fls. 412
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA
Comarca de Salvador
1ª Vara da Infância e Juventude
Justiça Gratuita
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SENTENÇA
0562425-03.2014.8.05.0001
Ação Civil Pública - Entidades de atendimento
''''''Ministério Público do Estado da Bahia. e outro
''Estado da Bahia e outro
Vistos.,
O Ministério Público e a Defensoria Pública ajuizaram a presente Ação
Civil Pública em face do Estado da Bahia e da Fundação da Criança e do Adolescente
(FUNDAC) aduzindo em síntese que os adolescentes apreendidos na Delegacia do
Adolescente Infrator, lá permanecem em condições sub humanas, sem tomar banho, sem
escovar os dentes, em celas de contenção sujas, ambientes fétidos, passando privações como
sede, fome e frio.
Afirmam os autores que os adolescentes encontram-se em acomodações
inadequadas, sem colchões e sem a higiene adequada, causando sofrimento aos mesmos. Nos
relatórios apresentados, informam que o serviço de limpeza por muitas vezes são realizados
pelos próprios servidores da Delegacia, pois os funcionários da empresa terceirizada deixam
de realizar o referido serviço por conta da falta de pagamento da empresa que os contratou.
Ressalta que a situação que se encontram os adolescentes encaminhados
para o referido local, é degradante e desumana, comprometendo a saúde e a integridade física
dos mesmos.
Requereram que fosse declarada liminarmente a interdição da Delegacia
Especializada do Adolescente, desta Capital, vedando-se o recebimento dos adolescentes,
remanejando-se os que ali já estivessem apreendidos para local apropriado, que fosse
determinado à Autoridade Policial que sendo impossível a apresentação imediata ao
representante do Ministério Público, procedesse o encaminhamento do adolescente
apreendido em flagrante de prática de ato infracional à entidade de atendimento, que
fizesse a apresentação ao representante do Ministério Público e que fosse determinado ao
Estado da Bahia para que procedesse a devida dotação orçamentária para o atendimento do
quanto requerido.
A peça inicial se fez acompanhar dos documentos de fls. 50/127.
A Fundação da Criança e do Adolescente – FUNDAC, apresentou
contestação às fls. 342/359, arguindo a ilegitimidade passiva da Fundac e a ilegitimidade
passiva do Estado da Bahia.
O Estado da Bahia apresentou contestação às fls.376/395, arguindo
preliminarmente a incompetência absoluta e a inépcia do pedido.
A Defensoria Pública reiterou o pedido inicial, às fls. 402/404, requerendo
o deferimento da ação em todos os seus termos, afastando a pretensão da parte ré. Bem como
também o fez o Ministério Público às fls. 405/411.
Este é o relatório. Decido.
No que se refere a preliminar que suscita a ilegitimidade passiva da
Fundac e do Estado da Bahia, a mesma não merece prosperar, posto que sendo a Fundação
órgão criado pelo Estado da Bahia e como a própria denominação assegura, deve tratar dos
interesses e do bem estar da criança e do adolescente, esta se encontra, tal qual o Estado da
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Se impresso, para conferência acesse o site http://esaj.tjba.jus.br/esaj, informe o processo 0562425-03.2014.8.05.0001 e o código 1ACED69.
Processo nº:
Classe Assunto:
Autor:
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Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é
competente para: IV- conhecer de ações civis
fundadas em interesses individuais, difusos ou
coletivos afetos à criança e ao adolescente,
observado o disposto no art. 209.
Por sua vez, o artigo 209 do mesmo diploma legal, dispõe que as ações
previstas no capítulo que trata, serão propostas no foro local onde ocorreu ou deve ocorrer a
ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa. Dessa forma,
trata-se, no caso, de competência absoluta fixada por lei, razão pela qual fica rechaçada esta
preliminar.
Em relação a alegação de que o pedido é indeterminado, não há o que se
falar, uma vez que encontra-se na exordial, os fatos narrados, evidenciando com clareza o que
deve ser feito para garantir o cumprimento dos preceitos legais, e efetivar as garantias legais
ao adolescentes apreendidos.
Sustentou o acionado a violação do princípio da separação dos poderes,
uma vez que a procedência da ação representaria interferência nos serviços públicos do Estado
e estaria impondo restrições a gestão do serviço público. Não se trata de decidir como
gerenciar, trata-se de decidir que seja cumprida a lei, nesse caso, atendendo as garantias legais
dos adolescentes. Deve atuar o Poder Judiciário de modo que sejam as lesões reparadas,
suprimidas. Não cabe ao judiciário avaliação dos tramites administrativos do Estado, tal
avaliação cabe a uma boa administração, se é necessário a realização de uma licitação para o
cumprimento do que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, no caso, ou seja, a lei,
que a licitação seja feita. Logo, afasto a preliminar suscitada.
Ultrapassadas as preliminares, passo ao exame do mérito.
Ao Poder Público cabe atender as garantias fundamentais , de modo que
preserve e assegure a dignidade da pessoa humana. A questão versa sobre direitos
indisponíveis, sendo eles direitos à saúde e a integridade física dos adolescentes.
In casu, tratando-se de saúde e integridade física dos adolescentes, não
paira qualquer dúvida de que se fazia urgente a sua preservação. Eventual demora na
prestação jurisdicional findaria por causar danos irreversíveis, restando evidenciados os
pressupostos necessários para a concessão da tutela pleiteada.
O Acionado arguiu que não há omissão por parte do ente público, e que é
apenas evidente que não existem recursos para a consecução de resultados ideais no serviço
público em todos os setores e em todos os locais ao mesmo tempo. Ora, ocorre que tal
discurso vem contribuindo apenas para a malversação generalizada dos recursos públicos
pelos respectivos gestores – o que, na prática, implica o não cumprimento do dever de prestar
pelo Estado a nenhum de seus cidadãos: quer sob a forma preventiva, quer sob a forma
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Bahia legitimada para figurar no polo passivo da demanda, estando clara, a formação de
litisconsórcio, motivos pelos quais, rejeito a preliminar suscitada.
No que toca à competência do Juízo, temos que o artigo 148 do Estatuto
estabelece a competência da Vara da Infância e Juventude, sendo competência ratione
materiae e, portanto, de natureza absoluta.
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curativa/restauradora. Desse modo, resta ao Judiciário de forma coercitiva, tendo em vista a
inafastabilidade da jurisdição, recordar ao Administrador sua obrigação institucional de
utilizar o dinheiro público com os seus administrados no cumprimento do interesse popular, o
qual deve se sobrepor ao de qualquer individuo que se encontre no exercício da gestão da
coisa pública. Ademais, nem se venha a dizer que, diante da imensa carga tributária suportada
pelos cidadãos brasileiros e dos sucessivos recordes de arrecadação que o país vem
alcançando, o Judiciário ao assim proceder estaria contribuindo com a falência estatal, pois tal
alegação além de desproporcional carece de suporte fático.
Frisa-se que Carta Federal é expressa ao assegurar o direito à vida e o
direito à saúde como Garantias Fundamentais, sendo direito de todos e dever do Estado e que
tais normas prescindem de outras para a sua aplicação, consoante o art. 5°, § 1º da CF/88, ao
dispor que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”.
No caso em concreto, é preciso destacar a prioridade que a lei assegura à
criança e ao adolescente, quanto à primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, bem como à precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública, orientações que solidificam o princípio da prioridade absoluta consagrado
no âmbito da Infância e Juventude. Não restando dúvida que o direito a saúde e a integridade
física dos adolescentes restam violados pela omissão do Poder Público na medida em que não
se encontram assegurados os direitos e serviços necessários à manutenção dos adolescentes,
inclusive, de suas vidas.
Observa-se, ainda, que o objetivo último da Constituição da República, de
assegurar ao cidadão o direito à saúde, deve ser atendido de forma ampla – sobretudo quando
se tratar de criança e adolescente em razão dos Princípios da Proteção Integral e da Prioridade
Absoluta vigente no ordenamento jurídico pátrio. Nessa seara é que se encontra o caso
concreto trazido a análise, pois os adolescentes expostos que se encontram a situação sub
humana que a condição atual da delegacia impõe, necessitam de meios e serviços que de fato
atendam e contribuam com a preservação de suas vidas, da dignidade humana e saúde.
Diante do exposto e tudo mais que dos autos consta, julgo procedente o
pedido contido na inicial para, determinar ao Estado da Bahia, interdição da Delegacia
Especializada do Adolescente da Capital do Estado da Bahia, vedando-se o recebimento de
adolescentes, mesmo que a título de provisório e precário; remanejando-se os que ali
estiverem apreendidos para local apropriado, qual seja prioritariamente no Pronto
Atendimento da FUNDAC e/ou sendo impossível, encaminhe-se para as suas unidades de
internação (CASE), observando-se sua peculiar situação de inimputável, sob pena de
multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada dia de atraso.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Salvador(BA), 16 de setembro de 2015.
Juiz Walter Ribeiro Costa Júnior
Titular
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