Boletim
do
CIM
c e n t r o d e
i n f o r m a ç ã o
d o m e d i c a m e n t o
Introdução
dos doentes, colaborando deste modo na redução da morbilidade e
Em 1980, Brodie descrevia cuidados farmacêuticos como a prática
da mortalidade associadas aos medicamentos.10
profissional que “inclui a determinação da necessidade dos medica-
Actualmente, os cuidados farmacêuticos constituem um conceito
mentos necessários para uma situação individual e o fornecimen-
abrangente que significa a interacção entre o farmacêutico e o seu
to não só do medicamento mas também dos serviços necessários
doente (cooperando com o médico e com os outros profissionais de
(antes, durante e depois do tratamento), de modo a assegurar uma
saúde), tendo como objectivo atingir a melhoria da qualidade de vida
segurança óptima e a efectividade da terapêutica”.
deste. Incluem-se neste conceito a dispensa activa, a consulta de in-
1
Foi, contudo, só em 1990 que Hepler e Strand, ao publicarem o
dicação farmacêutica, a farmacovigilância, a manipulação magistral,
artigo “Opportunities and responsibilities in pharmaceutical care”
a educação para a saúde e o seguimento farmacoterapêutico (SF), ou
demonstraram claramente que o envolvimento dos farmacêuticos
seja, todas as actividades dirigidas para um doente concreto.6,11
na avaliação dos resultados clínicos produzidos pelos medicamen-
O SF assumido como a prática profissional em que o farmacêu-
tos podia contribuir para a redução da morbi-mortalidade relacio-
tico se responsabiliza pelas necessidades do doente relacionadas
nada com os mesmos. Surge assim o conceito de que os cuidados
com medicamentos é realizado através da detecção de Problemas
farmacêuticos tinham como objectivo principal auxiliar os doentes
Relacionados com Medicamentos (PRM) e da prevenção e resolu-
a obter o máximo benefício da sua medicação. As falhas da farma-
ção dos RNM, com o objectivo de alcançar resultados concretos
coterapia provocam um aumento da morbilidade, da mortalidade e,
que melhorem a qualidade de vida do doente. Estudos demonstram
consequentemente, dos gastos em saúde, constituindo assim um
que a implementação do seguimento farmacoterapêutico em am-
problema de saúde que surge quando se verifica o binómio medi-
bulatório ou em hospital melhora os resultados pretendidos com a
camento-doente.2
farmacoterapia.12,13
Em 1993, na segunda reunião da OMS sobre as funções do farmacêutico no sistema de cuidados de saúde, foi salientada a necessidade do maior envolvimento dos farmacêuticos na avaliação dos
resultados da utilização dos medicamentos, assim como noutros
aspectos dos cuidados de saúde.3
Outro marco importante para a clarificação deste conceito foi a
resolução do Comité de Ministros do Conselho da Europa que, em
2001, de modo claro e objectivo, reforçou a necessidade de o farmacêutico se envolver na avaliação dos resultados obtidos com a
farmacoterapia, interagindo com o doente e com os outros profissionais de saúde.4
Pode definir-se cuidados farmacêuticos como a participação activa do farmacêutico na assistência ao doente na dispensa e no seguimento de um tratamento farmacoterapêutico, cooperando, deste modo, com os outros profissionais de saúde com o objectivo de
alcançar resultados que melhorem a qualidade de vida do doente,
incluindo-se também o envolvimento do farmacêutico em actividades
que proporcionem boa saúde e previnam doenças.2,5,6
Vários estudos revelam o impacto da morbilidade associada aos
medicamentos. Baena, durante o ano de 2000/2001, estudou a prevalência de Resultados Negativos associados à Medicação (RNM) na
Resultados negativos
associados à medicação
Os RNM são definidos como resultados na saúde do doente não
adequados ao objectivo da farmacoterapia e associados ao uso ou
falha no processo de utilização dos medicamentos. É definida como
suspeita de RNM a situação em que o doente está em risco de sofrer
de um problema de saúde associado ao uso de medicamentos, geralmente devido à existência de um ou mais PRM, os quais podemos
considerar como factores de risco destes RNM. Assume-se que os PRM
são todas aquelas situações que, durante o processo de utilização
dos medicamentos, podem causar o aparecimento de um RNM.5
Os RNM referidos são de três tipos, relacionados com a necessidade do medicamento por parte do doente, com a sua efectividade ou
com a sua seguridade. A classificação é efectuada em seis categorias,
que, por sua vez, se agrupam em três supracategorias.5
Necessidade
Problema de saúde não tratado. O doente sofre de um problema de saúde
associado ao facto de não receber a medicação de que necessita.
Efeito de medicamento não necessário. O doente sofre de um problema de saúde associado ao facto de receber um medicamento de que não
necessita.
urgência do Hospital Universitário Virgen de las Nieves, em Granada.
Efectividade
Foram entrevistados 2556 doentes. A prevalência de RNM foi de 33,17%
Inefectividade não quantitativa. O doente sofre de um problema de saúde
associado a uma inefectividade não quantitativa da medicação.
(IC de 95%), dos quais 73,13% foram considerados evitáveis. O custo
total dos RNM considerados evitáveis atendidos no mesmo hospital
com referência ao ano de 2001 foi de quase 12 milhões de euros.7-9
O farmacêutico desempenha um papel fundamental no fornecimento de informação e no seguimento qualificado da terapêutica do
Julho/Agosto 2008
Seguimento farmacoterapêutico
Inefectividade quantitativa. O doente sofre de um problema de saúde
associado a uma inefectividade quantitativa da medicação.
Seguridade
Inseguridade não quantitativa. O doente sofre de um problema de saúde
associado a uma inseguridade não quantitativa de um medicamento.
doente, pois é o profissional de saúde com formação específica em
Inseguridade quantitativa. O doente sofre de um problema de saúde associado a uma inseguridade quantitativa de um medicamento.
medicamentos e, também, com uma maior acessibilidade por parte
Classificação de Resultados Negativos da Medicação (Terceiro Consenso de Granada)
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boletim do cim
Entende-se que:
É necessário solucionar o problema da má utilização dos me-
Um medicamento é necessário quando foi prescrito (médico) ou
indicado (farmacêutico) para um problema de saúde concreto
que o doente apresenta;
Um medicamento não é efectivo quando não atinge suficientemente os objectivos terapêuticos esperados;
dicamentos, que, na actualidade, constitui um problema de saúde
de grande magnitude. A solução passa por um melhor controlo da
farmacoterapia, através da realização de seguimento farmacoterapêutico para assim evitar o aparecimento de resultados negativos
associados à medicação.
Henrique Santos, Paula Iglésias
Um medicamento não é seguro quando produz ou agrava algum
Grupo de Investigação em Cuidados
problema de saúde.
Farmacêuticos da Universidade Lusófona (GICUF)
Problemas relacionados com medicamentos
Define-se como PRM aquelas situações que, durante o processo de uso dos fármacos, causam ou podem causar o aparecimento
de um RNM.5
Bibliografia
1. Brodie DC, Parish PA, Poston JW. Societal needs for drugs and drugrelated services. Am J Pharm Educ, 1980; 44(3): 276-8.
2. Hepler CD, Strand LM. Opportunities and responsibilities in pharma-
Podemos, deste modo, caracterizar os PRM como as causas dos
RNM. Erros de medicação e, de certo modo, os PRM evitáveis podem
ser a causa desses RNM definidos como “Resultados na saúde do
doente não adequados ao objectivo da farmacoterapia e associados
ao uso ou falha no uso de medicamentos”.5
ceutical care. Am J Hosp Pharm, 1990; 47(3): 533-43.
3. FIP. El Papel del Farmacéutico en el Sistema de Atención a la Salud:
Atención Farmacéutica. Informe de la Reunión de la OMS Tokio, Japón, 31 de Agosto al 3 de Septiembre 1993. Buenas Práticas de Farmácia: Normas de Calidad de Servicios Farmacéuticos. Tóquio: Organización Mundial de la Salud, 1993-1994.
O modelo de Donadebian, baseado no conceito de Estrutura-Processo-Resultado, permite considerar os PRM como indicadores do
resultado do processo do uso dos medicamentos, isto é, indicadores de resultado intermédios, e os RNM como indicadores de morbimortalidade, isto é, indicadores da efectividade e da seguridade da
medicação de um doente concreto.14
4. Council of Europe. Resolution ResAP (2001)2 concerning the pharmacist’s
role in the framework of health security. 2001.
5. Comité de Consenso. Tercer Consenso de Granada sobre Problemas
Relacionadas con Medicamentos (PRM) y Resultados Negativos Asociados a la Medicación (RNM). Ars Pharm, 2007; 48: 5-17.
6. Dirección General de Farmacia y Productos Sanitarios, Ministerio de
Sanidad y Consumo. Consenso sobre Atención Farmacéutica. Ars
Pharm, 2001; 42: 221-41.
7. Baena MI, Fajardo P, Luque FM. et al. Problemas relacionados con los
Método para realizar
seguimento farmacoterapêutico
medicamentos en usuarios de un servicio de urgencias hospitalario:
De um modo geral, o método de SF baseia-se na obtenção da his-
resultados de la validación de un cuestionario. Pharm Care Esp, 2001;
3(5): 345-57.
tória farmacoterapêutica do doente, isto é, nos problemas de saúde
8. Baena I. Costes de las consultas evitables producidas por PRM en el
que este apresenta, nos medicamentos que utiliza e na avaliação do
Servicio de Urgencias del Hospital Universitario Virgen de las Nieves
seu estado de situação numa determinada data, de forma a identificar
e resolver os possíveis RNM que o doente apresenta. Após esta identificação, realizam-se as intervenções farmacêuticas necessárias para
resolver os RNM e posteriormente avaliam-se os resultados obtidos.
15,16
de Granada. Pharm Care Esp, 2003; 5(Extraordinário): 42-4.
9. Baena MI. Problemas Relacionados con los Medicamentos como causa de consulta en el servicio de urgencias del Hospital Universitario
Virgen de las Nieves de Granada, Granada: Universidade de Granada, 2004.
O Método Dáder de SF é um método simples, que permite ao far-
10. Farris KB, Kirking DM. Assessing the quality of pharmaceutical care.
macêutico aplicar os seus conhecimentos sobre problemas de saúde e
II. Application of concepts of quality assessment from medical care.
medicamentos, com o objectivo de atingir resultados concretos que melhorem a qualidade de vida dos seus doentes, resolvendo os RNM.
17
Ann Pharmacother, 1993; 27(2): 215-23.
11. Ministério da Saúde. Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos (aprovado pelo Decreto-Lei nº 288/2001, de 10 de Novembro). 2001.
Este método, além de proporcionar procedimentos simples para
12. Garção JA, Cabrita J. Evaluation of a Pharmaceutical Care Program for
se realizar seguimento farmacoterapêutico, também é um método
Hypertensive Patients in Rural Portugal. J Am Pharm Assoc, 2002;
de formação contínua (Programa Dáder), baseado na técnica de
“aprender-fazendo”, que visa melhorar a competência e a qualidade
da intervenção farmacêutica na área da farmacoterapia.18
A Intervenção Farmacêutica (IF) é o que diferencia a dispensa de
medicamentos do SF e define-se como a acção do farmacêutico que
visa melhorar o resultado clínico dos medicamentos, mediante a alteração da utilização dos mesmos. Esta intervenção enquadra-se dentro
de um plano de actuação acordado previamente com o doente.17
O Plano de Cuidados Farmacêuticos (PCF) é o conjunto de intervenções que o doente e o farmacêutico concordam em realizar, para
resolver os RNM e os PRM detectados por este.19
Para poder realizar um método correcto de SF, o farmacêutico
necessita de ter conhecimentos em várias áreas científicas, ser detentor de uma boa capacidade de comunicação (tanto com o doente,
como com os restantes profissionais de saúde), tomar decisões com
base na evidência e em fontes de informação fiáveis e possuir uma
formação específica contínua e actualizada em SF.19
42(6): 858-64.
13. Castro MS, Fuchs FD, Santos MC. et al. Pharmaceutical care program
for patients with uncontrolled hypertension. Report of a double-blind
clinical trial with ambulatory blood pressure monitoring. Am J Hypertens, 2006; 19(5): 528-33.
14. Donabedian A . Evaluating the quality of medical care. Milbank Mem
Fund Q, 1966; 44: 166-203.
15. Machuca M, Fernández-Llimós F, Faus MJ. Método Dáder. Manual de
Seguimento Farmacoterapêutico (versão em português europeu). 3ª
edição. Lisboa: Grupo de Investigação em Cuidados Farmacêuticos
da Universidade Lusófona – Grupo de Investigación en Atención Farmacéutica (Universidad de Granada), 2005.
16. Caelles N, Ibáñez J, Machuca M, Martínez-Romero F, Faus MJ. Entrevista farmacéutico-paciente en el Programa Dáder de seguimiento
farmacoterapéutico. Pharm Care Esp, 2002; 4(1): 55-9.
17. Sabater D, Castro MMSC, Faus MJ. Método Dáder. Guía de Seguimento Farmacoterapêutico. 3ª edition. Granada: Grupo de Investigación
en Atención Farmacéutica. Universidad de Granada, 2007.
18. Faus MJ, Fernández-Llimós F, Martínez-Romero F. Programa Dáder de
Seguimiento del Tratamiento Farmacológico – Casos clínicos. 1ª edition. Barcelona: Grupo de Investigación en Atención Farmacéutica.
Conclusões
O SF tem como principal objectivo colaborar com todos os profissionais de saúde de modo a que a terapêutica de um determinado
doente possa, assim, alcançar a máxima efectividade.
ROF 84
Universidad de Granada, 2001.
19. Santos HJ, Iglésias-Ferreira P, Ribeiro PL, Nunes-da-Cunha I. Introdução ao Seguimento Farmacoterapêutico. 1ª edição. Vol. 1. Lisboa:
Grupo de Investigação em Cuidados Farmacêuticos da Universidade
Lusófona, 2007.
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