INCLUSÃO E SALA DE AULA: ENTRELAÇAMENTO NECESSÁRIO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO GONÇALVES*, Adalgisa A. de Oliveira – PUCPR/Cemep [email protected] REMENCHE†**, Maria de Lourdes Rossi – USP/Cemep [email protected] Resumo Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre a importância do contexto da sala de aula no processo de inclusão intelectual e social do(a) aluno(a). A sala de aula é um espaço-tempo de aprendizado dirigido que possibilita o contato com grandes domínios da cultura e suas passagens pelas diversas disciplinas, além de ser o espaço em que as relações se estabelecem e inserem-se em um sistema complexo, estruturado em níveis, mas ao mesmo tempo aberto, dinâmico e mutável. Em função disso, o professor tem um papel essencial e referencial, não só na interpretação correta desse processo, mas também na exploração, inter-relação e aplicação dos conteúdos para empreender situações de aprendizagem que considerem as experiências, as necessidades e as possibilidades dos(as) alunos(as). Analisamos a sala de aula a partir de quatro aspectos: a solidariedade intelectual, a relação com o saber, as experiências escolares e a percepção do aluno. Palavras-chave: Inclusão; Sala de aula; Experiências escolares; Aluno; Professor. Introdução Propomos, neste trabalho, uma reflexão sobre a importância das experiências de sala de aula no processo de inclusão social do(a) aluno(a). Há um tempo-espaço escolar determinado em que alunos(as) e professores(as) podem interagir, dando sentido e significado às experiências trazidas por eles e criando novas oportunidades para as experiências escolares. Observar as práticas do professor em sala de aula nos leva a querer compreender como o modo de fazer do(a) professor(a) pode agir na inclusão ou na exclusão dos(as) alunos(as) no processo de ‘ensino aprendizagem’, e como essa situação amplia ou restringe a inclusão do sujeito na sociedade. Pensar na sala de aula como construtora de subjetividades e lugar privilegiado de inclusão nos remete a uma reflexão sobre as práticas pedagógicas dos(as) professores(as) que apontam para a construção social do sujeito. * * Assessora Pedagógica da Associação Brasileira de Educação e Cultura. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Pesquisadora do Centro de Estudos e Projetos na área de ofício de alunos e formação do professor. † ** Assessora Pedagógica da Associação Brasileira de Educação e Cultura. Doutoranda do Programa de Lingüística e Semiótica da USP. Pesquisadora do Centro de Estudos e Projetos na área de práticas pedagógicas. 2144 Encontramos respaldo teórico para esta pesquisa em Paulo Freire (1979), François Dubet (1994), Bernard Charlot (2000) e Andy Hargreaves (2001) que nos apontam elementos para compreender a importância das experiências escolares na vida do(a) aluno(a). Buscamos compreender, a partir deles, o sistema cultural, os anseios, as dificuldades e as necessidades do(a) aluno(a), assim como a importância do(a) professor(a) no processo de mediação da inclusão. Contexto da sala de aula: tempo-espaço de aprendizagem Embora a escola, como instituição social e espaço de convivência, seja um ambiente privilegiado de socialização progressiva do sujeito aprendente, toda a coletividade exerce uma ação educacional. Não podemos esquecer que o (a) aluno(a) é um indivíduo concreto, situado no espaço e no tempo, inserido em um contexto social e político, em um ambiente familiar com uma história pessoal e experiências diversas. Esse sujeito passa apenas parte de seu tempo na escola, sendo, portanto, determinado também por fatores extra-escolares, ou seja, possui idiossincrasias que não podem ser ignoradas, ao contrário devem ser observadas para que o processo de ensino-aprendizagem possa ser efetivo. Discutem-se, cada vez mais, as idéias de justiça, eqüidade e qualidade explicitadas no texto constitucional e que evidenciam o respeito às diferenças. Em consonância, Sucavino (2000, p.13) comenta que um pensar globalizante inclui a defesa de direitos humanos e a igualdade de oportunidades de gênero. A sala de aula é um espaço em que o reconhecimento desses valores distintos entre os vários grupos existentes em nossa sociedade e o olhar atento às diferenças devem ser praticados. Como espaço educacional, pode colaborar, ou não, para que o sujeito se torne parte/membro de um grupo social. A sala de aula, como extensão da escola, é um espaço - e um tempo – de aprendizado dirigido que possibilita o contato com grandes domínios da cultura e suas passagens pelas diversas disciplinas, além de ser o espaço em que as relações se estabelecem e inserem-se em um sistema complexo, estruturado em níveis, mas ao mesmo tempo aberto, dinâmico e mutável. O(A) aluno(a), de acordo com Jonnaert (2002, p.133), só poderá compreender o significado das aprendizagens que realiza se elas estiverem inseridas em projetos mais amplos e coerentes com as finalidades da educação claramente elucidadas por seu professor, que deve também assegurar a igualdade de oportunidades, levando em conta as inúmeras características individuais de seus alunos(as). 2145 Sabemos que o processo ‘ensino aprendizagem’ sofre uma série de influências como, por exemplo, a transposição didática e disciplinarização, o número de alunos(as) em aula, o horário das atividades, os materiais didáticos, a gestão da aula, entre outros que contribuem para o nivelamento dos(as) alunos(as), no entanto, o olhar atento do professor, buscando atender as necessidades individuais de seus alunos(a), e o trabalho com estratégias diferenciadas serão preponderantes para o desenvolvimento desse processo. Esse contexto exige um(a) professor(a) com competências humanas e pedagógicas múltiplas, que, a partir de uma perspectiva crítica, reflexiva e de pesquisa, saiba ouvir e ajudar o(a) aluno(a) a entender o seu processo de aprendizagem, colaborando para a articulação do conhecimento em níveis e instâncias múltiplas. Cabe, portanto, ao(à) professor(a) estimular a responsabilidade em seu aluno(a), disponibilizando dispositivos didáticos que favoreçam a construção do saber pela própria ação ativa do sujeito sobre o conhecimento, e não simplesmente pela observação passiva. Dessa forma, a conscientização de cada ato realizado exerce uma ação de construção e reconstrução, definição e redefinição, invenção e reinvenção do próprio sujeito, pois, ao fazermos opções em nossa vida e experienciando-as, vamos, paulatinamente, nos transformando, constituindo-nos enquanto sujeitos éticos, sociais, culturais e econômicos, imersos em uma dimensão estética e política. Em virtude disso, são freqüentes questionamentos como, por exemplo, quais ações do (a) professor (a), em sala de aula, resultam na inclusão de todos e em melhores aprendizagens? Quais as características que ele precisa para gerir essa prática/aula em constante movimento e promover níveis significativos de aprendizagem? Sem dúvida, não existe uma única resposta para essas questões, mas inúmeras possibilidades que poderão corroborar essas expectativas, dependendo do que se busca, visto que a sala de aula é um espaço de incerteza e complexidade, pois no processo ensino aprendizagem estão presentes, como dito anteriormente, os conhecimentos prévios de cada um, inclusive os do(a) professor(a), as diferentes motivações, os dispositivos didáticos favorecidos, a organização do espaço/tempo, feedback, regulações, entre outros. Em função disso, o professor tem um papel essencial nesse processo de atualização curricular, não só na interpretação correta desse processo, mas também na exploração, interrelação e aplicação dos conteúdos, além de lembrar que o conhecimento é construído por diferentes contatos no espaço prático que evidencia a prática social como um novo referencial básico. 2146 Muitas discussões sobre desenvolvimentos curriculares, necessários às escolas atuais, vêm sendo enfatizadas sob a perspectiva pós-estruturalista que organiza os currículos em redes e registram o hibridismo cultural, conforme discutido por Foucault, Derrida, Deleuze, Morin, entre outros (LOPES e MACEDO, 2002, p. 16). Esses autores explicitam a necessidade de se considerar no campo curricular questões como gênero, sexualidade, etnia, idéias de razão e de ciência, a necessidade de uma educação mais justa e igualitária e a necessidade de se romper com o entendimento de sujeito homogêneo, de consciência unitária, submetido à dominação para o desenvolvimento de um sujeito consciente, crítico, livre e de fato autônomo. Se a exclusão se dá a partir de práticas curriculares e concepções de gestão de aula conservadoras que priorizam a cultura dominante, em detrimento à diversidade cultural, desestimulando a permanência desses sujeitos no ambiente escolar, a sala de aula, nessa perspectiva, é um local de processos formativos que priorizam o pluralismo, a coletividade, a construção da identidade pessoal e cultural, as necessidades educacionais e características próprias com as quais enfrentam as experiências de aprendizagem estabelecidas no currículo escolar, favorecendo a compreensão do outro como válido e legítimo e a convivência baseada no pluralismo. Fischmann (2002, p. 95) comenta que é difícil para a escola trabalhar/lidar com a identidade individual de cada aluno(a), com a sua própria identidade coletiva, mais a identidade que lhe é atribuída publicamente como parte do coletivo “escola pública”. Por tudo isso, o(a) professor(a) deve priorizar não apenas o que ensinar, mas como se ensina, como se processa esse conhecimento. Educar dentro e para a diferença exige uma prática pedagógica voltada à conscientização e reflexão do sujeito, valorizando os saberes trazidos pelos alunos(as). Essa mudança se evidencia a partir da oferta curricular, no clima da escola, mas acima de tudo na forma como o professor irá gerir a aula, envolvendo aí as estratégias de aprendizagem, o processo avaliativo, a regulação, etc. Soma-se a isso, a necessidade da adoção de procedimentos diversificados que explicitem a importância dos processos ativos, reflexivos e interativos na construção do saber, a partir de projetos curriculares que atendam a essa heterogeneidade do saber-fazer, do saber-ser, do saber-conviver, etc. dos(as) alunos(as) e estimule experiências de aprendizagem significativas, autônomas e colaborativas. Morin (2001, p.93) comenta que educar para a compreensão humana é o que se espera da educação do futuro, pois a compreensão entre as pessoas é condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade, características tão necessárias à contemporaneidade. 2147 Por fim, vamos refletir sobre três situações que evidenciam a perspectiva da inclusão no contexto da sala de aula: a solidariedade intelectual, a relação com o saber e as experiências escolares, a partir da análise dos resultados de pesquisa realizada, nos últimos dois anos, com alunos(as) do Ensino Médio de dezesseis escolas particulares do Paraná e São Paulo. Solidariedade intelectual: o primeiro passo para a inclusão A solidariedade intelectual na sala de aula é um processo em que o(a) aluno(a) se sente acolhido(a) como pessoa aprendente, que traz uma experiência e uma história que o(a) habilita a participar ativamente do processo de aprendizagem. Esse processo de acolhimento recíproco é sustentado pela relação professor(a) e aluno(a) que se desvelam, cuidam-se, respeitam-se e abrem juntos novos caminhos de parceria no cumprimento de seus ofícios. A solidariedade intelectual é condição fundamental no processo de inclusão, pois as relações estabelecidas na sala de aula ampliam ou bloqueiam o desenvolvimento cognitivo e psicológico, assim como o social e cultural. Nesse caso, é relevante que o professor atue e desempenhe de forma planejada a mediação, pois o seu modo de gerir a aula evidenciará o nível de solidariedade intencionada. A mediação enriquecida por diversos códigos culturais: valores, gestos, sons, linguagem oral, consegue ampliar as possibilidades de êxito e de inclusão social dos(as) alunos(as). Entre os vários saberes necessários à pratica educativa apresentados por Paulo Freire (2006, p. 30), destacamos: o respeito que se deve ter com os saberes do educando; a estética e a ética; a aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Para o autor, a problematização é excelente elemento metodológico no processo de aprendizagem. Temos de questionar com o(a) aluno(a) a razão de ser de alguns saberes em relação ao ensino de conteúdos. A ética e a estética referenciam um ação educativa centrada na aprendizagem e no(a) aluno(a) em que “mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valor, de intervir, de escolher, de decidir”. Paulo Freire (2006, p. 33) chama de ‘transgressão’ o pensar a educação sem considerar o fator ético. A ética completa a visão interdimensional do ser humano. Não podemos abdicar dessa perspectiva na educação, sob pena de negligenciar a educação holística, sistêmica, ecológica. É comprometedor querer trazer a ética para dentro da escola, sem abrir espaços para práticas 2148 que privilegiem a problematização, o questionamento, a ação democrática, a gestão participativa, a inclusão, a solidariedade intelectual, o exercício da cidadania, etc. Ensinar a fazer boas perguntas, não se conformar com o simplesmente dado, parar para pensar são caminhos para a superação do imediatismo característico do nosso tempo. Suscitar boas perguntas é o segredo para formação do sujeito ético que sabe fazer escolhas favoráveis à sustentabilidade. O respaldo para a solidariedade intelectual como primeiro passo para a inclusão, está em Paulo Freire (2006, p. 36) quando propõe a rejeição de tudo que discrimina, pois “a prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia” . Igualmente prejudicial é a ação do(a) professor(a) que nega atenção e apoio ao(à) aluno (a) que, tacitamente, sofre as conseqüências de uma situação de aprendizagem mal planejada e desconectada das experiências dos estudantes. A atenção (no sentido de afeto, carinho, cuidado) e o apoio são relevantes nas práticas da Educação Básica. Embora saibamos que oferecer apoio exigirá um acurado diagnóstico das realidades escolares e compreensão da variação nas necessidades e exigências por parte dos(as) alunos(as): idade, maturidade, êxito, interesses, etnias. A escola deve criar condições para que todos(as) os(as) alunos(as), e não só os que estão “em situação de risco”, recebam o apoio indispensável a seu desenvolvimento como pessoa e como cidadão (FREIRE, 2006, p. 59-60). Os(as) professores(as) do Ensino Médio, comenta Hargreaves (2001), costumam tratar as emoções dos(as) alunos(as) como elementos negativos que interferem na sala de aula, a partir do exterior, e aos quais esses professores passam a fazer concessões. Tendem a não considerar como sua responsabilidade o desenvolvimento das emoções dos(as) alunos(as) de forma positiva, como parte integrante da aprendizagem. Assim, em lugar de serem construídas a partir de relacionamentos, as salas de aula de escolas do Ensino Médio costumam ser reduzidas a um feixe de interações mal conectadas entre si. Em sua pesquisa, Hargreaves (2001, p. 76) constatou que muitos(as) dos(as) alunos(as) do Ensino Médio pensam que seus professores não têm nenhum interesse por eles. Quando perguntou aos(às) alunos(as) egressos que desistiram da escola o que os teria impedido de deixá-la, eles manifestaram que, uma das coisas, seria uma maior atenção por parte dos professores, ou seja, o carinho, o afeto e a presença efetiva do professor. A solidariedade intelectual começa e termina onde está o(a) aluno(a) com tudo aquilo que lhe é peculiar: idade, culturas, desejos, sonhos, etc. 2149 Relações com o saber e a inclusão (ampliação dos pertencimentos) Na sala de aula, há um grande risco de as situações de aprendizagem não levarem em conta os contextos, as culturas e as realidades dos sujeitos envolvidos na educação. Se isso acontece, há uma desvinculação deletéria no processo de individuação e de significação nas relações com saber. As relações de saber estabelecidas na sala de aula são reconhecidas pelo enriquecimento, ou não, das relações dos(as) alunos(as) com os colegas, com os(as) professores(as) e com os outros grupos sociais. Bernard Charlot (2000) distingue relação com o saber e relação de saber. A primeira é uma relação social que se dá na medida em que se vai entrando em contato com os dispositivos, instituições, organizações, divisão do trabalho na sociedade. Seria uma apropriação do mundo por meio da participação. Já a relação de saber são as relações sociais consideradas sob o ponto de vista do aprender e é nesse campo que se situam as experiências escolares. Essas relações supõem saberes diferentes de cada uma das partes: professor(a) e aluno(a), por exemplo. Porém, a relação com o saber se constrói em relações sociais de saber, pois a relação com o saber é relação do sujeito com o mundo e com ele mesmo. Na medida em que o sujeito vai se relacionando com os outros homens, ele vai entrando em contato com um mundo de símbolos e de significados. Por isso o homem só se conhece e apreende a sua humanidade em contato com o outro. O acesso ao simbólico faz com que o sujeito tenha um mundo, e o mundo se ofereça a ele como um conjunto de significados. É nesse universo que se estabelecem as relações. O mundo, ao qual nos referimos, tem também uma materialidade que preexiste ao sujeito e continuará independente dele. Dessa forma, o mundo não é apenas um conjunto de significados, mas é também um horizonte de atividades. A relação com o saber implica atividade, vivência e experiência. Charlot (2000) acrescenta ainda que há uma rede comunicacional entre os seres humanos – o aprender – que requer um tempo que não é um tempo homogêneo, é ritmado por “momentos” significativos, por ocasiões e por rupturas. A escola não pode deixar de oferecer ao(à) aluno(a) as condições necessárias para que ele entre em relação com o mundo em todas as suas dimensões, com a intenção de aprender. E assim, em posse dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna e em face das novas demandas, o(a) aluno(a) poderá fazer uso de seus conhecimentos e experiências a fim de interferir na realidade e transformá-la. 2150 Experiências escolares na percepção do(a) aluno(a) Destacamos até aqui, entre outras coisas, a importância do trabalho do(a) professor(a) na sala de aula na perspectiva da educação do sujeito que amplia seus pertencimentos na sociedade a partir de experiências de aprendizagem significativas fundamentadas e contextualizadas que se dão no tempo e no espaço da escola. As experiências proporcionadas serão muito mais significativas se levar em conta a história, a cultura e as necessidades dos envolvidos no processo. Isso não é simples, porque os(as) alunos(as) quando chegam à sala de aula não se desvinculam de seus comportamentos sociais. Alguns alunos(as), por exemplo, querem receber do professor a mesma atenção e afeto que a sua mãe lhe proporciona. Outros reproduzem o comportamento de seu grupo etário, tratando o(a) professor(a) como adulto intransigente e ameaçador da liberdade. Há ainda aqueles que querem que o(a) professor(a) seja um reprodutor de informações, sem, no entanto, estabelecer nenhuma interação ou envolvimento, permitindo que os (as) alunos(as) se dediquem a outras atividades como, por exemplo, conversar com o colega, ouvir músicas no seu ipod e, de vez em quando, olhar descomprometidamente para o(a) professor(a). Por fim, há os(as) alunos(as) que insistem em fazer da sala de aula um ring onde se travam lutas pelo poder, pela liderança e pelas influências. O problema, diz Dubet (1994), é que muitas vezes as experiências dos jovens não têm centro, pois eles vão de uma conduta a outra de acordo com as oportunidades, levados pelas circunstâncias. Nesse caso, o(a) professor(a) será visto sempre como um inimigo, um atrapalhador. Para resolver essas situações, cabe ao professor detectar e redimensionar o seu trabalho de mediação, considerando esses e outros aspectos da realidade escolar, social e cultural do(a) aluno(a). Esse olhar consciente e abrangente do(a) professor(a) vai apurar a sua percepção para situações que muitas vezes não entram no seu campo de visão, mas que nem por isso deixam de acontecer: violência, bullying, não acesso à cultura, insegurança quanto ao futuro, rejeição, etc. Experiências desse nível engendram mecanismos de sobrevivência e de desintegração e levam ao isolamento social. O(A) aluno(a), mesmo em situação de fracasso, continua sendo aluno(a), argumenta Charlot (2000, p.33), por isso é preciso que ele(ela) seja pensado como sujeito que tem sua 2151 humanidade aberta ao mundo e não se restringe ao momento presente; tem uma história familiar, ocupa um espaço social e está inscrito em relações sociais. Ele é um ser singular irrepetível com uma noção própria do mundo, de si e do outro. Dubet (1994) desenvolveu uma sociologia da experiência e propôs três lógicas de ação no sistema cultural: a integração, a estratégia e a subjetivação. Para ele o processo de subjetivação, de construção de individualidades pode levar o sujeito ao distanciamento daquilo que é objetivado. Em outras palavras, o processo de socialização pode se dar separado do processo de subjetivação. Porém há tensão, que não quer dizer ruptura, entre essas lógicas de ação que pode levar à dissociação entre elas, criando processos e mecanismos sociais isolados (p.189). A integração social se distancia da subjetivação que se distancia das estratégias de ação que o(a) aluno(a) poderia lançar mão para a solução de seus problemas pessoais e sociais. Isso se evidencia no Ensino Médio, por exemplo, quando os(as) alunos(as) se encontram em situação de tomada de decisão em relação ao seu futuro profissional e encontram dificuldades no enfrentamento de problemas como o da empregabilidade. Nesse caso, a tensão se estabelece porque cada objeto da experiência é percebido a partir dessas três lógicas. O trabalho do ator (aluno) então é colocar em evidência as suas pertenças. Essa exposição dos pertencimentos tem grande chance de invalidar as tensões na medida em que o próprio exercício da apresentação pública exige a construção de uma coerência e de uma complementaridade das diversas dimensões da vida do sujeito. Dubet (1994) construiu uma sociologia da experiência escolar que considera a questão da subjetividade. Ele estudou esse processo de subjetivação nos diferentes estágios do sistema escolar: na escola elementar, no colégio e no liceu, onde salienta que as tensões diminuem porque os(as) alunos(as) são capazes de construir e dar sentido a suas próprias experiências. Embora Charlot (2000) critique essas figuras apresentadas por Dubet (1994), pois esse modelo operatório separa a socialização e a subjetivação e as opõe uma a outra, salientamos que esse material oferece bons subsídios de análise das experiências escolares da última etapa da Educação Básica. Para aprofundarmos esse estudo, foi aplicado um questionário a 85 alunos(as) do Ensino Médio de uma rede com dezesseis escolas particulares do Estado do Paraná e de São Paulo‡ com o objetivo de identificarmos as reações/sentimentos/perspectivas desses alunos ‡ Essa pesquisa foi realizada com alunos dos colégios de uma Rede particular em 2006. O objetivo dessa pesquisa era que o aluno respondesse o que é ser aluno e professor nos dias de hoje. 2152 em relação às suas experiências escolares, ao tratamento dispensado por seus professores e à sensação de autonomia desses estudantes. Nesse sentido, Dubet (1994, p. 191) salienta que o fato de o(a) aluno(a) ser independente não quer dizer que seja autônomo, pois ele(a) pode não estar apto a reconstruir o sentido e a coerência da sua experiência. No que diz respeito às suas experiências escolares, embora 39% dos alunos destaquem a importância de compartilhar saberes e se percebam como sujeitos de sua experiência escolar, 61% comentam que a aprendizagem ainda é dependente do(a) professor(a), o que gera um sentimento de impotência diante da cultura escolar. Quando questionados sobre os motivos que desencadeiam esses sentimentos, os alunos argumentam que esse olhar pessimista, sobretudo em relação às experiências da escola, é o resultado da indiferença e não valorização dos(as) alunos(as) por parte do professor que ainda se coloca como detentor absoluto do conhecimento. Em virtude desse posicionamento, esses alunos não se sentem incluídos no processo de aprendizagem significativa, por causa das práticas pedagógicas arcaicas e desencantadas. Como exemplo dessas práticas, eles citam as provas desvinculadas das realidades culturais e sociais. As expectativas desses(as) alunos(as) do Ensino Médio referem-se também ao ambiente social que a escola pode propiciar, pois para uma melhora na auto-estima seriam necessárias aulas que fizessem mais referência às suas experiências de vida. É importante que a escola leve em consideração os problemas relativos a essa faixa-etária e suas culturas, dessa forma poderá abrir possibilidades para que esses sujeitos encontrem seu lugar social e saibam fazer escolhas favoráveis a si e à sociedade. Para Dubet (1994, p. 209), ver os(as) alunos(as) a partir desse ponto de vista é reconhecer as suas práticas escolares em termos de ‘racionalidade competitiva’. A escola vale por aquilo que ela oferece. Os(as) alunos(as) somente investem em atividades e disciplinas que lhes serão úteis numa perspectiva de mercado. Na maioria das vezes, sobretudo entre os(as) alunos(as) considerados bons, a racionalidade impõe-se aos gostos e às vocações intelectuais. “O peso dessa lógica se instala no coração da experiência escolar, gerando tensão entre a ação estratégica e os interesses sociais, por um lado, a formação intelectual, a educação por outro”. Essa tensão gera uma descrição das condutas em termos de responsabilidade de aluno, de habilidade tática e de compreensão discreta das expectativas dos(as) professores(as). A experiência escolar proporcionada na sala de aula é seminal, é fundante no processo de inclusão intelectual, social, cultural, etc. em que o(a) aluno(a) é capaz de entender o que está acontecendo e buscar soluções, sabendo compor e recompor procedimento e códigos 2153 sociais a favor de si e da própria sociedade. A despeito de todas as imperfeições, a escola de Ensino Médio tem grande importância na educação do jovem. É a partir deste lugar de formação de identidades individuais, sociais e culturais que a escola é legitimada. Considerações Finais Abordar o contexto da sala de aula sob a perspectiva da inclusão nos leva a sintetizar alguns aspectos significativos. O primeiro diz respeito ao(à) professor(a). Ele(ela) pode, como mediador(a) dos processos de aprendizagem significativa, ampliar as possibilidades de êxito e de sucesso dos(as) alunos(as) no campo da integração social. Pode também instaurar no seu costume de aula a alteridade, a solidariedade e o cuidado como valores que personificam uma nova estética da sensibilidade. Além disso, pode propor novas experiências escolares tendo presente as experiências próprias da vida e da faixa-etária de seus alunos(as). Todos esses aspectos favorecem o processo ‘ensino aprendizagem’ e colaboram para o seu desenvolvimento efetivo. Outro aspecto que destacamos diz respeito aos alunos(as). Eles são atores importantes no processo de subjetivação e de socialização. Precisam ser ouvidos nas suas experiências, necessidades, angústias, desejos e sonhos, pois é por meio da escuta atenta e ativa do(a) professor(a) que alunos e alunas vão se construindo como sujeitos autoconfiantes, que sabem conviver com o diferente, consolidando-se como eternos aprendizes do que representa “ser” com o outro neste mundo. REFERÊNCIAS CANDAU, Vera et alii. Sociedade, educação e cultura(s). Petrópolis: Vozes, 2002. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. DUBET, François. Sociologia da Experiência. Lisboa, Portugal: Instituto Piaget, 1994. FANFANI, Emilio Tenti. Una scuela para los adolescentes: reflexiones y valoraciones. Buenos Aires: Unicef, Losada, 2000. FISCHMANN, Roseli. Identidade, Identidades – indivíduo, escola: passividade, ruptura, construção. In: TRINDADE, Azoilda L. da et al. (Org.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 34. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. 2154 ______. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1979. HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2004. ______. Educação para mudança: recriando a escola para adolescentes. Trad. Letícia Vasconcellos Abreu. Porto Alegre: Artmed, 2001. JONNAERT, Philippe & BORGHT, C.V. Criar condições para aprender: O socioconstrutivismo na formação de professores. Artmed editora. São Paulo, 2002. LOPES, Alice C.; MACEDO, Elizabeth. O pensamento curricular no In:______(Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. Brasil. MEIRIEU, Philippe. O cotidiano da Escola e da Sala de Aula. O fazer e o compreender. Porto Alegre: Artmed, 2005. MITRULIS, E. Ensino Médio: um olhar sobre a prática das escolas. In: CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1., 2001. Anais... Águas de Lindóia: Unesp, 2001. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001. OLIVEIRA, Adalgisa A. A percepção do aluno sobre o seu curso de Ensino Médio. Estudo de caso de uma escola da rede Estadual de São Paulo. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) – Faculdade de Educação, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2005. SUCAVINO, Suzana. Democracia e cidadania na nova ordem mundial globalizada. In: CANDAU, Vera Maria; SACAVINO, Suzana (Org.). Educar em Direitos Humanos: construir democracia. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.