O que há de Errado com a Teoria do Pensamento de Davidson? André Joffily Abath Universidade de Lisboa 1. Introdução Desde seu ensaio "Thought and Talk" (1975), Davidson tenta convencer- nos, sob diferentes formas de apresentação, que pensamento e linguagem são interdependentes. Se ele estiver certo, só podemos considerar pensantes seres que possuem uma linguagem. Há, porém, boas razões para duvidar que esteja. É uma tese contra-intuitiva e contra a evidência disponível. Há, por um lado, nossa intuição de que certos animais pensam, e, por outro, a evidência empírica que sugere uma separação entre pensamento e linguagem. Porém, aqui não atacarei Davidson com uma defesa destes pontos. Minha estratégia será outra. Para sustentar sua tese, Davidson oferece um critério para que uma criatura seja considerada pensante: possuir o conceito de verdade objectiva. E apresenta um modo de aplicar o critério aos seres humanos: a triangulação. Neste ensaio, buscarei mostrar que, mesmo que aceitemos o critério, o modo como é aplicado aos seres humanos é empiricamente falso, ou seja, a triangulação é empiricamente falsa. Se assim for, Davidson fica com um critério, mas sem modos de aplicá-lo. Para chegar a esta conclusão negativa, salientarei dois pontos: (a) A triangulação é nada mais que uma versão, mais uma, de uma teoria behavio rista do aprendizado linguístico1 . (b) Tais teorias são incompatíveis com a evidência disponível sobre como uma criança adquire sua primeira língua. Portanto, defenderei que a triangulação é empiricamente falsa. Assim sendo, como disse, Davidson fica com um critério, mas falta- lhe um modo de aplicá-lo aos seres humanos. 2. Triangulação e Behaviorismo Antes de mais nada, deixem- me apresentar o argumento de Davidson em favor de sua tese, tal com exposto em obras recentes 2 . Pode ser resumido da seguinte maneira: (1) 1 Neste ensaio, utilizarei a expressão "aprendizado linguístico" para referir ao aprendizado, ou aquisiç ão, de uma primeira língua. Falo, portanto, de como uma criança adquire sua primeira língua, e não do aprendizado linguístico em geral. 2 Este argumento surge na obra de Davidson a partir de "Rational Animals"(1982), e diverge do que havia sido apresentado em "Thought and Talk"(1975) por trazer pela primeira vez, ainda que de forma vaga, a ideia de triangulação. Anteriormente, Davidson dizia apenas que não há pensamento sem o conceito de crença, e Pensar é possuir atitudes proposicionais.(2) Para que uma criatura possua atitudes proposicionais, deve ter uma cadeia de crenças relacionadas com qualquer destas atitudes; nunca podem ser consideradas isoladamente, sem qualquer relação com outras crenças. (3) A criatura deve ser capaz de avaliar a verdade ou falsidade de suas crenças, de considerar a possibilidade de que sejam falsas.(4) Se possuir crenças é considerar a possibilidade de que possam ser falsas, a criatura precisa ter o conceito de verdade objectiva, ou seja, deve saber que há um mundo objectivo, e que suas crenças podem ser verdadeiras ou falsas acerca deste mundo. (5) É em situações triangulares, que envolvem duas criaturas e um mundo compartilhado, que o conceito de verdade objectiva é adquirido.(6) Só seres que possuem uma linguagem podem participar de situações triangulares. (7) Se (6), então só seres que possuem uma linguagem têm o conceito de verdade objectiva. Portanto, (7) só seres que possuem uma linguagem pensam. Há, neste argumento, um critério para que uma criatura seja considerada pensante: possuir o conceito de verdade objectiva. E há um modo de aplicá- lo aos seres humanos: a triangulação. Se triangulação for empiricamente falsa em relação aos seres humanos, Davidson perde o modo de aplicar seu critério. E é isto que ocorre, como buscarei mostrar. Mas antes de criticarmos a triangulação, em que ela consiste? Imagine-se uma ocasião de aprendizado linguístico. Uma criança, em meio ao seu balbucio natural, diz "TV", diante de seu pai, e em frente a uma televisão. Sua resposta é recompensada, com sorrisos ou uma mamadeira, por exemplo. Em um vocabulário behaviorista, diríamos que a resposta é reforçada. Após um pequeno número de situações semelhantes, de resposta e recompensa, a criança passa a dizer "TV" diante de aparelhos de televisão. Davidson, aqui, segue, em grandes linhas, o modelo de Quine (1960) para o aprendizado linguístico, que, por sua vez, deve muito aos resultados de Skinner (1957). Nós aprenderíamos as primeiras palavras em termos de recompensa para respostas correctas. Por ter uma capacidade inata para perceber a semelhança entre estímulos, seríamos capazes de, após um pequeno número de respostas recompensadas, produzir respostas adequadas diante de certos estímulos. Há, porém, nesta imagem, um problema em relação ao estímulo. Ao dizer "TV", diante de uma televisão, além deste aparelho muitos outros estímulos estavam presentes no ambiente, sejam estes que este só seria adquirido em contextos de interpretação linguística. No fim das contas, a triangulação especifica esse contexto, e modifica o critério para o pensamento, que passa a ser o conceito de verdade objectiva e não o de crença. O segundo depende do primeiro. proximais ou distais. Poderia haver, por exemplo, um pássaro na janela, além de estímulos como a vibração do ar, a estimulação das terminações nervosas, etc. A princípio, qualquer um destes estímulos poderia ser a causa da resposta da criança. Por que deveríamos afirmar que um ou outro estímulo é o determinante? Podemos escolher as estimulações nervosas, ou as vibrações do ar, ou o objecto. Para Davidson, só uma situação triangular pode resolver a questão. Somos nós, os falantes de uma língua, os professores, que consideramos o balbucio da criança como resposta a um objecto e não a estímulos na pele ou ar. Somos nós, portanto, que consideramos seu balcucio "TV" como sendo uma resposta a TVS. Daí a recompensa. A criança, por sua vez, instintivamente toma os objectos, os aparelhos de televisão, como similares. Quando recompensada, é levada a produzir sons similares diante de objectos similares, ou seja, a dizer "TV" diante de TVS. Portanto, para Davidson, só uma segunda pessoa pode determinar o que causa uma resposta, e o fará de acordo com seus padrões. Sem esta pessoa, a causa da resposta permanece indeterminada. (Davidson, 1992). Quais as consequências disto para o conceito de objectividade e o pensamento? Ora, para Davidson, pensar é ter crenças, e outras atitudes proposicio nais, e, para tê- las, é preciso relacioná- las com objectos no mundo. Ao saber relacionar suas respostas a objectos e eventos, o organismo é capaz de compreender que há um mundo exterior, e que suas crenças são acerca deste mundo. Todavia, sem uma segunda pessoa, não há como relacionar respostas e mundo, já que o estímulo pode estar em qualquer lugar, no objecto, na pele ou no ambiente. Portanto, a entrada na linguagem, por meio da triangulação, é também entrada no universo do pensamento, pois só sendo capaz de relacionar suas respostas a objectos e eventos o organismo é capaz de compreender que há um mundo objectivo. A linguagem é, assim, condição necessária para o pensamento. Já a segunda pessoa, na triangulação, é condição necessária tanto para a linguagem quanto para o pensamento, já que sem ela não é possível dizer a que estímulo uma criança responde. Assim, parece- me correcto dizer que, em Davidson, pensamento e linguagem surgem juntos, na triangulação, a partir do momento em que o organismo compreende que suas respostas são causadas pelo mundo, que se ligam ao mundo. Pode, a partir daí, perceber que há um mundo exterior, e que suas atitudes proposicionais podem ou não estar de acordo com este mundo. É, portanto, condição necessária para que um organismo possa pensar que ele participe em situações triangulares e que seja iniciado em uma linguagem. Como foi dito anteriormente, a triangulação recupera uma imagem do aprendizado linguístico que remonta ao behaviorismo skinneriano, ou aos momentos mais Skinnerianos de Quine. Nossa entrada na linguagem se daria por meio de um processo de condicionamento, de recompensas a respostas adequadas. Skinner, diz, por exemplo, que "os pais constróem um repertório de respostas na criança reforçando muitos casos particulares de uma resposta" (1957:30). Quine, no mesmo espírito, afirma que a resposta da criança "carrega uma casual semelhança com uma palavra apropriada para a ocasião, e a recompensamos" (1975:83). Nada muito diferente do que diz Davidson. Um exemplo: "o aprendiz é recompensado... quando produz sons... em formas que o professor considera apropriadas em situações que o professor classifica juntas" (Davidson 1990/2001:203). Porém, ao contrário de Quine, Davidson não tem interesse em explicar o aprendizado linguístico em seu todo. Faz uso da base da teoria behaviorista, o ensino por condicionamento, para atingir certos fins particulares. Portanto, para refutá-lo, é preciso atacar a própria ideia da aprendizagem por reforço. 3. Por que a Teoria Behaviorista da Aprendizagem Linguística é Falsa O que torna, afinal, a teoria do aprendizado linguístico por condicionamento falsa? Bem, se fosse verdadeira, o aprendizado da primeira língua seria um processo extraordinariamente lento. Para ser capaz de utilizar adequadamente uma palavra ou frase, a criança teria de ter passado pelo processo descrito acima, que envolve várias ocasiões de resposta seguida por um reforço. Seria impossível, por exemplo, que uma palavra fosse aprendida no contexto de seu uso, ou seja, a criança não seria capaz de adquirir seu vocabulário ao escutar a língua utilizada em condições normais. Sem o processo de condicionamento, nada seria aprendido. Portanto, segundo esta teoria, uma criança que não fosse ensinada pelos métodos descritos não adquiriria sua primeira língua. Mas é este o caso? O aprendizado é um processo lento como suposto pela teoria? Só há a aprendizagem das primeiras palavras e frases se houver condicionamento? Pelo contrário. O processo por meio do qual uma criança adquire sua primeira língua chama a atenção por sua rapidez. Ao seis anos, uma criança normal aprendeu em torno de 14000 palavras. Supondo-se que seu vocabulário começou a formar-se ao 8 meses, temos que ela aprende uma média de 9 palavras por dia, ou quase uma palavra por hora acordada (Carey, 1978) 3 . Como isto é possível? Bem, é possível no caso de as crianças aprenderem uma palavra ou frase ao ouvirem-nas em seu uso normal algumas poucas vezes, ou até mesmo uma única vez. No caso, portanto, de o condicionamento ser irrelevante para o aprendizado linguístico. E, de facto, há evidência de que este é isto o que acontece. Uma experiência que indica nesta direcção foi realizada por Susan Carey (1978). A ideia era introduzir uma palavra que se referisse a uma cor a um grupo de crianças (14 crianças, entre 3 e 4 anos), sem qualquer ensino desta palavra; ela seria utilizada naturalmente. A cor escolhida foi oliva. Como algumas das crianças poderiam já ter o conceito de oliva, uma nova palavra foi criada para nomear esta cor: "chromium". E antes do experimento, a maioria das crianças referia-se à cor oliva por "verde". Deixem-me resumir o experimento. Inicialmente, houve uma única exposição da palavra a cada criança, e uma nova exposição passada uma semana. Não houve qualquer ensino: a palavra era simplesmente utilizada diante das crianças, de forma natural. Seis semanas após o experimento, um teste de produção foi realizado. Atenção, seis semanas não são 6 dias ou seis horas! Mesmo após este longo período, oito das catorze crianças retinham informações acerca da nova palavra. Duas disseram que não sabiam como chamar aquela cor, oliva, mas lembravam que tinha um nome diferente de "verde". As outras chamaram a cor por diferentes nomes, como "azul", "cinza", mas não a chamaram de "verde", como chamavam antes do experimento. Portanto, com apenas duas exposições a "chromium", em situações corriqueiras, e com seis semanas de espaço, as crianças modificaram seu vocabulário e aparato conceptual. O que esse experimento indica? Por um lado, que não há milagres. O aprendizado é rápido, mas não miraculoso. Por outro, que as crianças são capazes de modificar seu léxico e conceitos sem qualquer processo de condicionamento, com apenas breves encontros com a palavra. O aprendizado definitivo para o caso de uma cor dificilmente distinguível como oliva (eu provavelmente não saberia distinguir oliva entre cores similares) leva algum tempo, mas o de cores primárias dá-se mais rapidamente, assim como o de nomes para 3 Podem ser distinguidas três fases na aquisição da linguagem. Uma primeira, mais lenta, que dura dos 8 aos 18 meses. Neste período, a criança adquire uma palavra por vez. Entre os 18 meses e o início do segundo ano de vida, a criança passa a produzir junções de duas ou mais palavras. Cada palavra passa a ser adquirida com imensa rapidez. Após os dois anos e meio, a criança já produz frases gramaticais (Pinker, 1994).. objectos quotidianos. Essencial é que não há, aqui, qualquer reforço ou coisa do género. O experimento busca garantir que a palavra é utilizada de maneira natural. Mais impressionante são certos relatos históricos, relativos à linguagem em seu todo. Pinker (1984) descreve um caso de crianças surdas-mudas, na Nicarágua, que desenvolveram uma linguagem de sinais própria, sem serem ensinadas, unicamente através da interacção entre si. Outra evidência similar pode ser encontrada na origem dos crioulos. Durante o período da escravatura, era comum que os escravos fossem postos em grupos em que cada um deles falava um diferente idioma. De forma a garantir um mínimo de comunicação, uma língua rudimentar, com um reduzido número de expressões e pobre gramaticalmente, chamada um pidgin, era imposta aos escravos. As crianças que nasciam desses escravos eram separadas dos pais, e a única língua que ouviam era este pidgin. Mas elas não acabavam por reproduzir esta língua rudimentar. Curiosamente, produziam uma língua de grande complexidade, seja gramatical, lexical ou semântica, o que hoje chamamos de um crioulo. Portanto, desenvolviam uma língua extremamente complexa a partir de dados pobres, sem qualquer ensino (Pinker, 1984). Note que estes dados invalidam, por si só, o proposto por Davidson. Para ele, não há entrada na linguagem sem triangulação, e nestes casos as crianças aprendem a falar sem qualquer situação deste tipo. Mas como são dados históricos, não os tomarei como decisivos e definitivos. Portanto, temos, por um lado, experimentos que indicam que a criança aprende palavras ao ouvi- las em seu uso normal, em raras ocasiões, sem qualquer reforço. Por outro, temos evidência de que a linguagem, em seu todo, se desenvolve sem condicionamento ou coisas do género, mesmo sem qualquer ensino. Basta que a criança seja posta em meio a uma comunidade para que inicie a aquisição de sua primeira língua. O que todos estes dados indicam é que o reforço é uma ideia falsa em relação à aprendizagem linguística, e uma prática inútil. Posto de outra forma, mais precisa, em todos estes casos o estímulo fornecido pelo mundo é mínimo, muito aquém do que se poderia esperar par a a aquisição de palavras, conceitos, e da linguagem em geral. O ponto, relativamente ao léxico, é esse: dada a complexidade do que é conhecer o significado de uma palavra e saber aplicar um conceito, o que é fornecido pela experiência não basta para dar conta desse processo. Há um abismo entre a informação fornecida pelo mundo acerca das palavras e conceitos e o conhecimento que a criança revela deles (Chomsky, 1991). Afinal, a informação fornecida é mínima, como visto neste casos, e ainda assim basta para a modificação e formação do léxico, aparato conceptual, e mesmo da linguagem em seu todo. O que tudo isto significa? Significa: I) que a informação que a criança necessita para aprender palavras e conceitos não é inteiramente fornecida por um falante da linguagem. Ela sabe muito mais do que é informada; II) as situações de reforço a respostas dadas não são determinantes para o aprendizado linguístico. Sem reforço, a criança adquire a linguagem na mesma; III) não há tal coisa como uma segunda pessoa que determina que a resposta da criança se refere a objectos no mundo. Ela tem já uma capacidade de relacionar suas respostas ao mundo. Mas o que diz Davidson? Uma citação para refrescar a memória: "(...)o aprendiz é recompensado, seja deliberadamente ou não, quando o aprendiz produz sons ou de outra maneira responde em formas que o professor considera apropriadas em situações que o professor classifica juntas. "(Davidson 1990/2001:203). Davidson fala, neste trecho, embora em tom de pura reflexão filosófica, de problemas empíricos. É suposto que a triangulação é empiricamente verdadeira. Por tudo que foi dito, espero que esteja claro que não é. Não há tal coisa como aprender as palavras por recompensa de alguém. Obviamente, esta é uma prática comum, mas o que a evidência indica é que o aprendizado é independente de qualquer reforço. A criança aprende palavras em seu uso natural, e é capaz de relacioná- las com o mundo sem que seja ensinada a fazêlo. Pela imagem de Davidson, a criança adquire seu vocabulário de forma lenta, sendo reforçada por suas respostas adequadas. Como já foi dito, a criança adquire palavras a um ritmo de uma por hora, o que torna esta imagem inviável. Em Davidson, os estímulos são ricos, e explicam o aprendizado das palavras. Na realidade, o estímulo é pobre, e incapaz de explicar a rápida formação do léxico e do aparato conceptual. Para Davidson, não há a entrada na linguagem sem situações triangulares, em que há claramente um professor e um aluno, em cenários próprios para o aprendizado. Mas o que acontece é que as crianças entram no mundo da linguagem ao ouvirem palavras e frases em seu uso normal, em ocasiões ambíguas, sem qualquer ensino explícito, e sem qualquer professor (Chomsky, 1991). Não há, portanto, professor e aluno. Não há triangulação. Não é por meio de situações triangulares que uma criança aprende a relacionar suas respostas ao mundo exterior, e que compreende que há um mundo objectivo. Um objector poderia insistir que Davidson não está interessado em explicar o aprendizado linguístico. Realmente, não está. Mas sua teoria depende de que a linguagem seja de facto aprendida em situações triangulares, que seja por meio delas que adquirimos o conceito de verdade objectiva. Só que não é por meio da triangulação que uma criança adquire uma linguagem, ou o conceito de verdade objectiva, ou a noção de que há um mundo externo. A base proposta por Davidson para sua teoria do pensamento é, portanto, falsa. E creio ter dito o suficiente em favor disto. Mas o que ocorre com seu argumento em favor da interdependência entre pensamento e linguagem se cai a triangulação? Passo agora a este ponto. 4.O Critério sem Aplicação Como foi dito, há, no argumento de Davidson, um critério claro para que uma criatura possa ser considerada racio nal ou pensante: ter o conceito de verdade objectiva. Há, também, um modo de aplicar este critério aos seres humanos: a triangulação, o aprendizado por condicionamento. Mas para este critério ser efectivamente posto em acção, as situações triangulares não podem ser uma mera construção teórica. Davidson fala de um problema empírico, de como palavras e conceitos são adquiridos. E oferece uma solução para este problema. Ao fazer isto, mostra como um conceito específico, o de verdade objectiva, é adquirido, e aplica assim seu critério aos seres humanos. Se lidamos com um problema empírico, a triangulação deve ser empiricamente verdadeira. Porém, vimos que não é. Não há tal coisa como a triangulação no processo por meio do qual uma criança adquire palavras, conceitos, e sua linguagem em geral. Assim sendo, Davidson perde o modo de aplicar seu critério aos seres humanos. O que resta? Resta um critério, exposto em (4): pensar é possuir o conceito de verdade objectiva. Ainda é possível defender que o conceito de verdade objectiva deva ser o critério para o pensamento, e que o possuidor deste conceito pode ter o conceito de crença, e qualquer atitude proposicional; portanto, pode pensar. Mas como aplicar o critério? O modo de aplicá- lo aos seres humanos era a triangulação. Sem ela, resta um critério sem modos de aplicação. É a forma como é aplicado que leva à conclusão de que a linguagem depende do pensamento. Se aplicado de outra forma, pode levar a outra conclusão. Ou pode, ainda, levar a mesma, desde que o caminho entre o conceito de verdade objectiva e a linguagem não seja feito por meio da triangulação. Se enveredássemos por esta via, estaríamos, na verdade, apresentando modos ad hoc de aplicá- lo. Por que faríamos isto? Um motivo seria crer, à partida, que linguagem e pensamento são interdependentes, e que possuir o conceito de verdade objectiva é o critério adequado para sustentar esta tese. Mas, como disse no início, há boas razões para duvidar que pensamento e linguagem sejam interdependentes. Há nossa intuição de que chimpanzés e cães, por exemplo, pensam. Há, também, a evidência empírica que sugere uma separação entre ambos; seriam faculdades distintas. Por exemplo, as vítimas de afasia têm suas capacidades linguisticas profundamente, ou mesmo totalmente, comprometidas, mas suas outras capacidades cognitivas não são afectadas (Chomsky, 1991). Diante disto, parece-me pouco interessante lutar pelo salva mento do critério de Davidson e de sua tese. 4.Conclus ão Mas abandonar este critério não é ficar de mãos vazias. Minha sugestão é que devemos esquecê- lo e tomar outro caminho: partir de uma teoria do aprendizado linguístico que tenha a evidência a seu favor e, em seguida, analisar, sob este novo pano de fundo, como fica a relação entre pensamento e linguagem. Falo da teoria de Chomsky, que toma a linguagem como uma faculdade cognitiva inata. E, aqui, linguagem e pensamento são coisas distintas. Um pode estar presente sem o outro. Como não terei não terei espaço para explorar este sugestão neste momento, finalizo com uma observação: esta conclusão depende da verdade empírica do que é proposto por Chomsky, e isso é algo previsto em seu programa de investigação. Portanto, neste paradigma, a relação entre pensamento e linguagem é um problema empírico, que jamais pode ser revolvido no conforto de uma poltrona. Bibliografia Chomsky, N. (1991). "Linguistics and Cognitive Sciences: Problems and Mysteries". In Kasher, A. (ed.), The Chomskyan Turn. Blackwell, Oxford. Carey, S. (1978). 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