Boletim Econômico – Edição nº 37– julho de 2014
Organização: Maurício José Nunes Oliveira – Assessor econômico
Plano Real completa 20 anos:
uma retrospectiva
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Como foi o Plano Real
O real tornou-se a moeda brasileira no dia 1º de julho de 1994. Mas começou a
ser arquitetado em 1993, especialmente a partir do segundo semestre, pela
equipe econômica criada por Fernando Henrique Cardoso, então ministro da
Fazenda do governo Itamar.
O Plano foi dividido em três fases. A primeira delas seria o ajuste das contas
públicas, através de um corte no Orçamento. A segunda seria a implantação da
Unidade Real de Valor (URV), unidade monetária para desindexar a economia.
Por fim, a URV seria transformada em real, a nova moeda brasileira. O
Congresso, após intensa negociação, aprovou o plano e as fases seguiram
como planejado.
O Plano Real entrou para a história como o episódio que acabou com a
inflação e inaugurou um novo ciclo de desenvolvimento econômico. Mas para
chegar até o real foram feitas outras tentativas de acabar com a escalada dos
preços. A primeira delas aconteceu em 1986, durante o governo de José
Sarney. Era o Plano Cruzado, que congelaria os preços por alguns meses, até
se tornar insustentável. Depois dele, vieram Bresser, Verão e o Plano Collor,
com seu traumático confisco das poupanças. Todos tiveram um resultado
positivo nos primeiros meses de vigência, mas nenhum foi bem-sucedido no
longo prazo.
A grande chave do sucesso do Real foi a URV, que entrou em vigor em 1º de
março de 1994. A adoção de uma moeda virtual para fazer a transição foi a
melhor solução encontrada para desindexar a economia e uma alternativa ao
congelamento de preços. Na prática, funcionou assim: todos os preços foram
remarcados com valores em URV, que era atrelada ao dólar. A moeda que
efetivamente circulava era o cruzeiro real e todos os dias era divulgado o valor
equivalente da URV em cruzeiros reais. Ou seja, se você entrasse no
supermercado para comprar frango, na prateleira ele estaria marcado com o
preço “1 URV”. No caixa, o valor seria convertido na moeda “de verdade” para
realizar o pagamento. Pouco a pouco, a inflação inercial arrefeceu e a
economia se acostumou aos preços estáveis. Mas nem todos os setores da
indústria comemoraram a chegada da nova moeda. Quando o real passou a
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valer, sua paridade com o dólar era de 1 para 1. A partir daí, a abertura
comercial e a manutenção do câmbio valorizado foram as duas principais
medidas para manter a inflação sob controle. O efeito colateral era que as
importações eram muito estimuladas e impediam que as empresas nacionais
aumentassem seus preços, já que isso tornaria a concorrência impossível.
Qualquer plano de estabilização acaba sempre com alguns grupos
prejudicados e, no caso do Plano Real, a indústria foi o setor que mais sofreu.
Um câmbio barato com a política de abertura comercial faz com que o custo
das importações baixe, e muito. Faz com que cresçam as importações e os
produtores nacionais não têm como remarcar seus preços. Evidentemente,
criou-se um problema bastante sério com a indústria nacional, que cresceu
menos e perdeu competitividade.
Além dos problemas com a indústria nacional, o Plano Real sofreu com outras
crises, especialmente externas, que vieram posteriormente. Mas o fato é que a
inflação se manteve dentro de níveis aceitáveis. Em 1999, o Banco Central
criou o regime de metas para a inflação e a Selic passou a ser a âncora
monetária, em substituição ao controle do câmbio, que passou a ser flutuante.
Foi um momento em que o Brasil temeu pela volta da inflação.
A estabilidade da moeda resistiu, mas é fato que a inflação não saiu da pauta.
Em 2013, o IPCA se aproximou do teto da meta, apesar de todas as
intervenções do governo para controlá-lo e esquentou o debate econômico.
Mesmo assim, o país nunca mais passou perto do índice hiperinflacionário de
2708% alcançado em 1993. As máquinas de remarcação de preços, um dos
grandes símbolos daquele momento, foram aposentadas.
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Em 20 anos, moeda
hiperinflação perde valor
que
derrubou
Em 20 anos de existência, a moeda que derrubou a inflação foi
lentamente corroída por ela. De acordo com o Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial acumulada de julho de
1994 até maio deste ano (último dado disponível) chega a 359,89%. Uma
nota de R$ 100 hoje compra apenas o equivalente ao que R$ 21,75
comprariam há duas décadas.
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Os levantamentos de preços da cesta básica do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram o poder da inflação.
O quilo da carne em São Paulo, que custava R$ 3,21 em 1994, hoje vale R$
19,53 em média. O quilo do tomate no Rio de Janeiro, que saía por R$ 0,44 há
20 anos, atualmente é vendido por R$ 5,04 em média. No Recife, o quilo do
pão saltou de R$ 1,46 no início do Plano Real para R$ 7,63 hoje.
O comportamento da inflação, no entanto, não significa que o brasileiro tenha
ficado mais pobre nesse período. Ao mesmo tempo em que os preços
aumentaram 359%, a renda média do trabalhador brasileiro aumentou 426%,
mais do que a inflação acumulada no período. De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio nominal da
população empregada subiu de R$ 382,73 em 1994 para R$ 2.013,50 em
2014.
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Aumento da renda do brasileiro: salário
mínimo e salário médio
O aumento da renda do brasileiro está relacionado a dois fatores: o
crescimento do emprego formal e à própria teoria econômica, que prevê a
neutralidade da moeda no longo prazo. Na economia, o que conta não são os
preços monetários, mas os preços relativos, que estão sempre se ajustando.
Os salários nada mais são do que o preço do trabalho e tendem a acompanhar
a inflação, embora isso demore algum tempo.
Os preços relativos representam o número de unidades de um produto que
compra outro bem. Para Freitas, o Plano Real só foi bem-sucedido porque a
Unidade Real de Valor (URV), na prática, dolarizou a economia sem precisar
trocar a moeda nacional por dólares. O congelamento de preços de outros
planos econômicos provocava o desalinhamento dos preços relativos porque
vinha de surpresa. Alguns preços tinham passado pela correção monetária.
Outros, não. A URV deu alguns meses para que todos os preços se
alinhassem ao dólar, ajustando os preços relativos.
O sucesso do Plano Real está não apenas no alinhamento dos preços
relativos, mas na redistribuição de renda a favor dos trabalhadores. A
estabilização do poder de compra da moeda é importante. Agora, o que
determina a transferência da renda para o trabalhador é a ação política nas
negociações entre patrões e empregados.
No ano passado, segundo o Dieese, 87% das categorias conquistaram
reajustes reais (acima da inflação), mesmo num cenário de baixo crescimento
da economia e de inflação alta. Com o bom desempenho do mercado de
trabalho nos últimos anos, os empregados ganham poder para conseguir
aumentos acima da inflação e impedir a renda de ser corroída.
O salário mínimo cresceu 1.019,2% em 20 anos e os preços da habitação
foram os que mais cresceram no mesmo período: 657,87%.
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Para exemplificar essa boa redistribuição da renda, o rendimento médio
nominal dos trabalhadores do setor privado também cresceu em mais de 400%
em 20 anos, saltou de R4 382,73 em julho de 1994 para R$ 2.013,50 na média
do período de janeiro a abril de 2014.
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