ENSINO DE GEOGRAFIA, CIDADE, URBANO E SAÚDE COLETIVA. Mélane Raquel Cantalogo/Universidade Federal de Uberlândia [email protected] Tulio Barbosa /Universidade Federal de Uberlândia [email protected] INTRODUÇÃO O presente trabalho orienta-se pela execução do projeto “Cidade, Urbano, Saúde Coletiva e Educação”, coordenado por docentes do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, membros do Laboratório de Ensino de Geografia, e desenvolvido por orientandos de graduação da Geografia e da Enfermagem. O projeto tem como centralidade, quanto à atuação, a região norte da cidade de Uberlândia – MG, onde estão localizados os bairros Jardim Brasília, Roosevelt, Maravilha, Pacaembu e adjacências, com o objetivo de estudar a cidade e o urbano, trocando conhecimentos com a comunidade sobre o direito a cidade, dando ênfase à saúde coletiva. A importância deste trabalho está na relação do conhecimento comunitário sobre cidade, urbano e saúde coletiva, uma vez que as ações do projeto desenvolvido somente serão executadas mediante necessidade das comunidades envolvidas, por meio de reuniões encaminhadas coletivamente. Por meio das categorias geográficas a população local terá conhecimento teórico do que vivenciam na prática, isto é, as reuniões e posteriores palestras terão como prioridade aspectos teóricos e práticos da Geografia, tais como análise da paisagem, lugar e território. A Geografia estuda a cidade, como ela é construída e transformada, os seus aspectos físicos, e procura entender também as relações contidas nela, ou seja, o direito a cidade (saúde, educação, saneamento básico, cultura, lazer e a uma sociedade digna e justa). A ciência geográfica, com isso, busca unir todas essas áreas de estudos (política, econômica, social, ambiental) para entender a cidade e o urbano. A centralidade deste trabalho é a ação conjunta do ensino de Geografia com a temática saúde coletiva por meio do materialismo histórico e dialético. Neste sentido, faz-se necessário compreendermos a organização e estrutura da saúde coletiva no Brasil; assim, é urgente, para as comunidades envolvidas no projeto, o entendimento do sistema de saúde pública e seu funcionamento, estrutura e organização, portanto, ao ensinarmos sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) demonstramos possibilidades de uso, benefícios e problemas. A realização do projeto se dá na Escola Municipal Afrânio Rodrigues da Cunha onde são realizadas atividades educativas juntamente com professores da escola e de outras redes de ensino do município. Pretende – se estender essas atividades a outras instituições, como de assistência ao idoso, de crianças carentes, postos de saúde, dentre outras. Essas atividades aparecem em forma de palestras, debates, oficinas, trabalhos de campo, onde são abordadas temáticas relacionadas ao direito à cidade, a saúde coletiva, educação, tudo isso dentro de uma perspectiva crítica-geográfica. Elas estão em pleno desenvolvimento, considerando que o projeto foi iniciado oficialmente no mês de abril desse ano. O Ensino de Geografia e a Intervenção Social O projeto em desenvolvimento “Cidade, Urbano, Saúde Coletiva e Educação” tem como prioridade a intervenção na realidade por meio da Geografia e suas respectivas categorias e conceitos. A intervenção deste projeto nos bairros Jardim Brasília, Roosevelt, Maravilha, Pacaembu e adjacências contribuiu para um maior entendimento, por parte dos moradores, quanto as questões pertinentes ao seu cotidiano envolvendo cidade, urbano e saúde coletiva. O ensino de Geografia é fundamental para o melhoramento das condições de vida da população em geral, uma vez que o mesmo proporciona questionamentos quanto à realidade do cotidiano e desperta nas pessoas o não conformismo com a realidade por meio do pensamento crítico; assim, as temáticas apresentadas nas atividades do projeto contribuíram para o aperfeiçoamento intelectual e prático, já que as temáticas foram direcionadas desde a organização espacial das cidades até a saúde no bairro e o funcionamento da saúde pública no Brasil. A relação ensino e saúde coletiva norteiam as condições de intervenção por parte da Geografia na realidade, uma vez que a intervenção na realidade é iniciada pelo viés teórico partilhado pela comunicação do ensino de Geografia. O pensamento crítico geográfico possibilitou construir socialmente, nos bairros envolvidos no projeto, uma idéia coletiva de saúde e sua relação com o cotidiano, ou seja, como o cotidiano dos moradores é afetado pela organização pública nacional de saúde, bem como seus comportamentos e hábitos de higiene, alimentação e outras esfera da saúde. As palestras e reuniões desenvolvidas frisaram a relação de dependência entre a organização nacional da saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o comportamento individual quanto à saúde e a relação da saúde individual com a saúde coletiva por meio dos aparelhos públicos do Estado. A relação saúde coletiva e Geografia possibilitaram também, nas reuniões e palestras, o direcionamento para questões ambientais, sociais e políticas, portanto, foram evidenciados aspectos mais amplos da saúde coletiva por meio do ensino de Geografia, ou seja, até mesmo as questões pertinentes a saúde não são simplificadas somente na saúde, visto que a mesma depende de vários fatores e principalmente da organização do Estado, das políticas sociais e de saúde coletiva. Segundo Bahia (2009) a implantação definitiva e ampliada do Sistema Único de Saúde (SUS) encontra-se estagnada, apesar da Constituição Federal de 1988, no seu artigo 199 garantir a ampliação do SUS e o melhoramento do mesmo. A estagnação do SUS deve-se ao desvio de foco legitimado pela Constituição Federal, pois houve uma migração dos recursos públicos para as empresas particulares de saúde, já que os gastos com saúde têm abatimentos no imposto de renda. Ao mesmo tempo houve segundo Bahia (2009), uma subtração gradativa dos investimentos do Governo Federal no setor público de saúde, resultando num sistema falho, incompleto e precário quanto ao atendimento de todos os cidadãos brasileiros. Essa insuficiência do SUS tem levado continuamente inúmeros cidadãos a migrarem para os planos de saúde particulares, todavia, a maior parte da população brasileira não tem acesso a esses serviços de saúde da rede privada de atendimento. Diante disso, nas reuniões e palestras nos bairros participantes do projeto o pensamento geográfico crítico contribuiu e contribui para que os moradores entendessem de forma ampla o seu cotidiano, isto é, os seus problemas e dificuldades do dia-a-dia referente ao urbano e saúde coletiva são determinados pela tríade: políticas nacionais de saúde, problemas urbanos e participação do cidadão na coletividade. As conseqüências das atividades desenvolvidas proporcionaram uma nova visão de mundo, isso foi sentido após algumas reuniões com moradores, pois os mesmos, nas suas falas, indignaram-se com as políticas nacionais de saúde e os problemas urbanos. Em vários encontros existiram inúmeros questionamentos quanto ao papel do governo nas esferas municipal, da unidade federativa e do governo federal, bem como o destino dos impostos pagos praticamente de forma diária ao comprarem qualquer coisa. As reuniões, palestras e atividades em geral foram desenvolvidas por meio das categorias geográficas, isto é, foram trabalhadas as categorias lugar, paisagem e território, sem os moradores saberem que estávamos trabalhando com estas categorias, todavia os elementos destas foram desenvolvidos. Por meio das categorias geográficas (lugar, paisagem e território) os moradores conseguiram identificar os problemas locais e parte de suas origens em âmbito nacional. Também por meio da categoria lugar trabalhamos com a identidade local, com os elementos que unem aquela população do bairro Jardim Brasília e suas adjacências, pois ao desenvolvermos diálogos e debates quanto aos problemas pontuais daqueles bairros possibilitamos aos moradores compreenderem de forma mais ampla o seu lugar e a partir disso compreenderem melhor a sua própria realidade; assim, segundo Carlos (1996, p. 29): O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é o lugar da vida. A categoria paisagem foi importante, uma vez que proporcionou aos participantes do projeto a capacitação para entender o lugar e a cidade pelo olhar, entender as múltiplas relações entre o ser humano, a natureza e a sociedade; assim, as questões pertinentes à saúde coletiva e a cidade foram destacadas a partir do olhar sobre o bairro (BARBOSA, 2008 e 2009). O olhar paisagístico permite-nos ir além das aparências, além do momento e descortinar o que estava oculto. A paisagem é um projeto objetivo, do qual a percepção humana só capta, de início, o aspecto exterior. Há como que um “interior” da paisagem, uma substância, um ser da paisagem que só deixa ver seu exterior [...] a intenção e a esperança científicas do geógrafo consistem em tentar ultrapassar esta superfície, esta exterioridade, para captar a “verdade” da paisagem. (BESSE, 2006, p.65). A relação dos moradores do Jardim Brasília com os problemas urbanos liga-os aos problemas típicos da cidade aos problemas ambientais, neste sentido, os apontamentos realizados durante todas as atividades permitiram aos moradores, envolvidos no projeto se identificarem com os problemas urbanos como problemas de saúde coletiva, por causa da poluição sonora, atmosférica e visual, da ineficiência dos serviços coletivos de transporte público e também quanto à precariedade do atendimento emergencial quanto a doenças e acidentes. Ao enumerarmos em reuniões e palestras os aspectos positivos e negativos da relação cidade, urbano e saúde coletiva por meio das categorias geográficas contribuímos para o aperfeiçoamento crítico sobre essas temáticas. Detalhamos o funcionamento dos aparelhos de saúde, a organização do Estado, a organização e funcionamento do Sistema Único de Saúde, a responsabilidade das esferas públicas e os direitos seguidos pelos deveres dos cidadãos. O desenvolvimento do projeto A partir da publicação do edital do Programa de Extensão e Integração UFU/Comunidade – PEIC/2008 – foi estabelecido um período de oito meses para a realização do projeto, iniciando no mês de abril e encerrando no mês de novembro. Desde o começo dos trabalhos, estamos nos empenhando para que o projeto seja desenvolvido, de acordo com o que planejamos e de acordo com as normas do programa de extensão citado. A partir disso, podemos discorrer, ao longo deste trabalho, sobre o que já fizemos, sobre o retorno que tivemos e as perspectivas que temos para a continuação do projeto. No decorrer do projeto, realizamos grupo de estudo, reuniões com a equipe de apoio e atividades na Escola Municipal Afrânio Rodrigues da Cunha e no Abrigo Missão Esperança. O Projeto não só contempla as atividades propostas na comunidade do bairro Jardim Brasília e seus bairros adjacentes, mas também estudos e pesquisas realizados com a equipe de estagiários e professores, proporcionando um melhor entendimento sobre a temática do trabalho e contribuindo para o conhecimento e também vivência das pessoas da comunidade. Semanalmente, nos reunimos com a equipe colaboradora do projeto, formada por: professora Iraídes Silva, professora de matemática da Escola Municipal Afrânio Rodrigues da Cunha e a professora de Geografia Márcia Dorneles, que atualmente trabalha na coordenação do curso de Geografia no CEMEPE - Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz. Nessas reuniões discutimos todos os procedimentos que serão adotados para a ocorrência das atividades propostas pelo projeto. No mês de março, discutimos sobre o primeiro encontro que seria realizado na Escola Afrânio, os estagiários e os professores coordenadores se apresentaram e por fim houve um esclarecimento de dúvidas que iam surgindo no decorrer da exposição do projeto. Em abril, nos reunimos para discutir sobre uma atividade que aconteceria na Escola Afrânio, cujo tema seria a legislação e o funcionamento do SUS. Discutimos também, sobre possíveis trabalhos acadêmicos que poderíamos propor para a disseminação do projeto, como Workshops, Congressos e Simpósios. Ainda no mês de abril, nos reunimos para escolher textos que iriam servir de subsídio para o grupo de estudos, fizemos um levantamento bibliográfico, e avaliamos o encontro ocorrido na EMARC (Escola Municipal Afrânio Rodrigues da Cunha). Em reuniões feitas no mês de maio, debatemos sobre o que seria feito em uma atividade, onde seria abordado o tema Saúde Mental. Fizemos contato com alunas da psicologia da Faculdade UNITRI, de Uberlândia – MG, propondo que elas elaborassem uma palestra retratando doenças como Depressão, Transtorno de Ansiedade e Síndrome do Pânico, Déficit de Atenção e Hiperatividade, para ser apresentado na EMARC. Fizemos encaminhamentos para outra atividade, cujo tema seria a abordagem central do projeto que é a relação entre a cidade, o urbano, a saúde coletiva e a educação, proporcionando um entendimento para os indivíduos a respeito dos direitos e deveres que eles têm como cidadãos e como se dão as relações sociais existentes no que chamamos de urbano. No mês de junho, fizemos reuniões para definir a apresentação que seria feita no mês, sobre questões ambientais e a saúde coletiva no bairro, discutimos também sobre a atividade que seria realizada no Abrigo Missão Esperança, onde abordaríamos o tema drogas, orientando assim as crianças que vivem nesse abrigo. Desde o início do projeto, procuramos fazer atividades a partir de sugestões feitas pelo grupo de apoio que temos na EMARC, que são professoras da própria escola e de outras instituições. Esse grupo sugeriu os possíveis temas que poderiam ser abordados nas atividades, como: Saúde Mental (depressão, ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade), problemas ambientais, a saúde no bairro, funcionamento do SUS, o Conselho Municipal de Saúde de Uberlândia, questões sobre a cidade e o urbano, dentre outras temáticas. Nesses encontros fizemos palestras, debates, oficinas e vivências. Fonte: Falcão Vasconcellos, L. G. Encontro do dia 19/05/09 –. Palestra sobre Saúde Mental realizada na EMARC Fonte: Cantalogo, M. R. Encontro do dia 28/03/09 – Exposição do projeto Realizado na EMARC. Anteriores aos encontros a equipe propôs a criação e desenvolvimento de um grupo de estudo, que ocorreu e ocorrem quinzenalmente com os estagiários, professores e colaboradoras do projeto. Estudamos textos e artigos indicados pelos professores, e os estagiários também se empenharam em procurar subsídios teóricos para o grupo. Fizemos e fazemos a leitura antes da reunião, e nela expomos nossas idéias e críticas sobre o tema do texto. A resposta a essas atividades, até então, foi positiva, a exemplo do interesse dos professores em participar e colaborar com o desenvolvimento da proposta e com a participação ainda tímida, porém entusiasmada da comunidade em geral. Entendemos que os trabalhos estão sendo realizados de acordo com o edital PEIC/UFU – 2008, que visa à integração da universidade com a comunidade, proporcionando benefícios tanto para docentes e discentes que enriquecem suas formações acadêmicas, como para a comunidade que se beneficia com reorganização do espaço, com a solução de problemas sociais e com a formação de cidadãos mais críticos. Na segunda etapa (julho a novembro de 2009) continuaremos a destacar os problemas urbanos: poluição ambiental; erosão urbana; condições de moradia; transporte público; diferenciação sócio-espacial urbana; aparelhos públicos; espaços de lazer; violência urbana; atendimento hospitalar e emergencial; relação do poder municipal com o Jardim Brasília e adjacências. Contemplando, pois, o objetivo do projeto que é retratar os problemas urbanos pela óptica do lugar e pelo olhar dos moradores dos bairros. Conclusão O projeto “Cidade, Urbano, Saúde Coletiva e Educação” está em desenvolvimento, porém nesta primeira fase trabalhamos e desenvolvemos inúmeras atividades que resultaram em benefícios para a população do Jardim Brasília e adjacências. As atividades oportunizaram aos participantes em geral o aperfeiçoamento do pensamento crítico; assim, destacamos também o amadurecimento dos participantes quanto ao sentido de coletividade, organização para o trabalho coletivo e prático, o envolvimento da comunidade e a sensibilização da mesma para resolver os problemas identificados. Esse projeto de extensão e pesquisa colabora para o melhoramento da comunidade envolvida, bem como dos estagiários e professores, visto que o desdobrar do projeto permite a todos envolvidos no mesmo uma maior compreensão das questões pontuais no bairro trabalhado ao mesmo tempo em que estas pontualidades são resultadas das relações nacionais e internacionais quanto as articulações econômicas e políticas. Em cada uma das reuniões e palestras sentíamos o envolvimento da comunidade, pois eles perceberam que os problemas sublinhados e questionados eram seus problemas, ou seja, as questões quanto a saúde coletiva e problemas urbanos eram suas questões. Notamos, portanto, nos participantes das atividades uma grande vontade em resolver seus problemas, também verificamos a vontade em entender a origem destes problemas. A compreensão da temática saúde coletiva, cidade e urbano passa obrigatoriamente pelo ensino de Geografia, visto que as categorias geográficas são importantes ferramentas teóricas que levam a prática. O ensino de Geografia tem como meta a transformação positiva da sociedade, para isso precisa de elementos teóricos e práticos. Esse projeto contempla as categorias e conceitos geográficos possibilitando ações que desenvolvam o pensamento crítico e a ação política. Referências BAHIA, L. O sistema de saúde brasileiro entre normas e fatos: universalização mitigada e estratificação subsidiada. Ciência e Saúde Coletiva. Abrasco: Rio de Janeiro. 2009, vol.14, n.3, p. 753-762. BARBOSA, T. O conceito de natureza e análises de livros didáticos de Geografia. São Paulo: Blucher, 2008. BARBOSA, T. Muito além da paisagem: epistemologia crítica. Uberlândia, 2009. (mimeo). BESSE, J. Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem. São Paulo: Perspectiva, 2006. CARLOS, A. F. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. GRAZIA, G. de. (org). GRIMBERG, E. A questão sócio-ambiental no espaço urbano: limites e desafios. Direito à Cidade e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de Reforma Urbana. P. 174-82. 1993.