CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E
DESENVOLVIMENTO
SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
3.9 Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
NAÇÕES UNIDAS
Nova York e Genebra, 2003
NOTA
O Curso de Solução de Disputas em Comércio Internacional, Investimento e
Propriedade Intelectual compreende quarenta módulos.
Este Módulo foi elaborado por Denise Prevóst, a pedido da Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). As visões e opiniões aqui
expressas são da autora, e não necessariamente das Nações Unidas, da Organização
Mundial do Comércio, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, do Centro
Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), da Comissão
das Nações Unidas sobre Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL) ou do
Centro de Consultoria em Direito da OMC.
Os termos usados e a forma de apresentação do documento não implicam a expressão de
nenhuma opinião por parte das Nações Unidas sobre o status jurídico de qualquer país,
território, cidade ou área, nem de suas autoridades, ou sobre a delimitação de suas
fronteiras ou limites. Nas citações de documentos oficiais e da jurisprudência de
organizações e tribunais internacionais, o nome dos países é mantido em sua forma
original.
As Nações Unidas são titulares dos direitos autorais deste documento. O curso também
está disponível, em formato eletrônico, no website da UNCTAD (www.unctad.org).
Cópias poderão ser obtidas gratuitamente, por download, no entendimento de que serão
usadas para ensino ou pesquisa, e não para fins comerciais. Solicita-se o devido
reconhecimento desta fonte.
A versão deste módulo em língua portuguesa foi feita por Leonardo Peres da Rocha e
Silva, participante do Programa de Capacitação de Advogados da Missão Permanente
do Brasil junto às Nações Unidas e outros Organismos Internacionais em Genebra.
Direitos autorais © UN, 2003
Todos os direitos reservados
2
ÍNDICE
Nota
O que Você Aprenderá
1.
1.1
1.1.1
1.1.2
1.1.3
1.2
1.3
1.4
1.4.1
1.4.2
1.5
Âmbito de Aplicação do Acordo SPS
Âmbito Substantivo de Aplicação
Definição de uma Medida Sanitária ou Fitossanitária
Medidas Discriminatórias e Não Discriminatórias
Efeito no Comércio Internacional
Âmbito de Aplicação Temporal
Aplicação a outros Órgãos que não o Governo Central
Relação com outros Acordos da OMC
O Acordo sobre Barreiras Técnicas
GATT 1994
Teste Sua Compreensão
2.
Princípios Básicos do Acordo SPS
2.1
Direitos e Obrigações Básicos
2.2
Direito a Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias
2.3
Limites ao Direito de Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias
2.3.1 Teste de Necessidade
2.3.2 Base Científica/Prova
2.3.3 Prevenção contra a Discriminação Arbitrária ou Injustificada ou contra
Restrição Disfarçada ao Comércio
2.4
O Objetivo da Harmonização
2.4.1 Medidas Baseadas em Padrões Internacionais
2.4.2 Medidas em Conformidade com Padrões Internacionais
2.4.3 Medidas que Resultam em um Elevado Nível de Proteção
2.4.4 Participação de País em Desenvolvimento na Definição de Padrões
Internacionais
2.5
Teste Sua Compreensão
3.
Obrigações em Relação à Análise de Risco
3.1
Aspectos do Processo Regulatório
3.2
Avaliação de Risco
3.2.1 Conceito de Avaliação de Risco
3.2.2 Fatores a Serem Levados em Consideração
3.2.3 Exigência de que as Medidas sejam “baseadas em” uma Avaliação de Risco
3.3
Gerenciamento de Risco
3.3.1 O Direito de Determinação do Nível Apropriado de Proteção
3.3.2 Minimizando os Efeitos Negativos ao Comércio
3.3.3 Prevenção contra Distinções Arbitrárias ou Injustificáveis que levam à
Discriminação/Restrição Disfarçada ao Comércio
3.3.4 Medida Menos Restritiva ao Comércio
3.4
Medidas Cautelares e o Princípio da Precaução
3.4.1 Prova Científica Relevante Insuficiente
3.4.2 Baseada na Informação Pertinente Disponível
3.4.3 Obrigação de Obter Informação Adicional Necessária
3
3.4.4 Revisão Dentro de um Período Razoável de Tempo
3.5
Teste Sua Compreensão
4.
Outros Dispositivos Substantivos
4.1
Equivalência
4.1.1 Aceitação da Equivalência
4.1.2 Acordos Sobre o Reconhecimento da Equivalência
4.1.3 Importância do Reconhecimento da Equivalência para os Países em
Desenvolvimento
4.1.4 Problemas de Implementação Enfrentados pelos Países em Desenvolvimento
4.1.5 Decisão sobre Equivalência
4.2
Adaptação a Condições Regionais
4.2.1 Fatores a Serem Levados em Consideração
4.2.2 Áreas Livres de Pragas ou Doenças ou Áreas de Baixa Predominância de
Pragas ou Doenças
4.2.3 Obrigações para os Membros Exportadores
4.3
Teste Sua Compreensão
5.
5.1
5.1.1
5.1.2
5.1.3
5.1.4
5.1.5
5.2
5.3
5.3.1
5.3.2
5.3.3
5.4
5.4.1
5.4.2
5.4.3
5.5
Dispositivos sobre Aspectos Institucionais e Procedimentais
Transparência e Notificação
Obrigações de Publicação e Notificação
Autoridade para Notificação
Centros de Informação
Explicação das Razões
Importância da Notificação para Países em Desenvolvimento
Procedimentos de Controle, Inspeção e Aprovação
Comitê sobre SPS
Fórum para Consultas
Papel Relacionado ao Processo Internacional de Harmonização
Revisão Periódica da Aplicação e Implementação do Acordo SPS
Solução de Controvérsias
Ônus da Prova
Padrão de Revisão
Peritos Cientistas e Grupos de Peritos para Revisão
Teste Sua Compreensão
6.
6.1
6.2
6.3
6.3.1
6.3.2
6.3.3
6.3.4
6.3.5
6.3.6
6.3.7
6.4
Dispositivos Especiais para Países em Desenvolvimento
Reconhecimento das Limitações de Países em Desenvolvimento
Assistência Técnica
Tratamento Especial e Diferenciado
Preparação e Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
Introdução Gradual de Medidas
Período Razoável de Adaptação
Exceções Limitadas no Tempo
Facilitação de Participação em Organizações Internacionais
Dispositivos Especiais sobre Notificação
Períodos de Transição
Teste Sua Compreensão
7.
Estudos de Casos
4
8.
8.1
8.2
8.3
8.4
Leitura Complementar
Artigos
Relatórios do Órgão de Apelação
Relatórios de Painéis
Documentos e Informações
5
O QUE VOCÊ APRENDERÁ
O Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Agreement on the
Application of Sanitary and Phytosanitary Measures – SPS Agreement), comumente
chamado de Acordo SPS, é um dos acordos da OMC que resultou da Rodada Uruguai de
Negociações Comerciais Multilaterais, que ocorreram de 1986 a 1993, sob os auspícios do
GATT. O Acordo SPS está no Anexo 1A do Acordo de Marraqueche de Constituição da
Organização Mundial do Comércio de 1994 (1994 Marrakesh Agreement Establishing the
World Trade Organization) e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995. Este acordo foi
negociado em conjunto com o Acordo sobre Agricultura (Agreement on Agriculture), já que
os negociadores queriam assegurar que a liberalização alcançada a duras penas na negociação
sobre agricultura no Acordo sobre Agricultura não fosse prejudicada pelo mau uso de
regulamentos na área de saúde com objetivos protecionistas. Nesse sentido, o Acordo SPS
cria disciplinas aplicáveis a medidas para a proteção da saúde e vida humanas e dos animais
(medidas sanitárias) e da saúde e vida das plantas (medidas fitossanitárias) contra riscos
certos e definidos. Ele objetiva equilibrar o direito dos Membros de tomar medidas para
proteger, em seus territórios, a saúde de riscos contidos nos alimentos comercializados e nos
produtos agrícolas, com o escopo de liberalização do comércio no setor de alimentos e
produtos agrícolas. De maneira geral, o Acordo SPS objetiva reconciliar o livre comércio com
preocupações legítimas com a vida e saúde dos homens, animais e plantas. O Acordo SPS dá
especial importância para os países em desenvolvimento, muitos dos quais são exportadores
de produtos agrícolas e dependem do acesso a mercados estrangeiros para a obtenção de
muito de sua receita externa.
Este Módulo fornece uma visão geral das disciplinas substantivas e procedimentais contidas
no Acordo SPS e trata da jurisprudência dos painéis e do Órgão de Apelação da OMC em
relação a este Acordo. Ele também dá atenção especial à posição dos países em
desenvolvimento no Acordo SPS.
O primeiro Capítulo deste Módulo trata do âmbito de aplicação do Acordo SPS e descreve a
relação deste com outros acordos relevantes da OMC. Isto permitirá ao leitor identificar
quando o Acordo SPS é aplicável a uma situação fática particular. O segundo Capítulo
apresenta os princípios básicos do Acordo SPS, notadamente o direito dos Membros de
adotarem medidas sanitárias e/ou fitossanitárias e as disciplinas básicas relacionadas ao
exercício desse direito, bem como o objetivo de harmonização de tais medidas. O terceiro
Capítulo examina as obrigações relativas à avaliação de risco que os Membros têm que
cumprir quando resolvem impor medidas sanitárias e/ou fitossanitárias. Este Capítulo contém
as obrigações na avaliação de risco e as disciplinas de gerenciamento de risco no caso de
incertezas científicas. O quarto Capítulo trata dos dispositivos substantivos remanescentes do
Acordo SPS, notadamente as regras para reconhecimento da equivalência e adaptação a
condições regionais. O quinto Capítulo é dedicado às regras institucionais e procedimentais
contidas no Acordo SPS, incluindo aquelas relativas ao papel do Comitê sobre SPS e aquelas
que regem a solução de controvérsias no Acordo SPS, naquilo que elas diferem das normas
gerais do mecanismo de solução de controvérsias tratadas nos Módulos 3.1 e 3.4. O sexto
Capítulo aborda especificamente os dispositivos especiais para os países em desenvolvimento
no Acordo SPS. Este Módulo é concluído com uma série de casos hipotéticos, destinados a
testar o conhecimento do leitor e ilustrar a aplicação da teoria aprendida. Finalmente,
algumas recomendações são feitas para leituras complementares.
6
1.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ACORDO SPS
Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a:
•
identificar as circunstâncias nas quais o Acordo sobre a Aplicação de
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, ou o Acordo SPS, é aplicável a uma situação
fática.
•
explicar o que significa “medida sanitária ou fitossanitária” nos termos deste
Acordo e ser capaz de determinar se o Acordo aplica-se a uma disputa particular.
•
entender a relação entre o Acordo SPS e outros Acordos da OMC relevantes
nesta área.
1.1
Âmbito Substantivo de Aplicação
Artigo 1.1 do SPS
O Artigo 1.1 do Acordo SPS define o âmbito de aplicação do Acordo, quando prevê:
Este Acordo aplica-se a todas as medidas sanitárias e fitossanitárias que possam direta
ou indiretamente afetar o comércio internacional. Tais medidas serão elaboradas e
aplicadas em conformidade com os dispositivos do presente Acordo.
Nesse sentido, como mencionado pelo Painel em EC – Hormones, existem dois
requisitos para a aplicação do Acordo SPS: que a medida questionada seja uma medida
sanitária ou fitossanitária e que a medida, direta ou indiretamente, afete o comércio
internacional.1
1.1.1
Definição de uma Medida Sanitária ou Fitossanitária
Artigo 1.1 do SPS
Nem todas as medidas destinadas a proteger a saúde pública são medidas sanitárias ou
fitossanitárias para os efeitos do Acordo SPS. O artigo 1.2 indica o Anexo A do Acordo
SPS para a definição dos termos usados no Acordo. O Parágrafo 1 do Anexo A define
medidas sanitárias e fitossanitárias da seguinte forma:
Qualquer medida aplicada:
a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde dos animais ou das
plantas contra os riscos decorrentes da entrada, estabelecimento ou disseminação de
pragas, doenças, organismos portadores de doenças ou organismos patogênicos;
1
Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones) (“EC –
Hormones”), reclamação dos Estados Unidos, WT/DS26/R/US, DSR 1998:III, 699, parágrafo 8.38; e
Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones) (“EC – Hormones
(Canada)”), do Canadá, WT/DS48/R/CAN, DSR 1998:II, 235, parágrafo 8.39.
7
b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde das pessoas ou dos
animais contra os riscos decorrentes dos aditivos, contaminantes, toxinas ou
organismos patogênicos presentes nos alimentos, bebidas ou ração animal;
c) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde das pessoas contra os
riscos decorrentes de doenças transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles
derivados, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas; ou
d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros danos decorrentes da
entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas.
As medidas sanitárias ou fitossanitárias incluem toda a legislação pertinente, decretos,
regulamentos, exigências e procedimentos, incluindo, inter alia, os critérios relativos
ao produto final; os processos e métodos de produção; os procedimentos para testes,
inspeção, certificação e homologação; os regimes de quarentena, incluindo exigências
pertinentes associadas com o transporte de animais ou vegetais ou os materiais
necessários à sua sobrevivência durante o transporte; aos dispositivos relativos aos
métodos estatísticos pertinentes, procedimentos de amostragem e métodos de avaliação
de risco; e requisitos para embalagem e rotulagem diretamente relacionados com a
segurança dos alimentos.
Está claro a partir de tal definição que a questão se a medida está enquadrada ou não
depende do seu propósito ou objetivo. De forma ampla, a definição cobre medidas
destinadas a proteger homens e animais contra riscos à saúde encontrados em alimentos
e a proteger homens, animais e plantas contra riscos de pragas ou doenças. Medidas
relacionadas a outros riscos à saúde relevantes para o comércio internacional (como o
banimento de produtos que contêm amianto) e medidas não diretamente destinadas à
proteção da saúde, mas a informações ao consumidor (como o requisito de etiquetagem
para vegetais crescidos biologicamente), não se enquadram na definição. Tais medidas
não seriam, portanto, sujeitas às disciplinas do Acordo SPS, mas seriam tratadas
segundo outras regras da OMC.
Muito embora isso ainda não tenha sido objeto de solução de controvérsia, parece que o
propósito de uma medida seria determinado de forma objetiva (por exemplo,
examinando a formulação da medida, sua estrutura e desenho, e seu efeito), em vez de
se tentar determinar o aspecto subjetivo da ação do Membro que impõe a medida. A
determinação do aspecto subjetivo da ação do Membro teria como resultado não
desejado a permissão de que um Membro deixasse de cumprir as disciplinas do Acordo
SPS sob a alegação de que a intenção de sua medida não é uma daquelas que se
enquadram na definição do Anexo A.1.
Se a medida em questão tem um dos objetivos mencionados nos itens (a) a (d) da
definição do Anexo A.1, é considerada uma medida sanitária ou fitossanitária para os
efeitos do Acordo SPS, não importando a forma específica que ela tome. Isso consta da
segunda parte da definição, que contém lista ampla, ilustrativa e não exaustiva de vários
tipos de medidas governamentais que podem ser classificadas como medidas sanitárias
ou fitossanitárias, desde critérios para produtos finais e requisitos de quarentena para
procedimentos de certificação; a procedimentos para testes.
8
É importante observar que a definição do Anexo A.1 refere-se expressamente à proteção
da vida e da saúde dos homens, das plantas e dos animais dentro do território do
Membro. Assim, medidas destinadas à aplicação extraterritorial de padrões domésticos
de saúde são excluídas da aplicação do Acordo SPS.
1.1.2
Medidas Discriminatórias e Não Discriminatórias
O âmbito de aplicação do Acordo SPS não é limitado a medidas sanitárias e
fitossanitárias discriminatórias. Quando estavam negociando o Acordo SPS, os
Membros perceberam que um teste baseado na discriminação não é suficiente para
separar medidas sanitárias e fitossanitárias legítimas daquelas que têm objetivos
protecionistas. É possível que uma medida que não discrimina, nem em princípio nem
na prática, entre produtos domésticos e importados, tenha um impacto no comércio
internacional; e, assim, sirva para proteger produtores domésticos da competição
estrangeira. Por essa razão, as disciplinas do Acordo SPS alcançam tanto medidas
sanitárias e fitossanitárias discriminatórias quanto não discriminatórias, que afetam o
comércio internacional. É, portanto, possível que uma medida não discriminatória e,
assim, em conformidade com o GATT 1994, viole o Acordo SPS.
1.1.3
Efeito no Comércio Internacional
Artigo 1.1 do SPS
O segundo requisito estabelecido no Artigo 1.1 para a aplicação do Acordo SPS é que a
medida em questão afete direta ou indiretamente o comércio internacional. Prova
empírica da redução no fluxo de comércio não é requerida. Basta demonstrar que a
medida é aplicada a importações e pode ser presumido que há um impacto no comércio
internacional. O requisito de efeito no comércio internacional deve, portanto, ser de
fácil cumprimento e, de fato, não foi questionado em nenhum caso que tratou de
medidas sanitárias e fitossanitárias até agora.
1.2
Âmbito de Aplicação Temporal
O Acordo SPS entrou em vigor em 1° de janeiro de 1995. Nesse sentido, a questão que
surge é se as medidas sanitárias e fitossanitárias existentes antes dessa data estão
sujeitas aos seus dispositivos. Em EC - Hormones, as Comunidades Européias
argumentaram que como o banimento à importação de carne bovina tratada com
hormônios era anterior à entrada em vigor do Acordo SPS, o banimento não estava
sujeito às disciplinas do Acordo SPS. Confirmando a decisão do painel de rejeitar esse
argumento, o Órgão de Apelação decidiu que:
Se os negociadores quisessem isentar o grande número de medidas sanitárias e
fitossanitárias existentes em 1° de janeiro de 1995 das disciplinas de dispositivos tão
importantes quanto às contidas nos Artigos 5.1 e 5.5, parece razoável a nós que eles
teriam dito isso de forma explícita. Os Artigos 5.1 e 5.5 não distinguem entre as
medidas sanitárias e fitossanitárias adotadas antes de 1° de janeiro de 1995 e as
9
medidas adotadas desde então; o que significa que eles são aplicáveis aos dois tipos de
medidas.2
Além disso, o Órgão de Apelação fez referência ao Artigo XVI:4 do Acordo da OMC
que obriga os Membros a assegurar a conformidade das leis, regulamentos e processos
com as suas obrigações contidas nos anexos dos Acordos3. Parece, portanto, que os
Membros têm que rever as suas medidas sanitárias e fitossanitárias existentes à luz das
novas disciplinas do Acordo SPS.
1.3
Aplicação a outros Órgãos que não o Governo Central
Artigo 13 do SPS
As disciplinas contidas no Acordo SPS não são apenas aplicáveis a medidas dos
governos centrais. Nos termos do Artigo 13 do Acordo SPS, os Membros são totalmente
responsáveis pela observância do Acordo SPS e são obrigados a tomar medidas eficazes
para assegurar o cumprimento dos seus dispositivos por governos que não sejam os
governos centrais. Além disso, os Membros têm que tomar medidas razoáveis para
assegurar que entidades não governamentais em seus territórios e órgãos regionais, dos
quais entidades relevantes em seus territórios sejam Membros, cumpram as regras do
Acordo SPS. Os Membros só podem confiar nos serviços de entidades não
governamentais para a adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias se tais órgãos
cumprem os dispositivos do Acordo SPS. Os Membros também não podem requerer
nem encorajar os órgãos regionais, as entidades não governamentais ou os órgãos
governamentais locais a agir de forma contrária ao Acordo.4
1.4
Relação com outros Acordos da OMC
1.4.1
O Acordo sobre Barreiras Técnicas
Artigo 1.5 do TBT
Durante a Rodada Tóquio de negociações comerciais foram dados os primeiros passos
em relação ao tratamento do problema de barreiras não tarifárias ao comércio, na forma
de regulamentos técnicos, com a conclusão do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao
Comércio (Agreement on Tecnhical Barriers to Trade), comumente conhecido como
Código de Padrões (Standards Code). Este acordo não foi muito eficaz e foi, como
resultado da Rodada Uruguai de negociações, substituído pelo novo Acordo sobre
Barreiras Técnicas ao Comércio da OMC (WTO Agreement on Tecnhical Barriers to
Trade – o Acordo TBT), que torna mais rígidas as disciplinas do Código de Padrões. O
Acordo TBT é aplicado de forma ampla a regulamentos técnicos e padrões, inclusive
aqueles que têm por objetivo a proteção à saúde. Contudo, na Rodada Uruguai de
negociações, os negociadores viram que as medidas sanitárias e fitossanitárias
mereciam regras especiais, separadas daquelas aplicáveis à categoria ampla dos
2
Relatório do Órgão de Apelação, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones)
(“EC-Hormones”), WT/DS26/AB/R, WT/DS48/AB/R, DSR 1998:I, 135, parágrafo 128.
3
Ibid.
4
Este dispositivo foi aplicado no Relatório de Implementação, Australia – Measures Affecting
Importation of Salmon – Recourse to Article 21.5 do DSU by Canada (“Australia – Salmon”),
WT/DS18/RW parágrafo 7.13, com relação a uma medida do governo da Província da Tasmânia.
10
regulamentos técnicos e padrões. Assim, um acordo separado, o Acordo SPS, foi
concluído para tratar especificamente das medidas sanitárias e fitossanitárias.
A importância em se determinar qual desses dois acordos é aplicável a uma medida
particular está no fato de que as suas regras respectivas diferem, sendo que as regras do
Acordo TBT são menos restritas que aquelas do Acordo SPS. Para que se defina qual dos
dois Acordos é aplicável a uma medida particular, recorre-se ao artigo 1.5 do Acordo
TBT, que diz:
Os dispositivos deste Acordo não se aplicam a medidas sanitárias e fitossanitárias tais
como definidas no Anexo A do Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e
Fitossanitárias.
Além disso, o Artigo 1.4 do Acordo SPS estabelece que nada neste Acordo irá afetar os
direitos dos Membros nos termos do Acordo TBT com relação às medidas que não se
enquadram no âmbito de aplicação do Acordo SPS. Assim, o Acordo SPS e o Acordo
TBT são excludentes entre si.
Se a medida enquadra-se na definição de medida sanitária ou fitossanitária do Acordo
SPS, ela está sujeita às regras deste acordo com a exclusão do Acordo TBT, mesmo se a
medida for também um regulamento técnico ou padrão conforme definido no Acordo
TBT. Por outro lado, se a medida qualifica-se como um regulamento técnico ou um
padrão e não é uma medida sanitária ou fitossanitária, aplica-se o Acordo TBT.
O primeiro passo na determinação de qual é o acordo aplicável será definir se a medida
em questão é ou não uma medida sanitária ou fitossanitária. Se for, não será necessário
verificar se tal medida é também um regulamento técnico ou padrão para efeitos do
Acordo TBT, tendo em vista que a medida não se enquadra no seu âmbito de aplicação.
1.4.2 GATT 1994
Artigo XX(b) do GATT
Diferentemente do Acordo SPS e do Acordo TBT, o Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade - GATT) não é aplicável apenas a
uma categoria de medidas determinadas, mas cobre todas as medidas relacionadas ao
comércio de bens. Nesse sentido, ele é mais amplo na sua aplicação do que o Acordo
SPS, que é aplicável somente às medidas sanitárias e fitossanitárias. Por outro lado,
apenas medidas de saúde que são discriminatórias são incompatíveis com o GATT e se
enquadram para serem examinadas sob a ótica do Artigo XX (b) do GATT, enquanto
que o Acordo SPS alcança todas as medidas sanitárias e fitossanitárias, sejam elas
discriminatórias ou não. Nesse sentido, o GATT tem um âmbito de aplicação mais
restrito do que o Acordo SPS.
Antes da entrada em vigor do Acordo SPS, os Membros poderiam impor e manter
medidas incompatíveis com o GATT necessárias à proteção da vida ou saúde das
pessoas, animais e vegetais, em função da exceção prevista no Artigo XX (b) do GATT
1947. A inadequação desse dispositivo no tratamento das complexas medidas sanitárias
e fitossanitárias levou os Membros a negociar o Acordo SPS na Rodada Uruguai, na
tentativa de melhorar a definição do Artigo XX (b) e estabelecer limites claros para a
11
adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias que possam afetar adversamente o
comércio internacional. Contudo, o Acordo SPS vai além do mero desenvolvimento do
Artigo XX (b) do GATT e estabelece um novo e abrangente conjunto de normas para a
adoção e manutenção das medidas sanitárias e fitossanitárias.
A questão que surge é se, assim como ocorre no caso do Artigo XX (b), uma violação
ao GATT precisa ser demonstrada para que o Acordo SPS seja aplicável. Essa questão
surgiu no caso EC – Hormones, onde o Painel entendeu que os dois únicos requisitos
para a aplicação do Acordo SPS são aqueles contidos no Artigo 1.1, notadamente a
existência de uma medida sanitária ou fitossanitária e um efeito direto ou indireto no
comércio internacional, não existindo outra exigência expressa com relação a uma
violação ao GATT5. Além disso, o Painel ainda afirmou:
Além disso, nós consideramos que o argumento da CE de que o Acordo SPS não impõe
uma obrigação “substantiva” adicional àquelas já existentes no Artigo XX (b) do
GATT não é convincente. Está claro que alguns dos dispositivos do Acordo SPS foram
desenvolvidos com base nos dispositivos já contidos no GATT, particularmente o Artigo
XX (b). O último parágrafo do preâmbulo do Acordo SPS estabelece que os Membros
desejaram ‘elaborar regras para a aplicação dos dispositivos do GATT 1994 que se
referem ao uso de medidas sanitárias ou fitossanitárias, em especial ao disposto no
Artigo XX (b).’ Exemplos de tais regras são, alegadamente, algumas das obrigações
contidas no Artigo 2 do Acordo SPS. Contudo, apenas com esse fundamento, nós não
podemos concluir que o Acordo SPS apenas é aplicável, assim como o Artigo XX (b) do
GATT, se e somente se, uma violação anterior de um dispositivo do GATT for
demonstrada. Muitos dispositivos do Acordo SPS impõem obrigações “substantivas”
que vão além e são adicionais às exigências para invocação do Artigo XX (b). Essas
obrigações são, inter alia, impostas para ‘aumentar o uso de medidas sanitárias ou
fitossanitárias harmonizadas entre os Membros’ e para ‘melhorar a saúde humana, a
saúde animal e a situação fitossanitária em todos os Membros’. Elas não são impostas,
como é o caso das obrigações do Artigo XX (b) do GATT, para justificar a violação de
outra obrigação do GATT (como a violação da obrigação de não-discriminação dos
Artigos I e III).6
Nota Interpretativa do Anexo 1A e Artigo 2.4 do SPS
Contudo, o Acordo SPS não substituiu os dispositivos do GATT 1947 (atualmente
incorporados por referência ao GATT 1994) relevantes para medidas de proteção à
saúde. O Acordo SPS também não é subordinado ao GATT. Em vez disso, esses dois
Acordos aplicam-se como complemento um do outro, e do Acordo TBT. Se uma medida
para a proteção à saúde está em questão, ela pode ser alcançada por qualquer um dos
três Acordos, dependendo de sua natureza e seu conteúdo. A posição das medidas de
proteção à saúde é consequentemente determinada pelas disciplinas desses três Acordos
dentro das suas respectivas esferas de aplicação.
Diferentemente da situação do Acordo TBT, não existe dispositivo que faz com que o
Acordo SPS e o GATT 1994 sejam excludentes entre si. Assim, uma medida que se
5
Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.36 e Relatório do Painel, EC-Hormones
(Canadá), parágrafo 8.39.
6
Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafos 8.38 e 8.40.
12
enquadra na definição de uma medida sanitária ou fitossanitária pode também estar
sujeita às regras do GATT.
A relação do GATT 1994 com os outros Acordos do Anexo 1A (isto é, aqueles acordos
que tratam do comércio de bens), como o Acordo SPS, é regida pela Nota Interpretativa
do Anexo 1A (Interpretative Note to Annex 1A). A Nota Interpretativa estabelece que em
caso de conflito entre um dispositivo do GATT 1994 e um dispositivo de um outro
Acordo do Anexo 1A, este prevalece em relação àquele no conflito. Dessa forma, os
dispositivos do Acordo SPS teriam prevalência sobre qualquer regra conflitante do
GATT.
Contudo, a probabilidade de que exista um conflito entre as regras relevantes do GATT
e as disciplinas do Acordo SPS é remota, já que o Acordo SPS incorpora as disciplinas
do GATT relevantes às medidas de proteção à saúde e desenvolve tais disciplinas. Esse
fato é reconhecido no Artigo 2.4 do Acordo SPS, pela presunção da compatibilidade
com os dispositivos relevantes do GATT 1994 (e em particular o Artigo XX (b)) das
medidas sanitárias e fitossanitárias que estão em conformidade com os dispositivos do
Acordo SPS. Isso significa que se uma medida cumpre o Acordo SPS, é presumido o
cumprimento do GATT 1994.
Quando uma medida sanitária ou fitossanitária está em questão, é lógico que se deve
examinar a sua compatibilidade com o Acordo SPS primeiramente, antes de se voltar
para a conformidade com as regras do GATT. Esse argumento baseia-se na conclusão
do Painel em EC – Hormones, quando tratou da questão de qual dos dois Acordos ele
deveria examinar primeiro. O Painel decidiu:
Tendo chegado à conclusão de que nós não estamos obrigados a tratar de alegações
relativas ao GATT anteriores àquelas levantadas sob a égide do Acordo SPS, nós
precisamos decidir quais dos dois acordos nós iremos examinar primeiramente, nesse
caso particular. O Acordo SPS trata especificamente do tipo da medida objeto da
controvérsia. Se nós fossemos examinar o GATT primeiramente, nós teríamos que nos
voltar para o Acordo SPS, de qualquer forma: se uma violação ao GATT fosse
constatada, nós teríamos que considerar se o Artigo XX (b) poderia ser invocado e
teríamos então que examinar necessariamente o Acordo SPS; se, por outro lado,
nenhuma violação ao GATT fosse encontrada, nós ainda teríamos que examinar a
compatibilidade da medida com o Acordo SPS, tendo em vista que nenhuma
incompatibilidade com o GATT é presumidamente uma incompatibilidade com o
Acordo SPS. Por essas razões, e de forma a conduzir as nossas considerações sobre
essa controvérsia da maneira mais eficiente possível, nós examinaremos primeiramente
os argumentos apresentados em relação ao Acordo SPS.7
1.5
Teste Sua Compreensão
1.
Quais exigências precisam ser satisfeitas para que o Acordo SPS seja
aplicável a uma medida particular?
7
Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.42.
13
2.
Padrões sanitários e fitossanitários adotados por entidades nãogovernamentais podem ser questionados sob a égide do Acordo SPS? Se sim,
contra quem a disputa seria iniciada?
3.
Uma medida banindo o uso de plásticos tóxicos em brinquedos para
crianças pode ser considerada uma medida sanitária? Por que?
4.
Por que se pode dizer que o Acordo SPS é ao mesmo tempo mais abrangente
e mais restrito do que o GATT 1994 no âmbito de sua aplicação?
5.
Se uma medida sanitária ou fitossanitária é considerada em conformidade
com o Acordo SPS, é preciso que a sua compatibilidade seja verificada também em
relação ao Acordo TBT e/ou o GATT? Se uma medida sanitária ou fitossanitária
fosse considerada em conformidade com o GATT, seria necessário verificar a sua
compatibilidade com o Acordo SPS?
14
2.
PRINCÍPIOS BÁSICOS DO ACORDO SPS
Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a:
•
discutir os princípios básicos do Acordo SPS e a sua aplicação na solução de
controvérsias.
•
explicar a forma pela qual o Acordo SPS procura equilibrar o direito dos
governos de promulgar medidas de proteção à saúde com o livre comércio, em
particular, quais são os limites ao exercício de tal direito.
•
identificar as disciplinas científicas básicas introduzidas pelo Acordo SPS,
bem como as disciplinas existentes no GATT que foram assimiladas pelo Acordo
SPS.
•
descrever como essas regras básicas são aplicadas na jurisprudência e quais
são os seus efeitos no que tange ao ônus da prova.
•
demonstrar como o Acordo SPS favorece, mas não obriga, os Membros a
harmonizar as suas medidas sanitárias e fitossanitárias aos padrões internacionais
e examinar quais são as implicações decorrentes de tal harmonização para os
países em desenvolvimento.
2.1
Direitos e Obrigações Básicos
Artigo 2 do SPS
O Artigo 2 do Acordo SPS estabelece os direitos e obrigações básicos dentro do Acordo,
que são desenvolvidos nos artigos subseqüentes. O Artigo 2 reflete o principal objetivo
do Acordo SPS de equilibrar o reconhecido direito à soberania dos governos de
adotarem medidas para a proteção da saúde, com a necessidade de promover o livre
comércio e impedir o protecionismo.
2.2
Direito a Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias
Artigo 2.1 do SPS
O Artigo 2.1 expressamente reconhece o direito dos Membros de tomarem medidas
sanitárias ou fitossanitárias para a proteção da vida ou a saúde das pessoas, animais e
vegetais, desde que as mesmas estejam em conformidade com as disciplinas do Acordo
SPS. Este é um dispositivo importante porque representa um movimento contrário à
posição contida no GATT, segundo o qual, em princípio, as medidas discriminatórias
para proteção à saúde são proibidas, a não ser que elas possam ser justificadas de acordo
com a exceção contida no Artigo XX(b). Assim, de acordo com as regras do GATT, o
ônus da prova é do Membro que impõe a medida de proteção à saúde, que tem que
justificá-la. Ao contrário, o Artigo 2.1 do Acordo SPS deixa claro que as medidas
sanitárias ou fitossanitárias são, em princípio, autorizadas, e cabe ao Membro
reclamante provar que a medida não está em conformidade com as disciplinas do
Acordo SPS.
15
2.3
Limites ao Direito de Adotar Medidas Sanitárias ou Fitossanitárias
Artigo 2.2 do SPS
O direito indiscutível dos Membros de adotar medidas sanitárias e fitossanitárias não é
ilimitado, pois o seu exercício está sujeito às disciplinas estabelecidas no restante do
Acordo SPS. Algumas dessas disciplinas contêm exigências de justificativas científicas
novas para medidas sanitárias e fitossanitárias, enquanto que outras compreendem
regras familiares ao GATT. Essas disciplinas podem ser encontradas nos Artigos 2.2 e
2.3 do Acordo SPS e são também indicadas em outros dispositivos. O Artigo 2.2 diz
que:
Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária ou fitossanitária seja
aplicada apenas na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana,
animal ou vegetal, que essa medida seja baseada em princípios científicos e não seja
mantida sem provas científicas suficientes, com exceção do previsto no parágrafo 7 do
Artigo 5.
O Artigo 2.2 estabelece duas exigências básicas para as medidas sanitárias ou
fitossanitárias, quais sejam: (1) que elas sejam aplicadas somente na medida do
necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; e (2) que elas
tenham base em prova científica, à exceção do disposto no Artigo 5.7.
2.3.1
Teste de Necessidade
A obrigação dos Membros, contida no Artigo 2.2 do Acordo SPS, de garantir que as
suas medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam aplicadas somente na medida do
necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal reflete o já
familiar teste de necessidade previsto no Artigo XX (b) do GATT. Como mencionado
anteriormente, o Artigo XX (b) do GATT representa uma exceção às disciplinas
normais do GATT e, dessa forma, o ônus da prova para a demonstração de que suas
exigências são satisfeitas é do Membro que impõe a medida de proteção à saúde. Em
sentido oposto, essa regra de exceção está ausente do Artigo 2.2 do Acordo SPS e por
isso cabe ao Membro reclamante provar que o teste da necessidade de imposição da
medida não foi cumprido.
O teste de necessidade do Artigo 2.2 ainda não foi submetido ao mecanismo de solução
de controvérsias considerando que as partes reclamantes que apresentam disputas com
base no Acordo SPS parecem aceitar prontamente que as medidas em questão cumprem
com essa exigência, ou enquadram os seus questionamentos em dispositivos mais
específicos do Acordo SPS, que podem ser considerados como um detalhamento maior
do teste de necessidade.
2.3.2
Base Científica/Prova
O Artigo 2.2 introduz a primeira menção a disciplinas científicas sobre medidas
sanitárias e fitossanitárias no Acordo SPS e estabelece a ciência como a pedra de toque
em relação à qual as medidas sanitárias e fitossanitárias serão julgadas. Ele requer que
as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam baseadas em princípios científicos e não
sejam mantidas sem prova científica suficiente, com exceção do disposto no Artigo 5.7
16
(que trata dos casos em que há prova científica insuficiente).8 A exigência científica é
mais desenvolvida no Artigo 5.1, que requer que todas as medidas sanitárias e
fitossanitárias sejam baseadas na avaliação do risco.
A importância das disciplinas científicas na mediação entre os objetivos concorrentes da
liberalização do comércio e da proteção à saúde foi tornada pública pelo Órgão de
Apelação no caso EC – Hormones, quando ele afirmou:
...As exigências de uma avaliação de risco sob a égide do Artigo 5.1 bem como da
‘prova científica suficiente’, do Artigo 2.2, são essenciais para a manutenção do
delicado e cuidadosamente negociado equilíbrio do Acordo SPS entre os interesses
compartilhados, mas às vezes conflitantes, de promoção do comércio internacional e de
proteção da vida e da saúde humanas....9
O ponto crucial para a disciplina científica do Artigo 2.2 é a exigência de “prova
científica suficiente” para medidas sanitárias ou fitossanitárias. A questão sobre o
significado dessa exigência foi levantada no caso EC – Hormones, mas não foi decidida,
por economia processual. Ela foi levantada novamente no caso Japan – Agricultural
Products, onde o Órgão de Apelação salientou que “suficiência” é um conceito
relacional, que requer a existência de uma relação adequada entre os dois elementos,
nesse caso das medidas sanitárias ou fitossanitárias e a prova científica.10 Ele concluiu
que:
...nós concordamos com o Painel que a obrigação do Artigo 2.2 de que uma medida
sanitária ou fitossanitária não seja mantida sem a prova científica suficiente requer que
exista uma relação racional ou objetiva entre a medida sanitária ou fitossanitária e a
prova científica. A determinação quanto à existência de uma relação racional entre
uma medida sanitária ou fitossanitária e a prova científica será realizada caso a caso e
dependerá das circunstâncias específicas do caso, inclusive das características da
medida objeto da controvérsia e a qualidade e quantidade das provas científicas.11
Assim, está claro que os painéis têm algum poder discricionário na determinação da
existência da “relação racional” entre as medidas sanitárias ou fitossanitárias e a prova
científica, de acordo com as circunstâncias de um caso particular. Os painéis podem
examinar a quantidade e a qualidade da prova científica, assim como a natureza das
medidas sanitárias ou fitossanitárias para proferir uma decisão. Quando existe um apoio
científico de reputação elevada para uma medida, parece restar satisfeita a exigência da
relação racional entre a medida e a prova científica; e, assim, há “prova científica
suficiente” para a medida.
O ônus da prova é da parte reclamante, a quem cabe apresentar um caso prima facie de
que não existe “prova científica suficiente” para a medida. No caso Japan –
Agricultural Products, os Estados Unidos alegaram que o Painel impôs um ônus da
prova impossível com relação ao Artigo 2.2, ao requerer que eles fizessem prova
negativa, notadamente a prova de que não existia nenhum estudo ou relatório relevante
8
O Artigo 5.7 é tratado em detalhes no Capítulo 3 abaixo.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 177.
10
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Measures Affecting Agricultural Products (“Japan –
Agricultural Products”), WT/DS76/AB/R, adotado em 19 de março de 1999, parágrafo 73.
11
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafo 84.
9
17
que desse suporte às medidas sanitárias adotadas pelo Japão (em relação a quatro dos
oito produtos objetos da controvérsia).12 O Órgão de Apelação rejeitou o argumento dos
Estados Unidos e decidiu que:
Em nosso modo de ver, seria suficiente que os Estados Unidos levantassem a presunção
de que não existem estudos ou relatórios relevantes. Levantar a presunção de que não
existem estudos ou relatórios relevantes não é um ônus impossível. Os Estados Unidos
poderiam ter pedido ao Japão que, com base no Artigo 5.8 do Acordo SPS,
apresentasse ‘uma explicação das razões’ para a exigência de teste relativo à
variedade, especialmente tendo em vista que ele se aplica a damascos, peras, ameixas e
marmelos. Nesse caso, o Japão seria obrigado a apresentar tal explicação. O fracasso
do Japão de submeter estudos e relatórios científicos em apoio às exigências de testes
relativos a variedades que são aplicados a damascos, peras, ameixas e marmelos teria
sido uma indicação forte de que não existem tais estudos e relatórios. Os Estados
Unidos poderiam também ter apresentado aos peritos do Painel questões específicas a
respeito da existência de estudos ou relatórios relevantes; ou eles poderiam ter
submetido ao Painel a opinião dos peritos consultados por eles a respeito do assunto.13
Relação entre os Artigos 2.2 e 5.7 do SPS
Deve-se lembrar que o Artigo 2.2 leva em consideração o fato de que os governos às
vezes precisam agir frente a situações de incerteza científica, fazendo referência
expressa ao Artigo 5.7 como uma exceção à exigência de “prova científica suficiente”.
O Órgão de Apelação já reconheceu que o Artigo 5.714 reflete o princípio da
precaução.15 No caso Japan-Agricultural Products, o Órgão de Apelação discutiu a
relação entre o Artigo 2.2 e o Artigo 5.7 e decidiu que:
...está claro que o Artigo 5.7 do Acordo SPS, ao qual o Artigo 2.2 refere-se
explicitamente, é parte do contexto deste dispositivo e deve ser considerado na
interpretação das obrigações de não se manter uma medida sanitária e/ou
fitossanitária sem prova científica suficiente. O Artigo 5.7 permite que os Membros
adotem medidas sanitárias e/ou fitossanitárias cautelares ‘nos casos em que a prova
científica relevante é insuficiente e certas outras exigências são satisfeitas. O Artigo 5.7
opera como uma exceção qualificada da obrigação contida no Artigo 2.2 de não se
adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias sem prova científica suficiente. Uma
interpretação demasiadamente ampla e flexível de tal obrigação tornaria o Artigo 5.7
sem significado.16
2.3.3
Prevenção contra a Discriminação Arbitrária ou Injustificada ou
contra Restrição Disfarçada ao Comércio
Artigo 2.3 do SPS
A terceira limitação básica ao exercício do direito de impor medidas sanitárias ou
fitossanitárias está no Artigo 2.3 do Acordo SPS. Este artigo contém algumas disciplinas
12
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafo 38.
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafo 113.
14
As exigências do Artigo 5.7 serão discutidas no Capítulo 3 abaixo.
15
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 124.
16
Relatório do Órgão de Apelação, Japan-Agricultural Products II, parágrafo 80.
13
18
comerciais familiares ao GATT, que são os dispositivos que tratam de não
discriminação nos Artigos I:1 e III:4 do GATT, bem como o caput do Artigo XX17, que
impede a aplicação de medidas que se enquadram nas exceções do Artigo XX, de forma
que as mesmas “constituam um meio de discriminação arbitrária e injustificável entre
países onde os mesmos dispositivos prevalecem, ou uma restrição disfarçada ao
comércio internacional.” O Artigo 2.3 estabelece:
Os Membros garantirão que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não farão
discriminação arbitrária ou injustificada entre os Membros nos casos em que
prevalecerem condições idênticas ou similares, incluindo entre seu próprio território e
o de outros Membros. As medidas sanitárias e fitossanitárias não serão aplicadas de
forma a constituir restrição disfarçada ao comércio internacional.
O Artigo 2.3 foi questionado no Painel de Implementação no caso Australia – Salmon,
já que o Canadá argumentou que a Austrália havia imposto exigências para salmonídeos
em relação ao Canadá, mas não tinha controle interno a respeito do transporte de peixe
morto da Austrália. De acordo com o Canadá, tal medida era arbitrária ou
injustificadamente discriminatória nos termos do Artigo 2.3. O Painel de
Implementação identificou três exigências cumulativas para a prova da violação ao
Artigo 2.3, quais sejam:
(1)
que a medida discrimina entre os territórios dos Membros que não aquele
impondo a medida, ou entre o território do Membro impondo a medida e outro Membro;
(2)
a discriminação é arbitrária ou injustificada; e
(3)
condições idênticas ou similares prevalecem em territórios dos Membros
comparados.18
O primeiro elemento que precisa ser provado é, portanto, a existência de discriminação.
No caso Australia – Salmon, o Painel de Implementação decidiu que a discriminação
nos termos do Artigo 2.3 inclui não apenas a discriminação entre os produtos similares,
mas também a discriminação entre produtos diferentes (nesse caso, entre salmonídeos
do Canadá e outros peixes mortos da Austrália).19 Tal regra é significativamente
diferente das regras de não discriminação do GATT 1994, que somente proíbe a
discriminação entre produtos “similares”20 ou “diretamente concorrentes ou
substitutos”.21 A proibição mais ampla do Artigo 2.3 leva em consideração o fato de que
produtos diferentes podem possuir riscos à saúde idênticos ou similares e precisam,
assim, ser tratados da mesma forma. Existe a possibilidade, por exemplo, de diferentes
frutas serem vetores da mesma praga e de vários animais serem portadores de febre
aftosa.
A abrangência dessa proibição ao tratamento discriminatório é equilibrada com os
outros dois requisitos que precisam ser preenchidos para que uma violação ao Artigo 2.3
seja provada. Tais requisitos são: as diferenças no tratamento precisam ser arbitrárias e
17
Este fato foi expressamente mencionado no Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Measures
Affecting Importation of Salmon (“Australia – Salmon”), WT/DS18/AB/R, parágrafo 251.
18
Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 7.111.
19
Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 7.112.
20
Artigo I:1 (Obrigação da Cláusula da Nação Mais Favorecida) e Artigo III:4 (Obrigação da Cláusula
do Tratamento Nacional) do GATT 1994.
21
Artigo III:2 do GATT 1994 (em relação aos impostos internos) como explicado na Ad Note.
19
injustificáveis e condições similares ou idênticas precisam prevalecer nos territórios dos
Membros sujeitos ao tratamento diferenciado. Se a diferença no tratamento pode ser
justificada (por exemplo, porque dois produtos comparativamente não apresentam os
mesmos riscos de disseminação da mesma praga ou doença) ou as condições nos
territórios dos Membros envolvidos diferem, o Artigo 2.3 não foi violado.
Relação entre os Artigos 2.3 e 5.5 SPS
Como dito acima, as disciplinas básicas do Artigo 2 foram desenvolvidas em artigos
posteriores. Dessa forma, a regra contida no Artigo 2.3 é refletida no Artigo 5.5, que
proíbe distinções arbitrárias e injustificáveis nos níveis de proteção considerados
apropriados por um Membro em situações diferentes, mas comparáveis.
No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação observou que o Artigo 5.5 precisa ser
lido juntamente com o Artigo 2.3, que forma parte do seu contexto.22 Contudo, isso não
significa que a disciplina do Artigo 2.3 é subsumida ao Artigo 5.5. Enquanto a violação
ao Artigo 5.5 necessariamente implica violação ao Artigo 2.3, o contrário não é
verdadeiro. O Artigo 2.3 contém obrigações independentes, adicionais àquelas do
Artigo 5.5. Nesse sentido, uma violação ao Artigo 2.3 pode ser identificada sem que
haja nenhum exame do Artigo 5.5.23
2.4
O Objetivo da Harmonização
As medidas sanitárias e fitossanitárias variam bastante entre os países tendo em vista os
fatores que as autoridades regulatórias nacionais levam em consideração, durante sua
criação, tais como os interesses das indústrias domésticas, a tolerância dos
consumidores aos riscos, as condições climáticas e geográficas, o nível de
desenvolvimento tecnológico e os recursos econômicos disponíveis. Contudo, a
diversidade de medidas sanitárias ou fitossanitárias resultantes tem um impacto negativo
no comércio, já que os exportadores precisam atender um conjunto grande de padrões
para ganhar acesso aos mercados externos. Isso é particularmente importante para os
países em desenvolvimento, que comumente não dispõem de recursos e capacidade
técnica para a implementação desses padrões diversos.
O Acordo SPS tem por objetivo tratar desse problema. Em seu preâmbulo, um dos
principais objetivos mencionados é a promoção do uso, pelos Membros, de medidas
sanitárias ou fitossanitárias harmonizadas, baseadas nos padrões internacionais
desenvolvidos pelas organizações internacionais relevantes, sem que se solicite aos
Membros que mudem o que eles consideram ser o nível adequado de proteção.24
O Artigo 3 do Acordo SPS procura equilibrar o objetivo de aumento do livre comércio
pela harmonização de medidas sanitárias ou fitossanitárias e a conseqüente redução das
barreiras ao comércio causadas pelos diferentes padrões, com o devido respeito ao
direito dos Membros de escolherem os seus próprios níveis de proteção. Esse objetivo
foi expressamente citado pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones, onde foi
decidido o seguinte:
22
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 212.
Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 8.160 e Relatório do Órgão de
Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 252.
24
Este objetivo é externado no sexto parágrafo do Preâmbulo do Acordo SPS.
23
20
Em termos gerais, o objeto e o propósito do Artigo 3 é promover a harmonização de
medidas sanitárias e fitossanitárias dos Membros da forma mais abrangente possível,
ao mesmo tempo em que se reconhece e se salvaguarda o direito e o dever do Membro
de proteger a vida e a saúde de sua população. O fim último da harmonização das
medidas sanitárias e fitossanitárias é impedir o uso de tais medidas para discriminação
arbitrária e injustificada entre os Membros ou como uma restrição disfarçada ao
comércio internacional, sem impedir que os Membros adotem ou façam cumprir
medidas que são ao mesmo tempo ‘necessárias para proteger’ a saúde e a vida e
‘baseadas em princípios científicos’, e também sem requerer que eles alterem seus
próprios níveis adequados de proteção.25
A harmonização em torno de padrões internacionais é encorajada no Acordo SPS pela
presunção de compatibilidade de medidas que obedecem a padrões internacionais com o
GATT 1994 e o Acordo SPS. Contudo, a adoção de padrões harmonizados não é
obrigatória, muito embora a adoção de padrões globais seja eficaz comercialmente. Isso
está em linha com o fato de que a escolha do nível de proteção é vista como uma
decisão soberana e é tratada com bastante deferência no Acordo SPS. Nesse sentido, um
governo não está obrigado a adotar um padrão internacional que leva a um nível de
proteção à saúde menor do que ele acredita ser apropriado. Essa estratégia está contida
no Artigo 3 do Acordo SPS.
Nos termos do Artigo 3, três opções autônomas são dadas aos Membros com relação
aos padrões internacionais harmonizados, cada qual com suas próprias conseqüências.
De maneira ampla, os Membros podem (1) basear suas medidas sanitárias ou
fitossanitárias em padrões internacionais nos termos do Artigo 3.1; (2) adequar suas
medidas sanitárias ou fitossanitárias aos padrões internacionais nos termos do Artigo
3.2; ou (3) desviar-se dos padrões internacionais nos termos do Artigo 3.3. É importante
observar que essas são opções igualmente disponíveis e que não existe uma relação de
regra de exceção entre elas.26 Como resultado, o ônus da prova permanece com o
Membro reclamante, a quem cabe demonstrar que as exigências dessas três opções não
foram cumpridas.
Essas três opções são examinadas em maior detalhe abaixo.
2.4.1
Medidas Baseadas em Padrões Internacionais
Artigo 3.1 do SPS
O Artigo 3.1 expressa o objetivo de harmonização das medidas sanitárias e
fitossanitárias da forma mais abrangente possível, e menciona a obrigação dos Membros
de basear as suas medidas sanitárias e fitossanitárias em padrões, orientações e
recomendações internacionais, quando existentes, à exceção do previsto no Artigo 3.3.27
25
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 177.
No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação rejeitou a abordagem do Painel, que viu nos Artigos
3.1 e 3.2 uma regra geral e o Artigo 3.3 como a exceção (Relatório do Órgão de Apelação, ECHormones, parágrafo 104).
27
Novamente, é preciso lembrar que essa última frase não significa que o Artigo 3.3 é uma exceção à
obrigação estabelecida no Artigo 3.1, mas que ela só serve para excluir do seu âmbito de aplicação as
26
21
Anexo A.3 do SPS
É necessário que se identifique o que se quer dizer com “padrões, orientações ou
recomendações internacionais”. A OMC não é um órgão regulatório com capacidade de
estabelecer normas. Como não pode fixar padrões harmonizados, ela confia naqueles
padrões definidos por organizações que têm essa competência na área da saúde humana,
animal e vegetal. Essas organizações estão identificadas no Anexo A.3 do Acordo SPS,
que define “padrões, orientações e recomendações internacionais” como aqueles
fixados: (1) pela Comissão do Codex Alimentarius (Codex Alimentarius Commission –
CAC) na área de segurança alimentar; (2) pelo Escritório Internacional de Epizootias
(International Office of Epizootics – OIE), na área de saúde animal; (3) pelo
Secretariado da Convenção Internacional para Proteção Vegetal (International Plant
Protection Convention – IPPC) , na área de saúde vegetal; e (4) por outras organizações
internacionais abertas para a participação de todos os Membros da OMC, que são
identificadas pelo Comitê sobre SPS, para assuntos não cobertos pelas três organizações
mencionadas anteriormente.
Cada uma dessas organizações tem estruturas e processos de estabelecimento de
padrões próprios, que são definidos em seus estatutos e não pela OMC. Em geral, as
atividades desses órgãos podem ser caracterizadas como processos de tomada de
decisão de gerenciamento de riscos (tal como baixar determinadas orientações ou fixar
padrões, que incorporam um certo nível de proteção), com base em informação
científica para avaliações de risco28. Contudo, a forma como tais órgãos fazem isso
varia consideravelmente. Devido à crescente importância dos padrões definidos por
essas organizações desde a entrada em vigor do Acordo SPS, tem havido um interesse
crescente no trabalho de definição de padrões dessas organizações.
“Baseado em”
Se existe um padrão, orientação ou recomendação internacional relevante, o Artigo 3.1
exige que o Membro baseie a sua medida sanitária ou fitossanitária naquele padrão. No
caso EC - Hormones, o significado da expressão “baseado em” não foi tratado pelo
Órgão de Apelação, que disse:
Ler o Artigo 3.1 como se ele obrigasse o Membro a harmonizar as suas medidas
sanitárias e fitossanitárias adequando tais medidas com os padrões, orientações e
recomendações, aqui e agora, é, na verdade, revestir tais padrões (que são, pelos
termos do Codex, recomendações na forma e natureza) de força e efeitos obrigatórios.
A interpretação do Painel em relação ao Artigo 3.1 iria transformar esses padrões,
orientações e recomendações em normas vinculantes. Contudo, como já mencionado, o
Acordo SPS não indica nenhum interesse por parte dos Membros de fazer com que isso
ocorresse. Nós não podemos assumir facilmente que estados soberanos procuraram
impor sobre eles mesmos as mais onerosas e mais custosas obrigações ao imporem a
compatibilidade com ou cumprimento de tais padrões, orientações e recomendações.
Para se sustentar tal premissa e tal interpretação extensiva, seria necessário uma
medidas que se enquadram no Artigo 3.3 (Relatório do Órgão de Apelação, EC – Hormones, parágrafo
104).
28
A distinção entre avaliação de riscos e gerenciamento de riscos será discutida no Capitulo 3.
22
redação mais específica e impositiva do que aquela encontrada no Artigo 3, do Acordo
SPS.29
O Órgão de Apelação deixou claro que padrões de aceitação voluntária definidos por
organizações internacionais relevantes não se tornam obrigatórios pela aplicação do
Acordo SPS.
Com relação ao significado da expressão “baseado em”, o Órgão de Apelação afirmou
que uma coisa é comumente definida como baseada na outra se se ergue, ou se funda,
ou é construída sobre, ou ainda se apóia naquela. Além disso, ele afirmou que uma
medida baseada em um padrão não necessariamente está em conformidade com aquele
padrão, o que ocorre quando alguns mas não todos os elementos daquele padrão são
incorporados na medida.30
Para os países em desenvolvimento, a vantagem de basear as suas medidas sanitárias e
fitossanitárias nos padrões internacionais está no fato de que tais países são
normalmente incapazes de fazer os estudos científicos necessários para apoiar suas
próprias medidas sanitárias e fitossanitárias, devido às restrições orçamentárias. Padrões
internacionais são necessariamente baseados em avaliações científicas de risco. Nesse
sentido, as medidas dos países em desenvolvimento que são baseadas em tais padrões,
mesmo se não estão em completa conformidade com tais padrões e não adotam a
mesma medida do padrão internacional, são baseadas em uma avaliação de risco. Se
questionados nos termos do Artigo 5.1, que requer que a medida sanitária ou
fitossanitária seja baseada em uma avaliação de risco, os países em desenvolvimento
podem se reportar à avaliação de riscos que compõe a base do padrão internacional, e
devem, assim, apenas demonstrar que suas próprias medidas são baseadas nessa mesma
avaliação de risco.31 Por essa razão, é vantajoso para os países em desenvolvimento que
mais padrões internacionais sejam desenvolvidos nas áreas de seus interesses.
2.4.2
Medidas em Conformidade com Padrões Internacionais
Artigo 3.2 do SPS
A segunda opção disponível aos Membros, estabelecida no Artigo 3.2, é escolher adotar
uma medida sanitária ou fitossanitária que esteja em conformidade com o padrão,
orientação ou recomendação internacional relevante. No caso EC-Hormones, o Órgão
de Apelação explicou o que é necessário para que a medida esteja em conformidade
com um padrão internacional, ao afirmar:
“Em conformidade com”
Tal medida incorpora o padrão internacional completamente e, por razões práticas, o
transforma em um padrão municipal.32
29
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 165.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 163.
31
A exigência de que uma medida sanitária ou fitossanitária seja ‘baseada em’ uma avaliação de risco
será discutida no Capítulo 3 abaixo.
32
Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 170.
30
23
Dessa forma, parece que a medida nacional deve ser idêntica ao padrão internacional,
tanto em relação à estrutura quanto ao nível de proteção que ela compreende.
Presunção de Compatibilidade
O Artigo 3.2 incentiva a harmonização ao criar a presunção de compatibilidade com o
GATT 1994 e o Acordo SPS para as medidas em conformidade com os padrões
internacionais. Essa presunção foi considerada contestável.33 No caso EC-Hormones, o
Órgão de Apelação tratou da implicação da presunção de compatibilidade. Na
oportunidade, ele afirmou que a presunção é um incentivo para os Membros
compatibilizarem suas medidas sanitárias e fitossanitárias com os padrões
internacionais, mas disse também que os Membros que decidem não compatibilizar as
suas medidas com os padrões internacionais não podem ser penalizados com a
imposição de um ônus da prova especial e generalizado.34 É, portanto, claro que o ônus
da prova permanece com a parte reclamante, a quem cabe provar a violação ao Acordo
SPS nos dois casos; mas o ônus é mais pesado com relação à medida sanitária ou
fitossanitária que está em conformidade com os padrões internacionais, já que a parte
reclamante tem que ultrapassar a presunção de compatibilidade contida no Artigo 3.2.
A presunção de compatibilidade do Artigo 3.2 apresenta benefícios importantes para os
países em desenvolvimento. Muitas vezes os países em desenvolvimento não dispõem
dos recursos para cumprir todas as disciplinas do Acordo SPS, quando impõem uma
medida sanitária ou fitossanitária. Eles, portanto, são vulneráveis a questionamentos no
âmbito do Acordo SPS. Quando as suas medidas sanitárias e fitossanitárias estão em
conformidade com os padrões internacionais, a probabilidade de questionamento é
reduzida de forma considerável, devido às dificuldades envolvidas para que se
ultrapasse a presunção de compatibilidade contida no Artigo 3.2. Deve ser observado
que a presunção de compatibilidade se estende não só para as disciplinas científicas do
Acordo SPS, tendo em vista que a medida em conformidade com padrões internacionais
será presumidamente compatível com o Acordo SPS todo e com o GATT 1994.
2.4.3
Medidas que Resultam em um Elevado Nível de Proteção
Artigo 3.3 do SPS
A terceira opção à escolha dos Membros está contida no Artigo 3.3, que reconhece o
direito dos Membros de usar medidas sanitárias ou fitossanitárias que resultam em um
nível de proteção mais elevado do que poderia ser alcançado se as medidas fossem
“baseadas” nos padrões internacionais relevantes; e define os requisitos para tanto. Essa
opção é importante porque ela reconhece os direitos dos Membros de escolher os seus
próprios níveis de proteção sanitária e fitossanitária, um princípio importante dentro do
Acordo SPS. No caso EC-Hormones, o Órgão de Apelação decidiu que:
O direito de um Membro de estabelecer seu próprio nível de proteção sanitária nos
termos do Artigo 3.3 do Acordo SPS é um direito autônomo e não uma exceção à
“obrigação geral” do Artigo 3.1.35
33
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 170.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 102.
35
Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 172.
34
24
O direito de escolher medidas que fornecem um nível de proteção maior do que o dos
padrões internacionais não é um direito “absoluto e não qualificado”, como reconhecido
pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones.36 Ao contrário, tal direito está sujeito
aos requisitos estabelecidos pelo Artigo 3.3, notadamente que exista uma justificativa
científica para a medida ou que a medida seja o resultado de um nível de proteção mais
elevado escolhido pelo Membro em conformidade com os Artigos 5.1-5.8. Em ambos
os casos, a medida precisa ser compatível com todos os outros dispositivos do Acordo
SPS.
Muito embora o uso da palavra “ou” parece indicar que duas situações diferentes são
vislumbradas no Artigo 3.3 quando é possível o afastamento dos padrões internacionais,
o Órgão de Apelação já reconheceu que esse artigo “não é um modelo de clareza na
redação”.37 De acordo com o Órgão de Apelação, a distinção feita no Artigo 3.3 entre
duas situações “pode ter efeitos muito limitados e pode, nessa medida, ser mais aparente
do que real”.38 Isso porque, em uma adequada interpretação desse dispositivo, um
Membro que se afasta de um padrão internacional existente, está sempre obrigado a
justificar suas medidas por meio de uma avaliação de risco.39 Em outras palavras, um
Membro que alega justificativa científica para o seu afastamento de um padrão
internacional precisa basear a sua alegação em uma avaliação de risco adequada, da
mesma forma que o Membro que justifica o seu afastamento na escolha de um nível de
proteção diferente daquele alcançado pelo padrão internacional. De acordo com o Órgão
de Apelação, o requisito da avaliação de risco “destina-se a ser um fator compensador
do direito dos Membros de definirem seus próprios níveis de proteção.”40
2.4.4 Participação de País em Desenvolvimento na Definição de Padrões
Internacionais
Artigos 3.4 e 10.4 do SPS
Nos termos do Artigo 3.4, os Membros são obrigados a participar do trabalho das
organizações internacionais padronizadoras, na medida em que seus recursos permitem,
e a promover o desenvolvimento e a revisão periódica de padrões sanitários e
fitossanitários definidos por essas organizações. Contudo, esse dispositivo reconhece
que os recursos são um fator limitador no que tange à participação dos Membros em
organizações internacionais padronizadoras.
Na verdade, muita atenção tem sido dada ao processo de definição de padrões nessas
organizações e aos problemas que os países em desenvolvimento enfrentam no que diz
respeito à participação efetiva.41 O reconhecimento dessa situação está refletido no
Artigo 10.4, que estabelece que os Membros devem incentivar e facilitar a participação
36
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 172.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 175.
38
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 176.
39
Em uma nota de rodapé ao Artigo 3.3, “justificativa científica” é definida de uma forma que indica
que a avaliação de risco é requerida (Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 175).
40
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 177.
41
A questão da participação efetiva deve ser separada da questão da filiação a organizações
internacionais padronizadoras. De fato, a grande maioria dos membros da OMC, incluindo a maior
parte dos países em desenvolvimento, são membros do Codex, do OIE e do IPPC. O Secretariado da
OMC elaborou uma lista com uma compilação a esse respeito (vide G/SPS/GEN/49/Rev. 4, de 30 de abril
de 2002).
37
25
ativa de países em desenvolvimento - Membros da OMC - nas organizações
internacionais padronizadoras relevantes. Existiram iniciativas nesse sentido, mas ainda
há preocupações relacionadas ao compromisso dos países desenvolvidos com o
cumprimento do Artigo 10.4, que não impõe nenhuma real obrigação aos Membros,
mas afirma apenas que eles “devem” fornecer assistência aos países em
desenvolvimento a esse respeito.
Recentemente, devido ao conhecimento da crescente importância dos padrões
internacionais no âmbito do Acordo SPS, a participação dos países em desenvolvimento
em organizações internacionais padronizadoras tem sido mais ativa. O nível de
comparecimento dos representantes dos países em desenvolvimento melhorou e eles
têm se tornado mais propensos a assegurar que os seus pontos de vista sejam levados
em consideração durante as sessões plenárias quando os padrões são decididos.
Contudo, a participação deles em comitês técnicos em que provas científicas são
discutidas e os padrões são preparados muitas vezes deixa a desejar. Isso acontece em
grande parte pela ausência de recursos humanos e financeiros necessários para garantir
o comparecimento a um conjunto de reuniões de comitês com especialistas bem
preparados nas áreas em que os padrões estão sendo definidos. Além disso, a ausência
de infra-estrutura nacional eficaz para a avaliação das minutas dos padrões e a
formulação de posições tem sido identificada como um problema.42
São crescentes os esforços concertados para a solução dos problemas que os países em
desenvolvimento enfrentam no que tange à efetiva participação nas organizações
internacionais padronizadoras.43 Os Diretores Gerais da FAO, da OMS, da OIE, da
OMC e o Presidente do Banco Mundial fizeram uma declaração na Conferência
Ministerial de Doha, na qual afirmaram o compromisso deles com o fortalecimento da
capacidade dos países em desenvolvimento de participar totalmente na definição dos
padrões internacionais.44 Contudo, está claro que muito ainda precisa ser feito a esse
respeito.45
2.5
Teste Sua Compreensão
1.
Explique o efeito do Artigo 2.1 do Acordo SPS na definição do ônus da
prova no mecanismo de solução de controvérsias relacionado a uma medida
sanitária e fitossanitária e compare com a situação de medidas de proteção à saúde
no âmbito do GATT 1994.
2.
O que significa o requisito da “prova científica suficiente”?
42
G/SPS/GEN/236, de 9 de março de 2001.
Veja, por exemplo, as iniciativas descritas no documento G/SPS/GEN/250, de 14 de maio de 2001.
44
WT/MN(01)/ST/97, de 11 de novembro de 2001.
45
A esse respeito, vale observar que uma revisão do Codex (e de outros trabalhos da FAO e da OMS
sobre os padrões de alimentos), foi lançada para fornecer insumos para a tomada de decisões sobre
políticas futuras e gerenciamento. Essa revisão vai incluir uma avaliação de particular interesse para os
países em desenvolvimento, no que tange à participação deles nos processos de definição de padrões.
(veja World Health Organization and Food and Agriculture Organization, Joint FAO/WHO Evaluation of
the Codex Alimentarius and other FAO and WHO Work on Food Standards, de 16 de abril de 2002,
WHO/FAO: Roma/Genebra, parágrafo 8(iv)). Veja também Steve Suppan e Rod Leonard, Comments
Submitted to the Independent Evaluation of the Codex Alimentarius and Other FAO-WHO Work on Food
Standards,
WTO
Watch
(2002),
disponível
na
página:
www.wtowatch.org/library/admin/uploadedfiles/showfile.cfm
FileName=Comments Submitted_to_the_Independent_Evaluation.htm.
43
26
3.
Os Membros da OMC não são obrigados a adotar padrões, orientações ou
recomendações sanitários e fitossanitários internacionalmente aceitos. Eles têm
três opções. Descreva as três opções e as suas conseqüências. Quais dessas opções
são normalmente mais benéficas para os países em desenvolvimento?
4.
Descreva a situação atual da participação dos países em desenvolvimento
nas organizações internacionais padronizadoras.
27
3.
OBRIGAÇÕES EM RELAÇÃO À ANÁLISE DE RISCO
Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a:
•
identificar e discutir as obrigações do Acordo SPS que são relacionadas à
análise de risco e o processo regulatório.
•
distinguir entre avaliação de risco e gerenciamento de risco e explicar
como as disciplinas relevantes são aplicadas na prática.
•
avaliar o papel do princípio da precaução no Acordo SPS como refletido
no Artigo 5.7.
3.1
Aspectos do Processo Regulatório
Existe uma distinção entre dois aspectos do processo regulatório que trata da análise de
risco: avaliação de risco e gerenciamento de risco. Avaliação de risco pode ser definida
como o processo de base científica para determinar a existência de um risco e a
probabilidade dele ocorrer. Gerenciamento de risco, por outro lado, significa uma
escolha de base política do nível de proteção à saúde que um estado deseja assegurar no
seu território, e a escolha da medida sanitária ou fitossanitária necessária para alcançar
tal nível de proteção. As decisões no âmbito do gerenciamento de risco são baseadas
não apenas nos resultados científicos da avaliação de risco, mas também em vários
julgamentos de valor social, tal como a tolerância dos cidadãos ao risco. A distinção
entre os dois aspectos do processo regulatório não é absoluta e elementos não científicos
de fato têm um papel relevante na avaliação de risco. A distinção só é útil para melhorar
o entendimento do processo regulatório.
Artigo 5 do SPS
As regras do Acordo SPS relacionadas ao processo regulatório, contidas no Artigo 5,
foram elaboradas de uma forma que, implicitamente, levam em consideração essa
distinção no julgamento da validade das medidas sanitárias ou fitossanitárias nacionais.
Disciplinas restritas são aplicadas ao processo de avaliação de risco, considerando que a
escolha de um Membro por um nível apropriado de proteção é, em grande medida,
respeitada. Contudo, como observado pelo Órgão de Apelação no caso EC – Hormones,
não existe menção expressa ao termo “gerenciamento de risco” no Acordo SPS e essa
distinção conceitual não deve ser usada de forma que ela não seja apoiada pelo texto do
Acordo SPS.46
3.2
Avaliação de Risco
O Acordo SPS contém certas disciplinas aplicáveis à fase de avaliação de risco do
processo regulatório, que tem por objetivo assegurar que as medidas sanitárias ou
fitossanitárias sejam justificáveis cientificamente e que levem em consideração os
fatores relevantes. É fundamental para essas disciplinas a exigência de que os Membros
garantam que suas medidas sanitárias ou fitossanitárias são baseadas em uma avaliação
de risco.
46
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 181.
28
3.2.1
Conceito de Avaliação de Risco
Anexo A.4 do SPS
De forma a identificar se uma medida sanitária ou fitossanitária está baseada em uma
avaliação de risco como requerido pelo Artigo 5.1, é necessário inicialmente determinar
o que significa avaliação de risco. O Anexo A.4 do Acordo SPS define dois tipos de
avaliação de risco, que correspondem aos dois grandes e amplos objetivos das medidas
sanitárias e fitossanitárias, como definidos no Anexo A.1, quais sejam, a proteção contra
os riscos de pragas ou doenças e a proteção contra riscos contidos dos alimentos.47 É
importante identificar que tipo de avaliação é requerido em um caso particular, já que os
requisitos para cada tipo diferem.
O primeiro tipo de avaliação de risco requer o “exame da likelihood” [probabilidade] da
entrada, fixação ou disseminação de uma praga ou doença dentro do território de um
Membro importador, de acordo com a medida sanitária ou fitossanitária que pode ser
aplicada, e das conseqüências biológicas e econômicas potencialmente associadas.” O
segundo requer o “exame dos possíveis efeitos adversos para a vida ou para a saúde
humana ou animal resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas, ou
organismos patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal.” A definição de
avaliação de risco que será aplicada em um dado caso dependerá do tipo de medida
sanitária ou fitossanitária em questão.
Avaliação de Risco para Riscos Contidos nos Alimentos
No caso EC- Hormones, a medida sanitária (o banimento pelas CE da carne bovina
tratada com hormônio) foi direcionada aos riscos contidos nos alimentos. Nesse sentido,
estava em questão a segunda definição de avaliação de risco. O Painel entendeu que
existiam dois requisitos para esse tipo de avaliação de risco (nesse caso), ou seja, deverse-ia:
(i)
identificar os efeitos adversos à saúde humana (se existentes) gerados pela
presença dos hormônios em questão quando usados como incentivadores/promotores do
crescimento em carnes e produtos derivados de carnes; e
(ii)
se algum desses efeitos adversos existir, avaliar a possibilidade ou a
‘likelihood’ [probabilidade] da ocorrência desses efeitos.48
O Órgão de Apelação não questionou o teste dos dois requisitos, mas não concordou
com o Painel no tocante ao uso da “likelihood” [probabilidade] como uma alternativa
para a “possibilidade”, já que aquela palavra parece introduzir um elemento quantitativo
à noção de risco.49 O Órgão de Apelação concordou com o Painel50 que é preciso haver
um “risco identificável”, não apenas uma incerteza teórica (que sempre permanece na
medida em que a ciência nunca pode fornecer certeza absoluta de que uma substância
não vai nunca ter efeitos adversos à saúde). Contudo, na medida em que o Painel
47
A definição de medidas sanitárias e fitossanitárias no Anexo A.1 foi discutida no Capítulo 1 acima.
Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.101 e Relatório do Painel, EC-Hormones
(EUA), parágrafo 8.98.
49
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 184-186.
50
Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafos 8.155-156 e Relatório do Painel, ECHormones (EUA), parágrafos 8.152-153.
48
29
pareceu exigir uma avaliação de risco para estabelecer uma magnitude mínima para o
risco, o Órgão de Apelação observou que não existe fundamento legal no Acordo SPS
para tal requisito quantitativo51. Assim, muito embora uma avaliação de risco deva
identificar um risco real, esse risco não precisa ser quantificado, mas pode ser indicado
qualitativamente.
Avaliação de Risco para Riscos de Pragas e Doenças
No caso Australia – Salmon, a medida sanitária em questão (o banimento pela Austrália
da importação de salmão fresco, gelado ou congelado do Canadá) foi destinada a
impedir a entrada, estabelecimento, ou disseminação de doenças em peixes. Assim, a
primeira definição de avaliação de risco foi aplicável. O Painel entendeu que esse tipo
de avaliação de risco precisa:
(1)
examinar o risco de entrada, estabelecimento e disseminação de uma doença;
e
(2)
examinar o risco das “conseqüências biológicas e econômicas potenciais
associadas”.52
Isso difere da segunda definição de avaliação de risco para riscos inerentes a alimentos,
já que essa não envolve o exame de conseqüências biológicas e econômicas. Isso é
porque nos casos onde a saúde humana está em risco, os Membros não podem ser
solicitados a sopesar considerações econômicas.
Para avaliar esses dois elementos de risco nos termos da primeira definição, um teste de
três etapas deve ser feito.53 Notadamente, a avaliação de risco precisa:
(1)
identificar as pragas ou as doenças cuja entrada, estabelecimento ou
disseminação um Membro quer impedir em seu território, bem como as conseqüências
biológicas e econômicas possíveis associadas com a entrada, estabelecimento ou
disseminação dessas doenças;
(2)
examinar a ‘likelihood’/probabilidade da entrada, estabelecimento e
disseminação dessas pragas e doenças, bem como das conseqüências biológicas e
econômicas potenciais associadas; e
(3)
examinar a ‘likelihood’/probabilidade da entrada, estabelecimento e
disseminação dessas doenças de acordo com as medidas sanitárias e fitossanitárias que
podem ser aplicadas.54
O Órgão de Apelação ressaltou, no caso Australia – Salmon55, a diferença dos termos
usados para a primeira e a segunda definição de avaliação de risco no Anexo A.
Enquanto a segunda definição pede um exame do “potencial” para gerar efeitos
adversos, a primeira requer o exame da “likelihood” da entrada, estabelecimento e
51
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 186.
Relatório do Painel, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon (“Australia-Salmon”),
WT/DS18/R e Corrigendum 1, parágrafo 8.72.
53
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 121.
54
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 121. Esse teste foi endossado pelo
Órgão de Apelação no caso Japan – Agricultural Products, bem como pelo Painel de Implementação no
caso Australia – Salmon (Relatório do Órgão de Apelação, Japan Agricultural Products, parágrafo 112;
Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafo 7.41).
55
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 123.
52
30
disseminação de pragas e doenças. O Órgão de Apelação decidiu que “likelihood”
significa “probability” [probabilidade]. Nesse sentido, nos termos dessa definição de
avaliação de risco, não é suficiente demonstrar a possibilidade de entrada,
estabelecimento ou disseminação de doenças e as conseqüências biológicas e
econômicas potenciais associadas. Em vez disso, a avaliação de risco tem que examinar
a “likelihood”, ou seja, a probabilidade, da entrada, estabelecimento ou disseminação
de doenças de acordo com as medidas sanitárias ou fitossanitárias que podem ser
aplicadas.56
O Órgão de Apelação discordou do Painel de que algum exame da “likelihood” ou
probabilidade é suficiente, mas concordou que a probabilidade pode ser expressa tanto
quantitativamente quanto qualitativamente e que não existe a exigência de que a
avaliação de risco contenha a determinação de uma certa magnitude ou nível específico
de grau de risco.57
Parece que a diferente terminologia nas duas definições de avaliação de risco foi
destinada a definir requisitos menos rigorosos nos casos onde a saúde humana parece
mais vulnerável ao risco, notadamente quando a segurança dos alimentos está em
questão; do que nos casos em que o risco aplica-se a pragas e doenças, que mais
facilmente afetam plantas e animais. Contudo, em nenhum dos casos é necessária uma
avaliação de risco quantificado nem é preciso que um nível mínimo de risco seja
provado.
Especificidade
Além das considerações sobre os requisitos específicos para cada uma das duas
definições de avaliação de risco, as decisões nesses casos também tratam de questões
comuns relacionadas à avaliação de risco em geral. Um desses assuntos é o requisito da
especificidade na análise do risco. Não é suficiente, para uma avaliação de risco,
demonstrar um risco geral de dano. O tipo específico de risco em questão na disputa
deve ser demonstrado.58
Abrangência
Ademais, uma avaliação de risco deve ser abrangente, ou seja, deve cobrir cada uma das
substâncias em questão.59
56
A primeira definição também esteve em discussão no caso Japan – Agricultural Products (Relatório do
Órgão de Apelação, Japan Agricultural Products, parágrafo 113-114).
57
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 123-124.
58
No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação decidiu que as avaliações de risco das CE não
trataram do tipo particular de risco em questão naquele caso, notadamente o potencial carcinogênico e
genotóxico dos resíduos dos hormônios encontrados na carne do gado ao qual os hormônios haviam sido
administrados com vistas ao crescimento. Nesse sentido, os estudos não foram suficientemente
específicos para o caso e não preencheram os requisitos da avaliação de risco (Relatório do Órgão de
Apelação, EC-Hormones, parágrafo 200).
59
No caso EC – Hormones, houve uma completa falta de provas com relação a um dos hormônios em
questão, o MGA. O Painel observou que um dos princípios básicos de uma avaliação de risco é que ela
precisa ser feita para cada uma das substâncias individuais em questão (Relatório do Painel, EC –
Hormones (Canadá), parágrafo 8.258 e Relatório do Painel, EC – Hormones (EUA), parágrafo 8.255)).
De forma análoga, no caso Australia – Salmon, o Painel enfatizou que uma avaliação de risco deve
identificar e examinar o risco para cada doença separadamente, não simplesmente tratar do risco
31
Relevância da avaliação de risco para as outras categorias de produtos
É possível que existam estudos ou avaliações de risco em outras categorias de produtos,
que possam ter relevância para o caso em questão. Por exemplo, duas categorias de
produtos podem enfrentar riscos do mesmo agente da doença. Contudo, muito embora
uma avaliação de risco completamente nova poderia não ser necessária para cada
categoria de produto, uma avaliação de risco por categorias de produtos relacionados
não pode ser considerada uma avaliação de risco para um produto.60
Como Apropriado para as Circunstâncias
O requisito de que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam baseadas em uma
avaliação de risco é qualificado pela frase “como apropriado para as circunstâncias”. Já
foi decidido que essa qualificação não anula nem suspende a obrigação do Membro de
basear as medidas sanitárias ou fitossanitárias em uma avaliação de risco. Em vez disso,
essa expressão foi considerada relacionada à maneira pela qual tal avaliação de risco
precisa ser feita.61 Ela pode ser distinta, dependendo da fonte do risco (por exemplo,
químico ou patogênico), do sujeito ao risco (pessoas, animais ou plantas), do produto
envolvido, e de situações específicas dos países em relação ao país de origem ou destino
do produto. A maneira apropriada de condução de uma avaliação de risco em um caso
específico é uma questão determinada com referência aos pareceres científicos de
especialistas e por técnicas estabelecidas por organizações internacionais
padronizadoras na área em questão.62 Essa flexibilidade na maneira de condução de uma
avaliação de risco pode ser particularmente útil para países em desenvolvimento.
3.2.2
Fatores a Serem Levados em Consideração
Artigo 5.2 do SPS
Embora o Acordo SPS não especifique a metodologia a ser usada na condução da
avaliação de risco, além de requerer que os Membros levem em consideração as
técnicas desenvolvidas por organizações internacionais63, o Artigo 5 lista alguns fatores
que os Membros precisam levar em conta quando forem fazer avaliação de risco. O
Artigo 5.2 lista as considerações científicas e técnicas, quais sejam: “prova científica
disponível; processos e métodos de produção relevantes, inspeção, métodos para testes e
amostragem; prevalência de doenças e pragas específicas; existência de áreas livres de
pragas ou doenças; condições ecológicas e ambientais relevantes; e quarentena ou outro
tratamento”. Desta lista está claro que uma avaliação de risco, para os propósitos do
Acordo SPS, não é puramente científica (no sentido de ciência laboratorial), mas
relacionado à combinação de todas as doenças como um todo (Relatório do Painel, Australia – Salmon,
parágrafo 8.74.)
60
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.58.
61
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.57.
62
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.71.
63
As organizações internacionais padronizadoras relevantes criaram guias sobre técnicas de avaliação
de risco. Veja, por exemplo, o Codex Principles and Guidelines for the Conduct of Microbiological Risk
Assessment CAC/GL30, (1999); o IPPC Guidelines for Pest Risk Analysis. Capítulo 2: Pest Risk
Assessment, ISPM 2 (1996); e o OIE International Animal Health Code, Guidelines for Risk Analysis,
Capítulo 1.3.2.(2001) e o International Aquatic Animal Health Code, Guidelines for Risk Assessment,
Capítulo 1.4.2 (2002).
32
envolve considerações de fatores do mundo real que afetam o risco, tais como fatores
climáticos que podem contribuir para a disseminação da praga; a vulnerabilidade de um
ecossistema, como aquele de um estado insular, a efetividade de mecanismos de
controle, etc.
No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação esclareceu que o Artigo 5.2 não é uma
lista fechada e, por isso, os riscos relacionados à detecção e o controle de falhas na
observação de boas práticas veterinárias podem também ser levadas em consideração na
avaliação de risco. Assim, o Órgão de Apelação reformou a decisão do Painel de que
tais considerações não eram científicas e, portanto, faziam parte do gerenciamento de
risco e não da avaliação de risco. A esse respeito, o Órgão de Apelação observou:
É essencial ter em mente que o risco a ser examinado em uma avaliação de risco nos
termos do Artigo 5.1 não é só o risco que se pode afirmar em um laboratório científico
que opera dentro de condições estritas de controle, mas também os riscos em uma
sociedade como eles existem realmente, em outras palavras, as verdadeiras
possibilidade de ocorrência de efeitos adversos à saúde humana no mundo real, onde
as pessoas vivem, trabalham e morrem. 64
Artigo 5.3 do SPS
O Artigo 5.3 lista certos fatores econômicos que os Membros precisam levar em
consideração quando avaliam os riscos à vida ou à saúde de animais ou plantas (e não
das pessoas), ou quando escolhem as medidas sanitárias ou fitossanitárias a serem
aplicadas para que o alcance do nível de proteção escolhido. Esses fatores econômicos
são: “o dano potencial em termos de perda da produção ou de vendas no caso de
entrada, estabelecimento ou disseminação de uma praga ou doença; os custos de
controle ou erradicação no território do Membro importador; e o relativo custoefetividade de abordagens alternativas para a limitação dos riscos.” É importante
observar que os Membros não são obrigados a levar esses fatores em conta quando
regulam riscos à vida ou à saúde das pessoas, já que é reconhecido que a saúde humana
tem prioridade sobre as considerações econômicas indicadas acima.
3.2.3
Exigência de que as Medidas sejam “baseadas em” uma Avaliação de Risco
Artigo 5.1 do SPS
O Artigo 5.1 estabelece o requisito de que as medidas sanitárias e fitossanitárias sejam
“baseadas em” uma avaliação dos riscos à vida ou saúde humana, animal e vegetal, de
forma apropriada às circunstâncias e levando em consideração as técnicas de avaliação
de risco desenvolvidas pelas organizações internacionais relevantes.
O significado da expressão “baseada em” foi discutida no caso EC – Hormones. O
Órgão de Apelação decidiu que “baseada em” refere-se a uma certa relação objetiva
entre dois elementos, notadamente, entre as medidas sanitárias e fitossanitárias e a
avaliação de risco.65
64
65
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 187.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 189.
33
O Órgão de Apelação também decidiu que a exigência de que a medida sanitária ou
fitossanitária seja “baseada em” uma avaliação de risco é uma exigência substantiva. O
Artigo 5.1, lido em conjunto com o Artigo 2.2, estabelece que os resultados da avaliação
de risco precisam “garantir suficientemente” ou “razoavelmente apoiar” a medida
sanitária ou fitossanitária, e, assim, existe uma relação racional entre a medida e a
avaliação de risco.66
Conclusões Científicas Conflitantes
Na prática, às vezes surge uma situação em que avaliações de risco chegam a
conclusões conflitantes. No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação tratou dessa
situação e decidiu que uma avaliação de risco não precisa chegar a uma decisão
monolítica, mas podem apresentar tanto opiniões dominantes quanto divergentes.67 O
Órgão de Apelação também decidiu:
...Na maioria dos casos, governos responsáveis e representativos tendem a basear suas
medidas administrativas e legislativas em opiniões científicas dominantes. Em outros
casos, governos igualmente responsáveis e representativos podem agir de boa fé com
base no que, em um dado momento, pode ser uma opinião divergente de fontes
qualificadas e respeitadas. Por si mesmo, este fato não necessariamente aponta para a
ausência de uma relação razoável entre a medida sanitária ou fitossanitária e a
avaliação de risco, especialmente quando o risco envolvido implica ameaça à vida e é
considerado uma ameaça clara e iminente à saúde e segurança públicas. A
determinação da presença ou da ausência dessa relação só pode ser feita caso a caso,
depois que se leva em conta todas as considerações racionalmente colocadas sobre a
questão dos efeitos potenciais adversos à saúde.68
Avaliações de Risco Emprestadas
O Órgão de Apelação também observou que o 5.1 não requer que um Membro conduza
a sua própria avaliação de risco. Os Membros podem basear as suas medidas em outras
avaliações relevantes, tais como aquelas feitas por um outro Membro ou uma
organização internacional, “como apropriado para as circunstâncias”.69 Essa conclusão
significa que os países em desenvolvimento, muitos dos quais enfrentam problemas na
condução das suas próprias avaliações de risco devido a restrições de recursos, podem
basear suas medidas em avaliações de risco feitas por outros Membros ou organizações
internacionais. Contudo, é preciso observar que essas avaliações de risco emprestadas
devem tratar a situação de risco de fato enfrentada pelo Membro que impõe a medida
(ou seja, condições ambientais relevantes, métodos de inspeção, danos potenciais, etc.)
de maneira a cumprir as exigências dos Artigos 5.2 e 5.3.
66
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 193.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 193.
68
Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 194.
69
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 194. Contudo, o Órgão de Apelação
requereu que a prova da existência de uma avaliação de risco que apoiou a medida fosse produzida no
processo de solução de controvérsia.
67
34
Medidas que antecedem as avaliações de risco
Também é importante determinar quando a avaliação de risco precisa ter sido feita para
que a medida seja baseada em tal avaliação. Obviamente há uma grande quantidade de
medidas sanitárias e fitossanitárias que existiam antes da entrada em vigor do Acordo
SPS. É possível que muitas dessas medidas não tenham sido baseadas em avaliações de
risco, especialmente naqueles Membros cujos recursos são escassos para permitir a
condução de avaliações de risco completas antes da adoção de medidas sanitárias ou
fitossanitárias. No caso EC – Hormones, o Painel observou que é possível que uma
medida sanitária ou fitossanitária adotada antes da entrada em vigor do Acordo SPS seja
baseada em uma avaliação de risco levada a cabo após essa data. Contudo, isso não
isenta o Membro da obrigação de basear a sua medida em uma avaliação de risco.70
Naquele caso, o Órgão de Apelação confirmou essa decisão.71
3.3
Gerenciamento de Risco
Como discutido acima, o Acordo SPS dá às autoridades regulatórias nacionais espaço
amplo para a tomada de decisões de gerenciamento de risco, tal como a determinação
do nível de proteção que eles irão procurar obter e como a escolha da medida sanitária
ou fitossanitária que eles irão impor para atingir esse nível de proteção. Contudo,
existem certas disciplinas não-científicas que se aplicam no exercício dessas escolhas.
3.3.1
O Direito de Determinação do Nível Apropriado de Proteção
Anexo A.5 do SPS
O conceito de “nível apropriado de proteção” está definido no Anexo A, parágrafo 5,
como o nível de proteção considerado apropriado pelo Membro impondo a medida. Está
claro, portanto, que é prerrogativa do Membro decidir que nível de proteção da vida ou
saúde humana, animal e vegetal ele buscará alcançar em seu território. Essa escolha é
normalmente feita com base em informação científica, bem como outras considerações
como as preferências dos produtores e dos consumidores. O Acordo SPS não obriga um
Membro a aceitar um nível de proteção mais baixo do que ele escolheu, mesmo que isso
seja mais eficiente comercialmente.
É importante distinguir de forma cuidadosa entre o risco avaliado em um processo de
avaliação de risco e o nível apropriado de proteção objetivado. Esse fato foi observado
pelo Órgão de Apelação no caso Australia – Salmon, onde ele rejeitou a consideração
do Painel de que os Membros não poderiam objetivar o “risco zero”.72 O Órgão de
Apelação distinguiu o “risco” examinado na avaliação de risco, que precisa ser um risco
identificável e não apenas uma incerteza teórica (como discutido acima), e o “nível
apropriado de proteção” escolhido, que pode ser um nível de risco-zero.73 Claramente,
uma vez demonstrado que há prova científica do risco, os Membros estão livres para
escolher seus próprios níveis de proteção.
70
Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.102 e Relatório do Painel, EC-Hormones
(EUA), parágrafo 8.99.
71
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 129.
72
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.81.
73
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 125.
35
3.3.2
Minimizando os Efeitos Negativos ao Comércio
Artigo 5.4 do SPS
O Artigo 5.4 estabelece que os Membros devem levar em conta o objetivo de minimizar
os efeitos negativos ao comércio, quando escolhem o seu nível apropriado de proteção.
O uso da palavra “devem” (no inglês “should”) em vez de “irão” (“shall”) indica que
esse é um dispositivo puramente enunciativo, que não contém uma obrigação vinculante
aos Membros, mas apenas serve para encorajá-los a considerar os efeitos comerciais em
suas escolhas relativas ao nível de proteção.74 Certamente, obrigar um Membro a
escolher o nível de proteção menos restritivo possível ao comércio seria ir contra o
princípio basilar do Acordo SPS, que reconhece o direito dos Membros de determinar o
nível de proteção que eles querem garantir dentro dos seus territórios.
3.3.3 Prevenção contra Distinções Arbitrárias ou Injustificáveis que levam à
Discriminação/Restrição Disfarçada ao Comércio
Artigo 5.5 do SPS
Diferentemente do Artigo 5.4, o Artigo 5.5 do Acordo SPS contém uma obrigação
vinculante, que disciplina a escolha dos Membros do nível de proteção apropriado. O
Artigo 5.5 estabelece:
Com o objetivo de assegurar a coerência na aplicação do conceito de nível adequado
de proteção sanitária ou fitossanitária contra os riscos à vida ou saúde humana ou à
vida ou saúde animal ou vegetal, cada Membro evitará estabelecer distinções
arbitrárias ou injustificáveis nos níveis que considere adequados em situações
diferentes, caso essas distinções resultem em uma discriminação ou restrição
disfarçada ao comércio internacional. Os Membros cooperarão no Comitê, em
conformidade com os parágrafos 1, 2 e 3 do Artigo 12 do presente Acordo para
elaborar diretrizes destinadas a favorecer a aplicação prática do presente dispositivo.
Ao elaborar essas diretrizes, o Comitê levará em consideração todos os fatores
pertinentes, incluindo o caráter excepcional dos riscos à saúde aos quais as pessoas se
expõem voluntariamente.
É necessário determinar o que precisamente gera a disciplina incorporada no Artigo 5.5.
Dois elementos do Artigo 5.5 podem ser diferenciados, quais sejam:
(1)
o objetivo de alcançar coerência na aplicação do conceito de nível
apropriado de proteção sanitária e fitossanitária; e
(2)
a obrigação legal de evitar distinções arbitrárias e injustificáveis nos níveis
de proteção considerados apropriados em situações diferentes, se essas distinções
resultam em discriminação ou restrições comerciais disfarçadas.
Com relação ao primeiro elemento, o Órgão de Apelação observou, no caso EC –
Hormones, que o Artigo 5.5 determina um objetivo a ser alcançado no futuro e não
estabelece uma obrigação legal de coerência em relação aos níveis apropriados de
74
Isso foi reconhecido pelo Painel no caso EC – Hormones (Relatório do Painel, EC-Hormones
(Canadá), parágrafo 8.169 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA), parágrafo 8.166).
36
proteção. Além disso, ele reconhece que os governos muitas vezes estabelecem os seus
níveis apropriados de proteção caso a caso, na medida em que os riscos surgem, o que
significa que o objetivo não é alcançar coerência absoluta nem perfeita, mas apenas
evitar incoerências arbitrárias e injustificáveis.75
A respeito do segundo elemento, que de fato cria uma obrigação imediata aos Membros,
o Órgão de Apelação definiu, no caso EC – Hormones,76 as exigências requeridas para a
demonstração da violação, que são:
(1)
o Membro definiu seu próprio nível de proteção em situações diferentes;
(2)
os níveis de proteção demonstram diferenças arbitrárias ou injustificáveis no
tratamento de situações diferentes, por parte dos Membros; e
(3)
essas diferenças arbitrárias e injustificáveis levam a uma discriminação ou a
uma restrição disfarçada ao comércio (relacionada ao efeito da medida usada para
refletir o nível particular de proteção).77
Essas exigências foram consideradas cumulativas, o que significa que prova de
tratamentos diferentes de situações diferentes não é suficiente, apesar de poder servir
como um sinal de alerta de que a medida pode ser discriminatória ou uma restrição
disfarçada ao comércio.
Situações diferentes
É óbvio que nem todos os riscos à saúde podem ou devem ser tratados da mesma
maneira. Assim, com relação ao primeiro requisito para a prova de violação do Artigo
5.5, o Órgão de Apelação decidiu, no caso EC – Hormones, que para comparar os
diferentes níveis de proteção considerados apropriados por um Membro, as situações
diferentes precisam ser comparáveis, ou seja, precisam ter algum elemento comum ou
elementos comuns.78 No caso Australia - Salmon, o Órgão de Apelação observou que
situações envolvendo um risco de entrada, estabelecimento ou disseminação da mesma
doença ou de doença similar ou um risco de uma mesma conseqüência ou
conseqüências biológicas ou econômicas associadas similares são comparáveis nos
termos do Artigo 5.5.79
Para definir se o primeiro requisito foi cumprido, é necessário também determinar se o
Membro impôs diferentes níveis de proteção em situações diferentes (mas
comparáveis). No caso Australia – Salmon, o Painel decidiu que o nível de proteção é
normalmente refletido na medida sanitária ou fitossanitária imposta e assumiu que se
existe uma diferença entre as medidas sanitárias impostas para situações diferentes
comparadas nos termos do Artigo 5.5, essa diferença reflete um nível de distinção nos
75
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 213.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 214-215.
77
Esses elementos foram reiterados no Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo
140.
78
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 217.
79
No caso EC-Hormones, o Painel tratou da possibilidade de comparação de situações diferentes.
(Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.190, 8.215 e 8.224 e Relatório do Painel, ECHormones (EUA), parágrafo 8.186, 8.212 e 8.221). O Órgão de Apelação não decidiu sobre a
possibilidade de comparação das situações identificadas pelo Painel. No caso Australia – Salmon, o
Órgão de Apelação considerou comparáveis duas situações em que diferentes níveis de proteção foram
adotados (Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 153).
76
37
níveis de proteção.80 Contudo, quando tratou da determinação do nível apropriado de
proteção nos termos do Artigo 5.6, no caso Australia – Salmon, o Órgão de Apelação
observou que nada no Acordo SPS ou no DSU permite que um painel ou o Órgão de
Apelação sugira ao Membro qual é o nível de proteção apropriada para a medida que ele
aplica para atingir aquele nível de proteção.81 Somente se o Membro não externa seu
nível de proteção escolhido ou faz isso de maneira insuficiente, claramente para permitir
a aplicação de dispositivos relevantes do Acordo SPS, pode o seu nível de proteção ser
sugerido a partir da medida que ele impõe.
Diferenças Arbitrárias ou Injustificáveis
Com relação ao segundo requisito, notadamente aquele relacionado às diferenças
arbitrárias e injustificáveis nos níveis de proteção, os painéis e o Órgão de Apelação
examinam se existem razões para justificar as diferenças de níveis de proteção. Por
exemplo, eles podem examinar se as duas situações comparadas envolvem diferentes
níveis de risco,82 se a dificuldade de controle do risco difere em cada caso83 ou se é
diferente o grau de intervenção governamental necessária para atingir o mesmo nível de
proteção em cada caso.84
Discriminação ou Restrições Disfarçadas ao Comércio
A terceira e “mais importante”85 exigência para a demonstração de violação ao Artigo
5.5 é a de que as distinções arbitrárias ou injustificáveis nos níveis de proteção resultem
em discriminação ou em restrição disfarçada ao comércio. Pela jurisprudência, é
possível identificar certos “sinais de advertência” que não são conclusivos em seu
próprio direito, mas que, se examinados cumulativamente e com outros fatores, podem
apoiar a conclusão de que a terceira exigência foi cumprida.86 Contudo, isso depende da
circunstância de cada caso.
Os três sinais de advertência identificados pelo Painel no caso Australia – Salmon, com
os quais o Órgão de Apelação concordou,87 foram:
(1)
o caráter arbitrário das diferenças nos níveis de proteção (ou seja, que a
segunda exigência do Artigo 5.5 seja cumprida);88
(2)
as diferenças substanciais nos níveis de proteção;89 e
80
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafos 8.123-8.124.
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafos 199-200. Esse assunto é tratado mais
à frente nesse Capítulo.
82
No caso Australia – Salmon, as diferenças do risco envolvido foram examinadas (Relatório do Painel,
Australia – Salmon, parágrafo 8.137-8.141 e Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon,
parágrafo 158.)
83
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 221-225.
84
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 221.
85
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 240.
86
No caso Australia – Salmon, o Painel tinha decidido pela violação da terceira exigência do Artigo 5.5,
com base nesses três “sinais de advertência” e três “outros fatores mais substanciais in natura” tomados
de forma cumulativa (Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.149-8.159). Os outros dois
primeiros sinais de advertência foram também usados como base no caso EC-Hormones (Relatório do
Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 215-240).
87
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 162-166.
88
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.149; também mencionado no Relatório do Órgão
de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 215.
81
38
(3)
a ausência de justificativa científica (baseada em constatações anteriores de
incompatibilidade com o Artigo 5.1 e 2.2), que indica que a medida em questão
constitui uma restrição ao comércio internacional disfarçada de medida sanitária.90
No caso EC – Hormones, os objetivos da medida foram também examinados pelo
Painel e pelo Órgão de Apelação, para determinar se houve discriminação ou uma
restrição disfarçada ao comércio; e eles chegaram a diferentes conclusões sobre esse
ponto.91
Relação com o Artigo 2.3 do SPS
No caso EC-Hormones, o Painel e o Órgão de Apelação decidiram que o Artigo 5.5
precisa ser lido conjuntamente com as obrigações básicas dos Membros de evitar
discriminação e restrições disfarçadas ao comércio, contidas no Artigo 2.3.92
Orientações para Implementação do Artigo 5.5 do SPS
Após cinco anos de deliberação, o Comitê sobre SPS adotou, em sua reunião dos dias
21 e 22 de Junho de 2000, orientações para a implementação do Artigo 5.5.93 As
classificações resultantes da jurisprudência sobre esse ponto estão refletidas nas
orientações. Em especial, a presença cumulativa dos três “sinais de advertência”
mencionados anteriormente é considerada como uma indicação de que há violação ao
Artigo 5.5.
As orientações não são legalmente vinculantes, mas são destinadas a assistir os
funcionários governamentais na aplicação do Artigo 5.5, no processo de decisão sobre
os níveis apropriados de proteção ou na adoção e implementação de medidas sanitárias
e fitossanitárias.
3.3.4
Medida Menos Restritiva ao Comércio
Artigo 5.6 do SPS
As decisões relativas ao gerenciamento de risco tomadas pelos governos envolvem não
apenas a escolha por um nível apropriado de proteção, como também a escolha de uma
medida sanitária ou fitossanitária para alcançar esse nível de proteção. O Artigo 5.6
disciplina a escolha da medida sanitária ou fitossanitária. Ele obriga os Membros a
assegurarem que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não são mais restritivas ao
comércio do que o necessário para o alcance dos níveis apropriados de proteção,
levando em consideração a viabilidade técnica e econômica. Isso resulta em uma
89
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.150; também mencionado no Relatório do Órgão
de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 240.
90
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 8.151; também mencionado no Relatório do
Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.244 e Relatório do Painel, EC-Hormones (EUA),
parágrafo 8.241.
91
Relatório do Painel, EC-Hormones (Canadá), parágrafo 8.245 e Relatório do Painel, EC-Hormones
(EUA), parágrafo 8.242. Contra, Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 245.
92
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 212. Esse ponto foi discutido em maiores
detalhes no Capítulo 2 acima.
93
G/SPS/15, de 18 de julho de 2000.
39
disciplina sobre a escolha da medida em vez de uma disciplina sobre a seleção de um
nível apropriado de proteção.
Em uma nota de rodapé a este artigo, é fornecido o conceito de “medida menos
restritiva ao comércio do que o necessário”. No caso Australia – Salmon, o Órgão de
Apelação concordou com o Painel94 que essa nota de rodapé contém um teste com três
etapas.95 Notadamente, uma medida é mais restritiva do que o necessário se existe uma
outra medida sanitária ou fitossanitária que:
(a)
está razoavelmente disponível, levando em consideração a viabilidade
técnica e econômica;
(b)
alcança o nível apropriado de proteção sanitária do Membro; e
(c)
é significativamente menos restritiva ao comércio do que a medida
contestada.
O Órgão de Apelação observou que os três elementos são cumulativos no sentido de
que, para demonstrar uma incompatibilidade com o Artigo 5.6, todos os três precisam
estar presentes.96
Razoavelmente disponível
Para demonstrar uma violação ao Artigo 5.6, a parte reclamante deve provar que existe
uma medida alternativa que está “razoavelmente disponível, levando em consideração a
viabilidade técnica e econômica”. Esse reconhecimento de que uma medida menos
restritiva poderia ter custos regulatórios e de cumprimento elevados ou poderia ser de
implementação impraticável é especialmente significativo para países em
desenvolvimento. Eles, portanto, não serão solicitados a adotar medidas menos
restritivas ao comércio nos casos em que eles não tiverem os recursos ou capacidade
técnica para fazer isso.
Alcançar nível apropriado de proteção
Para demonstrar uma violação ao Artigo 5.6, um Membro precisa provar que as
medidas alternativas alcançam o nível apropriado de proteção do Membro importador.
Isso é importante porque o Acordo SPS reconhece que os Membros tem a prerrogativa
de definir seus próprios níveis de proteção e não podem ser solicitados a diminuí-los
mesmo se alternativas menos restritivas existirem.
Portanto, é preciso determinar qual é o nível apropriado de proteção para que seja
possível a aplicação desse dispositivo. A escolha do nível de proteção é prerrogativa
exclusiva dos tomadores de decisão nacionais. Assim, medidas alternativas precisam ser
sempre julgadas em relação aos níveis de proteção escolhidos pelos Membros, e não
simplesmente comparado com a medida atualmente em vigor. Existem, contudo, casos
em que os Membros ou não afirmam expressamente qual foi o nível de proteção que
eles escolheram, ou fazem isso de forma tão vaga que é impossível aplicar o Artigo 5.6.
94
Relatório do Painel, Australia – Salmon, parágrafo 95. [NOTA DO TRADUTOR: Não há parágrafo 95
nesse Relatório do Painel. A Autora deve ter se referido ao Relatório do Órgão de Apelação]
95
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 194.
96
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafo 194. Essa consideração foi reiterada
no Relatório do Órgão de Apelação, Japan - Agricultural Products, parágrafo 95.
40
O Órgão de Apelação já decidiu que existe uma obrigação inserida no Acordo SPS de
que os Membros determinem o nível de proteção deles. Somente em casos onde um
governo não define de forma adequada o seu nível de proteção, pode o painel inferir tal
nível pela medida aplicada de forma a impedir que se evite o cumprimento das
disciplinas do Acordo SPS.97
Significativamente Menos Restritiva ao Comércio
A terceira exigência para uma violação ao Artigo 5.6 é que a medida alternativa
disponível seja “significativamente menos restritiva ao comércio” do que a medida
aplicada de fato. Vale observar que a medida alternativa precisa ser significativamente
menos restritiva ao comércio para que uma medida de um Membro seja considerada
“mais restritiva do que o necessário”. Assim, uma diferença pequena no impacto contra
o comércio das duas medidas não é suficiente para obrigar um Membro a adotar a
medida alternativa.98
3.4
Medidas Cautelares e o Princípio da Precaução
Princípio da Precaução
É geralmente aceito que existem situações em que os governos precisam tomar medidas
para prevenir riscos à saúde mesmo quando inexiste prova científica suficiente com
relação ao risco. Nesse sentido, os governos podem agir com precaução de maneira a
proteger contra os riscos sem esperar os resultados conclusivos das análises científicas.
Isso é comumente chamado de agir em conformidade com o principio da precaução ou
abordagem cautelar.
A extensão do uso princípio da precaução no Acordo SPS é demonstrado abaixo. O
Artigo 5.7 do Acordo SPS permite medidas cautelares quando existe prova científica
suficiente, sob certas circunstâncias; e, dessa forma, pode-se dizer que ele reflete o
princípio da precaução. No caso EC – Hormones, as CE caracterizaram a sua medida
como final, em vez de cautelar, razão pela qual não pôde se apoiar no Artigo 5.7.
Assim, as CE tiveram que se apoiar no princípio da precaução fora da estrutura do
Artigo 5.7, como uma regra costumeira de direito internacional ou pelo menos como um
princípio geral de direito, aplicável à interpretação das disciplinas científicas do Acordo
SPS.
O Órgão de Apelação externou a sua dúvida se o princípio da precaução de fato se
transformou em um princípio geral de direito costumeiro internacional, fora do campo
do direito ambiental internacional, mas entendeu que era desnecessário decidir essa
questão.99 O Órgão de Apelação decidiu, então, que o princípio da precaução não
poderia solapar os requisitos explícitos dos Artigos 5.1 e 5.2, nos casos de incerteza
97
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Salmon, parágrafos 205-207.
Essa exigência foi examinada tanto pelo Painel e pelo Painel de Implementação no caso Australia –
Salmon, quanto pelo Painel no caso Japan – Agricultural Products (veja Relatório do Painel, Australia –
Salmon, parágrafo 8.182; Relatório do Painel de Implementação, Australia – Salmon, parágrafos 7.150
– 7.153; e Relatório do Painel, Japan – Measures Affecting Agricultural Products, WT/DS76/R,
parágrafos 8.79,8.89,8.95-8.96 e 8.103-8.104).
99
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 123.
98
41
científica.100 Sobre a relação entre o “princípio da precaução” e o Acordo SPS, o Órgão
de Apelação observou os seguintes quatro elementos:
Primeiramente, o princípio não foi incluído no Acordo SPS como fundamento para a
justificativa de medidas sanitárias ou fitossanitárias que são incompatíveis com outras
obrigações dos Membros definidas em dispositivos específicos do Acordo. Em segundo
lugar, o princípio da precaução de fato está refletido no Artigo 5.7 do Acordo SPS. Ao
mesmo tempo, nós concordamos com as Comunidades Européias, que não existe
necessidade de assumir que o Artigo 5.7 exaure a relevância do princípio da
precaução. Ele está também refletido no sexto parágrafo do preâmbulo e no Artigo 3.3.
Tais dispositivos reconhecem explicitamente o direito dos Membros de estabelecer seus
próprios níveis adequados de proteção sanitária, que podem ser mais altos (ou seja,
mais cauteloso) do que aqueles contidos nos padrões, orientações e recomendações
internacionais existentes. Em terceiro lugar, um painel encarregado de examinar, por
exemplo, se ‘prova científica suficiente’ existe para garantir a manutenção, por um
Membro, de uma medida sanitária ou fitossanitária em particular pode, por certo, e
deve ter em mente que governos responsáveis e representativos comumente agem sob a
perspectiva da prudência e da precaução onde riscos de dano irreversível, ou seja,
fatal, à saúde estão em questão. Finalmente, contudo, o princípio da precaução, por ele
mesmo e sem uma direção clara do texto nesse sentido, não isenta o painel da
obrigação de aplicar os princípios normais (ou seja, direito consuetudinário
internacional) de interpretação de tratados no exame de dispositivos do Acordo SPS.101
Artigo 5.7 do SPS
Assim, está claro que os Membros que querem impor medidas sanitárias ou
fitossanitárias na ausência de prova científica suficiente precisam fazer isso em
conformidade com o Artigo 5.7 e não podem se apoiar no “princípio da precaução” para
suavizar as disciplinas científicas do Acordo SPS. No caso Japan – Agricultural
Products, o Órgão de Apelação decidiu que o Artigo 5.7 representa uma “exceção
qualificada da obrigação do Artigo 2.2 de que não se mantém medidas sanitárias ou
fitossanitárias sem prova científica suficiente.”102 É, portanto, necessário examinar quais
são os requisitos do Artigo 5.7, que dispõe:
Nos casos em que a prova científica relevante é insuficiente, um Membro pode adotar
cautelarmente medidas sanitárias e fitossanitárias com base na informação pertinente
disponível, incluindo aquela da organização internacional relevante, assim como
aquelas das medidas sanitárias e fitossanitárias aplicadas por outros Membros. Nessas
circunstâncias, os Membros irão procurar obter a informação adicional necessária
para uma avaliação mais objetiva do risco e irão rever a medida sanitária e
fitossanitária em um período razoável de tempo.
No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação identificou quatro
requisitos para as medidas cautelares nos termos do Artigo 5.7. Notadamente, a medida
precisa:
100
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 125, onde ele decidiu que, “dessa forma,
nós concordamos com a constatação do Painel que o princípio da precaução não se sobrepõe aos
dispositivos do Acordo SPS.”
101
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 124.
102
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products, parágrafo 80.
42
(1)
ser imposta com relação a uma situação em que “informação científica
relevante é insuficiente”;
(2)
ser adotada “com base na informação pertinente disponível”;
(3)
não ser mantida a não ser que o Membro procure “obter a informação
adicional necessária para uma avaliação mais objetiva do risco; e
(4)
ser revista de forma adequada “dentro de um período razoável de tempo”.
Esses requisitos foram considerados cumulativos. Nesse sentido, todas as quatro
condições do Artigo 5.7 precisam ser satisfeitas para evitar as disciplinas científicas dos
Artigo 2.2 e 5.1 do Acordo SPS.
3.4.1
Prova Científica Relevante Insuficiente
O primeiro requisito, qual seja “prova científica relevante insuficiente”, precisa ser
preenchido para que o Artigo 5.7 seja aplicado.103 Assim, é fundamental decidir em que
circunstâncias este critério vai ser alcançado. No caso Japan – Agricultural Products, o
único caso até aqui em que o Artigo 5.7 foi usado, o Painel decidiu que era
desnecessário decidir sobre esse assunto por razão de economia processual, com o que o
Órgão de Apelação concordou. Não existe orientação na jurisprudência com relação à
interpretação dessa exigência.
3.4.2
Baseada na Informação Pertinente Disponível
O segundo critério contido no Artigo 5.7 requer que a medida cautelar seja adotada
“com base na informação pertinente disponível”. Economia processual também impediu
o exame dessa questão no caso Japan – Agricultural Products.
3.4.3
Obrigação de Obter Informação Adicional Necessária
O Artigo 5.7 também proíbe a manutenção de medidas cautelares a não ser que o
Membro “procure obter a informação necessária para uma avaliação mais objetiva do
risco”.
No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação decidiu em relação a esse
assunto que:
Nem o Artigo 5.7 nem outro dispositivo do Acordo SPS estabelece explicitamente os
pré-requisitos relacionados às informações adicionais a serem obtidas ou um processo
específico de obtenção de informações. Além disso, o Artigo 5.7 não especifica quais
resultados de fato precisam ser alcançados; a obrigação é “procurar obter”
informação adicional. Contudo, o Artigo 5.7 diz que a informação adicional deve ser
buscada para permitir que o Membro conduza “uma avaliação de risco” mais objetiva.
Assim, a informação buscada deve ser adequada para a condução de tal avaliação de
risco, ou seja, a avaliação da ‘likelihood’/probabilidade da entrada, estabelecimento
ou disseminação, in casu, de uma praga, de acordo com medidas sanitárias e
fitossanitárias que podem ser aplicadas. Nós observamos que a informação obtida pelo
103
Deve ser observado que, no caso Japan – Agricultural Products, nem o Painel nem o Órgão de
Apelação começaram decidindo se esse requisito foi satisfeito e, então, se o Artigo 5.7 era aplicável a
esse caso.
43
Japão ‘não examina a adequação’ da medida sanitária em questão; e não trata do
assunto principal, qual seja, se as características relativas à variedade causam uma
divergência na eficácia da quarentena”. Tendo em vista essa conclusão, nós
concordamos com o Painel que o Japão não procurou obter a informação adicional
necessária para uma avaliação de risco mais objetiva.104
3.4.4
Revisão Dentro de um Período Razoável de Tempo
O último requisito contido no Artigo 5.7 refere-se à obrigação de rever a medida dentro
de um “período razoável de tempo”. Assim, o Artigo 5.7 cria apenas uma exceção,
limitada no tempo, às disciplinas sanitárias e fitossanitárias normais, condicionada à
revisão da medida sob a luz de prova nova.
No caso Japan – Agricultural Products, o Órgão de Apelação teve que decidir sobre o
que constitui um “período razoável de tempo”, dentro do qual se deve rever a medida. O
Órgão de Apelação decidiu que isso deve ser definido caso a caso, com referência às
circunstâncias específicas de cada caso, incluindo a dificuldade na obtenção de
informação adicional necessária para a revisão e as características da medida sanitária
ou fitossanitária cautelar. É significativa a constatação do Órgão de Apelação de que um
dos fatores a serem considerados em um dado caso é a dificuldade em se obter a
informação adicional necessária para a revisão. Certamente, o estágio do conhecimento
científico tem um impacto direto na dificuldade em se obter a informação requerida e,
portanto, impactaria na decisão a respeito do término do “período razoável”. Isso é
importante tendo em vista que dilui a natureza temporária das medidas permitidas nos
termos do Artigo 5.7 e cria regra para as circunstâncias nas quais a incerteza científica
persiste por períodos de tempo estendidos ou se espera que os riscos envolvidos sejam
materializados somente no longo prazo. Assim, evita-se relacionar artificialmente a
exigência da revisão dentro de um “período razoável de tempo” a prazos específicos.
Nesse sentido, os Membros não precisam temer que o fundamento no Artigo 5.7 para
justificar suas medidas vai comprometer suas habilidades de manter a medida, desde
que seja necessário para a prova científica o alcance de respostas claras.
Por outro lado, é importante observar que a dificuldade na obtenção de informação não
é o critério único. As circunstâncias específicas dos casos serão avaliadas a seguir,
inclusive as características da medida sanitária ou fitossanitária em questão, entre
outras, para determinar se este critério foi preenchido.
3.5
Teste Sua Compreensão
1.
Faça a distinção de quando seria aplicada cada uma das definições de
avaliação de risco e indique as exigências para cada uma delas.
2.
Descreva os limites ao exercício do direito de um Membro de definir seu
próprio nível de proteção adequado e explique se eles podem resultar em um
Membro sendo forçado a diminuir seu nível de proteção apropriado.
3.
Se um Membro quer impor medidas sanitárias e fitossanitárias em uma
situação de incerteza científica, quais são os requisitos que ele precisa preencher?
Esses requisitos podem ser suavizados com base no princípio da precaução?
104
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products, parágrafo 92.
44
4.
OUTROS DISPOSITIVOS SUBSTANTIVOS
Após completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a:
•
identificar as obrigações relacionadas ao reconhecimento da equivalência
de diferentes medidas sanitárias e fitossanitárias, bem como aquelas obrigações
relativas à adaptação das medidas sanitárias e fitossanitárias às condições
regionais.
•
avaliar os benefícios potenciais desses dispositivos para os países em
desenvolvimento e identificar problemas com sua implementação.
4.1
Equivalência
Artigo 4 do SPS
A harmonização das medidas sanitárias e fitossanitárias com os padrões internacionais
nem sempre é possível ou desejável, considerando que condições locais, preferências
dos consumidores e capacidade técnica são diferentes entre os países. Além disso,
existem muitas áreas nas quais ainda não existem padrões internacionais. Em todos
esses casos, os exportadores deparam-se com uma variedade de padrões sanitários e
fitossanitários diferentes que eles precisam cumprir para conseguir acesso a mercados.
Essa variedade de padrões sanitários e fitossanitários tem um impacto negativo no
comércio.
Esse impacto negativo no comércio gerado por medidas sanitárias ou fitossanitárias
divergentes pode ser reduzido pelo reconhecimento de que diferentes medidas sanitárias
e fitossanitárias podem ser igualmente efetivas na redução do risco, e, portanto, alcançar
o mesmo nível de proteção. O Artigo 4 do Acordo SPS define obrigações dos Membros
em relação ao reconhecimento da equivalência.
4.1.1
Aceitação da Equivalência
Artigo 4.1 do SPS
O reconhecimento da equivalência muitas vezes ocorre de forma ad hoc e não é
refletida nos acordos formais sobre equivalência. O Artigo 4.1 trata do reconhecimento
da equivalência, obrigando os Membros a aceitar medidas sanitárias ou fitossanitárias
equivalentes, se o Membro exportador demonstrar objetivamente ao Membro
importador que sua medida alcança o nível apropriado de proteção do Membro
importador. Por esse motivo, o Membro importador precisa receber, se pedir, acesso
razoável para inspeção, testes e outros procedimentos relevantes.
4.1.2
Acordos Sobre o Reconhecimento da Equivalência
Artigo 4.2 do SPS
Na prática, é possível que o reconhecimento da equivalência seja negociado e
incorporado em acordos bilaterais, regionais ou multilaterais, nos quais os critérios são
definidos por aceitação de diferentes medidas sanitárias ou fitossanitárias como
45
equivalentes, seja com base em sistemas ou seja caso a caso. O Artigo 4.2 encoraja a
conclusão de acordos de equivalência obrigando os Membros a fazer consultas entre si,
a requerimento, com o objetivo de alcançar acordos bilaterais e multilaterais a respeito
do reconhecimento da equivalência de medidas sanitárias ou fitossanitárias
especificadas. Contudo, não existe nenhuma obrigação de se concluir tais acordos.
4.1.3 Importância do Reconhecimento da Equivalência para os Países em
Desenvolvimento
Se os Membros importadores reconhecem que as várias medidas podem atingir o
mesmo nível de proteção e são, portanto, equivalentes, o fato de que os países em
desenvolvimento têm diferentes capacidades em relação à imposição e ao controle de
medidas sanitárias e fitossanitárias não precisa resultar na rejeição de seus produtos
agrícolas em seus mercados de exportação. Por essa razão, o Artigo 4 pode significar a
melhoria do acesso a mercados para os produtos agrícolas e alimentícios dos países em
desenvolvimento.
4.1.4
Problemas de Implementação Enfrentados pelos Países em Desenvolvimento
Preocupações têm sido levantadas por países em desenvolvimento em relação à
implementação do Artigo 4 do Acordo SPS. Eles argumentam que os países
desenvolvidos exigem “identidade” em vez de “equivalência” dos padrões sanitários ou
fitossanitários e dos sistemas de controle e inspeção. Isso retira dos países em
desenvolvimento a flexibilidade na escolha de medidas que o Artigo 4 procura alcançar.
No momento, o reconhecimento da equivalência por meio de acordos acontece em
poucos casos, e na maioria das vezes entre países desenvolvidos.
Os países em desenvolvimento também criticaram a falta, no Acordo SPS, de uma
obrigação, de notificação de acordos bilaterais ou multilaterais sobre equivalência.105
Tal obrigação permitiria que países Membros em desenvolvimento que podem cumprir
as condições definidas em tal acordo se tornassem uma parte do acordo existente ou que
tais países concluíssem um acordo bilateral similar com o país importador. Contudo, já
foi observado que os Pontos Focais dos Membros são obrigados a fornecer respostas às
questões relacionadas a acordos sobre equivalência.106 O Secretariado da OMC propôs
um formato para a notificação de acordos de equivalência.107
Alguns Membros, especialmente países desenvolvidos, são de opinião de que a
negociação de acordos sobre equivalência é muito cara para os limitados efeitos
comerciais que elas geram. Nesse sentido, eles advogam o recurso a outros dispositivos
do Acordo SPS que geram mais ganhos imediatos em acesso a mercados, tais como as
regras sobre avaliação de risco, transparência, assistência técnica e processos de
controle e inspeção.108 Países em desenvolvimento contra argumentam que o ônus de
negociar acordos de equivalência está justificado na medida em que o maior acesso a
105
G/SPS/W/111, de 4 de julho de 2001.
Essa obrigação está contida no Anexo B.3(d) e foi confirmada pelo Comitê SPS em sua reunião de
Março de 2001 (Ibid. parágrafo 8).
107
G/SPS/W/114/Rev.1.
108
G/SPS/W/111, de 4 de julho de 2001.
106
46
mercado alcançado por tais acordos pode ser muito importante para eles, especialmente
porque suas exportações são muitas vezes concentradas em alguns pontos e empresas.109
4.1.5
Decisão sobre Equivalência
O problema com a implementação do Artigo 4 foi levado ao conhecimento do Comitê
sobre SPS pelo Conselho Geral.110 Em outubro de 2001, o Comitê sobre SPS adotou a
“Decisão sobre a Implementação do Artigo 4 do Acordo sobre a Aplicação de Medidas
Sanitárias e Fitossanitárias”,111 conhecida como a Decisão sobre Equivalência. Essa
decisão estabelece algumas orientações para qualquer Membro que requer o
reconhecimento da equivalência de sua medida sanitárias ou fitossanitária; e para o
Membro importador que é o destinatário de tal solicitação.
Em especial, o Membro importador deve, se solicitado, fornecer informação relativa ao
objeto de sua medida sanitária ou fitossanitária, aos riscos a ela relacionados, ao nível
apropriado de proteção escolhido pelo Membro e à fundamental avaliação de risco para
a medida. Ele precisa responder de forma tempestiva à solicitação para o
reconhecimento da equivalência. O Membro exportador precisa fornecer informação de
base científica e técnica para demonstrar que sua medida atinge o nível de proteção
escolhido pelo Membro importador e fornecer acesso razoável para testes e inspeção. O
Membro importador deve avaliar a informação científica e técnica com o objetivo de
determinar se a medida sanitária ou fitossanitária do Membro exportador alcança o seu
nível de proteção, bem como deve dar atenção aos pedidos de assistência técnica para a
implementação do Artigo 4.112
4.2
Adaptação a Condições Regionais
A prevalência de pragas e doenças não é determinada por fronteiras nacionais e pode ser
diferente entre várias regiões dentro de um mesmo país. Este pode ser o caso por conta
das variações nas condições climáticas, ambientais ou geográficas dentro de um país, ou
devido aos esforços das autoridades regulatórias para erradicar uma praga ou doença de
áreas específicas. Na prática, contudo, é comum que haja o banimento de produtos em
um país inteiro onde foi identificado que uma praga ou doença relevante para um país
importador ocorre, mesmo se essa prevalência é limitada a certas regiões. Se os países
importadores adaptam suas medidas sanitárias ou fitossanitárias para as condições que
prevalecem na região de origem do produto, isso pode melhorar as possibilidades de
acesso a mercados. Essa possibilidade é importante para os países em desenvolvimento,
especialmente grandes países onde as condições variam enormemente de uma região
para a outra, já que os custos de erradicação de uma praga ou doença ou de manter uma
região livre da praga ou doença podem ser limitados pelo foco em uma área limitada.
Artigo 6.1 do SPS
109
Ibid., parágrafo 6.
WT/GC/M/59, de 18 de outubro de 2000.
111
G/SPS/19, de 24 de outubro de 2001.
112
Essa assistência técnica pode ser na forma de ajuda na identificação e implementação de medidas
equivalentes, ou, de outra forma, visando à melhoria de oportunidades de acesso a mercados ou o
desenvolvimento e o fornecimento de informação baseada na ciência para dar suporte ao
reconhecimento do teste de equivalência.
110
47
Para assegurar que uma área está livre de pragas e doenças e para provar tal fato, os
países têm muitas vezes que investir grandes somas de dinheiro e recursos técnicos e
cumprir processos demorados. Nesse sentido, para fazer com que o investimento valha a
pena, os países precisam garantir que os seus esforços irão resultar em acesso a
mercados. O Artigo 6.1 pretende fornecer essa segurança ao obrigar os Membros a
garantir que as medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam adaptadas às características
sanitárias ou fitossanitárias da região de origem do produto ou da região para a qual o
produto é destinado.
4.2.1
Fatores a Serem Levados em Consideração
Na determinação de quais são as características sanitárias ou fitossanitárias de uma
região, o Artigo 6.1 obriga os Membros a levar em consideração o nível de pragas e
doenças específicas, a existência de programas de erradicação ou controle e orientações
desenvolvidas por organizações internacionais. Contudo, a lista de fatores do Artigo 6.1
não é exaustiva.
4.2.2 Áreas Livres de Pragas ou Doenças ou Áreas de Baixa Predominância de
Pragas ou Doenças
Artigo 6.2 do SPS
O Artigo 6.2 cria a obrigação específica para os Membros de reconhecer os conceitos de
áreas livres de pragas ou doenças ou áreas de baixo nível de pragas ou doenças. Essas
áreas devem ser estabelecidas levando-se em consideração fatores como geografia,
ecossistemas, vigilância epidemiológica e a eficácia de controles sanitários ou
fitossanitários.
4.2.3
Obrigações para os Membros Exportadores
Artigo 6.3 do SPS
Um Membro exportador que alega que regiões dentro de seu território estão livres de
pragas ou doenças ou têm baixa predominância de pragas ou doenças precisa fornecer a
prova necessária disso para o Membro importador. Para esse fim, ele precisa dar ao país
importador acesso razoável para inspeção, testes e outros processos relevantes.
4.3
Teste Sua Compreensão
1.
Discuta porque as regras sobre o reconhecimento da equivalência podem
ser benéficas aos países em desenvolvimento e mencione como problemas com a
aplicação desse dispositivo estão sendo tratados.
2.
Explique o que implica a obrigação de adaptação a condições regionais e
quais são as obrigações dos países exportadores que alegam que são livres de
pragas e doenças.
48
5.
DISPOSITIVOS
PROCEDIMENTAIS
SOBRE
ASPECTOS
INSTITUCIONAIS
E
Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a:
•
discutir a aplicação dos dispositivos sobre aspectos institucionais e
procedimentais do Acordo SPS e, especificamente, as obrigações de transparência e
notificação dos Membros, bem como as disciplinas relativas aos procedimentos de
controle, inspeção e aprovação dos Membros.
•
avaliar o papel do Comitê sobre SPS e identificar os aspectos do mecanismo
de solução de controvérsias da OMC específicos do Acordo SPS.
5.1
Transparência e Notificação
Um barreira significativa enfrentada pelos exportadores é a falta de transparência
relacionada às medidas sanitárias ou fitossanitárias em seus mercados de exportação. As
medidas sanitárias ou fitossanitárias são muitas vezes complexas e objeto de mudança, o
que leva a uma falta de segurança para os exportadores. Descobrir as medidas sanitárias
e fitossanitárias que precisam ser cumpridas é muitas vezes um processo oneroso para
os exportadores. Além disso, para se identificar quais medidas sanitárias e
fitossanitárias são injustificáveis e sujeitas a mudança nos termos do Acordo SPS, são
necessários detalhes a respeito dessas medidas. Por essa razão, transparência e
obrigações de notificação são cruciais para a garantia de acesso a mercados.
5.1.
Obrigações de Publicação e Notificação
Artigo 7 do SPS
Pelo que dispõe o Artigo 7 do Acordo SPS, os Membros são obrigados a notificar as
mudanças em suas medidas sanitárias e fitossanitárias, bem como precisam fornecer
informação sobre as suas medidas sanitárias e fitossanitárias de acordo com o Anexo B.
Anexo B.1 e 5-11 do SPS
Nos termos do Anexo B.1, os Membros precisam publicar todos os regulamentos
sanitários e fitossanitários adotados, de forma a permitir que todos os Membros
interessados fiquem cientes. Uma nota de rodapé a este parágrafo define regulamentos
sanitários e fitossanitários como sendo as medidas sanitárias e fitossanitárias tais como
leis, decretos ou portarias de aplicação geral. No caso Japan – Agricultural Products, o
Órgão de Apelação observou o seguinte em relação a essa nota de rodapé:113
Nós consideramos que a lista de instrumentos contidas na nota de rodapé ao parágrafo
1 do Anexo B não é de natureza exaustiva, como indicado pelo uso da expressão “tais
como”. O âmbito de aplicação do requisito da publicação não está limitado a “leis,
decretos e portarias”, mas também inclui, em nossa opinião, outros instrumentos não
explicitamente mencionados na lista ilustrativa da nota de roda pé ao parágrafo 1 do
Anexo B. O objeto e o propósito do parágrafo 1 do Anexo B é de “propiciar que
113
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafos 105-108.
49
Membros interessados em ficar cientes dos regulamentos sanitários e fitossanitários
adotados ou mantidos por outros Membros e, assim, melhorar a transparência de tais
medidas. Em nossa opinião, o âmbito de aplicação do requisito da publicação do
parágrafo 1 do Anexo B deve ser interpretado à luz do objeto e do propósito desse
artigo.114
Para os casos em que não existem padrões internacionais ou em que uma medida
sanitária ou fitossanitária proposta não é substancialmente igual ao padrão internacional,
e a medida pode ter um efeito significativo no comércio, o Anexo B.5 define o processo
de notificação a ser seguido para novas medidas sanitárias ou fitossanitárias.115 Nesse
processo, é concedido um período razoável de tempo para os outros Membros
apresentarem seus comentários em um estágio inicial do processo de adoção, para que
emendas às medidas propostas possam ser feitas.116 Os Membros não são obrigados a
revelar informação confidencial que poderia atrapalhar a execução de suas medidas
sanitárias ou fitossanitárias ou prejudicar os interesses legítimos das empresas. O
Secretariado definiu orientações a respeito de transparência que estão no livro Como
Aplicar os Dispositivos sobre Transparência do Acordo SPS (How to Apply the
Transparency Provisions of the SPS Agreement). 117 Tais orientações são
particularmente destinadas a ajudar os países em desenvolvimento no cumprimento de
suas obrigações de transparência.
5.1.2
Autoridade para Notificação
Anexo B.10 do SPS
Os Membros também são solicitados a criar a infra-estrutura necessária para a
implementação de suas obrigações de notificação. Nos termos do Anexo B.10, os
Membros devem designar uma única autoridade do governo central para ser a
responsável pela implementação dos procedimentos de notificação no Anexo B.5-8 no
âmbito nacional. O Secretariado da OMC atualiza regularmente e circula as listas das
Autoridades para Notificação dos Membros.118
5.1.3
Centros de Informação
Anexo B.3 do SPS
Como parte da infra-estrutura necessária para a transparência, o Acordo SPS obriga cada
Membro a estabelecer um Centro de Informação nacional, que precisa fornecer
respostas a todas as perguntas razoáveis de outros Membros, bem como fornecer
114
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products II, parágrafos 105-106.
As notificações recebidas pelo Secretariado são circuladas para os Membros como parte da série
oficial de documentos G/SPS/N/*.
116
Em casos urgentes, os Membros podem seguir um procedimento mais curto nos termos do Anexo B.6.
117
Publicado
em
novembro
de
2000,
disponível
no
endereço:
http://www.wto.org/english/tratop_e/sps_e/spshand_e.pdf. As orientações não são vinculantes e não são
destinadas a fornecer interpretação legal dos dispositivos relevantes do Acordo SPS. Além disso, o
Secretariado preparou e revisou os procedimentos recomendados para a implementação das obrigações
de transparência (G/SPS.7/Rev. 2, de 2 de abril de 2002).
118
Isso pode ser encontrado na série de documentos oficiais da OMC G/SPS/NNA/*. Até 11 de março de
2002, 115 dos então 144 Membros da OMC haviam estabelecido Autoridades Nacionais de Notificação
(G/SPS/GEN/27/Rev. 9, de 14 de março de 2002).
115
50
documentos relevantes relacionados, inter alia, a qualquer medida sanitária ou
fitossanitária adotada ou planejada em seu território; a base da avaliação de risco para a
aplicação da medida; procedimentos de controle e inspeção; tratamento de produção e
quarentena, tolerância a pesticidas e procedimentos para aprovação de produtos
alimentícios. As cópias requeridas precisam ser fornecidas aos outros Membros ao
mesmo preço que aos nacionais. O Secretariado da OMC mantém e atualiza uma lista
de Centros de Informação, que é circulada para os Membros.119
5.1.4
Explicação das Razões
Artigo 5.8 do SPS
Um Membro pode pedir que um outro forneça as razões para a adoção de medidas
sanitárias ou fitossanitárias, quando elas não são baseadas nos padrões internacionais e
tais medidas prejudicam ou podem prejudicar as exportações daquele Membro. O
Membro importador é então obrigado a fornecer tais razões. Essa obrigação é relevante
porque ela pode ajudar um Membro a configurar um caso prima facie de que a medida
sanitária ou fitossanitária do outro Membro não foi baseada em uma avaliação de risco.
5.1.5
Importância da Notificação para Países em Desenvolvimento
Os países em desenvolvimento são particularmente beneficiados com a melhoria na
transparência alcançada pelo Acordo SPS, já que o custo e a dificuldade na obtenção das
informações sobre as medidas sanitárias ou fitossanitárias dos parceiros comerciais são
bastantes reduzidos com esse procedimento.
5.2
Procedimentos de Controle, Inspeção e Aprovação
Para assegurar que as medidas sanitárias ou fitossanitárias sejam cumpridas, os países
normalmente adotam procedimentos de controle, inspeção e aprovação. Se tais
procedimentos são demorados, caros ou complexos, eles podem restringir efetivamente
o acesso a mercados. O Acordo SPS trata desse problema no Artigo 8 do Anexo C.
Artigo 8 do SPS
De acordo com o Artigo 8, os Membros precisam cumprir o Anexo C, bem como outros
dispositivos do Acordo SPS na aplicação de seus procedimentos de controle, inspeção e
aprovação. Isso inclui os seus sistemas nacionais para a aprovação de aditivos e o
estabelecimento de tolerâncias para contaminantes.
Anexo C do SPS
O Anexo C contém regras mais detalhadas dos procedimentos de controle, inspeção e
aprovação. Tais regras são destinadas a garantir que os procedimentos não sejam mais
longos nem onerosos do que o razoável ou necessário. Além disso, os Membros
exportadores são obrigados a facilitar o trabalho das autoridades de controle dos outros
Membros em seus territórios, quando a medida sanitária ou fitossanitária é relativa ao
controle no nível da produção.
119
Isso pode ser encontrado na série de documentos oficiais da OMC G/SPS/ENQ/*. Até 11 de março de
2002, 122 dos então 144 Membros da OMC haviam estabelecido Centros de Informação (Ibid.).
51
5.3
Comitê sobre SPS
Artigo 12.1 do SPS
Um Comitê sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Comitê sobre SPS) foi
estabelecido nos termos do Artigo 12.1. O Comitê sobre SPS congrega representantes120
de todos os Membros da OMC121 e toma decisões por consenso. O Comitê sobre SPS
conta com os serviços prestados pela Divisão de Agricultura e Commodities do
Secretariado da OMC. O Comitê sobre SPS normalmente conduz três reuniões por ano,
e pode se reunir em reuniões informais, se necessário. O objetivo do Comitê sobre SPS
é fornecer um fórum legal para discussões e avanços na implementação do Acordo SPS
e o alcance dos seus objetivos, particularmente a harmonização de padrões.122
5.3.1
Fórum para Consultas
Artigo 12.2 do SPS
O Artigo 12.2 obriga o Comitê sobre SPS a encorajar e facilitar as consultas entre os
Membros sobre questões sanitárias e fitossanitárias. Juntamente com a obrigação de
transparência, o escopo desse dispositivo pode ser ampliado para permitir que os países
em desenvolvimento resolvam seus conflitos relacionados a medidas sanitárias e
fitossanitárias a baixos custos. As discussões sobre alterações notificadas na legislação
sobre medidas sanitárias e fitossanitárias acontecem, com as preocupações dos países
em desenvolvimento sendo levantadas e os esclarecimentos sendo dados pelo Membro
que impõe a medida.123 Isso poderia levar à revisão da medida notificada ou mais
consultas bilaterais entre os Membros envolvidos. Nesse sentido, as disputas podem ser
resolvidas sem o recurso a processos formais de solução de controvérsias caros e
demorados. Em um estudo recente,124 foi demonstrado que durante as reuniões do
Comitê sobre SPS, cerca de 120 questões sanitárias ou fitossanitárias foram levantadas,
quase a metade envolvendo reclamações apresentadas por países em desenvolvimento
ou economias em transição.
5.3.2
Papel Relacionado ao Processo Internacional de Harmonização
Artigo 12.2-6 do SPS
O Comitê sobre SPS tem várias tarefas relacionadas ao processo de harmonização
internacional de padrões sanitários e fitossanitários. Ele precisa encorajar o uso de
120
Os Membros podem enviar representantes de sua própria escolha e normalmente enviam funcionários
de suas autoridades de segurança alimentar ou de segurança veterinária ou vegetal.
121
O status de observador é concedido a governos que têm status de observador nos mais altos órgãos da
OMC, bem como a representantes de certas organizações internacionais intergovernamentais com
mandato nessa área (G/SPS/GEN/229, de 23 de fevereiro de 2001).
122
Nos termos desse poder, o Comitê sobre SPS adotou a Decisão sobre Equivalência em 2001, para
facilitar a implementação do Artigo 4 do Acordo SPS. Essa decisão é discutida no Capítulo 4 abaixo.
123
O Secretariado fornece um resumo de todas as preocupações relacionadas ao comércio levantadas no
Comitê sobre SPS, juntamente com a indicação da solução dada à questão, se notificada
(G/SPS/GEN/204/Rev. 1, de 5 de março de 2001.)
124
Micheal Friis Jensen, Reviewing the SPS Agreement: A Developing Country Perspective Working
Paper 02.3, Centre for Development Research: Copenhagen, na página 18, tabela 1 (2002).
52
padrões internacionais, orientações e recomendações por todos os Membros, e manter
contato próximo com as três principais organizações internacionais padronizadoras.
Além disso, o Comitê sobre SPS precisa desenvolver um procedimento para monitorar o
processo de harmonização internacional e o uso de padrões internacionais. Um
procedimento provisório foi adotado,125 e é usado pelo Comitê sobre SPS para a
elaboração do relatório anual baseado nas informações e comentários dos Membros e
das organizações internacionais padronizadoras a respeito do uso dos padrões
internacionais existentes, a necessidade de novos padrões e o trabalho sobre a adoção de
tais padrões. Além disso, o Comitê pode, nos termos do Artigo 12.6, convidar as
organizações internacionais a examinar assuntos específicos a respeito de um padrão,
orientação ou recomendação particular, incluindo a base para explicações para a não
utilização do padrão.
5.3.3
Revisão Periódica da Aplicação e Implementação do Acordo SPS
Artigo 12.7 do SPS
O Comitê sobre SPS está obrigado a examinar a aplicação e a implementação do Acordo
SPS, pelo Artigo 12.7, três anos após a sua entrada em vigor e a partir daí quando a
necessidade surgir. Quando apropriado, o Comitê sobre SPS pode fazer propostas ao
Conselho para o Comércio de Bens a respeito de alterações ao Acordo SPS. O Comitê
sobre SPS estabeleceu um procedimento para essa revisão e a primeira revisão126
ocorreu em 1998, resultando em um relatório.127 Contudo, nenhuma alteração foi
proposta. O Comitê sobre SPS observou que a revisão não foi abrangente e reconheceu
que os Membros poderiam levantar qualquer assunto para a consideração do Comitê a
qualquer momento.
Decisão de Doha sobre Implementação
Na Decisão Ministerial sobre Implementação (Ministerial Decision on Implementation)
adotada em Doha, o Comitê foi instruído a rever a operação e implementação do Acordo
SPS pelo menos uma vez a cada quatro anos.
5.4
Solução de Controvérsias
Para executar os direitos contidos no Acordo SPS, os Membros podem recorrer ao
sistema de solução de controvérsias da OMC, conforme estabelecido no Entendimento
sobre Solução de Controvérsias (Dispute Settlement Understanding - DSU -).128 As
regras e procedimentos definidos no DSU se aplicam total e incondicionalmente a
disputas que surgem nos termos do Acordo SPS.
Até o momento, foram apresentadas 21 reclamações nos termos do Acordo SPS
relacionadas a 18 questões separadas. Três disputas resultaram em relatórios do painel e
125
G/SPS/11, de 22 de outubro de 1997. Esse procedimento foi estendido duas vezes.
G/SPS/10, de 21 de outubro de 1997.
127
G/SPS/12, de 11 de março de 1999.
128
O mecanismo de solução de controvérsias é discutido em detalhes nos Módulos 3.1 e 3.4. Assim, neste
trabalho dar-se-á atenção apenas aos aspectos específicos, aplicáveis às disputas envolvendo medidas
sanitárias e fitossanitárias.
126
53
do Órgão de Apelação129 e uma questão ainda está sendo examinada.130 Os países em
desenvolvimento131 já se envolveram em sete disputas, em quatro casos como
reclamantes,132 e em seis como reclamados.133
Três questões relacionadas ao mecanismo de solução de controvérsias que surgem no
âmbito do Acordo SPS merecem atenção particular: o ônus da prova; o padrão de
revisão, o uso de peritos cientistas e a revisão por grupos de especialistas.
5.4.1 Ônus da Prova
A questão de qual parte tem o ônus da prova é particularmente relevante no caso de
controvérsias sobre medidas de proteção à saúde, devido ao nível de incerteza científica
que existe nessa área. No caso EC – Hormones, o Órgão de Apelação enfatizou a
importância desse assunto, à luz das “múltiplas e complexas questões de fato” que
podem surgir nos termos do Acordo SPS.134 Ele decidiu que se aplica a regra normal do
ônus da prova, qual seja, a de que a parte que faz uma alegação de fato deve estabelecer
um caso prima facie que é verdadeiro e o ônus da prova é transferido para a outra parte,
que precisa contestar a presunção ou irá perder o caso.135
No caso Japan – Agricultural Products, os Estados Unidos alegaram que requerer que o
reclamante prove que não existe prova científica suficiente para a adoção de medida
sanitária e fitossanitária significa requerer que ele faça prova negativa, colocando um
ônus impossível sobre o reclamante.136 O Órgão de Apelação rejeitou esse argumento,
ao decidir que os Estados Unidos não estavam sendo solicitados a fazer prova negativa,
mas estavam sendo solicitados apenas a levantar uma presunção de que não havia
estudos ou relatórios relevantes. De acordo com o Órgão de Apelação, os Estados
Unidos poderiam ter solicitado que o Japão, nos termos do Artigo 5.8, fornecessem uma
“explicação das razões” para as suas medidas na medida em que ela se relaciona com os
produtos em questão. O fracasso do Japão em fazer isso significaria uma indicação forte
de que tais estudos e relatórios não existiam. Além disso, os Estados Unidos poderiam
ter questionado os peritos do Painel ou submetido um parecer dos seus próprios peritos
a respeito da existência de tal relatório.
Afora a questão genérica do ônus da prova, nos termos do Acordo SPS, a harmonização
de dispositivos contida no Artigo 3 desse Acordo apresenta questões específicas
interessantes a respeito de ônus da prova. No caso EC-Hormones, o Órgão de Apelação
rejeitou a decisão de que o Artigo 3.3 incorpora uma exceção à regra geral contida no
Artigo 3.1 e, assim, o ônus da prova é transferido para o Membro Demandado a quem
cabe demonstrar que uma medida cumpre os termos do Artigo 3.3. Ao contrário, o
129
Esses casos são: EC-Hormones, Australia-Salmon e Japan-Agricultural Products. As conclusões
desses casos foram discutidas acima quando pertinente.
130
Foi estabelecido um painel em 3 de junho de 2002 para tratar da reclamação dos Estados Unidos
contra as restrições do Japão na importação de maçãs devido a “fire blight” (“fogo bacteriano”).
(WT/DS245).
131
A expressão países em desenvolvimento aqui é interpretada em seu sentido amplo, que inclui as
economias em transição.
132
WT/DS134, WT/DS205, WT/DS237 e WT/DS256.
133
WT/DS96, WT/DS133, WT/DS203, WT/DS205, WT/DS237 e WT/DS256.
134
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 97.
135
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafos 102-105.
136
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Agricultural Products, parágrafo 38.
54
Órgão de Apelação decidiu que o Artigo 3.1 do Acordo SPS apenas excluiu de seu
escopo as situações que se enquadram no Artigo 3.3. Tal artigo contém uma opção
autônoma disponível aos Membros, cabendo ao Membro Demandante provar que as
condições estabelecidas neste artigo para as medidas sanitárias e fitossanitárias, não
baseadas em padrões internacionais, não são alcançadas.137
5.4.2
Padrão de Revisão
Artigo 11 do DSU
A questão do padrão de revisão apropriado é importante, já que levanta o problema da
extensão à qual os painéis podem interferir nas decisões regulatórias dos Membros. Foi
no caso EC-Hormones138 que a questão do padrão de revisão adequado foi tratada pela
primeira vez. O Órgão de Apelação rejeitou a extensão do padrão de revisão
complacente definido no Acordo Anti-Dumping para o Acordo SPS, ao decidir que esse
padrão de revisão é textualmente específico àquele Acordo e que não existe prova de
que houve uma intenção de sua adoção nesse Acordo [SPS].
O Órgão de Apelação decidiu que muito embora o Acordo SPS seja silente a respeito do
padrão de revisão, o DSU articula esse padrão tanto para a determinação dos fatos
quanto para a caracterização legal desses fatos, no Artigo 11.139 O padrão de revisão
estabelecido por esse Artigo não é nem complacente nem original, mas uma avaliação
objetiva dos fatos (relacionados à verificação dos fatos) e uma avaliação objetiva do
assunto, incluindo a aplicabilidade dos e conformidade com os acordos compreendidos
relevantes (com respeito aos assuntos legais).140
O Órgão de Apelação decidiu que uma alegação de que o painel deixou de conduzir
uma avaliação objetiva dos fatos requer prova de que houve desconsideração deliberada
ou recusa de levar em conta a prova apresentada ou distorção intencional ou valoração
incorreta da prova. Isso não indica um mero erro no julgamento, mas sugere um erro
crasso, que coloca em questão a boa fé do painel.141
5.4.3
Peritos Cientistas e Grupos de Peritos para Revisão
Artigo 11.2 do SPS
Uma tentativa de tratar os problemas inerentes à avaliação da prova científica é
refletida, de forma genérica, no Artigo 13 do DSU, e, de forma, mais especifica no
Artigo 11.2 do Acordo SPS. O Artigo 13.1 do DSU autoriza o painel a buscar
informação e aconselhamento técnico de qualquer indivíduo ou órgão. O Artigo 13.2
permite que os painéis busquem informações de qualquer fonte e a consultar peritos ou
requerer pareceres de grupos de peritos para revisão. O Artigo 11.2 do Acordo SPS diz
que em controvérsia relacionada a esse acordo, envolvendo assuntos técnicos e
científicos, um painel deve consultar peritos escolhidos por ele em consultas com as
137
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 104.
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 133.
139
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 116.
140
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 117.
141
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 133.
138
55
partes. Para esse objetivo, um painel pode estabelecer grupos de peritos técnicos para
revisão ou consultar organizações internacionais relevantes.
O painel tem poder discricionário142 para decidir pela consulta a peritos ou estabelecer
um grupo de peritos para revisão.143 Todos os painéis que tratam de assuntos
relacionados ao Acordo SPS até agora fizeram consultas a peritos individualmente.
5.5
Teste Sua Compreensão
1.Indique as principais obrigações de transparência nos termos do Acordo SPS e
discuta a sua importância para os países em desenvolvimento.
2.Quais são as principais funções do Comitê sobre SPS? Quais dessas funções você
considera mais importantes para os países em desenvolvimento e por que?
3.Discuta o padrão de revisão que os painéis precisam aplicar quando examinam
as alegações no âmbito do Acordo SPS.
142
Relatório do Órgão de Apelação, EC-Hormones, parágrafo 147.
As regras e procedimentos aplicáveis aos grupos de peritos para revisão estão definidas no Apenso 4
do DSU.
143
56
6.
DISPOSITIVOS ESPECIAIS PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Ao completar o estudo deste capítulo o leitor estará apto a:
•
identificar as regras no Acordo SPS que levam em consideração a posição
especial dos países em desenvolvimento.
•
avaliar em que extensão o Acordo SPS fornece flexibilidade para os países
em desenvolvimento na implementação dos seus compromissos e encoraja os países
desenvolvidos a levar em consideração as limitações dos países em
desenvolvimento.
6.1
Reconhecimento das Limitações de Países em Desenvolvimento
As disciplinas gerais do Acordo SPS são aplicáveis igualmente a países em
desenvolvimento e desenvolvidos. Contudo, o Acordo SPS reflete o reconhecimento das
limitações de recursos financeiros e técnicos que os países em desenvolvimento
enfrentam.144 Por essa razão, existem dispositivos especiais que levam em consideração
a posição especial dos países em desenvolvimento. Esses dispositivos são relacionados
ao fornecimento de assistência técnica a países em desenvolvimento, bem como ao
tratamento especial e diferenciado em favor dos países em desenvolvimento. Além
disso, não pode ser esquecido que algumas das disciplinas no Acordo SPS discutidas
acima contém elementos de flexibilidade que podem ser usados para o benefício dos
países em desenvolvimento.145
6.2
Assistência Técnica
As necessidades de assistência técnica dos países em desenvolvimento referem-se não
só à melhoria do entendimento deles sobre as regras aplicáveis no âmbito do Acordo
SPS, mas também à aquisição de capacidade técnica e científica para cumprir as suas
obrigações e fazer valer seus direitos no âmbito do Acordo SPS. Assim, assistência
técnica é um termo amplo, que compreende:
•
o fornecimento de informação para melhorar o entendimento do Membro dos
seus direitos e obrigações no âmbito do Acordo SPS;
•
o fornecimento de treinamento prático e detalhado sobre a aplicação do Acordo
SPS, o fornecimento de infra-estrutura “leve”/“soft” (treinamento e formação de
pessoal técnico e científico e o desenvolvimento de estrutura regulatória nacional); e
•
infra-estrutura “pesada” (laboratórios, equipamentos, serviços veterinários,
estabelecimento de áreas livres de doenças).146
144
Este reconhecimento é feito pela primeira vez no sétimo parágrafo preambular do Acordo SPS.
Por exemplo, o Artigo 5.1 requer uma avaliação de risco “adequada para as circunstâncias”; o
Artigo 5.6 permite que seja levada em consideração a possibilidade técnica e econômica na escolha de
uma medida sanitária ou fitossanitária; o Anexo B, parágrafo 8 isenta os países em desenvolvimento do
cumprimento da exigência de fornecimento de cópias dos resumos dos documentos relacionados a uma
notificação.
146
Essa tipologia foi preparada pelo Secretariado (G/SPS/GEN/206, de 18 de outubro de 2000).
145
57
O fornecimento de assistência técnica para os países em desenvolvimento envolve
muitos atores, como os outros Membros da OMC, o Secretariado da OMC, bem como
outras organizações internacionais, tais como a FAO (incluindo Codex e o IPPC), a
OMS, o OIE e o Banco Mundial. Deve ser observado que a participação ativa e a
contribuição de países em desenvolvimento nesse processo é essencial para garantir que
o fornecimento de assistência técnica seja dirigido pela demanda.
Artigo 9 do SPS
Nos termos do Artigo 9.1, os Membros concordam em facilitar o fornecimento de
assistência técnica a outros Membros, especialmente países em desenvolvimento, seja
bilateralmente, seja através de organizações internacionais. Essa assistência pode tomar
várias formas, como aconselhamento, créditos, concessões e doações e pode ser nas
áreas de tecnologias de processamento, ou pesquisa e infra-estrutura, como a criação de
organismos regulatórios nacionais. Essa forma de assistência pode também ter por
objetivo ajudar os países em desenvolvimento a se ajustar e a cumprir as medidas
sanitárias e fitossanitárias nos seus mercados de exportação.
O Artigo 9.2 refere-se especificamente ao caso em que as exigências sanitárias e
fitossanitárias de um Membro importador demandam investimentos substanciais do
país-Membro exportador em desenvolvimento, para o cumprimento das exigências.
Nesse caso, o Membro importador precisa pensar em fornecer assistência técnica que irá
permitir o País-Membro em desenvolvimento a manter e expandir as suas oportunidades
de acesso a mercados para aquele produto. Contudo, não existe obrigação de fato para o
fornecimento da assistência técnica.
A assistência técnica é um tema recorrente na agenda das reuniões do Comitê sobre
SPS, nas quais os Membros são incentivados a identificar necessidades específicas de
assistência técnica e relatar atividades relacionadas a assistência técnica. O Comitê
sobre SPS147 fez uma pesquisa sobre as atividades e necessidades de assistência técnica,
mediante o uso de questionários,148 e elaborou um documento com a tipologia149 da
assistência técnica. Além disso, discussões informais a respeito de assistência técnica e
cooperação aconteceram no Comitê sobre SPS.150 Reuniões com altos funcionários e
reuniões técnicas têm ocorrido entre a OMC e outras organizações internacionais para a
coordenação do fornecimento de assistência técnica.151
Decisão de Doha sobre Implementação
147
Uma compilação de todos os documentos sobre esse assunto submetidos ao e preparado pelo Comitê
sobre SPS foi circulado a todos os Membros (G/SPS/GEN/332, de 24 de junho de 2002).
148
Em julho de 1999, um questionário foi circulado aos Membros para obter informações sobre a
assistência técnica solicitada, recebida ou fornecida no âmbito do Acordo SPS (G/SPS/W/101, de 23 de
julho de 1999), mas poucos países em desenvolvimento responderam. Em outubro de 2001, foi circulado
um segundo questionário a respeito de necessidades de assistência técnica (G/SPS/W/113, de 15 de
outubro de 2001), ao qual 24 Membros responderam até o momento (vide os addenda ao documento
G/SPS/GEN/295, de 6 fevereiro de 2002).
149
G/SPS/GEN/206, de 18 de outubro de 2000.
150
A primeira reunião aconteceu em julho de 2002 (G/SPS/GEN/267, de 16 de julho de 2001) e a
segunda em março de 2002 (nenhum documento público foi liberado ainda).
151
Vide os relatórios: WT/GC/42, de 11 de dezembro de 2000; WT/GC/46/Rev. 1, de 16 de julho de 2001;
WT/GC/54, de 7 de novembro de 2001; WT/GC/45, de 7 de março de 2001.
58
A Decisão sobre Implementação, tomada durante a Conferência Ministerial de Doha,
urge que o Diretor-Geral da OMC continue a envidar esforços de cooperação com as
organizações internacionais padronizadoras, para facilitar o fornecimento de assistência
técnica e financeira para permitir a participação efetiva de países de menor
desenvolvimento relativo. Além disso, os Membros são chamados a fornecer assistência
técnica e financeira aos países de menor desenvolvimento relativo, para permitir que
eles atendam às medidas sanitárias e fitossanitárias que possam afetar negativamente o
seu comércio, bem como para permitir que a assistência técnica seja fornecida a esses
países em resposta aos problemas especiais que eles enfrentam na aplicação do Acordo
SPS.152
Facilitação de Desenvolvimento de Padrões e Comércio
O Banco Mundial e a OMC estabeleceram um novo fundo, em 27 de setembro de 2002,
para fornecer recursos aos países em desenvolvimento para assisti-los no cumprimento
de padrões sanitários e fitossanitários. O Banco Mundial disponibilizou US$ 300,000 e
a OMC vai contribuir para o Doha Development Trust Fund. Tal fundo será
administrado pela OMC. Espera-se que a FAO, a OMS e a OIE, integrem essa
iniciativa.153
6.3
Tratamento Especial e Diferenciado
Nos termos do Acordo SPS, o tratamento especial e diferenciado é destinado a garantir
que as limitações especiais enfrentadas pelos Países Membros em desenvolvimento
sejam levadas em consideração na aplicação de certos dispositivos do Acordo SPS. Tal
tratamento pode estar relacionado à aplicação de um dispositivo de uma forma favorável
aos países em desenvolvimento por outros Membros, à flexibilidade na obrigação em
favor dos países em desenvolvimento, ou às ações do Comitê sobre SPS ou do
Secretariado para assistir aos países em desenvolvimento.
6.3.1
Preparação e Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
Artigo 10.1 do SPS
O Artigo 10.1 obriga os Membros a levar em consideração as necessidades especiais
dos países Membros em desenvolvimento e, em particular, dos países Membros de
menor desenvolvimento relativo, na preparação e aplicação de medidas sanitárias e
fitossanitárias. Contudo, além de requerer que essas necessidades sejam consideradas no
processo regulatório, não existe uma obrigação de se adaptar ou adotar medidas
sanitárias e fitossanitárias em conformidade com as necessidades dos países em
desenvolvimento.
6.3.2
Introdução Gradual de Medidas
Artigo 10.2 do SPS
152
WT/MIN(01)/17, de 14 de novembro de 2001.
Veja a nota à imprensa da OMC 314 “World Bank grant kicks off Bank-WTO assistance on
standards”, de 27 de setembro de 2002.
153
59
O Artigo 10.2 incentiva os Membros, sem estabelecer uma obrigação, a permitir prazos
mais longos para o cumprimento de novas medidas sanitárias e fitossanitárias por parte
de países em desenvolvimento, quando o nível apropriado de proteção do Membro
importador permite. Tal prazo diferenciado é destinado a deixar que os países em
desenvolvimento mantenham as suas exportações enquanto estão se ajustando às novas
medidas.
Decisão de Doha sobre Implementação
A Decisão sobre Implementação, adotada durante a Conferência Ministerial de Doha,
estabelece um prazo mais longo, “normalmente um período de não menos do que seis
meses”, para o cumprimento de novas medidas, nos termos do Artigo 10.2, quando é
possível a introdução gradual dessas novas medidas. Se tal introdução gradual não é
possível e se um Membro identifica problemas específicos que ele enfrenta com relação
à nova medida, o Membro importador deve iniciar consultas com o objetivo de alcançar
soluções mutuamente satisfatórias, enquanto continua tentando alcançar o nível
apropriado de proteção do Membro importador.154
6.3.3
Período Razoável de Adaptação
Anexo B.2 do SPS
Nos termos do Parágrafo 2 do Anexo B, os Membros são obrigados155 a dar um prazo
razoável entre a publicação da medida sanitária ou fitossanitária e a sua entrada em
vigor, para que os Membros exportadores (especialmente os países em
desenvolvimento) se adaptem à nova medida.
Decisão de Doha sobre Implementação
A Decisão sobre Implementação, adotada durante a Conferência Ministerial de Doha,
estabelece o período de adaptação como sendo “normalmente um período de não menos
do que seis meses”, mas observa que circunstâncias particulares da medida e das ações
necessárias para a implementação precisam ser consideradas. Além disso, ela esclarece
que a entrada em vigor de medidas sanitárias e fitossanitárias que liberalizam o
comércio não devem ser necessariamente atrasadas. Isso leva em consideração o fato de
que algumas das medidas sanitárias e fitossanitárias podem estabelecer exigências
menos rigorosas do que as existentes.156
6.3.4
Exceções Limitadas no Tempo
Artigo 10.3
O Artigo 10.3 permite que o Comitê sobre SPS conceda aos países em
desenvolvimento, a pedido, exceções específicas e limitadas no tempo a todas ou
algumas de suas obrigações, no âmbito do Acordo SPS. Isso é feito com o objetivo de
permitir os países em desenvolvimento a cumprir suas obrigações e leva em
154
Ibid. parágrafo 3.1.
Exceto em casos de urgência.
156
WT/MIN(01)/17, de 14 de novembro de 2001.
155
60
consideração as necessidades financeiras, comerciais e de desenvolvimento. Nenhum
país em desenvolvimento já requereu essa exceção até o momento.
6.3.5
Facilitação de Participação em Organizações Internacionais
Artigo 10.4 do SPS
O Artigo 10.4 estabelece que os Membros devem encorajar e facilitar a participação
ativa dos países em desenvolvimento nas organizações internacionais relevantes. Isso é
claramente uma referência às organizações internacionais padronizadoras, notadamente
CAC, IPPC, e OIE. O Artigo 10.4 é puramente enunciativo e não contém obrigação
vinculante.
6.3.6
Dispositivos Especiais sobre Notificação
Anexo B.8 e 9 do SPS
Nos termos dos dispositivos sobre transparência do Anexo B, os países em
desenvolvimento são isentos da obrigação de fornecer cópias dos documentos nos quais
uma notificação é baseada em uma das línguas oficiais da OMC. Além disso, o
Secretariado é obrigado a chamar a atenção dos países em desenvolvimento para
qualquer notificação relacionada a produtos de interesses de tais países. Isso é feito com
a circulação mensal de uma lista das notificações para todos os Membros.
6.3.7
Períodos de Transição
Artigo 14 do SPS
O Artigo 14 do Acordo SPS contém uma regra para a implementação atrasada das
obrigações contidas no Acordo por parte dos Países-Membros em desenvolvimento e de
menor desenvolvimento relativo. Aos Países-Membros de menor desenvolvimento
relativo foi concedido um período de cinco anos, da entrada em vigor do Acordo da
OMC, para a aplicação atrasada de todas as suas obrigações. Os outros Membros em
desenvolvimento receberam um período suplementar de dois anos, nos casos em que a
falta de conhecimento técnico, infra-estrutura e recursos impediu o imediato
cumprimento de suas obrigações. Contudo, essa possibilidade não foi estendida para as
obrigações relacionadas à transparência e informação. O período de aplicação atrasada
expirou em 2000 para os Países-Membros de menor desenvolvimento relativo e em
1997 para os outros países em desenvolvimento.
6.4
Teste Sua Compreensão
1.
Os países em desenvolvimento têm direito a receber assistência técnica para
cumprir as medidas sanitárias e fitossanitárias dos seus parceiros comerciais?
2.
Quais iniciativas foram tomadas pelo Comitê sobre SPS para facilitar a
implementação dos dispositivos sobre assistência técnica?
3.
Liste as formas pelas quais é dado tratamento especial e diferenciado para
os países em desenvolvimento no Acordo SPS e mencione as melhorias que foram
acordadas na Conferência Ministerial de Doha.
61
7.
ESTUDOS DE CASOS
1.
A República de Agrícola, um País-Membro da OMC em desenvolvimento,
depende fundamentalmente de suas exportações de mangas e tomates para o
recebimento de receitas externas. Seu principal mercado exportador é Indústria, um
País-Membro da OMC desenvolvido. Recentemente, exportadores de Agrícola
enfrentaram obstáculos para a entrada de seus produtos no mercado de Indústria, tendo
em vista as preocupações de que tais produtos não atendem os padrões considerados
apropriados pelo governo de Indústria. Em particular, Indústria fez publicar uma lei
requerendo o tratamento por fumigação para todas as mangas originárias de Agrícola,
devido à detecção da presença de broca negra (uma peste de significativa quarentena
para Indústria) em um carregamento de mangas de Agrícola há cinco anos. Além disso,
em razão da sua política de risco zero relacionada a elementos carcinogênicos, Indústria
estabeleceu cautelarmente um nível de ausência de resíduos de Xenogen, um herbicida
que é suspeito de ser carcinogênico, na importação de vegetais. Xenogen é um herbicida
barato e eficiente e de uso comum entre plantadores de tomates de Agrícola.
Em uma reunião com o Departamento de Agricultura de Agrícola, a associação de
fazendeiros da República de Agrícola levantou uma série de preocupações relacionadas
a tais medidas, por entender que elas constituem uma forma disfarçada de proteção da
indústria agrícola de Industria e não medidas fitossanitárias legítimas. Em primeiro
lugar, a associação dos fazendeiros ressalta que brocas negras são encontradas apenas
na úmida província oriental de Agrícola, já que essa espécie de praga não sobrevive em
províncias ocidentais mais secas. Em segundo lugar, ela observa que a nova legislação
sanitária de Agrícola requer que as mangas sejam submetidas a um tratamento de
refrigeração para matar as pragas. Ela argumenta que esse tratamento é tão eficaz
quanto a fumigação para o extermínio de broca negra e é menos prejudicial para o
tempo de validade da fruta na prateleira. Contudo, apesar dos pedidos de Agrícola,
Indústria não tem tido vontade de reconhecer o seu tratamento de refrigeração como
equivalente à fumigação. Em terceiro lugar, a associação dos fazendeiros ressalta que o
potencial cancerígeno do Xenogen nunca foi provado conclusivamente. Por último, os
fazendeiros observam que nenhum período razoável de tempo foi concedido para eles se
adaptarem à nova exigência de Indústria com relação ao Xenogen. Como resultado, eles
perderão participação no mercado com a mudança para um novo herbicida. Além disso,
os custos adicionais do novo herbicida fazem com que seja impossível para muitos
pequenos fazendeiros fazer essa mudança e permanecer competitivos.
Você é o representante da República de Agrícola no Comitê sobre SPS da OMC. Seu
governo te aborda para pedir conselho sobre como ele deve proceder com relação a esse
assunto. Ele pede que você escreva um parecer sobre o tema. Em especial, ele pede que
você trate dos seguintes pontos:
(a)
Existem mecanismos disponíveis ao governo de Agrícola para
resolver essa disputa sem que se tenha que recorrer ao mecanismo de solução de
controvérsias?
(b)
No caso de Agrícola decidir recorrer ao mecanismo de solução de
controvérsias, ela deve questionar as medidas de Indústria no âmbito do GATT 1994, do
Acordo SPS ou do Acordo TBT, ou de uma combinação deles?
62
(c)
No caso de questionamento no âmbito do Acordo SPS, qual parte terá
o ônus da prova? Se Agrícola tem o ônus da prova, existe algum mecanismo para
assisti-la na obtenção de informação de Indústria a respeito de sua medida?
(d)
Existem dispositivos no Acordo SPS nos quais Agrícola, como país
em desenvolvimento, poderia se basear para reclamar que Indústria não levou as suas
necessidades especiais em consideração na promulgação e implementação dessas
medidas? Se sim, quais são as chances de sucesso no questionamento das medidas nos
termos de tais dispositivos?
(e)
Agrícola pode questionar a recusa de Indústria em reconhecer a
existência de áreas livres de praga em Agrícola e de adaptar suas exigências, ou de
reconhecer as medidas fitossanitárias de Agrícola como equivalentes às suas próprias?
Se sim, o que Agrícola teria que provar?
(f)
Agrícola pode questionar o nível de risco zero de proteção adotado
por Indústria com relação aos elementos cancerígenos ou o seu nível sem resíduos com
relação ao Xenogen?
(g)
O Acordo SPS permite que Agrícola questione a medida de Indústria
com relação ao Xenogen com fundamento no fato de que existe prova científica
insuficiente de um risco? Existem regras especiais aplicáveis a medidas “cautelares”?
2.
Como um país pequeno e insular, Agrícola é um importador líquido de
alimentos, que são comprados com a receita advinda das exportações de manga e
tomate. Tradicionalmente, a população de Agrícola come grandes quantidades de feijão,
que Agrícola importa de países vizinhos, especialmente Budistão (que também é um
País-Membro em desenvolvimento). Como resultado da importância do feijão na dieta
nacional, uma legislação de segurança alimentar existe em Agrícola há 15 anos,
definindo um nível máximo de resíduo de Fitolene, um produto químico comumente
usado como fertilizante na produção de feijão, inclusive em Budistão. Essa legislação
foi editada em resposta a um aumento repentino de casos de epilepsia em uma região
onde os fertilizantes com Fitolene foram introduzidos. Existe uma suspeita de que há
uma ligação entre o Fitolene e a epilepsia. O governo de Agrícola está tentando
determinar se essa ligação pode ser demonstrada cientificamente, mas devido à
complexidade da epilepsia e à limitação dos recursos, isso está tomando muito tempo.
Recentemente, Fitolene atraiu a atenção da Comissão do Codex Alimentarius. Em 2001,
a Comissão do Codex Alimentarius decidiu não adotar um nível máximo de resíduo de
Fitolene, baseado na conclusão da Reunião Conjunta da FAO/OMS sobre Resíduos de
Pesticidas de que estudos científicos demonstram que o Fitolene é seguro, se usado de
acordo com boas práticas rurais. Devido a limitações financeiras e de recursos técnicos,
Agrícola não pode participar das discussões que levaram à adoção dessa decisão do
Codex. É do conhecimento de Agrícola que o mesmo aconteceu com vários países em
desenvolvimento pequenos. Além disso, um grupo pequeno de cientistas nórdicos
recentemente publicou um estudo que eles acreditam demonstram que o Fitolene,
quando ingerido em grandes quantidades, pode ter efeitos adversos à saúde.
Para equilibrar a dieta de seus cidadãos, Agrícola também importa arroz e mandioca.
Recentemente, ocorreu uma epidemia de fungo azul nas plantações de mandioca no
vizinho Budistão, que é uma doença que pode ser espalhada para mangas e causar
grande prejuízo econômico às culturas de exportação de Agrícola. Por essa razão,
Agrícola baniu as importações de mandioca de Budistão. Um estudo recente pela
Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura (United Nations Food
and Agriculture Organization – FAO) demonstrou que o parasita amarelo, muitas vezes
63
encontrado no arroz, é uma praga que pode também ser espalhada facilmente para as
árvores de manga, mas Agrícola não adotou nenhuma medida para restringir a
importação de arroz com o parasita amarelo. Na última reunião do Comitê sobre SPS,
Budistão levantou suas preocupações relacionadas às medidas de Agrícola com respeito
às suas exportações de feijão e mandioca. Ele também apresentou um documento
detalhado no qual definiu de forma mais específica suas reclamações sobre as medidas
de Agrícola. Você é o representante de Agrícola no Comitê sobre SPS. Você toma nota
das preocupações de Budistão e se compromete a responder na próxima reunião do
Comitê sobre SPS, tanto oralmente quanto por meio de um documento escrito, na
esperança de evitar um processo de solução de controvérsias. Você está agora
preparando essa resposta. Você deve tratar os argumentos específicos levantados por
Budistão, que são os seguintes:
(a)
o nível máximo de resíduo para Fitolene de Agrícola não está baseado em
um padrão internacional definido pelo Codex, que é “nenhum nível máximo de resíduo”
para Fitolene. Assim os requisitos do Artigo 3.1, do Acordo SPS, não foram cumpridos
e Agrícola precisa provar que a sua medida está enquadrada na exceção do Artigo 3.3.
(b)
o nível máximo de resíduo para Fitolene não cumpre o Artigo 3.3, já que ele
não está baseado em avaliação de risco nos termos do Artigo 5.1.
(c)
o nível máximo de resíduo para Fitolene não é uma medida cautelar nos
termos do Artigo 5.7, já que ele está em vigor há 15 anos.
(d)
Agrícola não é consistente na aplicação de seus níveis adequados de
proteção e faz distinções arbitrárias no nível de proteção que ela considera apropriada
em situações diferentes, violando o Artigo 5.5, quando bane mandioca de Budistão
devido a riscos do fungo azul; enquanto permite a importação livre de arroz que carrega
igualmente riscos significativos pelo parasita amarelo.
O seu governo gostaria que você incluísse os seguintes argumentos em sua resposta, se
apropriados, além dos seus próprios argumentos. Você deve identificar quais desses
argumentos são válidos nos termos do Acordo SPS e somente se referir a eles.
(a)
Como o nível máximo de resíduo de Agrícola já existia quando da entrada
em vigor do Acordo SPS, ela não precisa cumprir essas exigências.
(b)
Considerando que Agrícola e outros países em desenvolvimento não
participaram das reuniões do Codex quando foi definido o padrão para o Fitolene, este
não é um padrão internacional para os fins do Acordo SPS (ou Agrícola e esses outros
países em desenvolvimento não estão vinculados a esse padrão internacional).
(c)
O padrão do Codex não é apropriado para Agrícola tendo em vista a grande
quantidade de feijão consumida por seus cidadãos. Nesse sentido, o padrão
internacional não atende o nível de proteção definido por Agrícola.
(d)
O status de Agrícola de país em desenvolvimento deve ser levado em
consideração na determinação se existe uma avaliação de risco “tão apropriada quanto
possível para as circunstâncias”.
(e)
O nível máximo de resíduo para Fitolene está baseado na avaliação de risco
feita pelos cientistas nórdicos.
(f)
A distinção nos níveis de proteção considerados apropriados para os riscos
do fungo azul e do parasita amarelo não é arbitrário, mas baseado no fato de que o
parasita amarelo é facilmente erradicado simplesmente jogando água salgada nas
árvores de manga, enquanto que a erradicação de fungo azul é difícil e cara.
64
8.
LEITURA COMPLEMENTAR
8.1
Artigos
•
Charnovitz, S. 2000, “Improving the Agreement on Sanitary and Phytosanitary
Standards.” Trade, Environment, and the Millennium, edited by G.P. Sampson and
W.B. Chambers, 172-193. New York: United Nations University Press.
•
Jensen, M.F. 2002, “Reviewing the SPS Agreement: A Developing Country
Perspective” Working Paper 02.3 Centre for Development Research: Copenhagen.
•
Otsuki, T., Wilson, J.S, and Sewadeh, M., 2001, “Measuring the Effect of Food
Safety Standards on African Exports to Europe.” The Economics of Quarantine and the
SPS Agreement, edited by K. Anderson, C. McRae and D. Wilson. Adelaide: Centre for
International Economic Studies.
•
Pauwelyn, J. 1999, “The WTO Agreement on Sanitary and Phytosanitary (SPS)
Measures as Applied in the First Three SPS Disputes: EC - Hormones, Australia Salmon and Japan - Varietals.” Journal of International Economic Law: 641-664.
•
Quick, R., and Blüthner, A. 1999, “Has the Appellate Body Erred? An
Appraisal and Criticism of the Ruling in the WTO Hormones Case.” Journal of
International Economic Law 2, no. 4: 603-639.
•
Roberts, D., Orden, D., and Josling, T. 1999, “WTO Disciplines on Sanitary
and Phytosanitary Barriers to Agricultural Trade: Progress, Prospects and, Implications
for Developing Countries.” Paper presented at the Conference on Agriculture and the
New Trade Agenda in the WTO Negotiations, Geneva, 1-2 October.
•
Victor, D.G. 2000, “The Sanitary and Phytosanitary Agreement of the World
Trade Organization: An Assessment after Five Years.” Journal of International Law
and Politics 32, no. 4: 865-938.
•
Walker, V.R. 1998, “Keeping the WTO from Becoming the ‘World TransScience Organization’: Scientific Uncertainty, Science Policy, and Factfinding in the
Growth Hormones Dispute.” Cornell International Law Journal 31: 251-320.
•
Zarrilli, S., 2001, “United Nations Conference on Trade and Development:
International Trade in Genetically Modified Organisms and Multilateral Negotiations - a
New Dilemma for Developing Countries.” Business Law International, no. 3: 330-369.
8.2
Relatórios do Órgão de Apelação
•
Relatório do Órgão de Apelação, Australia – Measures Affecting the Importation
of Salmon (“Australia - Salmon”), WT/DS18/AB/R, adotado em 6 de novembro de
1998.
•
Relatório do Órgão de Apelação, EC Measures Concerning Meat and Meat
Products (Hormones) (“EC - Hormones”), WT/DS26/AB/R; WT/DS48/AB/R, adotado
em 13 de fevereiro de 1998, DSR 1998:I, 135.
•
Relatório do Órgão de Apelação, Japan - Measures Affecting Agricultural
Products (“Japan - Agricultural Products II”), WT/DS76/AB/R, adotado em 19 de
março de 1999.
65
8.3
Relatórios de Painéis
•
Relatório do Painel, Australia – Measures Affecting Importation of Salmon,
Reclamação do Canadá (“Australia - Salmon”), WT/DS18/R, adotado em 6 de
novembro de 1998, como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação,
WT/DS18/AB/R.
•
Relatório do Painel de Implementação, Australia – Measures Affecting
Importation of Salmon - Recourse to Article 21.5 of the DSU by Canada (“Australia –
Salmon”), WT/DS18/RW, adotado em 20 de março de 2000.
•
Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products
(Hormones),
Reclamação
dos
Estados
Unidos
(“EC
Hormones
(US)”),WT/DS26/R/USA, adotado em 13 de fevereiro de 1998, como modificado pelo
Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS26/AB/R; WT/DS48/AB/R, DSR 1998:III,
699.
•
Relatório do Painel, EC - Measures Concerning Meat and Meat Products
(Hormones), reclamação do Canadá (“EC - Hormones (Canada)”), WT/DS48/R/CAN,
adotado em 13 de fevereiro de 1998, como modificado pelo Relatório do Órgão de
Apelação, WT/DS26/AB/R; WT/DS48/AB/R, DSR 1998:II, 235.
•
Relatório do Painel, Japan - Measures Affecting Agricultural Products,
Reclamação dos Estados Unidos, (“Japan - Agricultural Products II”), WT/DS76/R,
adotado em 19 de março de 1999, como modificado pelo Relatório do Órgão de
Apelação, WT/DS76/AB/R.
8.4
Documentos e Informações
•
Documentos oficiais da OMC podem ser obtidos mediante pesquisa na base de
dados da OMC, disponível no endereço: http://docsonline.wto.org/
•
Documentos oficiais da Comissão do Codex Alimentarius podem ser obtidos
mediante a pesquisa no site oficial da Comissão, disponível no endereço:
http://www.codexalimentarius.net/
•
Documentos oficiais da Convenção Internacional sobre Proteção de Vegetais
(International Plant Protection Convention) podem ser obtidos mediante pesquisa no site
oficial
da
Convenção,
disponível
no
endereço:
http://www.fao.org/WAICENT/FAOINFO/AGRICULT/AGP/AGPP/PQ/Default.htm
•
Documentos oficiais da Escritório Internacional de Epizootias (International
Office of Epizootics) podem ser obtidos mediante pesquisa no site oficial do Escritório,
disponível no endereço: http://www.oie.int/
66
Download

SPS Measures