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Guilherme Gomes Ferreira
cionais que também experimentam a pobreza, e porque suas identidades,
enquanto construções ambíguas que borram as fronteiras de gênero, são
comparativamente mais similares às experiências de gênero próprias de
outros contextos de exploração e desigualdade – como as hijras da Índia – e
menos similares às identidades transgêneros europeias e norte-americanas. Essas últimas são geralmente protegidas pelo discurso psicomédico
da disforia sexual, usado também no Brasil para os casos de transexualidade – muito presentes na vida dos/das brasileiros/as com maior acesso a
recursos educacionais e científicos a respeito do tema.
Outro fato importante para a compreensão da relação das travestilidades com a pobreza e subalternidade revela-se nas “formas de diferenciação que imputam a determinadas pessoas lugares sociais não participativos, excludentes, como se elas não pertencessem ao mesmo gênero
humano das demais” (MARTINS, 2002, p. 15). Via de regra, as travestis no
Brasil experimentam o que José Martins (2002) chama de inclusão precária, quer dizer, não participam dos processos de decisão política, tampouco
acessam bens e serviços como as pessoas cisgêneros. São, portanto, precariamente incluídas no social, pois essa inclusão acontece de modo parcial,
perverso, subalternizado, já que contribuem no processo de produção e
reprodução ampliada do capital, mas não obtêm o resultado dessa produção que é coletiva. Expressam, assim, vidas precárias (BUTLER, 2006) socialmente “lidas” e “interpretadas” como de pouca importância, sendo em
decorrência disso desqualificadas, desvalorizadas – ainda que sejam vidas
muito importantes para o processo de acumulação capitalista25.
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Como se vê, o interesse deste trabalho não é encontrar respostas somente na subjetividade, como significativos estudos a respeito das travestilidades no Brasil vêm fazendo, mas, principalmente, voltar para a história
e para as condições e modos reais de vida, entendendo que “tanto as condições objetivas quanto subjetivas [...] não são mais do que duas formas diferentes das mesmas condições sociais” (MARX, 2011, p. 395). E a realidade
social, assim como a história, não é linear: podem ser percebidas como “a
Martins (2002) defende a existência de duas humanidades, qualitativamente distintas, de
modo que uma acessa a inclusão de modo pleno, enquanto a outra acessa precariamente.
Em A sociedade vista do abismo, o autor dará o exemplo do índio que foi queimado vivo em
praça pública por jovens de classe média que, interrogados do crime cometido, disseram
achar que se tratava de um mendigo. Como se a vida de um mendigo fosse menos humana,
e, portanto, de menor ou quase nenhuma importância, e assim, passível de extermínio.
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