia
no âmbito do projecto PEst-OE/CED/UI1661/2011 do CIEd.
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Este artigo pretende apresentar as caraterísticas da geração digital,
chamada de geração de nativos digitais, abordando as tendências da
sociedade em rede e da necessidade de formações empreendedoras por
meio das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Apesar
dessa nova cibercultura, em que jovens encontram uma nova forma de se
expressar e criar, ainda existe uma grande carência de formações para que
essas tecnologias ressoem novas práticas sociais. Para tanto, descrevemos
um recorte do estudo da pesquisa de doutoramento, com uso de um recurso
didático inovador, Projeto Agentes Digitais, ação sobre Empreendedorismo
Digital, com atividades para o desenvolvimento de competências que visam
o empreendedorismo e a integração de tecnologias educativas, que foi
desenvolvido com Escola Secundária Carlos Amarante em Braga - Portugal.
O estudo parte da compreensão teórica do mundo digital e da geração
de nativos digitais para descrever um projeto sobre como educar nessa
modernidade.
Palavras-chave: Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação –
TDIC; empreendedorismo; nativos digitais.
Abstract
This article aims to present the characteristics of the digital generation,
called a generation of digital natives, addressing the trends in network society
and the need for entrepreneurial training by means of Digital information
and Communication Technologies (TDIC). Despite this new cyberculture, in
which young people are in this networked society a new way to express
themselves and create, there is still a great lack of training for these new
social practices reverberate technologies. To this end, we describe a snip
436
TIC na Educação
of doctoral research study, using an innovative educational resource,
design Digital Agents, action on Digital Entrepreneurship, with activities
for the development of skills to entrepreneurship and the integration
of educational technology, which was developed with high school Carlos
Amarante in Braga-Portugal. The study of the theoretical understanding of
the digital worl and the generation of digital natives to describe a project on
how to educate this modernity.
Keywords: Digital information and Communication Technologies
(TDIC); entrepreneurship; digital natives.
introdução
Este texto busca uma compreensão da “Sociedade em Rede” (Castells,
2009) e as respetivas marcas comunicacionais do tempo que a identificam
– conectividade, mobilidade e ubiquidade – (Santaella, 2010), incidindo a
análise na geração que vive essa utopia de grande avanço tecnológico e na
abordagem das competências necessárias para a formação dessa geração
que apelidamos de nativos digitais, adotando a terminologia prenskiana
(Prensky, 2001).
No entanto, quando pesquisamos sobre o estado do mundo digital,
encontramos um grande fosso entre continentes, países e mesmo fortes
divisões internas dentro de cada país. Apesar de ser um desejo manifesto da
generalidade das populações que o direito à informação (acesso à Internet)
fosse acrescentado à Carta dos Direitos Humanos, o fato é que dos 7 bilhões
de habitantes do mundo em 2012, apenas 34,2% têm acesso Internet (World
Internet Usage, 2012)1.
O desafio presente neste estudo é compreender quem é essa nova
geração de nativos digitais e o que podemos fazer para apoiá-las com
1 Fonte: Internet World Stats (dados para 30 de junho de 2012) - http://www.internetworldstats.com/
stats.htm
437
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
formações que estejam adequadas ao tempo, para que possam atreverse a empreender em suas comunidades. Para tal, num primeiro momento
buscaremos fundamentação teórica sobre a geografia dos utilizadores da
Internet e caraterísticas da geração digital, para, num segundo momento,
apresentarmos um recorte do Projeto Agentes Digitais, e sua aplicação
junto de jovens portugueses.
QUEM SÃO OS NATIVOS DIGITAIS?
Na tentativa de compreender a geração digital, alguns autores como
Lafuente (2009), Maciel (2009) e Vee & Vraking (2009), apresentam-nos a
dinâmica geracional desde o final da 2ª guerra mundial, apontando para a
existência de quatro gerações, que representamos graficamente na figura 1.
Figura 1 - Gerações Digitais
De acordo com os autores referidos, a geração dos “Baby Boomers”
tem como caraterística principal a autoridade e a disciplina, muito marcada
pelo acontecimento da 2ª. Guerra Mundial. A “geração X”, décadas de
60 e 70 do século XX, é marcada pelo contato com a globalização, o uso
regular da televisão, o aumento do acesso a informação e diminuição do
grau de disciplina e autoridade, fortemente influenciada pelo movimento
da contracultura que grassou um pouco por todo o mundo, particularmente
no mundo de cultura ocidental (simbolizada na expressão “make love, not
war”). A terceira geração, denominada de Y, é marcada pela integração do
computador pessoal e da Internet no cotidiano dos jovens, ampliando a sua
438
TIC na Educação
capacidade de inovar através da sua energia e desenvoltura com os avanços
tecnológicos. A quarta geração surge na viragem do milénio (2000), face aos
rápidos e grandes avanços tecnológicos, nomeadamente dos dispositivos
da web 2.0 (blog, facebook, twiter, youtube…), e que é apelidada de “Homo
zappiens” (Vee & Vraking, 2009). Estaríamos perante uma geração Z que
dispõe de uma vasta quantidade de recursos, sendo atraída pelo desafio das
ferramentas da Web 2.0.
Esta divisão geracional não é estanque, nem quer dizer que todos
os jovens nascidos em determinada etapa cronológica tenham essas
caraterísticas geracionais, pois para isso, no que respeita às marcas digitais,
seria necessário que tivessem acesso e convivessem (imersivamente) com
as tecnologias e, como vimos, a exclusão digital ainda é muita elevada. Por
outro lado, como o nosso foco não será a nomenclatura da geração (X, Y ou
Z), utilizaremos a denominação mais ampla de nativos digitais, conforme faz
Prensky (2001), para os que nasceram com a tecnologia digital e o advento
da Internet, designando os antecedentes de Imigrantes Digitais.
Para ilustrar quem são e como vivem estes jovens (nativos digitais),
utilizaremos os dados de Cardoso, Espanha e Lapa (2009) que comentam
como jovens portugueses vivem em seu quarto de dormir, em como utilizam
tudo ao mesmo tempo (TV, rádio e a Internet).
Segundo o estudo dos autores, 86% dos jovens portugueses acede a
Internet de sua casa, 47,9% de um espaço escolar, com um tempo médio de
2 horas por dia, com uso maior no fim de semana. Os jovens que não acedem
a partir de casa fazem-no na Escola, que em Portugal tem contribuído para
esbater a divisão digital (Silva e Pereira 2011). O que também se constata
na pesquisa de Maciel (2009), realizada no Brasil, encontrando uma geração
constantemente conectada, por vezes impaciente e imediatista, possuidora
de planos de curto prazo e no viver agora. Outro autor que também carateriza
essa geração é Tapscott (2010), que ao entrevistar cerca de 10 mil jovens
constatou que desenvolveram novas formas de pensar, interagir, trabalhar
439
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
e socializar. O autor clarifica as seguintes atitudes e comportamentos dessa
geração:
Eles cresceram sendo atores, iniciadores, criadores, jogadores e
colaboradores (...) e situa as 8 normas dessa geração: “ 1) liberdade,
2) customização, 3) escrutínio, 4) integridade, 5) colaboração, 6)
entretenimento, 7) velocidade e 8) inovação (Tapscott , 2010, p.92).
Estes estudos referendam que os jovens socializados na Web 2.0
deixam de ser apenas consumidores para ser construtores, pois são
envolvidos no acesso e produção de conteúdos, de forma colaborativa. Para
tal, faz-se premente que os jovens desenvolvam as literacias necessárias
para atuar uma sociedade que vive na economia do conhecimento.
Diante de uma geração que dorme, acorda, vive constantemente
conectada e que está em feedback constante, troca conhecimentos online
com todo o mundo e quebra todas as barreiras, surgiu um dos nossos
desafios para o projeto: Como manter o diálogo intergeracional? Como
educar nessa modernidade?
Oliveira (2011), em sua tese de doutoramento, teoriza sobre um
aprendente cyborgue, sobre a necessidade de um contexto educacional
com novos espaços de aprendizagem, sejam eles híbridos, para promover
o uso de tecnologias móveis e ubíquas. Ancorados no desafio da inclusão
digital e do empreendedorismo com as TIC, apresentamos algumas
atividades desenvolvidas com jovens de uma escola pública de Portugal, no
Projeto Agentes Digitais, um dispositivo que visa a formação de jovens de
empreendedores.
Metodologia
A metodologia desta pesquisa integra os procedimentos da
investigação-ação da aplicação do projeto “Agentes Digitais” junto de jovens
440
TIC na Educação
portugueses, como já fora aplicado no Brasil (Fortaleza), no âmbito do
projeto de doutoramento da investigadora. Assim, este texto apresenta um
recorte do projeto desenvolvido em Portugal, ancorado na fundamentação
do mundo digital e do perfil da geração digital, tal como efetuamos nos
pontos anteriores.
Desta forma, entre outras técnicas, apresentamos alguns dos
resultados com base no diário de campo da pesquisadora e da análise das
atividades desenvolvidas pelos jovens portugueses da escola secundária.
Na apresentação e análise os resultados da aplicação do Projeto, tivemos
em vista compreender as ferramentas utilizadas pelos jovens portugueses e
suas potencialidades.
Resultados: um modelo de prática empreendedora
O projeto foi desenvolvido com 27 alunos, caraterizados como
Nativos Digitais, pois de acordo diagnóstico todos possuem acesso as TIC,
tanto em casa, como nas atividades escolares. Os alunos são de classes
sociais diversas, estudam numa Escola Secundária da região de Braga, da
rede pública no 12º ano, encontrando-se num processo de transição para
o mercado de trabalho.
A metodologia mobilizou resoluções de problemas e situações de
motivação para a superação da crise, pois os jovens da escola pública foram
desafiados a utilizar as TIC como uma nova forma para resolver problemas
sociais com ações empreendedoras.
No contexto dos princípios propostos pela Comissão das Comunidades
Europeias (CCE, 2012) sobre Educação Empreendedora, o projeto foi
desenhado e repensado para a realidade portuguesa. Em que o projecto
desenvolveu algumas ferramentas, compreendendo as caraterísticas dos
nativos digitais de Portugal.
441
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Como estratégia de finalização dos trabalhos foi desenvolvido um
seminário para apresentação das ideias, tendo os jovens apresentado os
projetos de empreendedorismo digital, promovendo a socialização para a
comunidades e empresários locais.
No intuito de aprofundar e compreender a transposição do objeto
de aprendizagem com o uso da Web 2.0, apresentamos o mapa analítico
que vincula os objetivos do projeto, as estratégias utilizadas e os projetos
desenvolvidos pelos jovens (cf. figura 2).
Figura 2- Mapa analítico da aplicação do Projeto
Com base na análise do mapa (figura 2) e da descriminação das ferramentas
utilizadas, à luz dos estudos de Lévy (2000) e O´Reilly (2005), observamos
que as atividades adequam-se ao perfil dos nativos digitais, fazem
aproveitamento da inteligência coletiva e utilizam a web como espaço
de convergência, as experiências surgem dos usuários tendo em vista
a colaboração em redes sociais. Nessa circunstância, rompeu-se com a
utilização de software como único dispositivo. As ferramentas utilizadas
caraterizam-se pela sua rapidez e possibilidade de colaboração, conforme o
exemplo do uso do Prezi, Facebook, Email, Mapas, Google drive, formulários
442
TIC na Educação
online, qrcode, respondendo à insígnia da geração de nativos digitais. O
uso da Web 2.0 teve a finalidade de trespassar de meros consumidores
de informação, para jovens construtores e inovadores com seus projetos
voltados para os problemas locais e com um propósito global. Nesse sentido,
a abordagem metodológica do projeto vai de encontro ao cenário que as
pessoas esperam poder trabalhar, aprender e estudar em qualquer lado e
a qualquer hora, porque as tecnologias móveis são cada vez mais “cloudbased” (Johnson et al., 2013), aumentando as possibilidades de acesso
à informação independentemente do dispositivo ou do local. O mundo
laboral está também cada vez mais colaborativo e conectado, mudando
consideravelmente a forma de como se trabalha, se organizam e estruturam
os espaços e os projetos.
Nos recortes do diário de campo destaca-se a importância de trabalhar
a temática, tendo os alunos relatado que passaram a repensar como as
tecnologias poderiam ajudar a melhorar a sua comunidade interligando-a
com o mundo2. Todo o material e as atividades foram voltadas para o uso
de ferramentas que já faziam parte do cotidiano dos alunos, o diferencial
da proposta metodológica tange em compreender as emergências que
envolvem as TIC, principalmente no mundo do trabalho, pois geram novas
oportunidades num cenário mais global, fazendo interagir o local no global,
aspeto que alguns autores designam pelo neologismo de glocalização
(Robertson, 1992), em que o local age como sendo os “nós” da Sociedade
em Rede.
O que podemos observar durante a aplicação do projeto foi que
os jovens aprenderam a estruturar uma ideia empreendedora, além
de potencializar uma caraterística dos nativos digitais, o trabalho em
equipe, tanto para a criação do projeto, como para avaliação do mesmo.
Essa abordagem aconteceu durante a atividade de Pitch Digital em que
aconteceram processos de apresentação, avaliação e autoavaliação das
ideias empreendedoras. Este processo dos jovens expressarem as suas
2 Estes depoimentos estão integrados no site do projeto. Cf. https://sites.google.com/site/geramovel
443
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
ideias faz com que repensem suas próprias práticas (Almeida & Valente,
2011). Também, Lopes (2009) releva a importância de agregar esse tipo de
atividade na Educação Empreendedora, como forma de não potencializar
a individualização, caraterística encontrada nos nativos digitais (Lafuente,
2009; Maciel, 2009).
Os jovens atreverem-se a empreender geraram novas oportunidades
em suas comunidades, como podemos exemplificar pelos projetos
gerados (cf. figura 2). Os projetos “Santo Estevão Innovation”, “Reciclasa”,
“Agrempréstimos” envolvem uma ação social digital; e os projetos
“Chinchon”, “JMJ Shirts”, “CarhomeWash” e “Hummel” envolvem negócios
digitais. Conforme depoimento de um jovem, sobre o Projeto CarhomeWash
“projeto como esse, com a utilização da Web, com a proximidade do serviço
a comunidade nunca foi visto em Braga”, vincando “a colaboração, a rapidez
na entrega e confiabilidade do serviço” e, deste modo, referendam a
vantagem de uma Web na proximidade às comunidades.
Tendo em vista as análises, ainda que preliminares do projeto,
destacamos que as práticas educativas podem promover uma interação
constante entre alunos e professores, a fim de privilegiar o diálogo, o
questionamento, a crítica, a criação, o aprender, o pensar, o empreender
e o inovar. Desta forma, os nativos digitais podem agir como agentes de
aprendizagem, capazes de empreender projetos inovadores com as TIC que
respondam a necessidades das suas comunidades.
Considerações finais
Alicerçado na implementação do projeto e na análise das políticas
de inclusão digital dos países pesquisados, Portugal e Brasil, podemos
constatar a relevância do projeto Agentes Digitais, tendo em vista uma
maior consciência das possibilidades que as tecnologias proporcionam ao
gerar novas realidades para os jovens nativos digitais, tornando-se criadores
444
TIC na Educação
de novas riquezas em suas comunidades, agregando valor aos projetos.
Destacamos, assim, que projetos desta natureza podem ser aplicados
em outros países da Comunidade Lusófona, nomeadamente em Cabo
Verde, tendo em vista aumentar o índice de inclusão digital dos países e
alavancar os programas de políticas públicas, como é exemplo o programa
“Mundu Novu”3 que possui no empreendedorismo um dos seus pilares,
possibilitando oportunidades de desenvolvimento digital e social dos seus
jovens nativos digitais.
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3 Em Cabo Verde, na mesma linha, podemos destacar o programa “Mundu Novu”, lançado em 2009,
visando instituir um novo modelo de educação ancorado nas tecnologias (Santos e Silva, 2013).
445
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
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446
TIC na Educação
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Porto Alegre: Artmed.
447
A WebQuest no ensino da informática: aprendizagens
e reações dos alunos
Sónia Catarina Cruz; Maria João Gomes Pires
Faculdade de Ciências Sociais - Universidade Católica Portuguesa
(Braga)
[email protected]; [email protected]
TIC na Educação
Resumo
Este artigo pretende proporcionar uma visão geral sobre a importância
da introdução da WebQuest no processo de ensino e aprendizagem, tendo
como base um estudo de caso sobre uma turma de um Curso Profissional.
Por isso, pretendemos saber a opinião dos alunos relativamente à utilização
da WebQuest nas aulas de Modelação 3D e se realmente melhora a
aprendizagem.
Palavras-chave:WebQuest; Modelação 3D; aprendizagem ativa;
colaboração; criatividade.
Abstract
This articleaims to providean overview ofthe importanceof the
introduction ofWebQuestin teachingand learning, based on acase study
ofa classof aProfessional Course. Sowe intendthestudents’ opinion regarding
the use ofWebQuestin class3D Modelingandreally improvesstudent
learning.
Keywords: WebQuest: 3D Modeling; active learning; collaboration;
creativity.
Introdução
A integração das tecnologias na educação é fundamental no
desenvolvimento e preparação dos alunos para o mercado de trabalho
(Cruz, Júnior, Coutinho, & Carvalho, 2007), pois esperam-se indivíduos que
demonstrem flexibilidade, destreza, autonomia, criatividade e capacidade
449
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
de criar projetos e ideias novas. Para desenvolver estas competências, o
professor deve utilizar ferramentas tecnológicas inovadoras e adequadas ao
contexto do conteúdo da disciplina e do perfil da turma. Foi desta ideia que
implementamos a WebQuest nas aulas de edição 3D, com o intenção de
integrar a utilização das tecnologias no sentido de oferecer uma aprendizagem
mais ativa, colaborativa e pela descorberta, onde os alunos assumem
uma posição de investigadores e artistas criativos.Tendo como evidência
experiências de autores sobre a implementação das WebQuests(Cruz, et
al., 2007) consideramos importante aplicar esta ferramenta Web2.0 em
contexto sala de aula, idealizando a nossa investigação de acordo com os
seguintes objetivos: (1) Investigar se a WebQuest é adequada no ensino e
aprendizagem de modelação 3D; (2) Perceber se a WebQuest proporciona
a aprendizagem; (3) Analisar a opinião dos alunos acerca da realização
da WebQuest; e (4) Observar e analisar as reações dos alunos durante a
atividade.
Metodologia
Face aos objetivos de investigação, optamos pelo estudo de caso isto
porque, de acordo com Yin (2005), o estudo empírico investiga fenómenos
atuais em contextos reais, possibilitando estudar o caso num ambiente
natural e aprender com ele, respondendo a algumas questões que pudessem
surgir. No presente estudo foram utilizados dois inquéritos por questionário
ou survey, uma grelha de observação e realizou-se uma análise dos projetos
desenvolvidos pelos alunos. O estudo incidiu numa experiência em contexto
real, no início do segundo período do ano letivo de 2012/2013, numa turma
de 11.º ano do curso profissional Técnicos de Multimédia, módulo de edição
de objetos tridimensionais.
450
TIC na Educação
WebQuest
As WebQuests são atividades contextualizadas e motivadoras,
disponibilizadas na Internet e propostas por professores para serem
resolvidas colaborativamente por um grupo de alunos ou individualmente
(Dodge, 1995). A dinâmica da atividade segue o modelo de aprendizagem
construtivista que se baseia numa participação ativa dos alunos na resolução
de problemas e no estímulo do pensamento crítico(Lima & Capitão,
2003).AWebQuest como recurso de aprendizagem deve ser devidamente
organizada e elaborada obedecendo a determinados parâmetros. De acordo
com Dodge (1995),para se conseguir eficiência e clareza no propósito, a
WebQuest deve ser constituída pelas páginas de Introdução, a Tarefa, o
Processo, os Recursos, a Avaliação e a Conclusão. Dodge (1995) e Carvalho
(2002) admitem que podem ser incluídas duas páginas de ajuda, uma página
de ajuda ao professor e uma página de ajuda aos alunos, disponibilizando
informação sobre a WebQuest e a sua navegação. Antes de ser aplicada e
resolvida pelos alunos, a WebQuest deve ser analisada e avaliada de acordo
com uma Checklist de Dodge (1999), que permite “help you look at the
Process section and focus on the small details that can make or break a
project”.
Descrição da WebQuest – Edição 3D
Para darmos o nosso contributo em relação aos estudos realizados
sobre a utilização das WebQuests em contexto sala de aula e às suas
potencialidades de adaptação, decidimos criar uma WebQuest de curta
duração, disponível online emhttp://WebQuest-edicao3d.weebly.com.O
tema da WebQuest é sobre edição 3D, módulo integrante do programa
curricular da disciplina Técnicas de Multimédia, onde se enquadram os
tipos de superfícies NURBS (Non-Uniform Rational B-Spline) existentes na
modelação de objetos tridimensionais. O desafio desta atividade prendeu451
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
se em construir um cenário 3D, utilizando o SoftwareAutodeskMaya, sendo
o cenário constituído por, pelo menos, quatro objetos 3D, utilizando as
primitivas NURBS e as suas respetivas técnicas. Os alunos nesta atividade
tiveram liberdade de escolher o cenário que iriam construir, usando a
imaginação e a criatividade, bem como os conhecimentos já adquiridos
para perceberem qual ou quais as técnicas mais adequadas na construção
dos objetos pretendidos.
A WebQuest foi desenvolvida tendo como base a estrutura proposta
por Bernie Dodge (1995). Foram ainda adicionadas duas páginas de ajuda,
como sugerem Carvalho (2002) e Dodge (1995). A página de ajuda ao aluno
descreve sucintamente como está organizada a WebQuest e a sua duração. A
página de ajuda ao professor informa como se vai proceder a atividade, qual
o público-alvo e os objetivos esperados. A página Introdução contextualiza
os conteúdos programáticos que vão ser abordados na atividade, fazendo
um resumo dos conteúdos em estudo, explicando a necessidade de se
conhecer e diferenciar os tipos de superfícies NURBS e as suas técnicas de
modelação. Nesta página, o aluno encontra informação relativa ao número
de elementos do grupo e sobre o cenário que deve construir.A página Tarefa
possui informação sobre o desafio proposto, ou seja, o que o aluno deve
fazer/construir e que ferramenta e técnicas utilizar na construção do cenário
3D. O Processo é constituído por quatro etapas onde são apresentadas todas
as instruções de orientação que devem seguir para a realização da tarefa
proposta, informando a duração de cada etapa. Desta forma, os alunos
teriam que se organizar para conseguirem realizar, com sucesso e a tempo,
a construção do cenário. Numa das etapas são apresentados diversos
exemplos de recursos para o alunos pesquisarem na Internet. Na Avaliação
encontram-se definidos os critérios de avaliação que são considerados para
uma avaliação final dos trabalhos. Esta avaliação recai sobre a capacidade
de os alunos se organizarem em grupo, pesquisarem informação na
Internet, a criatividade da construção dos objetos 3D e a disposição dos
objetos pelo cenário. Nesta página os alunos são encaminhados para um
452
TIC na Educação
inquérito de avaliação da atividade, e de autoavaliação relativamente à sua
aprendizagem utilizando a WebQuest.Na Conclusão indicam-se aos alunos
as vantagens de se ter utilizado esta WebQuest,nomeadamente, conhecer
melhor os tipos de superfícies NURBS e saber escolher o tipo de ferramenta
mais adequada para modelar determinado objeto 3D.
Apresentação e análise dos resultados
Caraterização da amostra
A amostra dos alunos em estudo é de nove elementos, sendo
equilibrada em termos de representação por género, com 5 alunos do
género masculino e 4 do género feminino. A média de idades é de 17 anos,
tendo o aluno mais novo 16 anos e o mais velho 18 anos. Em relação às
disciplinas preferidas, 55% dos alunos dizem não ter nenhuma disciplina
preferida, 27% consideraram a disciplina preferida Design Comunicação e
Audiovisuais e 18% dos alunos a disciplina Técnicas de Multimédia. Acerca
do tempo que é dedicado ao estudo, 56% dos alunos declaram que apenas
estudam no dia anterior ao teste, 22% duas vezes por semana, 11% afirmam
que estudam todos os dias e outros 11% dos alunos referem que estudam
uma vez por semana.
Dado ser uma turma de um curso associado à área de informática,
todos os alunos possui computador pessoal, bem como ligação à
Internet em casa, o que facilita a realização de atividades fora das aulas.
Relativamente ao tempo que passam por dia no computador, 56% dos
alunos responderam que passam em média duas horas ou mais, 33% uma
hora e apenas 11% dos alunos passam em média quarenta e cinco minutos
em frente ao computador. Quando questionadossobre o horário em que
estão mais tempo ligados ao computador, o horário entre as 20h e as 00h é
o mais usual (89%). Todos os alunos inquiridos consideram que aprendem
453
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
melhor quando o professor utiliza as novas tecnologias nas aulas. Quando
questionados sobre o tipo de utilização do computador, a amostra refere
que, preferencialmente, o utiliza para conversar com os amigos nas redes
sociais (100%), ouvir música (89%), fazer trabalhos/pesquisar informação
(78%), utilizar o email (67%), jogar (56%), gravar DVD (33%) e outras como
ver filmes (11%).No que respeita às novas tecnologias mais utilizadas, todos
os alunos demostraram a sua preferência pelo Facebook(100%), seguido
dos programas da Microsoft Office (67%), o Adobe Photoshop (56%), o
Messenger, Blog e o Google Sites (33%), o Skype, Audacity e o MovieMaker
(22%).
Análise dos resultados sobre a utilização da ferramenta
WebQuest
Através dos dados registados na grelha de observação, podemos
comprovar que os alunos sentiram-se motivados, entusiasmados e muito
interessados na atividade. Este interesse foi visível nas duas sessões pois
os alunos não estavam familiarizados com a ferramenta WebQuest e daí a
própria atividade conseguir obter mais atenção e envolvimento dos alunos
nas tarefas, até por ser uma novidade para eles. Outra justificação é o facto
de que até ao momento, nas aulas, os alunos construíam um portefólio
de objetos 3D, sem um objetivo aparente. Durante as duas sessões da
WebQuest, observamos os alunos a debaterem ideias sobre qual a melhor
técnica a ser utilizada na construção dos objetos, quais os objetos que iriam
desenvolver e a analisarem os sites com tutoriais. Verificouse também
alguma competição entre os grupos em tentar construir o cenário mais
original e com mais objetos 3D.
Os resultados, apresentados a seguir, foram recolhidos através do
segundo questionário, onde podemos comprovar que todos os alunos
navegaram sem dificuldades na WebQuest e na Internet(100%), sendo
454
TIC na Educação
que 67% responderam que foi “Fácil” e 33% “Acessível”. Aprender através
da WebQuest foi considerada “Interessante” por 89% dos alunos e 11%
consideraram “Nem interessante nem aborrecida”, sendo que o mesmo
aconteceu quando questionados sobre o que achavam da WebQuest como
uma nova forma de lecionar a aula: 89% acharam “Desafiante” e 11% “Nem
desafiante nem aborrecida”. Quando questionados se gostavam que os
professores utilizassem WebQuest nas aulas, 78% dos alunos admitiram que
“Sim” e 22% responderam que “Talvez”.
Relativamente à aprendizagem dos alunos na utilização das técnicas
de modelação 3D, utilizando as tarefas propostas na WebQuest, 56%
dos alunos referiram que aprenderam “Sempre” a utilizar a técnica mais
adequadas, e 44% disseram “Às vezes”. Podemos justificar este facto por
existirem alguns elementos da turma que possuem mais dificuldades na
modelação, mas apesar desta dificuldade, 67% dos elementos acharam as
tarefas propostas desafiantes e 33% “Nem desafiantes nem aborrecidas”.
Na pesquisa, observação dos vídeos tutoriais e documentos fornecidos
pela investigadora, 44% dos alunos mencionaram que conseguiram “Às
vezes” enriquecer os seus conhecimentos sobre as Curvas, sendo que
56% referiram que conseguiram “Sempre”. Estes valores percentuais são
fundamentados com a questão, se os alunos analisaram a informação
e a documentação apresentada na WebQuest. Ora 44% dos elementos
responderam que “Às vezes” e 56% responderam “Sempre”. Na questão
sobre se aprenderam a construir os objetos propostos, 22% afirmaram que
“Às vezes” e 78% responderam “Sempre”. Os alunos que analisaram com
cuidado os recursos disponíveis na Internet ena WebQuest, conseguiram
aprender melhor e enriqueceram os seus conhecimentos. Os que não
analisaram convenientemente a informação sentiram mais dificuldades na
modelação.
No questionário, os alunos também realizaram a sua autoavaliação.
Relativamente à questão se foi empenhado nas tarefas, 89% responderam
455
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
que “Sempre” foram empenhados e 11% “Às vezes”. Acerca da superação
das dificuldades, 44% dos alunos responderam que conseguiram superar
“Às vezes” e 56% afirmaram que conseguiram “Sempre”. Relativamente à
atenção dos alunos nas atividades, 78% responderam que estão “Sempre”
atentos e 22% “Às vezes”. No registo dos raciocínios e as conclusões, 56%
dos alunos mencionaram que registavam “Sempre” os seus raciocínios e
33% fizeram “Às vezes” o registo.
Quando questionados se adquiriram conhecimentos, 78%
mencionaram que “Sempre”, e 22% “Às vezes”. Relativamente à sua iniciativa
de apresentar ideias novas ou propostas, 56% responderam que “Sempre”
o fizeram, e 33% disseram que “Às vezes”. Todos os alunos afirmaram
que foram capazes de aplicar os conhecimentos adquiridos na atividade
proposta e que foram empenhados no desenvolvimento do trabalho de
grupo (100%).Foi também pedido aos alunos que exprimissem, através de
uma resposta aberta, a sua opinião relativamente ao que mais gostaram
de fazer na WebQuest. Todos referiram, sem exceção, que gostaram de ter
a liberdade de escolher o cenário e os objetos que iriam construir: “O que
mais gostei nesta atividade foi juntar tudo o que aprendi e fazer um cenário
e ter liberdade de o fazer como queria” (a07).
Conclusão
Depois de concluído o estudo e analisados os resultados, podemos
concluir que a WebQuest, como ferramenta e recurso educativo, revelouse uma ferramenta inovadora e adaptável à disciplina de Técnicas de
Multimédia, mesmo na área de modelação 3D, tornando as duas sessões
mais motivadoras, promovendo o interesse pelos conteúdos do módulo da
disciplina e uma aprendizagem mais eficaz. O mais importante nesta WebQuest
foi, tentar oferecer uma aprendizagem ativa, em que os alunos assumissem
um papel de actores criativos, inovadores, e que compreendessem e
456
TIC na Educação
adquirissem conhecimentos através de pesquisas orientadas na Internet.
Nas tarefas propostas, os alunos tiveram de desenvolver competências
essenciais tais como pesquisar tutoriais na Internet, selecionar e analisar
a informação que realmente interessava para o seu trabalho, identificar as
técnicas mais adequadas na construção de objeto 3D, diferenciar as técnicas
de modelação das Curvas NURBS e compreender o seu funcionamento.
Apesar de surgirem algumas dificuldades durante realização da atividade
isso deveu-se ao próprio grau de dificuldade dos conteúdos da disciplina
e da realização do projeto no complexo programa AutodeskMaya 2013.
Tendo como referência os trabalhos finais dos alunos, podemos afirmar
que os objetivos desta atividade foram atingidos e ultrapassados. Os alunos
esforçaram-se colaborativamente, debateram e competiram entre eles,
sendo responsáveis pela sua própria aprendizagem. Segundo os dados
recolhidos podemos afirmar que as aulas se tornam mais desafiantes e
interessantes e os alunos mais confiantes e autónomos.
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Porto Alegre: Bookman.
458
E-mail: a ferramenta esquecida pelos professores na
comunicação com alunos e pais
Sónia Cruz; Vítor Machado
Faculdade de Ciências Sociais - Universidade Católica Portuguesa
(Braga)
[email protected]; [email protected]
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Resumo
Este trabalho aborda a temática da utilização do e-mail como
ferramenta de comunicação entre professores, entre professores e a
turma e, consequentemente, como a mesma pode ser aplicada em
contexto educativo, promovendo situações de aprendizagem. Descrevese, em primeiro lugar, como esta ferramenta se desenvolveu ao longo das
últimas décadas e o papel importante que detém não só para enviar ou
receber mensagens mas também como se tornou o nosso endereço virtual,
a nossa identidade, para aceder a redes sociais, a plataformas virtuais
de aprendizagem, a imensas ferramentas Web 2.0 ou outras aplicações
disponíveis na Internet. Ao conquistar milhões de pessoas em todo o
mundo, promove e fortalece laços de amizade e relações profissionais e,
ao mesmo tempo, contribui indubitavelmente para a divulgação e partilha
do conhecimento. As competências relacionadas com a utilização do e-mail
são parte integrante do Currículo e os professores não o podem esquecer,
como ferramenta pedagógica, quando planificam as suas atividades, na
medida em que é algo que os próprios alunos já utilizam quotidianamente.
E como professores, por que não tirar proveito desta mais-valia em favor da
aprendizagem? É uma realidade o facto de, por vezes, nos esquecermos que
ele existe, porque já faz parte da nossa vida e só iremos dar-lhe novamente
o devido valor se algum dia não conseguirmos aceder às infindáveis
ferramentas, aplicações, plataformas de aprendizagem, redes sociais,
etc., simplesmente porque o e-mail, tal como o conhecemos, deixou de
‘funcionar’. Tendo por base esta problemática, pretende-se demonstrar que
o e-mail é um dos meios de comunicação que os professores mais utilizam,
que é prático, funcional, versátil, acessível, rápido e económico. Os dados
apresentados resultam de um inquérito cujas respostas validadas reportam
a uma amostra de cento e vinte e três docentes dos ensinos pré-escolar,
básico e secundário.
Palavras-chave:
comunicação.
460
e-mail;
ferramenta
pedagógica;
professores;
TIC na Educação
Abstract
This paper regards the use of the e-mail as a communication tool
among teachers, between teachers and students in a class and, consequently,
how it can be used in an educational context, promoting learning situations.
Firstly, we describe how this tool has developed for the last few decades
and the important role it has, not only in sending and receiving messages,
but also how it has become our virtual address, our identity, to access
social networks, virtual learning platforms, countless web 2.0 tools or other
applications that are available online. It has conquered millions of people
around the world as it promotes and strengthens friendship bonds and
professional relationships and, at the same time, it undeniably contributes
to release and share knowledge. The skills related to the use of e-mail are
an integral part of the curriculum and the teachers cannot forget them, as
a pedagogical tool, when planning their activities, as it is something that
students already use daily. And as teachers, why can’t we benefit from this
asset in favor of learning? It is a reality that sometimes we forget that it
exists, because it’s been part of our lives and we will only give it back the
due value if we are prevented from accessing the endless tools, applications,
learning platforms, networks, etc., simply because the e-mail, as we know
it, no longer ‘works’. Bearing this in mind, we aim to show that the e-mail is
one of the communication media that teachers more often use, since it is
practical, functional, versatile, accessible, fast and economical. The data we
present are the result of a survey whose validated answers regard a sample
of one hundred and twenty-three pre-school, primary and secondary
teachers.
Keywords: e-mail; pedagogical tool; teachers; communication.
461
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi realizado com o objetivo de estudar a
utilização do e-mail como ferramenta pedagógica e de comunicação em
contexto educativo. É do conhecimento comum que a navegação na Internet
e o uso do e-mail são, nos nossos dias, aspetos essenciais da capacidade
de procurar, receber e transmitir informação. “Nunca é demais reforçar de
que ser letrado, no século XXI, não se cinge a saber ler e escrever, como
ocorrera no passado. Esse conceito integra também a Web e os seus
recursos e ferramentas que proporcionam não só o acesso à informação mas
também a facilidade de publicação e de compartilhar online. Estar online é
imprescindível para existir, para aprender, para dar e receber” (Carvalho,
2008). Neste sentido, o e-mail tornou-se, ao longo da última década, um
meio de comunicação deveras difundido.
Mas, afinal para que mais usamos o e-mail? Será que exploramos
o potencial pedagógico que ele nos oferece? É importante começar
por conhecer uma ferramenta, para nos irmos apropriando das suas
funcionalidades e potencialidades, integrando-as nas nossas práticas
letivas. Mas será que com o e-mail isto também aconteceu? Por vezes já nos
esquecemos que ele existe, porque já faz parte da nossa vida, e só iremos
dar-lhe novamente o devido valor se algum dia não conseguirmos aceder
às infindáveis ferramentas, aplicações, plataformas de aprendizagem, redes
sociais, etc., simplesmente porque o e-mail, tal como o conhecemos, deixou
de ‘funcionar’.
O desenvolvimento acelerado das novas tecnologias trouxe uma
atitude diferente perante o que é “novo”. Na sociedade do século XXI, o
que hoje é novo, amanhã será obsoleto, mudança que está a provocar
uma metamorfose global e radical, na forma de trabalhar, de nos informar,
de nos educar, de nos divertir, de nos relacionar, na forma de vender e
consumir, enfim, em todos os aspetos da vida social e familiar (Meirinhos,
2000: 3). E uma escola que não integre os novos meios informáticos, corre
462
TIC na Educação
o risco de se tornar, também ela, obsoleta (Adell, 1997). Cabe-nos a nós
corresponder a esta transformação da nossa vida de uma forma crítica
e cautelosa, apropriando-nos das ferramentas necessárias às nossas
vivências, quer sejam pessoais, profissionais ou sociais. E o e-mail, com
as suas potencialidades ou constrangimentos, é uma dessas ferramentas
entre tantas outras que são, de alguma forma, um ponto de partida para a
aprendizagem e não um ponto de chegada.
A UTILIZAÇÃO DO E-MAIL ENTRE PROFESSORES E O PROFESSOR E A
TURMA
O presente trabalho baseou-se numa investigação de caráter
descritivo e exploratório para analisar a utilização do e-mail na comunicação
entre professores e a turma e também como este recurso da Web pode
ser utilizado como ferramenta pedagógica. Tendo em atenção um estudo
realizado por Monforte e Martinez (2003) que nos apresenta o tipo de
mensagens utilizado na comunicação entre professor e aluno, e com
base na pesquisa bibliográfica apresentada sobre as potencialidades e
constrangimentos da utilização do e-mail na educação do século XXI, bem
como a utilização dos recursos desta ferramenta em contexto educativo,
procedeu-se à construção do instrumento de recolha de dados, numa
primeira fase.
Numa segunda fase recolheram-se os dados através do preenchimento
de um inquérito online, realizado com recurso à ferramenta «Formulários»
dos Google Docs, ao qual responderam 123 professores do Pré-Escolar, do
1º, 2º e 3º Ciclos, Secundário e Superior, independentemente da disciplina
que lecionam, a 12 questões relacionadas com a temática supracitada.
O período de recolha reporta-se a 5 e 31 de dezembro. O inquérito foi
disponibilizado online através da ferramenta e-mail e encontra-se disponível
online em https://docs.google.com/spreadsheet/
463
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
Email=true&formkey=dHE2TG51NmZ5UmhDZ0ppcDI5a3l2Z2c6MQ.
Numa terceira fase foram analisados e tratados os dados e
apresentadas as respetivas conclusões. O questionário era composto
por duas partes distintas. Em primeiro lugar procurou-se identificar/
caracterizar os participantes a partir de sete questões que incidem nos
seguintes aspetos: género; idade; habilitações académicas; a região onde
exercem funções docentes; os cargos/função que desempenham; situação
profissional e tempo de serviço; Assim, foram inquiridos, ao nível nacional,
31 e 92 docentes do género masculino e feminino, respetivamente, que se
situam entre os 20 e os 65 anos de idade e cujas habilitações académicas
se posicionam entre o Bacharelato e o Doutoramento. Indicam funções de
coordenador (16%), subcoordenador (4%), diretor de turma (28%), professor
(92%), membro da direção (2%) e outros (13%). São, maioritariamente,
professores de quadro de escola/agrupamento (57%), sendo que 5% referiu
pertencer a Quadro de Zona Pedagógica e os restantes 38% contratados. O
tempo de serviço referido situa-se entre 1 e 20 anos de serviço (74%). Os
restantes 26% declararam estar ao serviço da educação há mais de 20 anos.
Em segundo lugar, e após a caracterização da amostra, pretendemos
analisar a importância do e-mail na comunicação entre professores e
entre professor e aluno. Nesta segunda parte, a utilização do e-mail como
ferramenta pedagógica foi também uma questão que considerámos crucial
para o nosso estudo e daí ela merecer uma reflexão mais pormenorizada.
Da totalidade dos professores inquiridos, 95% respondeu que utiliza
diariamente o email e os restantes 5% mencionou que usa este recurso duas
a três vezes por semana ou somente ao fim de semana. Segundo os dados
recolhidos, estes docentes, considerando a quantidade de mensagens de
e-mail que enviam, fazem-no, preferencialmente, para colegas de trabalho
(63%) e amigos (16%). O envio de mensagens para alunos é referido por
11%, enquanto que esta ferramenta ainda não é utilizada na comunicação
entre o professor e o encarregado de educação (0%). Este dado leva-nos a
464
TIC na Educação
concluir que a comunicação família-escola parece ainda não dar lugar às
novas tecnologias.
Relativamente à comunicação entre colegas professores, procurouse analisar o tipo de mensagens partilhadas. Concluímos que o email é já
uma ferramenta conhecida e utilizada pela maioria dos docentes inquiridos,
tendo, desta forma, bastante potencial para poder ser explorado como um
recurso pedagógico.
No entanto, ainda 12% referiu nunca e 14% raramente ter utilizado
o e-mail para informar os seus alunos sobre atividades; 11% nunca e 15%
raramente partilhou informação ou materiais de estudo; 15% nunca e
26% raramente usou o e-mail para dar feedback aos seus alunos sobre as
atividades realizadas; e, por último, 33% declarou nunca e 24% raramente
ter realizado a avaliação das aprendizagens através desta ferramenta. Estes
dados revelam que muitos professores, apesar de conhecerem e utilizarem
diariamente este recurso ao nível pessoal e profissional, ainda não o
consideram uma ferramenta para comunicar com os seus alunos dentro
ou fora do contexto de sala de aula. A sua utilização como ferramenta de
comunicação é mais utilizada entre professores do que entre professor e
alunos.
Mas esta parece ser uma questão de prática pedagógica e não de
formação na utilização do e-mail. Area (2002) apud Meirinhos & Osório
(2007) refere que muitos professores pertencem a um grupo social, que
pela sua idade foi culturalmente alfabetizado em tecnologias e formas
culturais impressas e que as tecnologias da comunicação apresentam-se,
neste momento, como geradores de uma rutura com essas raízes culturais.
As respostas à pergunta 16 do nosso inquérito vêm corroborar esta opinião,
na medida em que quando questionados sobre a importância que o e-mail
pode ter para facilitar a comunicação entre os professores e o professor
e os seus alunos, 55% referiu ser muito importante e 38% mencionou ser
importante. Os professores reconhecem a sua importância, mas há ainda
465
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
muito a fazer, na prática.
O E-MAIL COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA
Também neste estudo foi necessária a utilização do e-mail por parte
dos professores inquiridos, sendo indispensável salientar a importância de
todos, professores e alunos, possuírem uma conta de e-mail. Quando esta
oportunidade é dada aos nossos alunos, ela pode ser considerada, de certa
forma, uma maneira de promover a inclusão digital dos mesmos. No caso
da Internet, e em especial das ferramentas Web 2.0, possuir um e-mail é
fundamental para poder registar-se em diversos serviços gratuitos, além da
possibilidade óbvia de trocar mensagens com outras pessoas e de poder ser
encontrado na rede.
A questão 17 do nosso inquérito reporta ao uso do e-mail como um
recurso pedagógico. Os professores inquiridos foram questionados sobre a
frequência de utilização do e-mail para: 17.1. avisar os alunos dos prazos
para entrega de trabalhos; 17.2. enviar pistas para os temas em estudo; 17.3.
esclarecer dúvidas; 17.4. propor trabalhos de enriquecimento curricular;
17.5. enviar links para atividades; 17.6. arquivar documentos (atividades,
tarefas, etc.); 17.7. Sugerir links de interesse relacionados com a disciplina;
17.8. desenvolver a expressão escrita.
Analisados os dados recolhidos, o e-mail é utilizado, maioritariamente,
como uma ferramenta de arquivo de documentos e para sugestão de links
de interesse relacionados com a disciplina. Mas em todas as questões, à
exceção da número 8, a maioria dos professores utiliza, por vezes ou muitas
vezes, o e-mail como uma ferramenta de comunicação que, ao mesmo
tempo, desenvolve aprendizagens significativas ao nível da autonomia,
da organização e pesquisa. É de salientar que o e-mail é utilizado por uma
percentagem menor relativamente às atividades mais relacionadas com a
construção da própria informação, nomeadamente a proposta de trabalhos
466
TIC na Educação
de enriquecimento curricular (utilizada por vezes por 31% e muitas vezes
por 24%) e o desenvolvimento da expressão escrita (utilizada por vezes
por 27% e muitas vezes por 11%). Estes resultados deixam transparecer a
utilização do e-mail mais como uma ferramenta de comunicação, partilha
de informação e organização e arquivo de documentos.
Reportamo-nos agora ao grau de concordância dos docentes
inquiridos no que concerne às seguintes afirmações constantes da pergunta
18 do nosso inquérito: 18.1. O e-mail é uma ferramenta para construir uma
rede de contactos na sala de aula; 18.2. O e-mail é uma forma de promover
a inclusão digital; 18.3. O e-mail é uma forma de aceder a outros recursos
gratuitos (ex. ferramentas Web 2.0); 18.4. Arquivar documentos através do
e-mail é mais ecológico e sustentável; 18.5. As mensagens de e-mail ocupam
um pequeno espaço de armazenamento; 18.6. Com o e-mail é mais fácil
receber e organizar os trabalhos dos alunos; 18.7. Com o e-mail, a qualquer
hora e em qualquer sítio posso “chegar” aos alunos; 18.8. As mensagens de
e-mail têm a durabilidade que nós quisermos.
O e-mail é considerado maioritariamente como uma ferramenta
de comunicação, de organização e arquivo, e a resposta a esta última
questão veio reforçar esta mesma ideia, na medida em que o grau de
concordância em todas as questões (concordo ou concordo plenamente), à
exceção unicamente da questão 18.6, situa-se entre os 85% e 90%. Então,
a conclusão referida na seção 3, de que são mais as potencialidades do
que os constrangimentos é também aqui corroborada, sugerindo o e-mail
como ferramenta de comunicação em contexto educativo e pedagógica,
na medida em que o e-mail se apresenta como um meio muito popular,
prático, funcional, versátil, rápido e económico e que, com todas estas
características, cabe ao profissional de educação decidir como este recurso
o pode ajudar melhor na difusão e partilha do conhecimento, explorando
todas as suas mais-valias e adequando-as às suas próprias necessidades,
bem como à dos seus alunos. Queremos ainda salientar o facto de 60% do
467
CEDU 2013 - Nas Pegadas das Reformas Educativas
total da amostra concordar e 30% concordar plenamente com o enunciado
“O e-mail é uma forma de promover a inclusão digital”, consolidando o que
já tínhamos referido no parágrafo inicial desta subseção.
Com o emergir de uma nova filosofia subjacente à rede global, surge
uma nova geração da Internet que denominamos de Web 2.0. É um mundo
tão vasto que não podemos, de longe, utilizar todas as suas ferramentas e
aplicações. Fica a certeza de necessitarmos transformar a prática pedagógica,
integrando a cultura digital em favor do melhor rendimento da aprendizagem
dos alunos. Contudo, fica também a dúvida: basta a competência digital
dos professores para enfrentar com autoridade e confiabilidade a busca
por uma educação atual e de qualidade? A Web 2.0 é o que conhecemos
hoje. E amanhã? Quantas novas ferramentas virão? Estaremos preparados
para utilizá-las e garantir que os alunos saibam fazer uso destas para o seu
próprio crescimento cognitivo? Assim, quantos desafios e conflitos ainda
estão por vir? (Pereira & Oliveira, 2012). Como as autoras também referem,
a maior arma para enfrentarmos tanto os desafios como os conflitos será
o conhecimento produzido por cada cidadão, pois serão as aprendizagens
relacionadas com a pesquisa, o tratamento e a seleção da informação que
farão o diferencial competitivo dos povos. E a resposta não estará somente
na formação mas na atitude dos professores perante todas estas questões.
CONCLUSÃO
Pelo que expusemos anteriormente, consideramos que o e-mail é
uma ferramenta crucial tanto na comunicação entre professores e entre
o professor e a turma e também como ferramenta pedagógica. A escola
tem sido lenta em reconhecer tanto o impacto das novas ferramentas de
aprendizagem como as mudanças que ocorrem ao nível do ambiente onde
esta ocorre – tanto que a própria aprendizagem fica comprometida caso
a instituição educativa não comece por perceber o papel importante que
468
TIC na Educação
detém. Mas os resultados do nosso estudo indicam que muitos professores
já estão no bom caminho porque sabemos que é um processo que precisa
de tempo e amadurecimento. Esta ideia é corroborada por Carvalho (2008)
quando afirma que o professor, para além de ser um especialista na sua
área, é um orientador do processo de aprendizagem dos alunos, apoiandoos, incentivando-os à reflexão e ao debate. O mesmo autor acrescenta
que não se muda de método de ensino de um ano para o outro, mas é
importante estarmos conscientes de outras abordagens e da necessidade
de ir introduzindo práticas pedagógicas que ajudem o aluno a aprender
colaborativamente, que facilitem a interação professor-alunos e alunosalunos online. E o email é uma das ferramentas que nos possibilita uma
experiência de aprendizagem para além do contexto de sala de aula. É que
este recurso já está presente em todas as esferas da vida social e cabe-nos
a nós, professores, atuar no sentido de compensar as desigualdades sociais
e regionais que o acesso às novas tecnologias de informação e comunicação
está a originar.
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470
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