ADOÇÃO INTERNACIONAL: A NORMA BRASILEIRA FRENTE À ADOÇÃO DE BRASILEIROS POR ESTRANGEIROS Guilherme Pimenta dos Santos1 Resumo: A partir de uma breve incursão, o presente estudo tem por finalidade analisar o instituto da adoção, observando de forma singela, a sua evolução jurídica, no Brasil. Buscará também entender como funciona a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros observando-se a legislação interna. O trabalho mostrará qual a preocupação do legislador, quando este introduziu no Estatuto da Criança e do Adolescente a normatização da Adoção Internacional. Palavras-chave: Adoção; Adoção Internacional; Estatuto da Criança e do Adolescente; Direito Internacional Privado. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O termo adoção deriva do latim adoptare, que significa perfilhar, escolher, dar o seu nome a, optar, ajuntar, escolher, desejar. Para Gonçalves (2010), o instituto da adoção surgiu como uma forma de propiciar às famílias que não podiam ter filho, a possibilidade de dar continuidade à linhagem hereditária. Segundo as análises de Maria Helena Diniz (2010) a adoção consiste no ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, “alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha” (p. 522). Relatos históricos indicam que houve a utilização da adoção em várias civilizações orientais, com relatos, por exemplo, no Código de Hamurabi 2 e de 1 Acadêmico do 10º período no Curso de Direito da Faculdade de Jussara – FAJ. E-mail: [email protected] 2 Código de Hamurabi: Sexto rei sumério durante período controverso (1792-1750 ou 17301685 a.C.) e nascido em Babel, “Khammu-rabi” (pronúncia em babilônio) foi fundador do 1º Império Babilônico (correspondente ao atual Iraque), unificando amplamente o mundo mesopotâmico, unindo os semitas e os sumérios e levando a Babilônia ao máximo esplendor. O nome de Hamurabi permanece indissociavelmente ligado ao código jurídico tido como o mais remoto já descoberto: o Código de Hamurabi. O legislador babilônico consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos. Seu código estabelecia regras de vida e de propriedade, apresentando leis específicas, sobre situações concretas e pontuais. O texto de 281 preceitos foi reencontrado sob as ruínas da acrópole de Susa por uma delegação francesa na Pérsia e transportado para o Museu do Louvre, Paris. Consiste em um monumento talhado em dura pedra negra e cilíndrica de diorito. O código apresenta dispostas em 46 colunas de 3.600 linhas, a jurisprudência de seu tempo, um 1 Manu3. Entretanto, o instituto da adoção era utilizado somente como última alternativa, onde as famílias buscavam evitar o constrangimento de serem reconhecidas na sociedade por não possuir descendentes. Presente também na Grécia, o instituto da adoção teve uma destacada função política e social. Mas foi no Direito Romano que este tomou forma e se expandiu. Nesta mesma vertente, Maria Stella Rodrigues (1994) explica: É que os romanos consideravam vergonhoso uma pessoa ‘sui iuris’ morrer sem deixar descendentes. Passou, assim, a adoção a representar o meio de aquisição desses descendentes, ao mesmo tempo em que possibilitava aos latinos e peregrinos o ‘status civitatis’, sendo, por igual meio de se ingressar pessoas da plebe no patriciado (RODRIGUES, 1994, p. 8). Vê-se que o instituto da adoção surgiu primeiramente com o intuito de possibilitar às famílias “inférteis” a possibilidade de terem um descendente, ou seja, visava dar aqueles que não tiveram filhos uma última alternativa como forma de perpetuar o culto familiar, dando um herdeiro que viria a dar continuidade àquela linhagem familiar. Ignorado pelo direito canônico, durante a Idade Média viu-se enfraquecido ante a concepção de que a família cristã devia ser edificada no sacramento do matrimônio, desconsiderando a possibilidade da adoção. Novamente utilizada em 1804, com o Código de Napoleão, este irradiou para quase todas às legislações modernas, segundo Gonçalves (2010), por tal prerrogativa percebemos a influência e a legitimidade que passou a incorporarse ao jurídico, ao social e ao cultural, especialmente no foco deste estudo, a agrupamento de disposições casuísticas, de ordem civil, penal e administrativa. Mesmo havendo sido formulado a cerca de 4000 anos, o Código de Hamurabi apresenta algumas tentativas primeiras de garantias dos direitos humanos. (Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/codigode-hamurabi.html> Acessado em 16 jun 2012). 3 O Código de Manu surgiu posteriormente ao Código de Hamurabi e o fato de suas regras terem sido apresentadas em forma de versos, resultou em uma peculiaridade que mereceu destaque. Atualmente, as regras do Código de Manu constam em doze livros. Segundo os indianos, o Código de Manu teria sido redigido em meados do ano 1500 a.C. por Valmiki, considerado um santo eremita, e promulgado entre os anos de 1300 a.C. a 800 a.C. A previsão de reparação do dano decorrente do descumprimento da obrigação de prestar serviços, existente no Código de Manu, diferiu da do Código de Hamurabi, porque, neste havia a preocupação em dar ao lesado a reparação equivalente ao dano que este sofreu, ou seja, se o agente causava ofensas pessoais à vítima, a reparação se dava de forma idêntica, com ofensas semelhantes, enquanto que, naquele a reparação seria de forma pecuniária. Essa diferença concedeu ao Código de Manu uma importância maior porque eliminou o sentido de vingança que existia entre os membros das famílias, decorrente da interminável violência física permitida pelas regras do Código de Hamurabi. 2 legislação brasileira. Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro quanto ao instituto da adoção sofreu inúmeras modificações ao longo dos anos. Após alguns anos, a adoção foi inserida no Código Civil pátrio de 1916, estabelecendo claras diferenças entre filhos naturais e adotivos – em especial, quanto ao direito de herança. Muitas das discriminações terminológicas foram mantidas no Estatuto de Adoção de 1957 - Lei 3.133/57. Com as modificações posteriores ao Estatuto, eliminou-se a determinação de que somente casais sem filhos poderiam adotar (GRANATO, 2005, p. 49). Como visto, após o advento do Código Civil de 1916, a adoção foi novamente disciplinada pela legislação interna, tendo, contudo, suas bases fincadas nos princípios do direito romano, que visavam à adoção como forma de perpetuação familiar. Neste, a adoção somente era possível para aqueles casais que não puderam ter filhos legítimos ou legitimados e, que fossem maiores de cinquenta anos, ou seja, somente podia adotar quem não tivesse filhos, e o vinculo era limitado ao adotado e adotante Dias (2011). A Lei 3.133/57 trouxe modificações ao texto do revogado Código Civil, alterando a estrutura tradicional do instituto da adoção. Eliminou a exigência de que somente casais sem filhos podiam adotar e conferiu sentido de pessoalidade e finalidade assistencial ao instituto, passando a priorizar os interesses do adotado e não mais do adotante, como visto em Torres (2009). Após o advento da Carta Magna de 1988, a adoção passou a ser vista não mais somente como uma forma de perpetuação familiar, mas como um meio para permitir as crianças abandonas a possibilidade de integrarem uma família. Surgia uma nova forma de adoção, não visando apenas às questões patrimoniais e sim a afetividade, proibindo “quaisquer discriminações relativas à filiação, ou seja, vedaram-se distinções entre os filhos, legítimos ou ilegítimos, naturais ou adotivos.” (TORRES, 2009, p. 107) Após as várias modificações sofridas, hoje em dia o que vem sendo utilizado é que a adoção poderá ser exercida por qualquer pessoa maior de dezoito anos e é independentemente de seu estado civil (art. 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) 4. 4 ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente: Sancionada em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 (ECA) -, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro inúmeras alterações, como a abolição da distinção entre adoção plena (atribuía a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer laço com os pais ou parentes biológicos) e adoção simples (destinada a menor em situação irregular, criava um parentesco 3 Preceitua o artigo 19 do Estatuto da Criança do Adolescente que é direito de todas as crianças e adolescentes serem criados e educados no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substancias entorpecentes. Como visto, a adoção passou a ter um caráter mais excepcional e, assim, a Lei 12.010/2009, aumentou as exigências para a concessão da adoção, reforçando a necessidade de se tentar manter as crianças em sua família natural ou extensiva. Apesar de toda essa “burocratização” no instituto da adoção, esta tem por finalidade dar às crianças abandonadas e órfãs a possibilidade de terem seus direitos efetivamente cumpridos, como disposto pelo art. 195, caput do ECA. 2. A ADOÇÃO INTERNACIONAL Com surgimento após a Segunda Guerra Mundial, a adoção deixou de se restringir somente no âmbito interno e passou a ser regulamentada no âmbito internacional, possibilitando que crianças fossem adotadas por estrangeiros, residentes ou não no país de origem da criança. Regulamenta no Brasil pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção internacional é pouco defendida pelos doutrinadores e aplicadores da lei, face ao temor de poder conduzir o tráfico de menores. Buscando reprimir tais condutas, o Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 238 e 239, buscou punir quem promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado a enviar menor para o exterior, sem a observância das formalidades legais, visando lucro: Art. 238 – Promover ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa. Paragrafo único – Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa. Art. 239 – Promover ou civil entre adotando e adotado, e podia ser revogado pela vontade das partes, não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural). 5 Art. 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família, substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente libre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (BRASIL, 1990). 4 auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena – reclusão de quatro a seis anos, e multa. Paragrafo único – Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além de pensa correspondente à violência. É mister ressaltar que o ECA somente passou a regulamentar sobre a adoção internacional após a Lei da Adoção – Lei n.º 12.010 de 3 de agosto de 2009 – a qual alterou o texto dos artigos 51 e 52 e acrescentou ao estatuto os artigos 52-A ao 52-D, passando, assim, a regular de forma exaustiva a adoção internacional. Contudo, o que se vê é que o legislador inseriu tantos entraves, que a adoção internacional é quase inviável, nessa vertente nos explica Dias (2011) que: Com a chamada Lei da Adoção, o ECA passou a regulamentar de forma exaustiva a adoção internacional (ECA 51 a 52-D). Mas impôs tantos entraves e exigências que, dificilmente, conseguirá alguém obtê-la. Até parece que a intenção foi de vetá-la. Os labirintos que foram impostos transformaram-se em barreiras instransponíveis para que desafortunados brasileirinhos tenham a chance de encontrarem um futuro melhor fora do país. Basta atentar que somente se dará a adoção internacional depois de esgotada todas as possibilidades de colocação em família substituta brasileira (ECA 51 II), havendo ainda a preferência de brasileiros residentes no exterior (ECA 52 § 2º) (DIAS, 2011, p. 494). Amparado e inspirado em tratados internacionais o legislador tratou de regular a adoção internacional, porém como visto em Dias (2011) este dificultou a possibilidade de tal adoção, baseados em um temor, de que, ao se permitir essa modalidade de adoção, estariam de alguma forma “facilitando” o tráfico de menores. Contudo, não se deve deixar influenciar por tais concepções, devendose sempre buscar a melhor opção para as crianças e adolescentes. Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2010) nos ensina que é preciso afastar as adoções mal-intencionadas das realizadas com a real intenção de amparar o menor, a autora questiona o fato de que seria bem melhor para esses jovens serem adotadas mesmo que por famílias estrangeiras, do que serem deixadas vegetando nas ruas ou em entidades de acolhimento: “Será possível rotular o amor de um pai ou de uma mãe como nacional ou estrangeiro? Seria, ou não, a nacionalidade o fator determinante, da bondade, ou da maldade, de um pai ou de uma mãe?” (DINIZ, 2010, p. 549). 5 2.1 A adoção de crianças e adolescentes brasileiros por estrangeiros: itinerários da aplicação da lei brasileira. A adoção internacional reger-se-á pelo disposto na Lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) como anteriormente visto, devendo-se para se chegar a uma sentença constitutiva definitiva, transitada em julgado, obedecer ao rito processual semelhante ao que se tem para a tutela e a guarda (art. 165 ao 170 ECA). Após consumados tais ritos legais e judiciais ter-se-á a efetivação da adoção do menor brasileiro por casal estrangeiro. De acordo com a LINDB em seu artigo 7º qualquer estrangeiro que resida no Brasil poderá adotar, mesmo que a lei de seu país de origem não reconheça o instituto da adoção, devendo seguir os mesmos ritos exigidos para um adotante brasileiro. Contudo, essa adoção somente será admita após a consulta ao cadastro de pessoas interessadas em adoção mantida pela Justiça da Infância e Juventude, e não encontrando interessado com residência permanente no Brasil a adoção poderá ser deferida ao estrangeiro (Cf. DINIZ, 2010). Aqui se vê que a colocação de criança ou adolescente em família substituta estrangeria é medida excepcional e somente admitida na modalidade de adoção, não sendo permitido o estágio de convivência ou a guarda provisória, como se admite ao adotante brasileiro. Nos casos de adoção internacional, o estágio de convivência será de no mínimo 30 dias, independentemente da idade da criança e ou adolescente e após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual de onde reside a criança. Outra temática que dialoga com a adoção de estrangeiro por brasileiro é a nacionalidade. Segundo Florisbal Del’Olmo (2011), embora existam posicionamentos contrários da doutrina e também as próprias disposições da Lei n.º 12.010/2009, a filiação por adoção deveria ser fonte de nacionalidade primária, especialmente no Brasil, que proíbe a distinção entre filhos. Assim, observa que a adoção conduz à nacionalidade, tornando a criança ou o adolescente nacional do Estado dos adotantes. Destacando a Convenção sobre Adoção Internacional, países signatários atribuem eficácia a sentença de 6 adoção proferida por juiz do país de origem do adotando. Nesse aspecto, sublinha um esclarecedor exemplo que ilustra seu argumento: “concluímos que a sentença de um juiz brasileiro concessiva de adoção a casal francês atribui ao adotado dupla nacionalidade: brasileira (jus soli) e francesa (jus sanguinis). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o trabalho é possível perceber que o legislador frente ao temor do tráfico internacional de crianças e adolescentes criou uma série de normatizações e burocratização para a adoção internacional, que em muitos casos inviabiliza esta modalidade de adoção. É necessário colocar o interesse da criança como prioridade, visando solucionar o problema, pois a intenção do instituto é proporcionar às crianças ou adolescentes uma vida digna e a convivência familiar assim como preceituado na Carta Política, proporcionando um futuro melhor a esse jovem. A adoção internacional ainda não é bem vista, face as barreiras e os temores que o legislador possui dentro da temática já abordada. Porém, é necessário que se busque fortalecer essa modalidade de adoção, tentando proporcionar aos jovens abandonados uma chance de possuírem uma família e um lar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/1990 – Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em 12 out. 2012. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. 7 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2005. RODRIGUES, Maria Stella Souto Lopes. A adoção na Constituição Federal – o ECA e os estrangeiros. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas relações homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009. 8