São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2007 LEDA PAULANI e RODRIGO ALVES TEIXEIRA O mais político dos temas econômicos Um verdadeiro plano passaria pela recuperação da capacidade do país de fazer política econômica NOS ÚLTIMOS anos, o desenvolvimento econômico ganhou foros de tema estritamente técnico. Estabilidade macroeconômica (leia-se monetária) mais "ambiente favorável" aos negócios e estaria garantido o crescimento substantivo e sustentado. Interessante notar que essa visão tecnicista deslanchou a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, justamente um dos maiores críticos da concepção economicista do desenvolvimento econômico da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) nos anos 60 e 70. Apesar de ter pronunciado em Washington, em 1995, uma conferência com o título "Desenvolvimento: o mais político dos temas econômicos", foi sua gestão que consagrou essa virada na forma de encarar a questão. Desolador é constatar que a mesma visão tornou míope o governo Lula. O lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ilustra bem a cegueira: o governo garante a "estabilidade macroeconômica", com a autonomia do Banco Central, ataca alguns gargalos de infraestrutura e energia, incentiva o setor privado a investir e... conta com a sorte para que a situação externa não prejudique os planos. Verdade que o PAC pode ter algum efeito pontual na taxa de crescimento (é "demanda direta na veia da economia", como afirmou, de modo não tão preciso, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff), mas suas medidas estão longe de lograr o desenvolvimento sustentado. Um conjunto de intenções, com atuações dispersas do governo em áreas específicas, não se confunde com um plano integrado de desenvolvimento. Um verdadeiro plano passaria pela recuperação da capacidade do país de fazer política econômica, o que implicaria a vontade política de alterar o modelo econômico sob cuja batuta nos encontramos. Mas a ortodoxia tampouco se viu contemplada no PAC. Segundo essa visão, as medidas deveriam ser complementadas por aperto fiscal, reforma previdenciária e reforma tributária (desonerando a produção). As agências de classificação de risco já protestaram: a Moody's descartou elevar a classificação do Brasil em razão da divulgação do PAC, e a Merryll Linch declarou que o PAC traz "incerteza fiscal". Reações tais deixam claro o caráter eminentemente político do desenvolvimento. A sinalização de que o governo vai realizar investimentos para estimular o crescimento provoca insatisfação nos setores rentistas, ou seja, naquela parcela da sociedade que vive de rendas, em particular da imensa transferência que se processa pelo Estado, o qual recolhe impostos oriundos da renda gerada pela sociedade toda e, como pagamento do serviço da dívida pública, os repassa a poucos. A descomunal influência que hoje detêm os interesses rentistas está relacionada à atual fase experimentada pelo capitalismo, a de um movimento de acumulação que se processa sob a dominância da valorização financeira e torna atraentes as periferias do sistema, não mais como alternativas para a expansão industrial, mas como plataformas de ganhos rentistas. O modelo macroeconômico seguido pelo Brasil de Lula espelha essa dominância e monta uma armadilha para o desenvolvimento. Numa espécie de "stop and go" congênito, o país cresce (a taxas modestas) em períodos de calmaria e de elevada liquidez internacional e decresce ao menor sinal de mudança, com o BC elevando os juros para conter o impacto da desvalorização cambial sobre a inflação. Mesmo em períodos de calmaria, como o atual, o país cresce menos que os demais. A dominância rentista já se instalou na articulação entre classes e grupos sociais domésticos e estrangeiros e nas câmaras e antecâmaras do poder, o que está na raiz da servidão financeira do Estado, traduzida na hiperortodoxia da política monetária. O PAC não muda em nada esse entrave estrutural. Seu lançamento só explicita o quão político é o conflito entre gerar renda e capturar renda, particularmente num modelo em que a captura tem primazia sobre a geração. LEDA PAULANI, professora do Departamento de Economia da FEAUSP e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, é autora de "Modernidade e Discurso Econômico" (Boitempo). RODRIGO ALVES TEIXEIRA é professor do Departamento de Economia da FEA-USP.