22ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA– DF
Proc. No. 000315-36.2015.5.10.0022
SENTENÇA
I- RELATÓRIO:
Vistos etc.
JANAINA GOMES DA ROSA ajuizou reclamação trabalhista
em
face
de
UNIÃO,
formulando
pleitos
de
natureza
condenatória.
A reclamada, apesar de devidamente notificada, não
compareceu à audiência e não apresentou resposta.
Foram produzidas provas documentais.
Razões finais remissivas.
Frustradas as tentativas de conciliação.
Valor da causa de R$ 30.000,00.
É o relatório.
II- FUNDAMENTAÇÃO:
II.1- Dos efeitos retroativos das promoções:
Alega a reclamante o direito a diferenças salariais,
decorrentes de promoções retroativas que entende devidas.
Postula a condenação da reclamada ao pagamento das alegadas
diferenças.
A reclamada não apresentou contestação.
Não obstante a ausência de defesa da reclamada, bem
como esta poder se sujeitar aos efeitos da revelia,
conforme a tese da OJ 152 da SBDI-1 do TST, registro que,
por um lado, tais efeitos se limitam à matéria de fato,
inclusive nos exatos termos do art. 844 da CLT. Por outro
lado, a pretensão da reclamante e a causa de pedir envolvem
aspectos tipicamente jurídicos, os quais são passíveis de
análise no âmbito do presente julgamento, considerando o
cenário fático delineado a partir das alegações da própria
reclamante.
Neste sentido, verifico que a tese da reclamante é
no sentido de que o art. 7º, da Lei 10.225/2001 teria
estabelecido previsão de sistema de promoções no âmbito do
órgão no qual atua, prevendo como marco inicial para
promoções 01 ano de vínculo, sujeita a regulamento
administrativo. O ato regulamentar, por sua vez, teria sido
o Decreto 7.645/2011.
A reclamante teve seu vínculo estabelecido em 2002 e
ao ser promovida, em 2012, após o regulamento ter sido
instituído, foi enquadrada do nível A-1 para o nível B-11.
E assim, sustenta que teria direito a receber as diferenças
devidas, como se fosse promovida em um nível a cada ano.
Considerando o presente cenário jurídico, entendo
que, seguramente, se a reclamada não se tratasse de pessoa
jurídica de direito público, ou seja, se a reclamante não
fosse empregada da Administração Direta da União, a solução
seria, do ponto de vista jurídico, mais simples.
Porém, a reclamante consiste em empregada pública da
Administração Direta da União.
E no caso, subsiste a natural tensão entre a lógica
do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo. Sobre o
tema, destaco trecho de obra de minha autoria, a qual trata
da aplicação do Direito do Trabalho na Administração
Pública, nos seguintes termos:
“...Ao estabelecer relação de emprego com seus
servidores, que assumem a condição de empregados
públicos, a Administração se sujeita às regras do
Direito do Trabalho.
No entanto, a aplicação do Direito do Trabalho no
âmbito da Administração Pública, por vezes, gera uma
complexa e contundente tensão entre a lógica do
Direito
do
Trabalho
e
a
lógica
do
Direito
Administrativo. A solução deste conflito pressupõe,
primeiramente, a compreensão da sua existência.
Muitas situações que batem às portas do Poder
Judiciário e chegam às unidades da Advocacia
Pública, responsáveis pelo trabalho de consultoria
jurídica, têm por trás a referida tensão entre o
Direito do Trabalho e o Direito Administrativo.
Muitas questões de concursos públicos, tanto em
provas dissertativas quanto em provas objetivas, têm
por trás a referida tensão. Neste último caso, é
importante que o candidato saiba identificar o
presente conflito e entenda ao menos a solução
genérica que vem sendo adotada pela jurisprudência,
principalmente se não sabe precisamente a resposta.
Compreendida esta primeira premissa, é importante a
pausa para um questionamento: mas, afinal, por que
ocorre e qual o sentido do referido conflito?
A resposta pode ser encontrada analisando exatamente
a lógica do Direito do Trabalho e a do Direito
Administrativo.
Começando pelo Direito Administrativo, os contornos
atuais de tal ramo da Ciência Jurídica ganharam
consistência e relevância na Idade Moderna, no
contexto das repercussões das Revoluções Liberaisburguesas. Assim, envolve um conjunto de construções
estruturadas na ideia do Estado Burocrático enquanto
caminho de ruptura com o Estado Patrimonialista da
Idade Média, tendo em Max Weber uma de suas fontes
de inspiração.
No Estado Patrimonialista há uma confusão entre o
interesse privado do governante e o interesse
tipicamente estatal. Já no Estado Burocrático, há
uma
separação
entre
o
interesse
privado
do
governante
e
o
interesse
público-estatal.
O
princípio da impessoalidade (art. 37, caput, da CF)
consiste em manifestação emblemática da noção de
Estado Burocrático.
Contudo, o aspecto fundamental é que, impulsionado
pelo princípio da supremacia do interesse público, o
Direito Administrativo estabelece um conjunto de
mecanismos e institutos voltados à proteção da
Administração
Pública,
inclusive
por
meio
de
limitações à atuação do administrador. Ou seja, o
Direito Administrativo procura tutelar aquele que,
na relação de emprego, figura como contratante, como
empregador, isto é, a Administração.
Já o Direito do Trabalho tem como um de seus pilares
fundamentais a ideia de proteção ao empregado.
Aliás, tal noção compõe a estrutura principiológica
do Direito do Trabalho, o qual tem no princípio da
proteção de seus mais relevantes princípios.
O princípio da proteção, conforme demonstrado, tem
como conteúdo a ideia de isonomia, na medida em que
busca compensar uma desigualdade existente no plano
econômico por meio de um tratamento desigual no
plano jurídico. Tal postulado impõe a lógica tutelar
ao empregado.
Assim,
a
partir
das
premissas
apresentadas,
relacionadas aos princípios que determinam a lógica
do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo,
qual a conclusão que se impõe, ao se pensar no
Direito
do
Trabalho
aplicado
à
Administração
Pública? Reposta: o Direito do Trabalho tutela o
contratado (empregado público), sendo que o Direito
administrativo tutela o contratante (Administraçãoempregador).
Corroborando
a
mencionada
compreensão,
Alice
Monteiro de Barros sustenta que “a aplicação dos
princípios do Direito do Administrativo ao empregado
público
(celetista),
muitas
vezes
apenas
parcialmente
ou
em
detrimento
dos
princípios
peculiares ao Direito do Trabalho, gera antinomias
em relação ao próprio servidor ou ao empregado de
empresa privada, as quais poderão ocorrer ainda em
face do sistema legislativo.”
Também refletindo sobre as repercussões que o
mencionado conflito conceitual provoca, e analisando
a condição jurídica do empregado público, Arion
Sayon Romita procura responder a seguinte pergunta:
“servidor ou empregado? Nem servidor nem empregado:
centauro, metade homem e metade cavalo. Centauro,
porém, não existe, é invenção mitológica. As
empresas estatais precisam de homens, não de
cavalos. Qualidade e produtividade, requisitos da
competição no setor privado, exigem o empregado de
técnicas
do
regime
contratual,
e
não
do
estatutário.”
A mencionada tensão principiológica irá gerar uma
série
de
repercussões
quanto
a
diversos
institutos...”. (NEIVA, Rogerio. Direito e processo
do trabalho aplicados à administração pública e
fazenda pública. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
pags. 30/32).
No plano jurisprudencial, principalmente no caso da
Administração
Direita,
esta
mesma
tensão
pode
ser
exemplificada de forma emblemática nas teses das OJs 297 e
308 da SBDI-1 do TST, as quais tratam, respectivamente, da
equiparação salarial e da possibilidade de alteração do
contrato de trabalho de forma prejudicial.
Considerando o presente cenário, para análise da
pretensão posta nestes autos, a questão fundamental
consiste na apuração da validade de regulamento impugnado
pela reclamante, o qual estabeleceu alcance restritivo, no
sentido de vedar efeitos financeiros retroativos.
Assim, primeiramente, registro não se pode equiparar
o regulamento administrativo ao regulamento empresarial.
Trata-se de poderes regulamentares distintos, ainda que a
Administração possa exercer tal poder na condição de
empregadora.
Ou seja, se é verdade que caso o Decreto impugnado
(regulamento administrativo) fosse regulamento empresarial
não poderia ter o aludido alcance restritivo, não é menos
verdade que o aludido Decreto não pode receber o mesmo
tratamento que regulamento empresarial.
Por outro lado, entendo necessário considerar o
disposto no art. 84, VI da CF, o qual estabeleceu
regulamento autônomo, com natureza de ato normativo
derivado. Ou seja, tal regulamento conta com força
normativa que vai além do regulamento administrativo
tradicional, ainda que, inclusive conforme reconhecido na
ADI 3232, por parte do STF, não comporte aumento de
despesa.
E no caso do Decreto 7.645/2011, editado pela
Presidenta da República, trata-se de poder regulamentar
praticado nos termos do art. 84, VI da CF.
Ademais, como se trata de ato normativo do Poder
Executivo, o seu afastamento exigiria a declaração difusa
de inconstitucionalidade, sendo que, à luz do texto
constitucional, entendo que não há elementos para tanto.
Assim, considero que não há como se afastar a
restrição de efeitos financeiros retroativos estabelecida
no atacado Decreto 7.645/2011, de modo que entendo que não
há condições de acolher a pretensão. Por conseguinte, julgo
improcedente o pedido.
III- DISPOSITIVO:
Em face do exposto, julgo improcedentes os pedidos.
Custas pelo reclamante no valor de R$ 600,00 (2% de R$
30.000,00, valor da causa).
Reclamante intimada na forma da Súm 197 do TST.
Intime-se a reclamada.
Brasília, 17/09/2015.
Rogerio Neiva Pinheiro
Juiz do Trabalho Substituto
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