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A MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA:
garantia de direitos?
Maria Manoela Valença*
RESUMO
O presente trabalho trata da análise de alguns aspectos da pesquisa ‘A utopia do
encontro de dois mundos: um país de “mil-e-tantas misérias” e a doutrina de
proteção integral’, realizada durante o curso de doutorado junto ao Programa de
Estudos Pós Graduados em Serviço Social – PUC/SP. Esta pesquisa, dentre
outras do Núcleo da Criança e do Adolescente – PUC/SP compôs o Projeto
Integrado de Pesquisa: “Marcos e marcas: a violência na trajetória de vida do
adolescente com prática de ato infracional”. O Projeto foi aprovado pelo CNPq e
teve a coordenação geral da Profª. Drª. Myrian Veras Baptista.
Palavras-Chave:
profissional.
Adolescentes.
Famílias.
Medida
socioeducativa.
Prática
ABSTRACT
This paper analyzes some aspects of the research named ‘The utopia of the
meeting of two worlds: a country of “thousands of miseries” and the doctrine of
integral protection’, which was carried out during the doctorate in the Program of
Post Graduated Studies in Social Service at PUC/ SP. This research, along with
some others in the Child and Adolescent Center – PUC/ SP, was part of the
Research Integrated Project: “Landmarks and marks: the violence in the life of
adolescents who committed infractions”. This project was approved by CNPq and
had Prof. Myrian Veras Baptista as general coordinator.
Keywords: Adolescents. Families. Socio-educative measures. Professional
practice.
1 INTRODUÇÃO
O projeto Marcos e Marcas articulou trabalhos de campo e de investigação a partir
de três frentes, cada uma delas com uma identidade e se situando em espaços diferenciados e
grupos específicos: no Vale do Paraíba, na Região Sul da cidade de São Paulo e no espaço
amplo das relações sociais.
A pesquisa que origina o presente trabalho analisa o atendimento na aplicação da
medida de Liberdade Assistida, tendo como objeto de estudo o processo educativo e a prática
*
Professora Adjunta e Pesquisadora do Núcleo da Criança, Adolescente e Família - NECAD, do Departamento de
Serviço Social da UFSC, Mestre em Educação pela UFRGS, Doutora em Serviço Social pela PUC/SP.
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profissional, junto a adolescentes que cumprem medida socioeducativa na região sul da cidade
de São Paulo.
A escolha da região sul da cidade de São Paulo para compor uma das frentes de
trabalho do Projeto Integrado foi, em primeiro lugar, resultado da consulta aos dados
estatísticos do movimento mensal, dos cartórios da Vara Especial da Infância e da Juventude,
compreendendo o período de janeiro de 1990 a maio de 1996, que nos indica que a medida
socioeducativa mais aplicada é a de Liberdade Assistida - LA. Em segundo lugar, foi
determinante a análise da situação dos adolescentes do Estado de São Paulo em LA, através
da pesquisa realizada pela FEBEM que aponta a Zona Sul como sendo a região em todo o
Estado, em que a medida LA atinge o maior número de adolescentes.
2 METODOLOGIA
Tendo em vista sua natureza exploratória, a pesquisa assume a característica de
pesquisa qualitativa que lança mão também de dados quantitativos, os quais são submetidos à
análise, enfatizando seu qualificado. Constituíram referências teóricas autores que sustentam a
necessidade de um novo projeto político, o qual contempla em seu bojo as carências das
classes subalternizadas. Dos procedimentos metodológicos destacam-se as coletas dos dados,
através da participação em reuniões com a equipe técnica do Posto da acompanhamento dos
adolescentes em Medida de Liberdade Assistida na região, aproximações às entidades da
Região com práticas em relação aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e,
entrevistas com educadores e adolescentes destas entidades.
Para conhecer, entender e sistematizar a ação existente na aplicabilidade de
medidas fez-se necessário ter como “reais sujeitos” os profissionais e adolescentes envolvidos
no processo. Entende-se que “[...] o conhecimento é uma obra coletiva e que todos os
envolvidos na pesquisa podem identificar criticamente seus problemas e suas necessidades,
encontrar alternativas e propor estratégias adequadas de ação”. (CHIZZOTTI, 1991, p. 82).
3 PRINCIPAIS RESULTADOS
Os dados sobre a situação de trabalho no Posto da Zona Sul da FEBEM, acrescidos
dos depoimentos dos adolescentes, dos educadores de programas da comunidade, que dão
retaguarda ao acompanhamento destes adolescentes, e, de depoimentos colhidos em reuniões,
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realizadas no Posto, nos sugerem diversas reflexões, quanto à tipologia infracional, idade, sexo,
escola, trabalho e em relação ao atendimento prestado ao adolescente e, ainda, em relação às
famílias e à comunidade.
Ao compararem-se as características dos adolescentes, sujeitos em atendimento no
Posto da Zona Sul, relativas à tipologia infracional, idade e sexo, com aquelas apresentadas no
documento: “Dados e Indicadores para Análise da Situação do Adolescente com Prática de Ato
Infracional no Estado de São Paulo”, datado de maio de 19961, pode-se verificar uma grande
semelhança entre eles, o que torna a realidade da Zona Sul representativa da realidade do
Estado de São Paulo.
Em relação à tipologia infracional, assim como na Zona Sul, os crimes contra o
patrimônio estão em primeiro lugar no Estado. Em relação à idade e sexo, verifica-se na Zona
Sul concentração semelhante à do Estado de São Paulo, Na Zona Sul, o maior número de
adolescentes se concentra entre 16 e 18 anos, sendo que no Estado de São Paulo, esta
concentração se estabelece entre os 16 e os 19 anos. Tanto na Zona Sul (93%), quanto no
Estado de São Paulo (92%), os adolescentes do sexo masculino são significativamente a
maioria.
Quanto ao tempo que um adolescente permanece na medida LA, o ECA estabelece,
no parágrafo segundo, do artigo 118, que a liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo
de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra
medida, tendo sido ouvidos o orientador, o Ministério Público e o defensor. Constatou-se que o
maior número de adolescentes permanece por mais de um ano como registrados no Posto.
Ao observar-se a questão do atendimento aos adolescentes, mesmo havendo
crescido o percentual de atendidos no decorrer do tempo analisado, fica evidente que, em
nenhum dos anos correspondentes ao período de análise, o número de atendidos chega perto
do número de casos.
Ao tratar da relação do adolescente em LA com o ensino regular verifica-se que o
número de matriculados em escola regular não atinge a metade do total dos atendidos.
Uma outra análise dos demonstrativos, em relação à educação dos adolescentes,
diz respeito aos cursos profissionalizantes. Os baixíssimos índices de matrícula nestes cursos
agravam a situação se considerarmos que a maioria dos adolescentes se encontram entre 16 e
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Documento da Assessoria de Planejamento da FEBEM/SP elaborado tendo em vista a solicitação feita pelo
CONANDA.
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19 anos (85% dos casos registrados em dezembro de 1996), idade em que, normalmente, se
busca uma qualificação profissional.
Em relação ao trabalho, os dados demonstram que, em todos os anos, o número de
adolescentes que trabalha mal chega à metade do total dos adolescentes em LA, mas é, em
todos os anos, superior ao percentual dos matriculados em escola regular. Penso ser
indispensável aproximar as análises relativas ao atendimento aos adolescentes à análise do
atendimento às famílias, à medida que em uma das linhas de ação, definida pelo pessoal do
Posto, está estabelecida a prioridade ao atendimento familiar e comunitário.
Em relação ao trabalho com as famílias, houve dificuldade para se obter dados que
respondessem às ações propostas. Nos registros, obtiveram-se informações em relação às
visitas realizadas e ao “atendimento familiar”, registradas a partir de agosto de 1996, as quais
correspondem a um número muito baixo.
Evidencia-se que, ambas as atividades, atendimento direto e articulação junto à
comunidade são importantes; mas evidencia-se, também, que não existem condições mínimas
quanto à infra-estrutura, ao apoio logístico e ao número de técnicos para que se desenvolvam,
de forma satisfatória, estas frentes de trabalho.
Considerando a importância do atendimento à família, ao tratar da situação de
adolescentes em LA, o número reduzido de famílias que se apresenta, reflete a dificuldade
encontrada na instituição de abordar de forma adequada a população alvo. Em nenhum dos
meses do período analisado o número de famílias atendidas atinge a metade do número de
adolescentes atendidos.
Os educadores entrevistados, em sua totalidade, ao responderem sobre seu
entendimento a respeito de como deve ser a orientação, o apoio e o acompanhamento dos
adolescentes e suas famílias, manifestaram clareza quanto à necessidade de acompanhamento
contínuo com participação ativa no processo.
Estes mesmos educadores se manifestaram ainda sobre a postura da entidade em
que atuam em relação ao trabalho realizado, destacando a distância existente entre a
consciência do necessário e a prática. Fica evidente, porém, o significado do trabalho que
atinge o adolescente e a família.
Além da existência de poucos recursos, constata-se, também, a necessidade de um
processo de capacitação permanente dos educadores atuantes nestas entidades para que
possam desenvolver um trabalho com crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e
social.
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Apesar das definições, estabelecidas de maneira oficial, sobre a necessidade de se
articular as entidades, de tornar o adolescente sujeito de sua própria educação, de oportunizar
a participação efetiva da família nas ações de acompanhamento dos adolescentes, os técnicos
da FEBEM têm pouca autonomia política para decidir sobre as ações. Técnicos estes ávidos de
capacitação, ávidos de ações coletivas, ávidos de espaço de socialização de seus
conhecimentos e suas descobertas e, conseqüentemente, ávidos de um apoio logístico,
político, ético, administrativo, técnico e pedagógico, em síntese, ávidos por vivenciar o ir e vir
nas "tribunas da vida" (MARTINS, 1991).
Não se percebe vontade política, por parte da Fundação, para tornar instituído o que
vem acontecendo na dimensão do instituinte. Aliás, nas reuniões de articulação, fica claro o
descrédito total em relação à Fundação e, ao mesmo tempo, o respeito à equipe do Posto e as
suas propostas. Esta constatação coincide com as falas dos adolescentes quando se
expressam sobre a FEBEM e sobre os técnicos do Posto.
4 CONSIDERAÇÕES PROSPECTIVAS
A prática em análise nos possibilita constatar que os sujeitos adolescentes e suas
famílias não têm um atendimento que garanta o acesso às oportunidades de superação de sua
condição de exclusão, nem o acesso à formação de valores positivos de participação na vida
social, condição indispensável numa ação educativa para que os adolescentes e seus
familiares sejam sujeitos de direitos (VALENÇA, 2001).
Os dados, obtidos e analisados, sobre a prática, realizada pelos técnicos do Posto
da Zona Sul com adolescentes e seus familiares, e o conhecimento, advindo desta prática em
outros espaços, nos permitem considerá-la significativa para a apreensão da intervenção junto
ao adolescente em medida socioeducativa de Liberdade Assistida.
A pesquisa evidenciou a inexistência de uma vontade política real do Governo de
enfrentamento da questão. Esta falta de vontade política está atrelada a um plano de Governo
que prioriza interesses próprios das elites em detrimento de ações efetivas para o
enfrentamento da problemática em estudo, parte representativa do segmento pobre da
população. Esta situação leva, conforme se evidenciou durante o processo investigativo, à
insuficiência de pessoal para ação, à ausência de infra-estrutura adequada, à falta de formação
permanente e, conseqüentemente, à ausência de um projeto ético político pedagógico.
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A medida de Liberdade Assistida para ser socioeducativa precisa ser respaldada
pelas políticas garantidoras do atendimento às necessidades básicas, já definidas na LOAS
como direito. Essas políticas viabilizarão a operacionalidade das medidas de proteção que,
freqüentemente, são necessárias ao atendimento integral e integrado do adolescente e de seu
grupo familiar. Quando se trata de ação junto ao adolescente em medida socioeducativa, é
indispensável abrir espaços para a participação dos sujeitos, no planejamento e no cotidiano
institucional. Nesses espaços é que a interação acontece de forma mais horizontal, onde os
sujeitos têm a possibilidade de iniciarem a tessitura de uma cidadania, ao invés de uma
cidadania somente assumida e defendida por seus representantes (VALENÇA, 2001). Com
certeza, é este exercício que oportunizará o envolvimento consciente dos atores nas relações
sociais mais amplas na sociedade.
Isto nos remete ao compromisso de termos um projeto ético-político-pedagógico
claro, no qual a nossa prática profissional deve oportunizar a identidade cidadã aos sujeitos
com os quais trabalhamos, quer na ação concreta do dia-a-dia - dimensão do político
pedagógico -, quer no âmbito do político amplo - dimensão da visibilidade.
REFERÊNCIAS
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