Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DIREITO PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL: ADMISSIBILIDADE E INTERESSE PÚBLICO Autora: Fernanda Rodrigues Dias Orientadora: Eneida Orbage de Britto Taquary BRASÍLIA 2008 FERNANDA RODRIGUES DIAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL: ADMISSIBILIDADE E INTERESSE PÚBLICO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito. Orientadora: Msc. Eneida Orbage de Britto Taquary. BRASÍLIA 2008 Dedico esta monografia aos meus queridos pais que compartilharam com os meus ideais e os alimentaram, incentivando-me a prosseguir nesta incansável jornada. E ao meu grande amigo Nivaldo, que sempre esteve ao meu lado torcendo e apoiando na minha conquista com profunda alegria e disposição. . AGRADECIMENTO A Deus, que pela sua grande onipotência, deste-me vida, inteligência e condições para a realização deste trabalho. Sou grata pela força, habilidade e capacidade que só Vós sois capaz de permitir durante a nossa perene existência! Aos meus pais Dias e Sebastiana, pelo exemplo de vida com luta e otimismo, e por me darem forças, incentivando-me a prosseguir, não deixando que eu jamais desanimasse. Às minhas irmãs Fabiana e Flávia, pelo apoio e carinho durante esta árdua caminhada. A Eneida, carinhosa professora e orientadora, que tão dignamente cumpriu seus encargos, indicando-me os caminhos a serem percorridos permitir-me alcançar o triunfo final. E ao meu querido amigo Nivaldo, um exemplo de caráter e honestidade a ser seguido, que, pela dedicação e esforço empreendidos, aliados a incansável paciência, muito contribuiu para a elaboração da presente monografia. Nada é impossível de mudar Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. Bertold Brecht RESUMO Esta monografia tem por objetivo discutir as questões relativas à admissibilidade do uso de provas obtidas por meios supostamente ilícitos no processo penal. Corrente majoritária afirma que tal possibilidade é inaceitável, posto que fere a vedação constante do art. 5º, inc. LVI, da Constituição Federal de 1988, além de atingir o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (estaria-se invadindo a intimidade e a privacidade do indivíduo, direitos fundamentais do cidadão também expressos na Carta Magna). A jurisprudência e a doutrina, para inadmiti-las, se baseiam no que estabelece o Princípio da Proporcionalidade (o mal provocado ao cidadão deve ser o menos gravoso possível) e no fato de que o cidadão deve ter seus direitos resguardados em face dos excessos do Estado. Entretanto, olvidam-se que, defendendo aquele que transgride as normas, acabam por desproteger a sociedade, gerando impunidade e insegurança social. Para se chegar a uma conclusão segura, é feito um estudo do Princípio da Busca da Verdade Real, que orienta o processo penal no sentido de que o mesmo atinja seu objetivo precípuo, qual seja, o esclarecimento do ocorrido, mas cuja relevância tem sido mitigada pelos doutrinadores, que agora querem fazer crer que essa possibilidade não passa de um mito, um objetivo inalcançável. Levanta-se também a importância de se considerar a aplicação do Princípio da Primazia do Interesse Público sobre o Privado, tão difundido no Direito Administrativo, também na esfera do Direito Penal, ocasionando, em conseqüência, a mudança do foco de proteção desta área do Direito, hoje direcionado para o indivíduo, passando a amparar melhor a sociedade. Palavras-chave: Provas Ilícitas. Admissibilidade. Principio da Busca da Verdade Real. Princípio da Proporcionalidade. Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. ABSTRACT This monograph has for objective to argue the relative questions to the admissibility of the use of tests gotten for supposedly illicit ways in the criminal proceeding. Majoritarian current affirms that such possibility is unacceptable, rank that wounds the constant prohibition of art. 5º, inc. LVI, of the Federal Constitution of 1988, beyond reaching the Principle of the Dignity of the Person Human (one would be invading the privacy and the privacy of the individual, also express basic rights of the citizen in the Great Letter). The jurisprudence and the doctrine, for not to admit them, based on what it establishes the Principle of the Proportionality (the evil provoked to the possible citizen must be possible less taxing him) and in the fact of that the citizen must have its rights protected in face of the excesses of the State. They however, what forget them, defending that one that transgresses the norms, they forget for forsaking the society, generating impunity and social unreliability. To arrive itself at a safe conclusion, a study of the Principle of Search of the Real Truth is made, that guides the criminal proceeding in the direction of that the same it reaches its main objective, which is, the clarification of the occurrence, but whose relevance has been mitigated for the indoctrinated, that now want to make to believe that this possibility does not pass of a myth, an unattainable objective. One also arises the importance of if considering the application of the Principle of the Priority of the Public Interest on the Private One, so spread out in the Administrative law, also in the sphere of the Criminal law, causing, in consequence, the change of the focus of protection of this area of the Right, today directed for the individual, starting to support the society more good. Word-key: Illicit tests. Admissibility. Principle of Seach of the Real Truth. Principle of the Proportionality. Principle of the Supremacy of the Public Interest on the Private one. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................8 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS PROVAS .............................................12 1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS ....................................................................13 1.2 PRINCÍPIOS GERAIS......................................................................................15 1.3 ÔNUS DA PROVA ...........................................................................................16 1.4 DA PRODUÇÃO DE PROVAS PELO JUIZ .....................................................18 1.5 PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL.................................................22 1.6 LIMITES À PRODUÇÃO PROBATÓRIA .........................................................27 2 DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS .............................................32 2.1 CORRENTES DOUTRINÁRIAS ......................................................................33 2.1.1 Pela admissibilidade da prova ilícita .....................................................33 2.1.2 Pela inadmissibilidade da prova ilícita..................................................35 2.1.3 Intermediária............................................................................................36 2.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE........................................................39 2.2.1 Contexto Histórico ..................................................................................39 2.2.2 Conceito...................................................................................................42 2.2.3 Elementos constitutivos.........................................................................44 2.2.4 Aplicação do Princípio da Proporcionalidade ......................................49 3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO ................................................52 3.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ...............................52 3.1.1 Breve escorço histórico .........................................................................53 3.1.2 Conceito...................................................................................................56 3.2 DO DIREITO À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE ...........................................58 3.3 DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO...............................................................................................................61 4 DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS.............................................66 CONCLUSÃO ...........................................................................................................70 REFERÊNCIAS.........................................................................................................75 8 INTRODUÇÃO Quando há a ocorrência de um fato típico, a sociedade exige a sua apuração para o julgamento e conseqüente condenação dos seus autores, em sendo o caso. Em um Estado de Direito, o Princípio da Legalidade é aquele que orienta o legislador quando da elaboração das normas que estabelecem direitos, deveres e obrigações, tanto do cidadão, considerado individualmente e em sociedade, como do Estado. Assim é no Estado Brasileiro. Os procedimentos para a condução da ação penal são regulados por normas (constitucional e infraconstitucional) e devem ser rigorosamente obedecidas, sob pena de nulidade, absoluta ou relativa, do processo. No tocante ao tema, o Código de Processo Penal, no Livro I, Título VII, Capítulos I ao XI, regula a parte referente à produção das provas para a devida instrução do processo penal. É cediço que o processo penal tem como finalidade precípua a busca da verdade real, posto que, como lida fundamentalmente com a liberdade do indivíduo, envolvendo sua honra, dignidade e reputação perante a sociedade, não é permitido que a condenação se baseie apenas em mera presunção. Através do conjunto probatório colacionado aos autos, objetiva-se estabelecer a verdade dos fatos. Sendo impossível apurar-se a certeza absoluta desses fatos, necessário se faz que a verdade estabelecida (certeza relativa) seja forte o suficiente para a formação do juízo de convencimento do magistrado, daí a sua importância no processo penal. Quanto mais robustas forem as provas apresentadas pela acusação, maiores as possibilidades de condenação do agente do fato típico. Porém, na mesma proporção, quanto menos convincentes, maiores as chances de fracasso do autor da ação. Como o autor da ação apresenta os argumentos, deve ele provar o alegado, o mesmo ocorrendo em relação ao réu, quando da sua defesa. Entretanto, o Codex processual penal deixa claro que o juiz também pode (entenda-se deve) determinar as diligências necessárias à elucidação do caso. Várias são as formas de se produzir provas no processo, contudo nem todas são admitidas, porquanto algumas são consideradas ilegais, como é o caso das provas ilícitas, devendo-se observar alguns limites que estão insculpidos na 9 Constituição Federal,1 bem como no Código de Processo Penal.2 E essas restrições provocam polêmicas em relação à possibilidade da produção e do uso de provas tidas como ilícitas na instrução do processo. A questão que se levanta é se o extremo rigor imposto, tanto pela Carta Magna quanto pelas normas ordinárias que tratam do assunto, para que uma prova produzida seja considerada legal, não beneficia a ação dos infratores da lei. Coincidência ou não, com o advento da Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, os índices de criminalidade aumentaram sobremaneira. Sem adentrar nas questões sociais, que com certeza influenciam nesses índices – porém não são apenas os pobres e desempregados que cometem infrações, reconheça-se –, busca-se discutir o quanto sobrepor os direitos do indivíduo aos da sociedade contribuem para o aumento da criminalidade. Nos processos criminais, os Tribunais pátrios, com base nas decisões emanadas pelo Supremo Tribunal Federal, se posicionam no sentido de proferir decisões que sejam mais benéficas para o réu, apoiando-se no Princípio da Proporcionalidade. Quando a prova é obtida por meios supostamente ilícitos, esta não pode ser aceita no processo porque sua produção violou a dignidade da pessoa humana, princípio assegurado na Constituição Federal e altamente protegido nos Tribunais. Mas uma questão deve ser respondida: porque a dignidade do indivíduo que cometeu um crime merece tanta guarida, se ele atentou contra a dignidade de uma pessoa que não viola as normas? A dignidade deste merece menos respeito que a daquele? E cometendo um crime, não estaria o agente do fato típico atentando contra a dignidade de toda a sociedade? Para viver em sociedade em condições de igualdade com seus pares, o cidadão deve abrir mão, em favor do Estado, de parte de seus direitos. Tal premissa é retratada no famoso jargão popular: “seus direitos terminam onde começam os meus”. Entretanto, a luta entre o cidadão e o criminoso está deveras desigual, e o responsável por essa desigualdade é justamente aquele que deveria regular as relações sociais: o Estado. A segurança pública por ele oferecida ao cidadão de 1 2 Art.5º, inc. LVI. Art. 233. 10 bem, obrigação a ele imposta pela Constituição Federal, é insuficiente. Entretanto, a proteção dada àqueles que cometem crimes é total. Daí surge mais uma questão: é razoável garantir-se tanto os direitos do criminoso, permitindo-se que este livre-se solto de fundadas acusações, baseandose apenas na argumentação de que as provas foram obtidas por meios supostamente ilícitos? Agindo assim, o Estado não estaria estimulando a criminalidade, uma vez que a impunidade torna-se uma realidade constante? Nesse contexto, a presente monografia tem como objetivo discutir a viabilidade da aceitação de provas hoje consideradas ilícitas no direito processual penal brasileiro e, assim, possibilitar que a busca da verdade real não se torne um mito no direito penal pátrio. Visa também levantar questão sobre o foco para o qual estão direcionados os direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurados na Constituição Federal e que, como visto, resguardam apenas o indivíduo, mesmo que em detrimento dos interesses de toda a coletividade. Para o desenvolvimento do tema, será feito, no primeiro capítulo, um estudo (considerações gerais) sobre a importância das provas no processo penal, bem como sua conceituação, classificação e os principais princípios que a regem no direito penal. No segundo capítulo, os princípios da Proporcionalidade e da Busca da Verdade Real, assim como a importância do poder dado ao juiz de determinar a produção de provas, ligados diretamente ao tema, serão tratados mais aprofundadamente, ressaltando suas relevâncias, bem como a melhor maneira como o primeiro deve ser considerado no mundo do Direito Penal. No terceiro capítulo, associar-se-á o Princípio da Primazia do Interesse Público Sobre o Privado com a possibilidade da aceitação das provas supostamente ilícitas para comprovação das alegações do autor no processo penal, quando não há dúvidas quanto à materialidade de um fato típico, e a comprovação da sua autoria dependa daquela prova produzida ilegalmente. E finalmente, no quarto capítulo, tratar-se-á de um dos métodos de interpretação da lei, a teleológica, que leva em consideração a intenção da norma. Sem intenção de esgotar o assunto, mesmo porque o assunto é deveras polêmico, esta monografia foi elaborada com apoio em pesquisa jurisprudencial e doutrinária, utilizando-se autores como Fernando Capez, Adalberto José Q. T. de 11 Camargo Aranha, José Frederico Marques, Hélio Tornaghi entre outros, para uma melhor fundamentação teórica. 12 1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS PROVAS Para o magistrado formar um juízo de valor e proferir decisão em uma determinada ação, o autor deve relatar os fatos do acontecido que gerou a demanda, cabendo à parte contrária defender-se do que está sendo acusado. É por meio do conjunto probatório acostado aos autos que a lide será dirimida. O ato de provar, tanto em matéria criminal quanto em matéria cível, significa tentar mostrar a verdade do ocorrido ao juiz, e este vir a apreciar e julgar os fatos de acordo com a sua livre convicção. Segundo Chiovenda,3 provar “[...] significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes no processo”. Na mesma linha de raciocínio, Moacyr Amaral4 comenta que “[...] provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa”. Para Fernando Capez, prova é [...] o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. 5 O instituto da prova tem por objetivo convencer o julgador de alguma coisa, cabendo às partes ou terceiros provarem o alegado e, dependendo do caso concreto, pode o juiz de ofício requerer diligências para sanar dúvidas, tal como estabelece no CPP: Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. 6 Conforme leciona Vicente Greco Filho, 3 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002. v. 3, p. 109. 4 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense. 1976. v. 4, p. 8. 5 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 251 6 Cf. nova redação do art. 156. 13 A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico; sua finalidade é prática, qual seja, convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado. 7 Destarte, a produção probatória não tem apenas como finalidade o convencimento do juiz sobre a certeza de algum fato, há também que ser considerado o seu fator social, qual seja, de acordo com o nosso ordenamento jurídico. Antônio Magalhães Gomes Filho, sobre o assunto explana: Em outras palavras, a prova judiciária não se destina ao estabelecimento de uma verdade circunscrita ao processo, até porque este não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de conflitos sociais; e, para que essa finalidade última seja alcançada, a produção do convencimento judicial deve obedecer a determinados padrões e rituais, através dos quais a coletividade possa reconhecer-se. 8 Portanto, não é qualquer prova que poderá ser produzida e ao final ser analisada pelo judiciário, devendo, quando na sua produção, observar alguns limites que estão delineados em normas constitucionais e na legislação ordinária que direcionam o tema. 1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS Em matéria criminal, as provas são classificadas segundo três critérios essenciais – quanto ao objeto, sujeito e forma –, que advém dos aspectos natureza e produção das provas. O objeto da prova (existência de um fato a ser reconhecido) é dividido em duas classes: prova direta e prova indireta. A primeira refere-se ao fato que deve ser provado de forma imediata e direta; já a segunda diz respeito a um fato ocorrido que leve ao fato desejado, ou seja, aos indícios que induz à investigação da ocorrência de um determinado crime. Sobre as classes do objeto da prova, discorre Aranha: 7 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.2, p. 181-182. 8 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.18. 14 Logo, na prova direta a conclusão é imediata e objetiva, resultando apenas da afirmação; na prova indireta exige-se um raciocínio, com formulação de hipóteses, exclusões e aceitações, para uma conclusão final. São provas indiretas as presunções e os indícios. 9 Quanto ao sujeito da prova (sujeito ou coisa proveniente da prova), duas também são as classificações: prova pessoal ou verificação de pessoa e a prova real ou verificação de coisa. Ambas têm por objetivo convencer o juiz da existência de um fato tido como típico. De acordo com Malatesta, [...] a prova quanto ao sujeito de que emana, todos vêem que não existem apenas dois sujeitos possíveis: como produtores de provas, pode apresentar-se uma pessoa ou coisa perante à consciência de quem deve apurar, que, em matéria penal, é o juiz, com poderes plenos para julgar, faculdade para absolver ou condenar, em outros termos, perante o juiz de debates [...].10 Finalmente, quanto à forma das provas, esta se divide em testemunhal, documental e material. Na prova testemunhal, o testemunho em juízo de pessoas, ou até mesmo da vítima, que presenciaram ou sabem de algum fato que sirva de base para encontrar o autor do fato condenável, é fator predominante dessa forma de prova. O autor acima citado classifica a prova testemunhal em testemunho comum e pericial. O testemunho, enquanto provém de testemunhas que intervieram in facto e tem por objeto coisas perceptíveis pelo comum dos homens, chama-se prova testemunhal comum; quando, ao contrário, provém de testemunhas escolhidas post factum e tem por objeto coisas perceptíveis só a quem tem uma perícia especial, chama-se prova testemunhal pericial. O testemunho comum, portanto, compreende o de terceiro, o do acusado e do ofendido. Logo, a perícia, o depoimento de um terceiro, o depoimento do acusado e o do ofendido não são senão tantas outras subespécies desta classe que denominamos de prova testemunhal. 11 (grifo do autor). Já a prova documental é caracterizada pela verificação de documentos que comprovam a materialidade do delito (escritos públicos ou particulares, cartas, diários, livros fiscais entre outros), ao passo que a prova material a própria coisa equivale à prova real (instrumentos utilizados no crime, corpo de delito, exames, vistorias etc.). A finalidade da prova, independente de sua classificação, é a de tentar buscar a verdade dos fatos e convencer o juiz do que realmente aconteceu, propiciando-lhe 9 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 24. 10 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Campinas: Bookseller, 2004. p. 118. 11 Ibid., p. 119. 15 a oportunidade de vir a julgar o caso com coerência e de acordo com os princípios gerais que regem as provas. 1.2 PRINCÍPIOS GERAIS Para melhor compreender um determinado ramo do saber jurídico, faz-se mister conhecer os legados iniciais que servem de base de todo um sistema, ou seja, as idéias, normas e pensamentos. Os princípios são pressupostos essenciais que direcionam as verdades fundantes para o melhor entendimento da norma e a sua correta aplicação. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio jurídico é o [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. 12 Alguns dos princípios gerais que regem as provas no âmbito penal devem ser observados no tocante ao tema provas ilícitas, senão vejamos: • Auto-Responsabilidade das Partes: por se tratar de uma faculdade processual, na produção das provas cada um dos litigantes assume as conseqüências pelos atos praticados, seja por ação ou omissão. • Audiência Contraditória: sempre que produzida uma prova, há que ser dada a oportunidade de manifestação do oponente em uma determinada demanda processual. Tal princípio encontra arrimo no princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da Constituição Federal), que diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. • Aquisição ou Comunhão da Prova: as provas produzidas com o propósito de apurar a autoria de um fato ilícito passam a integrar o processo, não 12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 68. 16 mais pertencendo a quem as produziu. Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha13 afirma que “No campo penal não há prova pertencente a uma das partes, mas sim o ônus de produzi-la. Toda a prova produzida integra um campo unificado, servindo a ambos os litigantes e ao interesse da justiça.” • Livre Convencimento Motivado: O juiz, antes de proferir o decreto condenatório, analisa o conjunto probatório colacionado aos autos como um todo, de forma livre e motivada. Em nosso sistema inexiste hierarquia de provas, portanto, não há distinções valorativas entre elas. O CPP14 expõe claramente que “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial [...]”.15 • Liberdade Probatória: com o objetivo de atingir a finalidade precípua do processo penal, qual seja, a busca da verdade real, é garantida às partes a liberdade para a produção de provas. Porém, há limites para o exercício dessa liberdade, posto que, ultrapassados tais limites, configurar-se-ão como ilegais as provas produzidas fora dos ditames legais.16 • Proporcionalidade: por este princípio, admite-se a utilização de provas supostamente ilícitas se houver, no caso concreto, notória preponderância do valor do bem jurídico tutelado sobre as garantias fundamentais que, porventura, protegeriam o agente do crime.17 1.3 ÔNUS DA PROVA Caracteriza-se como ônus da prova a necessidade das partes em provar os fatos alegados de uma determinada pretensão. Para Fernando de Almeida Pedroso, Denomina-se ônus da prova, conseqüentemente, a incumbência, responsabilidade ou encargo que tem alguém no sentido de demonstrar a 13 ARANHA, 2006, p. 33. Cf. nova redação do art. 155. 15 ARANHA, op. cit., p. 34. 16 Cf. art. 5º, LVI, da CF/88, bem assim o art. 157, caput, e § 1º. 17 CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 100. 14 17 existência de um fato ou situação, para dela extrair uma relação de direito, id est, suas conseqüências jurídicas defluentes. 18 A produção de provas é um procedimento facultativo, não constituindo uma obrigação processual. É neste contexto que é importante salientar a diferença entre ônus e obrigação.19 O ônus dispõe ao titular do direito realizar ou não o ato que lhe incumbe, podendo vir a responder pelos prejuízos sofridos em decorrência de sua inércia, ao passo que a obrigação não oferece essa alternatividade, impondo ao obrigado o dever de cumpri-la, sabendo que, não o fazendo, arcará com as conseqüências da sua inação.20 Friedrich Lent estabeleceu, com precisão, a dessemelhança entre os termos: A diferença essencial entre ônus e obrigações está, pois, em meu entender, na circunstância de que o adimplemento do ônus é deixado à livre vontade da parte onerada, ao contrário do que ocorre na obrigação, qualquer que seja a reação provocada pelo seu inadimplemento. Pertence, pois, à essência da obrigação a necessidade de ser cumprida. [...] Disso resulta que, enquanto o não-cumprimento de um ônus não se apresenta como ato contra o direito, visto que o comportamento da parte é deixado a sua escolha, o inadimplemento de uma obrigação é fato em contradição com a ordem jurídica, e importa em conseqüências adequadas. 21 Como a parte deve apresentar provas em benefício próprio, pode ela abrir mão desse direito, uma vez que essa inércia, em determinadas situações, não lhe trará qualquer prejuízo. Reza a nova redação do art. 156 do CPP que “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício [...]”. Aplicando a norma a um caso concreto, cabe ao Ministério Público, titular do jus puniendi na ação penal pública, o ônus de provar os fatos constitutivos ensejadores de punição ao indivíduo transgressor da norma penal, ao passo que, para a defesa do acusado, cabe o ônus de provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos. Corroborando com essa afirmativa, a doutrina de Hélio Tornaghi ensina: Portanto, o sentido do art. 156 deve ser este: ressalvadas as presunções, que invertem o ônus da prova, as alegações relativas ao fato objeto da pretensão punitiva têm de ser provadas pelo acusador e as referentes a 18 PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova penal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p.22. 19 ARANHA, 2006, p. 7. 20 Ibid., p. 8. 21 apud MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999. v. 2, p. 264. 18 fatos impeditivos ou extintivos devem ser provadas pelo réu. Na verdade, o ônus da prova compete àquele a quem o fato aproveita. 22 Nos fatos constitutivos configuram-se a tipicidade e a autoria. O órgão acusatório tem que provar os fatos alegados na denúncia, associando a autoria com o fato típico e antijurídico. Já os fatos que cabe à defesa provar, que são os extintivos, impeditivos ou modificativos, possuem suas particularidades.23 Os fatos extintivos têm por finalidade interromper a relação jurídica. É o que acontece quando ocorrem os institutos da prescrição e da decadência. Já os impeditivos, segundo Aranha, “[...] são todas as circunstâncias que impedem decorra de um fato o efeito que lhe é normal”.24 Cite-se, como exemplo, o que dispõe o art. 23 do Código Penal, que diz que não há crime quando o agente pratica o fato amparado em uma das causas de exclusão da culpabilidade (estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito). Por derradeiro, os fatos modificativos são os que alteram a relação jurídica, dando-lhe novo aspecto. Exemplo típico é o caso da legítima defesa, em que o suposto incriminado cometeu o crime para defender-se de um ataque crucial da vítima. 1.4 DA PRODUÇÃO DE PROVAS PELO JUIZ Outro aspecto de grande relevância do artigo ora em comento é a parte que faculta ao juiz, de ofício, determinar a produção de provas, cujo objetivo-fim é dirimir dúvidas para a formação do seu livre convencimento e, assim, julgar o caso litigioso de uma forma justa. Primeiramente, deve-se considerar que imparcialidade e discricionariedade são dois elementos importantes na vida profissional de um magistrado. A primeira, como característica, é exigível em todos os seus atos, e a segunda, como prerrogativa, lhe dá poder suficiente para bem desempenhar suas funções, 22 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 3, p. 469. ARANHA, 2006, p. 14. 24 Ibid., p. 14. 23 19 lembrando que esta não se confunde com arbitrariedade. É claro que o juiz, ao exercer a sua faculdade na produção de provas, deverá ser moderado, comedido e prudente, conforme ensina Aranha: O juiz deve usar a faculdade contida no art. 156 do Código de Processo Penal com muita cautela, com toda a prudência necessária, somente quando uma dúvida assaltar-se o espírito de julgador imparcial, para que não cause o fenômeno de, por inadvertência ou imprudência, assumir uma das partes na relação processual, colhendo prova que deveria ser apresentada por um dos litigantes, por ser ônus seu. 25 Ademais, caso demonstre parcialidade ou venha, com a produção de prova, vir a prejudicar alguma das partes, sua determinação seria facilmente revogada em grau de recurso. Ora, se um fato típico foi praticado e as provas produzidas são insuficientes para provocar no magistrado a segurança de proferir uma sentença justa, por que não pode, de ofício, determinar a produção de novas provas? Se o ônus coubesse apenas às partes, o magistrado se sentiria engessado, e suas dúvidas iriam para o arquivo, juntamente com o processo, sem a devida resolução. Poderia-se dizer que, ao invés de assumir essa responsabilidade, o juiz deveria determinar à parte que fez tal alegação que procedesse à produção de determinada prova. Nesse caso, como diz o jargão popular, a ementa seria pior que o soneto, pelas seguintes razões: a uma por que a parte produziria a prova a sua maneira e poderia, assim, não atingir o resultado que o julgador esperava; a duas por que seria muito fácil alegar parcialidade por parte do magistrado; e a três por que, como ônus não é o mesmo que obrigação, a parte só a produziria se quisesse, impedindo que o juiz dirimisse suas dúvidas e evitando a formação do seu juízo de convencimento. O magistrado deve analisar o caso com imparcialidade e baseado nas provas colacionadas aos autos. Às partes cabe o ônus da produção de provas, e elas utilizarão esse direito da forma que melhor lhes convier. Porém, quando há um deficit nas provas apresentadas pela acusação e/ou pela defesa, e essa deficiência é bastante o suficiente para impedir que o juiz chegue a uma conclusão lógica acerca do alegado, a ele cabe decidir qual a melhor maneira de sanar essa falha e 25 ARANHA, 2006, p. 17. 20 dirimir suas dúvidas, o que o ajudará, e muito, na árdua tarefa de tentar chegar o mais próximo possível da certeza absoluta dos fatos. Tourinho Filho, em oposição à produção ex officio, opina: O juiz que desce do seu pedestal de terceiro desinteressado, para proceder à pesquisa e colheita do material probatório, compromete, em muito, a sua imparcialidade e não se comporta funcionalmente como autêntico órgão jurisdicional. 26 Heráclito Antônio Mossin arremata: Não deve descer à arena das investigações, como se fosse um policial na busca de pistas e vestígios. Isto seria tentar a ressurreição das devassas do procedimento inquisitivo e criar o risco de perigo de decisões parciais e apaixonadas, com prejuízo, sobretudo ao direito de defesa. 27 Data maxima venia, não assiste razão aos nobres juristas. No direito processual penal brasileiro vigorava o sistema inquisitivo, no qual o Juiz, além de julgar, poderia exercer, de ofício, a função acusatória. Analisando o referido sistema, assim manifesta-se Capez: É sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como um mero objeto de persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram frequentemente admitidas como meio de prova para se obter a prova-mãe: a confissão. 28 O CPP, datado de 1941, que estabelece as regras que determinam os procedimentos a serem efetivados em sua área de atuação, traz consigo normas de cunho inquisitivo. Tal sistema refletia o pensamento da época. Os procedimentos que regulam a instrução do inquérito policial, tais como sigilo, ausência de contraditório e ampla defesa, entre outros, possuem requisitos que caracterizam o sistema inquisitivo. Este sistema também atua quando da instrução da ação penal, ao autorizar, no art. 156, inc. I e II, o juiz a determinar a produção de provas e a realização de diligências. Portanto, não há como negar que o antigo sistema ainda sobrevive. Porém, com a promulgação da Constituição Federal de 1998, entrou em cena um novo sistema: o acusatório. Assim, o Ministério Público passou a ser responsável pela acusação, ficando o Poder Judiciário somente com a função de julgar. 26 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva. 1990. v. 3, p. 215. 27 MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de processo penal. São Paulo: Atlas. 1998. v.2, p. 224. 28 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 41. 21 José Frederico Marques define o sistema acusatório nos seguintes termos: [...] A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal tão-somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. [...] Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. [...] O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange à ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público, salvo em se tratando de contravenção. [...].29 (grifo do autor). A ação penal, que é conduzida pelo juiz, deve obedecer a princípios inseridos na CF/88, como o contraditório, ampla defesa, publicidade, devido processo legal etc, garantidores de um julgamento justo ao indivíduo acusado da prática de um crime. Conclui-se, destarte, que o verdadeiro sistema vigente no sistema processual penal brasileiro é o que alguns doutrinadores classificam como misto, conforme retrata Guilherme de Souza Nucci: O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual.[...] Logo, não há como negar que o encontro dos dois lados da moeda (Constituição e CPP) resultou no hibridismo que temos hoje. Sem dúvida que se trata de um sistema complicado, pois é resultado de um Código de forte alma inquisitiva, iluminado por uma Constituição imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório.[...] Essa junção do ideal (CF) com o real (CPP) evidencia o sistema misto.[...] 30 Com efeito, essa é a melhor maneira de definir a questão. O processo penal, desde seu princípio, com a instauração do inquérito policial, tem suas diretrizes traçadas nos supracitados diplomas legais. O CPP traz as normas orientadoras para sua devida instrução, a CF/88 os princípios que regem sua condução no sentido de se fazer respeitar os direitos do acusado, atingindo-se, em conseqüência, o que determina o Princípio do Devido Processo Legal. Nesse contexto, forçoso é reconhecer a impossibilidade de conduzir-se o processo aplicando-se apenas a Lei Maior, introdutora do sistema acusatório. Imaginar que a imparcialidade do juiz ficava afetada quando era ele o acusador tem fundamento, afinal de contas, quem denuncia quer ver o acusado condenado. Entretanto, a CF/88 resolveu esse problema. 29 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Millennium, 2000. v. 1, p. 66-67. 30 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.104-105. 22 Apesar de o juiz ser uma pessoa como outra qualquer, dotada de sentimentos e emoções (acredita-se), seu conhecimento e sua formação profissional fazem supor que ele reúna as condições necessárias para proferir um julgamento dentro do que demonstram os autos. Com a introdução do sistema acusatório no ordenamento jurídico pátrio, ganharam relevância os princípios que asseguram direitos ao indivíduo perante o Poder Judiciário. Porém, não se pode tirar do magistrado o poder que lhe confere o CPP para, em havendo necessidade, determinar a produção de provas e a realização de diligências e, assim, melhor instruir o processo, sempre objetivando chegar o mais próximo possível da verdade dos fatos. É inconcebível admitir-se a possibilidade de impedi-lo de, ao menos, tentar realizar com eficácia a sua função. Com tudo isso, não se pode afirmar que a imparcialidade do juiz fica afetada se este requerer a produção de provas. Pelo contrário, é extremamente salutar permitir-se que o julgador tenha total liberdade para bem instruir o processo. 1.5 PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL A função do Poder Judiciário, na definição de José Frederico Marques, é: [...] aplicar o Direito objetivo a uma situação concreta delimitada e traçada em pretensão regularmente deduzida. Sendo assim, jurisdição e processo se apresentam com funções destinadas, no campo penal, aplicar, de maneira justa, as normas penais. [...] O Estado, no processo, torna efetiva, através dos poderes jurisdicionais de que estão investidos os órgãos judiciários, a ordem normativa do Direito Penal, com o que assegura a aplicação de suas regras e preceitos. 31 Para o bom desenvolvimento dessa atividade, há que ser respeitado o que determina o Princípio da Legalidade, conduzindo-se o processo em rígida observância aos princípios e regras que o norteiam. Caso contrário, ou seja, se algum ato processual for praticado em ofensa a alguma norma, será ele declarado nulo, fazendo com que parte do trabalho, senão todo ele, seja perdido. 31 MARQUES, 2000, p. 62. 23 No campo do Direito Penal, o CPP, trilha o caminho que o processo deve seguir, e a CF/88 traz os princípios (implícitos e explícitos) que asseguram a igualdade de tratamento entre as partes, como o da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, da publicidade etc. Porém, há um Princípio que, ao mesmo tempo que serve para beneficiar o réu, também poderia vir a lhe causar bastante transtornos, caso fosse admitido o uso de provas obtidas por meios supostamente ilícitos. Tratase do Princípio da Busca da Verdade Real, que, conforme Afrânio Silva Jardim,32 "[...] é uma decorrência da própria natureza do bem da vida e valores que justificam a existência mesmo do processo penal: o interesse do Estado em tutelar a liberdade individual". Estabelece ele a necessidade suprema de que a verdade dos fatos seja cabalmente comprovada, posto que, acaso proferida decisão acusatória, atingir-se-á bens indisponíveis do cidadão, como o direito à liberdade e à honra. De acordo com Julio Fabbrini Mirabete: Com o princípio da verdade real se procura estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes. Com ele se excluem os limites artificiais da verdade formal, eventualmente criados por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transações etc., tão comuns no direito processual civil. Decorre desse princípio o dever do juiz de dar seguimento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de determinar, ex officio, provas necessárias à instrução do processo, a fim de que possa, tanto quanto possível, descobrir a verdade dos fatos objetos da ação penal. 33 (grifo do autor). Fernando Capez, discorrendo sobre o tema, afirma: No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade não se conformando com a verdade formal constante nos autos [...]. Esse princípio é próprio do processo penal, já que no cível o juiz deve conformar-se com a verdade trazida aos autos pelas partes, embora não seja um mero espectador inerte da produção de provas (vide art. 130 do CPC). 34 O Direito, como um todo, objetiva a pacificação social, através da correta aplicação das leis. E isso não será possível se a verdade dos fatos não ficar demonstrada nos autos. 32 JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 206. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17.ed.São Paulo: Atlas, 2005. p. 47. 34 CAPEZ, 2003, p. 26-27. 33 24 Para alcançar a justiça e estabelecer a paz social, faz-se mister que a verdade dos fatos alegados nos autos seja provada, por todos os meios disponíveis e admitidos no Direito. Sobre essa dicotomia, ensina Marco Antônio de Barros: Direito e verdade complementam-se na medida em que o primeiro estabelece as regras ou as formas legais de verificação da infração penal, entre as quais encontram-se aquelas que visam esclarecer a segunda. Assim sendo, pode-se dizer que a verdade é um elemento fundamental que o Direito persegue e visa atingir. 35 Como ressaltado anteriormente, para que haja condenação no processo penal é necessário que o juiz tenha firme convicção na participação do réu no crime cometido. Para isso, torna-se imperioso que o processo demonstre ao magistrado a verdade dos fatos. Por muitos anos a doutrina dividiu a busca da verdade em duas classes, de acordo com a necessidade que o processo exigia: formal (para o processo civil) e real (para o processo penal), conforme explica Fernando da Costa Tourinho Filho: Na verdade, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e a sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no Processo Penal o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração e em que condições a perpetrou, para dar base certa à justiça. 36 Entretanto, esse entendimento vem sofrendo alterações nos últimos anos, por dois motivos básicos: primeiro porque o processo civil, em determinadas situações, não deve contentar-se apenas e tão-somente com a verdade formal, posto que lá também existem conflitos que envolvem direitos indisponíveis, como nas ações de estado, e nesses casos o magistrado tem que buscar a verdade real dos fatos; segundo porque no processo penal nem sempre é possível apurar-se o que realmente aconteceu, principalmente quanto aos motivos do crime, que, em muitos casos, estão somente na esfera de conhecimento do agente do fato típico. Assim, torna-se impossível chegar-se à verdade real. Marinoni e Arenhart, integrantes dessa corrente, sintetizam bem esse entendimento: Em primeiro lugar, não há como subsistir a divisão em verdade real e formal, a verdade é uma só, não há meia verdade ou verdade aparente, só 35 BARROS, Marco Antonio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 23. 36 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1, p.41. 25 pode existir uma verdade e esta deve ser perseguida pelo juiz, pois só assim, poderá se aproximar de um ideal de justiça por todos perseguido. Em segundo lugar, alcançar a verdade real não passa de uma utopia, a substância da verdade é inatingível. 37 Afirma que a busca da verdade real é um mito, uma possibilidade inalcançável, mas que nem por isso a atividade jurisdicional fica prejudicada, pois, podendo-se atingir um resultado que apenas se assemelhe à verdade, deve o magistrado basear-se na verdade processual (aquela que consta dos autos) para formar seu juízo de convencimento. Nesse sentido, manifesta-se Rogério Lauria Tucci: Em suma, [...] a verdade, como tal, e superiormente concebida, não pode ser conhecida do homem, cumpre estabelecer-se a verdade possível, por inteiro, em seus mínimos e peculiares detalhes, como se a própria verdade fosse pelo juiz pesquisada e, afinal, descoberta. Essa a verdade processual, cuja perquirição, assim realizada, constitui objeto da prova, no processo penal. 38 Nesse caso, sendo a verdade relativa forte o suficiente para convencer o juiz, aceita-se como plausível e útil para condenação do réu. Não se convencendo, deverá decidir pela absolvição, como defende a doutrina majoritária. É certo que há fundamento na teoria desenvolvida por essa corrente, mas certa é, também, a necessidade de se analisar a presente controvérsia com tempero. Realmente, em muitos casos não é possível atingir-se a verdade real dos fatos. Faltam elementos que assegurem ao juiz a certeza do porque do ocorrido, como testemunhas oculares, motivos do crime, imprecisão quanto às circunstâncias em que o crime foi cometido etc. Mas há casos em que a verdade absoluta é alcançada. Testemunhas que a tudo assistiram, pessoas que têm conhecimento das motivações que levaram o autor do crime a praticá-lo, perícia que confirma (com enorme dose de precisão) as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, somados à confissão do criminoso, dão ao magistrado a certeza de que o processo atingiu sua finalidade. Há situações em que o réu pode até negar a autoria do crime, mas as provas são tão contundentes que a sua negativa não será capaz de alterar a convicção 37 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 5, t. 1, p. 37. 38 TUCCI, Rogério Lauria. Do corpo de delito no direito processual penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 93. 26 formada pelo juiz. Nesses casos, também não se pode negar que a verdade real foi atingida. Quando o processo tem seu início baseado em uma confissão obtida de maneira supostamente ilegal, como é o caso da interceptação telefônica sem autorização judicial, a doutrina e a jurisprudência afirmam que o processo é nulo. Assim, o aresto abaixo do egrégio Supremo Tribunal Federal, demonstra claramente o enfoque acima explicitado: EMENTA: Habeas Corpus. 2. Notitia criminis originária de representação formulada por Deputado Federal com base em degravação de conversa telefônica. 3. Obtenção de provas por meio ilícito. Art. 5º, LVI, da Constituição Federal. Inadmissibilidade. 4. O só fato de a única prova ou referência aos indícios apontados na representação do MPF resultarem de gravação clandestina de conversa telefônica que teria sido concretizada por terceira pessoa, sem qualquer autorização judicial, na linha da jurisprudência do STF, não é elemento invocável a servir de base à propulsão de procedimento criminal legítimo contra um cidadão, que passa a ter a situação de investigado. 5. À vista dos fatos noticiados na representação, o Ministério Público Federal poderá proceder à apuração criminal, respeitados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. 6. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da investigação penal contra o paciente, baseada em elemento de prova ilícita.39 Considerando que a necessidade de se apurar as responsabilidades e julgar os acusados pela prática do fato típico, torna-se imperiosa a mudança desse raciocínio. E a admissibilidade da prova obtida por meios supostamente ilícitos é plenamente viável, utilizando-se como fundamentos o Princípio da Busca da Verdade Real e o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Ademais, deixar impune um crime que tem sua materialidade e, principalmente, a autoria devidamente comprovadas, só reforça a tese de que aos criminosos é dado todo tipo de privilégio, e o que é pior, com o aval do Estado, aumentando ainda mais a já enorme sensação de insegurança com a qual convivem o demais integrantes da sociedade. 39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 80948/ES. Segunda Turma. Relator: Ministro Néri da Silveira. Julgado em 07/08/2001. DJ, 19 dez. 2001. p. 00004. 27 1.6 LIMITES À PRODUÇÃO PROBATÓRIA A problemática da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos no sistema processual brasileiro se divide em duas fases bem definidas: antes e depois da CF/88. Antes da sua promulgação, não havia regras que tratassem do assunto, e a discussão em relação à matéria era constante. Em muitos casos não existiam limites para a produção de provas que atestassem a materialidade e a autoria de um crime, sendo estas plenamente aceitas no processo. Com a evolução dos ideais de proteção aos direitos fundamentais do cidadão, a polêmica foi ganhando proporções maiores, e a doutrina foi desenvolvendo a idéia no sentido de que as provas obtidas de maneira moralmente ilegítimas não poderiam ser aceitas no processo, posto que, dessa forma, a dignidade do indivíduo estaria sendo brutalmente ofendida. Ada Pellegrini Grinover fez a seguinte referência acerca desse novo pensamento: [...] assim, de julgados mais antigos, que admitiam como prova até mesmo a confissão extorquida, passando por decisões que aceitavam a prova colhida por gravações telefônicas clandestinas, chegou-se à consolidação da tendência contrária, que já se havia delineado com relação às buscas domiciliares e apreensões feitas ao arrepio da lei. 40 Com a promulgação da CF, em 1988, a situação tomou contornos mais definidos, pois o constituinte incluiu, em seu Título II, Capítulo I, art. 5º, o inciso LVI, dispondo que “[...] são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Tendo sido devidamente regulamentada a matéria, com a inclusão da supracitada norma no Texto Maior, procurou-se estabelecer limites para a produção de provas no processo, mesmo que prejudicasse a busca da verdade real na apuração de um fato típico, conforme lecionam Cintra, Grinover e Dinamarco: A Constituição de 1988, pondo cobro a uma discussão ainda então aberta na doutrina e jurisprudência, declarou “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito” (art. 51, inc. LVI). Não se trata, pois, de admitir a prova obtida ilicitamente, em nome do princípio da verdade real ou de outro qualquer, para depois responsabilizar quem praticou o ilícito (civil, 40 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 50. 28 penal, administrativo) – mas simplesmente de impedir que tais provas venham ao processo ou nele permaneçam. 41 Primeiramente, deve-se considerar como provas obtidas por meios ilícitos aquelas que a doutrina classificou como ilegais, gênero cujas espécies são ilícitas (inclusive as ilícitas por derivação) e ilegítimas. Como bem observam Celso Ribeiro de Bastos e Ives Gandra Martins,42 “[...] vê-se que a expressão escolhida pelo constituinte é suficientemente ampla para colher quaisquer formas de ilegalidade”. Assim sendo, ambas devem ser repudiadas e desentranhadas dos autos, não podendo ser utilizadas para formação de convicção do juiz. O Código de Processo Penal, devidamente atualizado nesse ponto, dispõe: Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras [...].43 Corroborando com essa idéia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça decidiu em um de seus julgados: RESP - CONSTITUCIONAL - PROCESSO PENAL - PROVA ILICITA ADMITEM-SE, EM JUIZO, TODOS OS MEIOS DE PROVA, SALVO AS OBTIDAS POR MEIO ILICITO (CONST., ART. 5., LVI). AS PROVAS ILICITAS, PORQUE PROIBIDAS, NÃO PODEM SER CONSIDERADAS. CUMPRE DESENTRANHÀ-LAS DOS AUTOS.44 (grifo nosso). Serão ilegítimas as provas que infringirem as normas de ordem processual e, diferentemente das ilícitas, ocorrem sempre dentro do processo. As sanções para quem as produzir estão previstas na própria legislação. Sobre as provas ilegítimas, Fernando de Almeida Pedroso explana: Ao ato instrutório realizado com infração das disposições processuais dá-se a denominação de prova ilegítima, defluindo do próprio ordenamento processual as sanções ou conseqüências resultantes do não acatamento de determinada norma processual (verbi gratia: perícia eminentemente técnica realizada por leigos, quando possível a nomeação de técnicos habilitados; laudo de exame de corpo de delito subscrito por único perito não oficial...). 45 41 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 349. 42 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Grandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1998. v.2, p. 275. 43 Alterado pela Lei 11.690, de 09 de junho de 2008. 44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. REsp 143.520/SC. Sexta Turma. Relator: Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Julgado em 14.04.1998. DJ, 11 maio 1998. p. 165. 45 PEDROSO, 2005, p.158. 29 Consideram-se ilícitas as provas que contrariarem disposições de direito material, tanto as de cunho constitucional quanto infraconstitucional, ou seja, produzidas mediante violação a direito substantivo (penal, civil ou administrativo) que venha a ofender direito individual ou fundamental, ocorrendo sempre fora do processo. Scarance Fernandes, Gomes Filho e Ada Grinover, assim a definiram: Por prova ilícita, em sentido estrito, indicaremos, portanto, a prova colhida infringindo-se normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à intimidade. Constituem, assim, provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio (art. 5º, XI, CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, CF); as conseguidas mediante tortura ou maus tratos (art. 5º, III, CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, CF), etc. 46 Há, ainda, a possibilidade de, em determinados casos, ocorrer a incidência, em um único ato, dos dois tipos de prova ilegal, conforme afirma Ada Pellegrini Grinover: [...] determinadas provas, ilícitas porque constituídas mediante a violação de normas materiais [...], podem ao mesmo tempo ser ilegítimas, se a lei processual também impede sua produção em Juízo, como, exemplificativamente, sucede com a disposição estampada em o art. 233 do CPP. 47 Outra prova originária das provas ilícitas, geradora de discussões no que concerne a sua legalidade e eficácia no processo, é a prova derivada da ilícita. Questiona-se entre os juristas se determinada prova pode ser considerada e aceita nos autos, posto que a sua produção é realizada a partir de uma prova anteriormente obtida por meios ilícitos. O exemplo clássico é o caso da confissão extorquida mediante tortura. Em nosso direito brasileiro, o entendimento majoritário é pela não aceitação das provas ilícitas por derivação, tendo que ser repelidas do processo, sob o argumento de que os efeitos da ilicitude de uma prova se estendem as demais provas produzidas. Esse posicionamento advém do direito norte-americano, com a Teoria dos fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada). Ao comentar sobre a Teoria, informa Paulo Rangel: 46 apud SILVA, César Dário Mariano da. Provas ilícitas: princípio da proporcionalidade, interceptação e gravação telefônica, busca e apreensão, sigilo e segredo, confissão, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e Sigilo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 15. 47 apud PEDROSO, 2005, p. 159. 30 A teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree) assevera que os vícios de uma prova ilicitamente obtida estendem-se às provas obtidas de forma lícita, mas dependem diretamente da prova ilícita anterior. 48 Confirmando o entendimento acima, Grinover et al. seguem a mesma linha de raciocínio: Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e conseqüentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são assim igualmente banidas do processo. Não resta dúvida, como afirmou Ada Grinover, que a Constituição deixou em aberto a questão da admissibilidade das provas ilícitas por derivação. Mas se nos afigura primordial, como pareceu a Trocker, perquirir a ratio das normas violadas pelo comportamento contrário à Constituição. Desta forma, efetuando o mesmo raciocínio utilizado pelo autor peninsular, se a prova ilícita tomada por referência comprometer a proteção de valores fundamentais, como a vida, a integridade física, a privacidade ou a liberdade, essa ilicitude há de contaminar a prova dela referida, tornando-a ilícita por derivação,e, portanto, igualmente inadmissível no processo. 49 Sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, o Pretório excelso, acatando a teoria dos frutos da árvore envenenada do direito comparado, reafirma: A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA ("FRUITS OF THE POISONOUS TREE"): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. - A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do "due process of law" e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos "frutos da árvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do 48 49 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 256. apud SILVA, 2004, p. 29. 31 ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos. - Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. - A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA ("AN INDEPENDENT SOURCE") E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS "SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988)", v.g. 50 Frise-se que a CF/88 veda expressamente a admissão de provas ilícitas, entretanto, não faz nenhuma referência a respeito da prova ilícita por derivação. A jurisprudência pátria, firmada no posicionamento majoritário da doutrina e nos direitos fundamentais do cidadão assegurados na Carta Magna, decretou que as provas derivadas, mesmo produzidas licitamente, mas cuja prova que as originou teve origem ilícita, devem ser declaradas ilícitas e desentranhadas do processo. Para suprir esta falha, o legislador infraconstitucional, ao estabelecer uma nova redação para o art. 157 do CPP, deu uma interpretação extensiva à idéia delineada na Lei Maior, tornando inadmissíveis para o processo também as provas derivadas das ilícitas. Como dito anteriormente, para a regular instrução de uma demanda, as partes conflitantes têm o direito de provar os fatos alegados. Porém este direito, como todos os demais assegurados pela CF/88, não é absoluto. Há restrições para sua utilização. Buscou a Carta Magna, adotando-os, resguardar os direitos do cidadão. Impondo limites para a produção de provas, ao mesmo tempo em que evita que investigado e/ou testemunha sejam atingidos na sua dignidade, estabelece uma segurança jurídica para a sociedade. Nesse diapasão, o presente trabalho monográfico limitar-se-á ao estudo das provas ilícitas, sua admissibilidade em casos específicos e validade no processo. 50 A Turma, por votação unânime, deu provimento ao recuso ordinário, nos termos do voto do Relator, para restabelecer a sentença penal absolutória proferida nos autos do Processo-crime nº 1998.001.082771-6 (19ª Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro/RJ). BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 90376/RJ. Segunda Turma. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado: 03-0407, DJU, 18 maio 2007. p. 00113. 32 2 DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS O principio da tripartição dos poderes formulada por Montesquieu51 se faz predominante no Estado Brasileiro. Cada poder, seja o Executivo, o Legislativo, e o Judiciário, atua de forma harmônica e independente e de acordo com as normas de organização alencadas na Constituição Federal.52 Para o devido exercício da sua função jurisdicional, o Poder Judiciário, salvo raríssimas exceções, necessita ser provocado. E é através do processo que os conflitos serão conhecidos e julgados. Quando uma determinada demanda é estabelecida, cada pólo da relação jurídica tem o ônus de provar os fatos alegados. Porém, para que a lide seja solucionada e julgada de forma justa, os atos praticados nos autos devem estar de acordo com as normas constitucionais e infraconstitucionais. Conforme explica César Dario Mariano da Silva: O processo, como o meio pelo qual o Estado exerce a jurisdição, tem de ser pautado pela estrita legalidade. Essa Legalidade nada mais é do que a observância aos mandamentos constitucionais e legais que regem tanto o processo civil quanto o penal. É uma garantia das partes, que vêem no Estado o mecanismo para a solução de seus conflitos de interesses. Assim, há necessidade da perfeição do ato judicial para que ele possa produzir seus efeitos, sob pena dele ser declarado inválido ou ineficaz. 53 Portanto, para que o Estado-Juiz possa proferir uma decisão, há que ser observado se os atos praticados no processo são válidos e eficazes. Com relação à prova, se a sua produção não obedecer às normas vigentes, a mesma deverá ser declarada nula ou inadmissível. A diferença está no momento da apreciação de sua validade no processo, conforme lição de Gomes Filho: Mas, enquanto a nulidade é pronunciada num realização do ato, no qual se reconhece conseqüentemente, a invalidade e ineficácia, inadmissibilidade) decorre de uma apreciação impedindo que a irregularidade se consume. 54 51 julgamento posterior à sua irregularidade e, a admissibilidade (ou feita antecipadamente, Foi um filósofo-político que visou moderar o Poder do Estado (com a delegação de funções e competências a órgãos distintos que compunha o Estado). A sua Teoria de Separação de Poderes tinha como ideal o fim do Estado Absolutista. 52 Encontradas no Título IV. 53 SILVA, 2004, p. 18. 54 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997. p. 94. 33 Assim, uma prova inadmissível não pode sequer ser juntada aos autos. Caberá ao juiz analisar a sua admissibilidade quando do pedido de entranhamento da mesma. Caso a sua juntada tenha sido deferida e, posteriormente, reconhecida a nulidade da prova, esta será declarada nula de pleno direito, acarretando sua ineficácia, não podendo ser considerada pelo juiz para fundamentar sua decisão. 2.1 CORRENTES DOUTRINÁRIAS Mesmo a CF/88 vedando expressamente a admissibilidade de provas obtidas ilicitamente no processo (art. 5º, inc. LVI), a questão continua gerando bastante polêmica. Essa discussão provocou o surgimento de três correntes doutrinárias – uma a favor da admissibilidade, outra contra e uma terceira intermediária – que procuram solucionar a problemática existente. 2.1.1 Pela admissibilidade da prova ilícita Os seguidores desta corrente55 sustentam que, como o fim precípuo do processo penal é a busca da verdade real, não pode ser desconsiderada a prova que demonstre a certeza absoluta dos fatos, mesmo que violando as normas legais, devendo aqueles que a produziram responderem pela correspondente transgressão. Dessa forma, facilita-se o bom desempenho do Poder Judiciário, qual seja, a devida prestação jurisdicional, uma vez que a ação penal proposta alcançará um fim, com o devido julgamento do caso, e limita-se a ação das pessoas, posto que, extrapolando-se os limites para a produção da prova, o infrator arcará com as conseqüências do seu ato. Segundo Pedroso, 55 Cite-se, como exemplo, Fernando de Almeida Pedroso, Franco Cordeiro e Hélio Tornaghi. 34 Se a prova registra uma verdade, seu teor não pode, à evidência, ser havido como ilícito, inobstante o ato que produziu contenha ilicitude. O ilícito material e o teor da prova não se misturam, não operam confusão. 56 Sobre o posicionamento dessa corrente, manifesta-se Ovídio: A corrente que defende em qualquer caso a possibilidade do emprego de provas obtidas por meios ilegítimos, afirma que a solução contra a ilicitude praticada pela parte não deve ser a proibição de que ela faça uso da prova assim obtida, mas sua sujeição ao correspondente processo criminal para punição pela prática do ilícito cometido na obtenção da prova [...]. Assim, diz esse autor, se um marido penetra clandestinamente na residência de alguém para documentar fotograficamente, ou por qualquer outro meio mecânico ou eletromagnético, a prática de um adultério de sua mulher, deverá responder pelo crime de invasão de domicílio, porém jamais ser impedido de comprovar em juízo o adultério, através da prova por tal forma obtida; e nem teria sentido, afirma, pretender-se que o juiz, depois de induvidosamente convencido da existência do adultério, demonstrado por meio dessa prova criminosamente obtida, devesse julgá-lo não provado e improcedente a ação de separação nele fundada. 57 A idéia dessa corrente é a de que não se pode conceber que o autor de um fato típico possa ser beneficiado em um processo simplesmente porque não se conseguiu provar, por meios legais, que foi ele quem praticou o crime. Mantendo-se esse entendimento, a impunidade prevaleceria e os índices de criminalidade aumentariam, podendo-se alcançar níveis alarmantes. Nesse sentido posicionou-se o Ministro Cordeiro Guerra, do excelso Supremo Tribunal Federal: Não creio que entre os direitos humanos se encontre o direito de assegurar a impunidade dos próprios crimes, ainda que provados por outro modo nos autos, só porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento do dever e deva ser responsabilizado. Nesse caso, creio que a razão assiste à nossa jurisprudência: pune-se o responsável pelos excessos cometidos, mas não se absolve o culpado pelo crime efetivamente comprovado. 58 Seguindo esse raciocínio, poder-se-ia instaurar um verdadeiro caos social. Qualquer cidadão se veria no direito de investigar e produzir provas por conta própria, infringindo todas as normas que tratam do assunto. Muito mais crimes seriam praticados, primeiro pela própria situação aqui colocada – desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão praticados por quem não detém este poder – e, 56 PEDROSO, Fernando de Almeida. Prova penal. Rio de Janeiro: Aide, 1994. p. 169. SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1. 1997. p. 301. 58 apud LENZ, Luis Alberto Thompson Flores. Os meios moralmente legítimos de prova. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 76, n. 621, jul. 1987, p. 273. 57 35 segundo porque muitos dos que tivessem seus direitos violados fatalmente se vingariam dos (supostos) violadores. 2.1.2 Pela inadmissibilidade da prova ilícita A defesa dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente ao cidadão, como o direito à privacidade, à intimidade, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo das correspondências e, principalmente, à liberdade, entre outros, é a fundamentação para os defensores dessa corrente, como Frederico Marques, Luis Roberto Barroso, entre outros. Sustentam, baseados no que determina a CF/88, que qualquer prova produzida por meios ilícitos deve ser rejeitada. O Ministro Celso de Mello, do excelso Pretório, em voto preliminar proferido na Ação Penal nº 307-3/DF, ressaltou: A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mas do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.59 Segundo seus seguidores, ao estabelecer limites para a produção de provas, a CF/88 limitou também os poderes do juiz para a concretização da busca da verdade real, mesmo que isso venha a causar prejuízos à apuração da verdade, pois “É preferível [...] fique um crime impune do que se outorgar eficácia à prova que o desvendou, quando coligida com violação dos direitos fundamentais do acusado”.60 Antes mesmo da promulgação da nossa Carta Magna já era grande a defesa pela inadmissibilidade das provas ilícitas com fundamento na busca da verdade real, conforme se verifica no posicionamento abaixo transcrito: 59 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP-QO 307-3/DF. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Julgado: 20-10-1994, DJ, 21 out. 1994. p. 28406. 60 PEDROSO, 1994, p. 166. 36 É inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas, no processo, preconizando pura e simplesmente a punição daquele que cometeu o ilícito (male captum bene retentum): significa ela, ao mesmo tempo, incentivar a prática de atos ilícitos por agentes públicos ou por particulares e compactuar com violações imperdoáveis aos direitos da personalidade. No Estado de direito, a repressão do crime não pode realizar-se pela prática de ilícitos, que são freqüentemente ilícitos penais.61 Afirmam ainda que, permitindo-se os abusos quando da produção de provas, os resultados para a sociedade seriam maléficos, de acordo com os dizeres de Gomes Filho: [...] A prova judiciária, ponderou Foriers, permite estabelecer uma coexistência entre o interesse da sociedade e o interesse da verdade, sem tal adequação, a atividade processual correria o risco de transformar-se em fator de desagregação social, ao invés de cumprir sua finalidade de pacificação de conflitos. 62 Sem embargo de entendimento contrário, esse posicionamento é deveras prejudicial à sociedade em geral. Não se pode admitir que uma pessoa possa sair incólume num processo quando há provas que demonstrem cabalmente ter sido ele o autor do fato típico, mesmo que a prova tenha sido obtida por meios supostamente ilegais. Defender incondicionalmente os direitos fundamentais de apenas um indivíduo, em detrimento dos interesses de toda uma coletividade, acarreta um custo muito alto para toda a sociedade. É indubitável que, se o criminoso não paga pela infração que cometeu, ele não será desestimulado a praticar novos crimes, e pior, todos poderão supor que é fácil livrar-se solto de qualquer crime que venha a cometer, pois são vários os casos que foram encerrados sem punição aos agentes do fato típico por falta de provas. 2.1.3 Intermediária Os adeptos desta corrente, como Renato Maciel, Daniel Sarmento e Adalberto José Q.T. de Camargo Aranha, argumentam que o rigor da inadmissibilidade das provas ilícitas deve, em certas situações, ser atenuado. E, 61 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 150. 62 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 98-99. 37 para que isso ocorra, os mencionados autores fundamentam suas teses com base na utilização do Princípio da Proporcionalidade, cujo objetivo-fim é estabelecer, no embate de direitos e interesses conflitantes, qual prevalecerá a nível de importância. A respeito da corrente intermediária e da aplicabilidade do Princípio da Proporcionalidade na admissão das provas obtidas ilicitamente, Camargo Aranha manifesta: Por ela, de maneira excepcional e em casos de extrema gravidade, pode-se usar a prova ilícita, tomando-se por base e sopesando-se os valores em contradição e em debate. Tal teoria afirma que a admissão da prova obtida mediante um meio ilícito é um princípio meramente relativo, que pode ser violado desde que esteja em jogo e em posição contrária um outro princípio ao qual se atribuiu igual ou maior valor. 63 Pelo Princípio da Proporcionalidade, denominado por alguns doutrinadores de Teoria, busca-se a ponderação dos valores em que, o interesse de um valor com a obtenção da produção probatória produzida ilicitamente, sobrepõe-se e supera outro valor protegido pela vedação da norma positivada. Ricardo Raboneze acrescenta: Não obstante, nos ordenamentos em que a prova ilícita é expressamente vedada, outro caminho vem sendo apontado pela aplicação do que se denominou “teoria da proporcionalidade” (também denominada de teoria do balanceamento ou da preponderância de interesses), desenvolvida na antiga Alemanha Federal, pela qual os interesses e valores em questão são sopesados, admitindo-se, em certos casos, a prova obtida por meios ilícitos. Esta teoria traz a idéia de “razoabilidade”, surgida da edificação jurisprudencial da Suprema Corte americana. 64 Para melhor visualização e aplicação do citado princípio, um exemplo de fácil entendimento. Um determinado crime envolvendo um prefeito municipal no desvio de dinheiro público, destinado à saúde, no qual o único meio para incriminar-lo é através da utilização em juízo da fita gravada por um cidadão comum, em que o seu conteúdo mostra claramente a conversa telefônica do autor maquinando a transferência do dinheiro para a respectiva conta particular. A prova que caracteriza o fato típico é ilícita, pois a gravação foi feita sem autorização judicial. O art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal diz que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. No caso em tela, houve a violação da norma supracitada. A comprovação da autoria e 63 64 ARANHA, 2006, p. 65. RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meios ilícitos. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2002. p.25. 38 materialidade do crime foi obtida por meio ilegal, não podendo, assim, servir de base para condenar o infrator da norma penal. Entretanto, o Decreto Lei nº 201/1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, estabelece: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; [...]. § 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos. No exemplo acima, vê-se que alguns direitos estão em conflito: de cunho individual, como à privacidade e à intimidade, e de caráter administrativo, como o da primazia do interesse público sobre o privado. Hodiernamente, a jurisprudência tem firmado entendimento que, salvo raríssimas exceções, os direitos do cidadão devem ser considerados com maior relevância. Isso impediria a utilização da prova obtida para possível condenação do agente do fato típico. Assim, o Prefeito poderia ser punido nas esferas cível e administrativa, mas não na penal. Considerando a ordem constitucional insculpida no já citado art. 5º, inc. XII, e o princípio que rege o processo penal – o da busca da verdade real –, indaga-se: neste caso, qual o bem tutelado mais relevante para o direito penal: o individual ou o da coletividade? Para aumentar ainda mais a polêmica, deve-se lembrar a norma inscrita no art. 196 da CF/88, onde está disposto que “a saúde é direito de todos...”. É justo aceitar-se a idéia de que esse Prefeito não pode ser punido penalmente porque a prova obtida é considerada ilícita? Igualmente, também é justo sobrepor o interesse do cidadão em detrimento de toda a sociedade atingida pelo crime? Ademais, se há duas normas constitucionais envolvidas, e há que se reconhecer que ambas tem o mesmo valor legal, porque a que protege o cidadão merece valoração maior do que aquela que garante um direito público? Buscando estabelecer um pensamento diferente, e oferecer outras alternativas para se responder a questões como essas, é que a corrente intermediária pugna pela utilização do Princípio da Proporcionalidade quando da valoração de direitos conflitantes no processo penal. 39 2.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 2.2.1 Contexto Histórico A idéia de proporcionalidade remonta à Grécia Antiga. Propagada por Aristóteles, era desenvolvida no campo da filosofia e “[...] fazia largas referências ao meio termo e à justa medida, que, naquela época, correspondiam ao princípio da proporcionalidade e era idéia ligada a justiça material”.65 Na esfera da moralidade, o aspecto da proporção era de que o bom e o justo advinham do bom comportamento do indivíduo. Nesse contexto, discorre Avolio: Na Antiguidade clássica encontra-se a matriz do pensamento encerrado no princípio da proporcionalidade. [...] Também no campo da moral, tinham os antigos gregos a idéia retora de seu comportamento baseada na proporcionalidade, de equilíbrio harmônico, expressa pelas noções de metron – o patrão do justo, belo e bom – e de hybris – a extravagância dessa medida, fonte de sofrimento. A ética aristotélica formalizou essas noções através do conceito de “justiça distributiva”, que impõe a divisão de encargos e recompensas como decorrência da posição ocupada pelo sujeito na comunidade (seu status) bem como por serviços (ou desserviços) que tenha prestado. O estoicismo propiciou a introdução desse ideário na mentalidade jurídica romana, onde aparece formulado no célere “ius suum cuique tribuire”, de Ulpiano. 66 (grifo do autor). Os romanos foram os primeiros a utilizarem-se da proporcionalidade no âmbito jurídico. Primeiro com o axioma summum jus summa injuria (justiça demais é injustiça), que pregava o uso do bom senso para coibir o abuso de direito por parte do Estado contra seus cidadãos. Depois com a aplicação concreta da proporcionalidade na famosa “Lei das XII Tábuas”, cerne da Constituição da República Romana, ao estabelecer a pena do talião67 àquele que era considerado culpado 65 pelo mal causado a terceiros.68 Ressalte-se que a idéia de ARAUJO, Francisco Fernandes de. Princípio da proporcionalidade: significado e aplicação prática. Campinas: Copola, 2002. p. 33. 66 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3. ed. rev., amp. e atual. em face das leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 56. 67 Conforme definido no Dicionário Aurélio, pena antiga pela qual se vingava o delito, infringindo ao delinqüente o mesmo dano ou mal que ele praticara. 68 Cite-se, como exemplo, o contido na Tábua VII (Dos delitos), item X: Aquele que causa incêndio num edifício, ou num moinho de trigo próximo de uma casa, se o faz conscientemente, seja 40 proporcionalidade foi aplicada dentro dos moldes que os romanos julgavam correto para a imposição da pena para aquela época. Contudo, com a Carta Magna Inglesa, outorgada por João Sem Terra no século XIII, é que o ideal do referido princípio avançou e tomou os moldes que atualmente lhe são atribuídos. Neste contexto, Guerra Filho aponta: Um marco histórico para o surgimento desse tipo de formação política costuma-se apontar na Magna Carta Inglesa, de 1215, na qual aparece com toda a clareza manifestada a idéia referida, quando estabelece que o homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito. 69 Mas, de acordo com a doutrina majoritária, o surgimento do princípio da proporcionalidade se deu na Idade Moderna, juntamente com o desenvolvimento do conceito de Estado de Direito, que impõe às autoridades políticas a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais do indivíduo através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Segundo Suzana de Toledo Barros, [...] o germe do princípio da proporcionalidade, pois, foi a idéia de dar garantia à liberdade individual em face dos interesses da administração. É essa consciência que existiam direitos oponíveis ao próprio estado e que este, por sua vez, deveria propiciar fossem tais direitos respeitados decorreu das teorias jusnaturalistas formuladas na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII. 70 Jarbas Luiz dos Santos comenta que a Inglaterra é considerada a pioneira em resguardar os direitos dos indivíduos de sua nação, enfatizando que a proporcionalidade [...] revela-se fruto dos avanços políticos da Inglaterra em comparação com as demais nações, o que se ilustra facilmente pelo fato de sua revolução burguesa, a Revolução Gloriosa de 1688, ocorrer com um século de precedência à maior das revoluções desta espécie, a Francesa de 1789. 71 O século XVIII é marcado pela ascensão dos direitos fundamentais, culminando com a elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, amarrado, flagelado e morto pelo fogo; se o faz por negligência, será condenado a reparar o dano; se for muito pobre, fará a indenização parceladamente. 69 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição. São Paulo: Celso Bastos, 2000. p.75. 70 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 35. 71 SANTOS, Jarbas Luiz dos. Princípio da proporcionalidade: concepção grega de justiça como fundamento filosófico. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 19-20. 41 em 1789, na França, um marco na história do direito, pois foi o primeiro documento a proclamar as liberdades e os direitos fundamentais do homem.72 Para dimensionar a importância deste documento, basta dizer que o mesmo serviu de base para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, formulado pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, em Paris, no ano de 1948. Tal Declaração traz em seu conjunto de artigos a intenção de provocar, em seus Estados membros, esforços na promoção de medidas que promovam, em cada indivíduo e cada órgão da sociedade, o respeito aos direitos e liberdades do cidadão.73 Porém, foi na Alemanha, com a promulgação da Lei Fundamental de Bonn, em 1949, após o fim da Segunda Guerra Mundial, que se desenvolveu o conceito atual do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional. Os tribunais passaram a proferir sentenças limitando o poder do legislador na formulação de leis que restringiam direitos fundamentais. Com isso, o respeito a esses direitos foram colocados como núcleo central de toda a ordem jurídica.74 Canotilho afirma que, após a Segunda Guerra, o princípio da proporcionalidade expande-se para atender às necessidades de cidadãos e juristas ciosos da elaboração de um direito materialmente justo. 75 Reafirmando os ideais propostos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos firmou, em 1969, o Pacto de San Jose da Costa Rica,76 com o “propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem”.77 Entretanto, somente com a mudança do regime de governo – do autoritarista para o democrático –, aliada à crescente evolução da aplicação deste princípio em vários países do mundo, é que o Estado brasileiro passou a adotar, mesmo que 72 DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_dos_Direitos_ do_Homem_ e_ do_ Cidad%C3%A3o>. Acesso em: 31 ago. 2008. 73 DECLARAÇÃO dos direitos do homem e do cidadão. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_dos_Direitos_ do_Homem_ e_ do_ Cidad%C3%A3o>. Acesso em: 31 ago. 2008. 74 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 370. 75 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 263. 76 Introduzido no Brasil pelo Decreto Federal nº 678/92. 77 CONVENÇÃO americana sobre os direitos humanos. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeasjose.htm>. Acesso em: 31 ago. 2008. 42 implicitamente,78 o princípio da proporcionalidade em sua ordem jurídica, ao elevar, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais do cidadão à condição de núcleo central do mandamento maior, assim como estabelecido na Lei Fundamental de Bonn. 2.2.2 Conceito O desenvolvimento do conceito de proporcionalidade se deu em virtude da necessidade de se solucionar o problema da colisão de princípios fundamentais. Prega este princípio que os valores envolvidos devem ser sopesados a fim de que se chegue a uma decisão razoável para o caso concreto, aplicando a pena (acaso cabível) na medida certa, evitando excessos, tanto na rigidez quanto na brandura. Nesse sentido, Juarez Freitas afirma que “o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos”.79 Fazendo referência ao termo, opina Suzana Barros: A expressão proporcionalidade tem um sentido literal limitado, pois a representação mental que lhe corresponde é a de equilíbrio: há nela, a idéia implícita de relação harmônica entre duas grandezas. Mas a proporcionalidade em sentido amplo é mais do que isso, pois envolve também considerações sobre a adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito. A sua utilização esbarra no inconveniente de ter-se distinguir a proporcionalidade em sentido estrito da proporcionalidade tomada em sentido lato e que designa o princípio constitucional.80 Na lição de Humberto Bergman Ávila, [...]pode-se definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais 78 É o caso do art. 5º, inc. XLVI, da CF/88, que estabelece a individualização da pena, garantindo aos acusados que as penas aplicadas serão proporcionais aos crimes cometidos. 79 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativo e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 56. 80 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2 ed. Brasília: Brasília jurídica, 2000. p. 73. 43 e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados. 81 A norma penal traz, em seu bojo, aquilo que o cidadão não deve fazer (normas proibitivas), e caso ela seja transgredida, a variação mínima e máxima da pena, cabendo ao magistrado verificar o quantum a ser aplicado para a devida reprimenda. Com a evolução dos ideais de liberdade do cidadão, buscou-se uma forma de evitar-se uma rigidez excessiva no tratamento dado ao acusado de um crime. E a solução encontrada foi a de fazer prevalecer os direitos fundamentais do cidadão em face do direito de punir do Estado. Para se permitir a conciliação dos direitos envolvidos, desenvolveu-se o instrumento que hoje denominamos Princípio da Proporcionalidade. Seu grande propósito, no campo penal, é estabelecer parâmetros a serem seguidos pelo juiz quando do julgamento do processo. A ele não cabe analisar o caso concreto sob a sua ótica, deixando-se levar por um possível sentimento de repulsa pelos envolvidos na lide. Se, por um lado, os fatos narrados no processo indicam que a ação do acusado é digna de (alta) reprovação, por outro deve-se levar em consideração que ele ainda é um ser humano e, como tal, tem direitos e garantias que merecem respeito e proteção. Parecendo paradoxal, essa teoria, em tese, coloca o juiz numa posição superior a do legislador, porquanto o princípio da proporcionalidade lhe dá o condão de dizer se a norma elaborada e inserida no mundo jurídico extravasa ou não os limites permitidos na CF. Para Paulo Bonavides, “A regra de proporcionalidade produz uma controvertida ascendência do juiz (executor da justiça material) sobre o legislador, sem chegar todavia a corroer ou abalar o princípio da separação de poderes”. 82 Considerando as diferenças existentes quanto aos requisitos necessários para a formação de um magistrado e de um legislador (atualmente exige-se apenas que um candidato a cargo político – senador, deputado federal e estadual e vereador – saiba ler e escrever), é de bom alvitre que haja essa ascendência, mesmo que controvertida – conforme afirma o ilustre jurista supracitado. Quantas não foram as 81 ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, n. 215, jan./mar. 1999. p. 175. 82 BONAVIDES, 2001, p. 363. 44 leis (federais, estaduais, distritais e municipais) consideradas inconstitucionais pelos tribunais pátrios! Ademais, o julgador apenas exerce uma função a ele constitucionalmente atribuída,83 qual seja, a de controle (difuso e concentrado) da Constituição. 2.2.3 Elementos constitutivos Com o advento dos avanços doutrinários no tocante ao tema, o Principio da Proporcionalidade findou-se por ser dividido em três subprincípios essenciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. • Subprincípio da adequação Por este elemento, também chamado de subprincípio da idoneidade, indagase se o meio escolhido é considerado adequado para a obtenção do resultado almejado, ou seja, se a medida adotada pelo Estado está de acordo com o objetivofim pretendido pelo legislador. “Cuida da relação de causalidade entre a medida adotada pelo Estado e o fim que visa alcançar.”84 Aplicando o princípio da adequação na esfera prática, Robert Alexy, exemplifica de forma compreensiva: [...] se a medida estatal M1 não se mostra apta a produzir o fim F, que é exigido pelo princípio P1, que fundou a atuação do Estado, o simples fato do M1 atingir negativamente, em qualquer medida, a realização do princípio P2, estará devidamente justificada a fulminação da medida adotada. 85 Comentando o exemplo exposto, conclui Nicolas Gonzales-Cuellar Serrano: Claro está, neste exemplo, o seu caráter empírico [...] e negativo. Na sua aplicação, pouco se diz quanto ao conteúdo do direito ou do interesse que é atingido pela atuação estatal. Constatado que toca a medida na realização de outro direito, o aplicador apenas procede uma medição entre a ação estatal em si e aquela finalidade explicitada pelo Estado. Se não há entre o 83 STUMM, Raquel Denize. Princípio da constitucionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 83. 84 SANTOS, Gustavo Ferreira. O Princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 110. 85 apud SANTOS, 2004, p. 111. 45 meio e o fim uma relação de causa e efeito, demonstrada estará a inadequação do agir estatal. 86 Visa esse elemento que o Poder Público adote medidas que, além de produzirem o resultado esperado, evitem trazer limitações inúteis ou desnecessárias aos direitos do cidadão. Este subprincípio se faz presente no Direito Penal nas medidas punitivas adotadas no Código Penal e nas demais leis penais extravagantes. É o que se infere, v.g., do estabelecido no art. 29 do CP, ao dispor “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Busca a norma penal imputar a pena de acordo com a importância da participação do autor do fato no crime praticado. Ou seja, sendo esta relevante, maior deverá ser a punição; ao revés, quanto menor sua participação, menor deverá ser a reprimenda. • Subprincípio da Necessidade Pelo subprincípio da necessidade, o fim a ser almejado deve ser atingido de forma que se estabeleça o menor sacrifício possível a um determinado direito fundamental. Ulrich Zimmerli e Xavier Philippe elucida: “A medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação de um fim legítimo que se almeja [...] de dois males, faz-se mister escolher o menor”. 87 Denominado de principio da intervenção mínima, da exigibilidade ou da indispensabilidade, o principio da necessidade visa a adoção da medida menos gravosa para solucionar uma específica questão. Assim exemplifica Gustavo Ferreira Santos:88 Em razão desse princípio, que compõe o principio da proporcionalidade, o legislador não pode tomar uma medida restritiva de direito fundamental se existem outras medidas menos gravosas, que podem ser adotadas, ou seja, havendo meio igualmente eficaz, porém menos gravoso, não se justifica a adoção da medida restritiva. Passando para uma visão prática, Robert Alexy bem ilustra o principio da necessidade: [...] o princípio da necessidade assim se caracteriza: se o Estado fundamenta, no princípio P1, a busca do fim F e existem duas medidas, M1 86 apud SANTOS, 2004, p. 111. apud BONAVIDES, 2001, p. 360-361. 88 SANTOS, 2004, p. 112. 87 46 e M2, igualmente adequadas a promover o fim desejado, então será indiferente a P1 a eleição do meio, não sendo, porém, indiferente a P2, que é o princípio atingido pela atuação do Estado. A necessidade de otimização de P2 leva ao reconhecimento da inconstitucionalidade da medida que atinge esse princípio. 89 Portanto, o subprincípio da necessidade tem por objetivo evitar excessos e arbitrariedades do Poder Público, obrigando-o a empregar o meio menos “gravoso” na consecução dos fins pretendidos. O Direito Penal utiliza-se deste subprincípio quando estabelece penas mínimas e máximas para punição do criminoso. Como exemplo, pode-se citar as penas previstas no art. 121 do CP (matar alguém). Para aquele que é denunciado no caput, a pena vai de 6 a 20 anos. Se a denúncia for fundada no § 1º, que traz os casos de diminuição de pena (relevante valor social ou moral, ou domínio de violenta emoção), o juiz pode (leia-se deve) reduzir a pena do caput de um sexto a um terço. Ocorrendo alguma qualificadora (§ 2º), a pena deve variar de 12 a 30 anos. Quando não há intenção de cometer o crime (homicídio culposo, § 3º), a pena é de 1 a 3 anos. Finalmente, o § 4º relaciona os casos em que a pena deve ser aumentada, tanto para o homicídio culposo quanto para o doloso. O citado artigo estipula também, de acordo com a gravidade do crime, os regimes de cumprimento da pena. Nos §§ 1º e 3º, a pena é de reclusão (deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto); no § 2º, de detenção (regime semi-aberto ou aberto). Percebe-se, portanto, que a norma penal estipula valores mínimos e máximos, bem como o regime de cumprimento da pena, para que o juiz possa estabelecê-la de acordo com a culpabilidade do condenado. Ademais, o entendimento jurisprudencial atual é no sentido de que a pena imputada deve ser a menos gravosa possível para o réu. • Subprincípio da Proporcionalidade em Sentido Estrito É preconizada pelo subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito a ponderação entre direitos, bens ou interesses fundamentais, cuja valoração é 89 apud SANTOS, 2004, p. 112-113. 47 estabelecida mediante a colisão. Ao se garantir um direito restringe-se outro, prevalecendo o de maior valor.90 Comentando sobre o terceiro elemento do princípio da proporcionalidade, Bruno Marini assevera: Este terceiro elemento está diretamente relacionado aos conflitos de direitos fundamentais. Há casos em que o julgador ficará perplexo diante do choque (ou aparente choque) de direitos de igual carga axiológica no ordenamento jurídico. [...] Desta forma, o julgador precisa ter a sensibilidade para no caso em concreto medir as conseqüências da limitação (ou mitigação) de um (ou alguns) dos direitos fundamentais em conflitos. 91 Corroborando com o entendimento supra, Robert Alexy explana: [...] que o princípio da proporcionalidade em sentido estrito é um mandamento de ponderação. Se tanto a medida M1 como a M2 impedem a realização do princípio P2, mesmo que um o faça em menor medida, devese proceder a uma ponderação entre aquele princípio que fundava a busca do fim F pelo Estado, ou seja, P1, com o princípio afetado, P2. 92 O referido subprincípio também se faz presente no Direito Penal. O Código Penal pune o crime de aborto (arts. 124 a 127). Porém, em seu art. 128, constam os casos de aborto legal, aqueles em que o fato, praticado por médico, não será punido. No inc. I (se não há outro meio de salvar a vida da gestante), um mesmo bem – o direito à vida – está em jogo, mas para dois seres diferentes. Estando devidamente comprovado que a gravidez, sendo levada adiante, colocará a vida da gestante em grave risco, a ela é dado o direito de escolher se assume o risco ou não. Ela não é obrigada a optar pelo aborto, mas tem todo o direito de o requerer junto ao Poder Judiciário. Seria desumano obrigar a mulher a levar adiante uma situação que, fatalmente, a levaria a um sofrimento sem medidas, posto que a possibilidade de um final trágico (para ela /ou para o feto) é, em muitos casos, certa. Da mesma forma, o raciocínio vale para o inc. II (aborto no caso de gravidez resultante de estupro). O crime de estupro é praticado sob violência ou grave ameaça, o que pode gerar graves conseqüências, tanto de ordem psíquica quanto emocional, para a mulher. Se dessa violência resulta uma gravidez, é facilmente presumível que a mulher poderá vir a sentir repulsa por aquela criança, desde a gestação. A convivência entre eles, nesse caso, poderia atingir níveis dramáticos. 90 SANTOS, 2004, p. 113. MARINI, Bruno. O princípio da proporcionalidade como instrumento de proteção do cidadão e da sociedade frente ao autoritarismo. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1376, 8 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9708>. Acesso em: 3 set. 2008. 92 apud SANTOS, op. cit., p. 114. 91 48 Abandono, agressões físicas e morais, morte, são algumas das possibilidades bastante viáveis a ser imaginar nessa situação. Em sendo assim, à mulher que desejar poderá requerer junto ao Poder Judiciário a autorização para a realização do aborto. Sopesando-se os valores, o direito à saúde da mulher é posto em prevalência sobre o direito à vida do feto. Ilustrando a importância desses subprincípios para o Direito Penal, raciocinase a seguinte situação fática: Suponha-se que, em uma determinada localidade, constata-se um aumento alarmante no índice de criminalidade ocorrido no período noturno. Para reverter tal quadro, o chefe de governo local resolve editar uma norma estabelecendo o recolhimento noturno dos cidadãos nos seus respectivos domicílios – o famigerado “toque de recolher” – a partir das 22h00minh, sob pena de multa grave. Ao estabelecer o toque de recolher, pretendeu a autoridade pública resguardar o direito à segurança. Porém, acabou por afetar o direito constitucional de ir e vir do cidadão, mesmo que por um período do dia. Dois direitos estão em colisão. Para garantir um, outro foi sacrificado. No entanto, esta não é a melhor maneira de se resolver o problema. A medida não é adequada, pois não há relação de causalidade entre o meio adotado e o fim almejado (subprincípio da adequação). O subprincípio da necessidade também foi afetado, posto que a medida causa grande sacrifício a um direito fundamental (o de ir e vir) em nome da garantia da segurança pública, sendo que esse tipo de problema deve ser resolvido melhorando o sistema de segurança oferecido à população. Finalmente, foi violado o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito: não foram sopesados os rigorosos efeitos da medida em face da restrição imposta aos cidadãos. Como se vê, as medidas emanadas do Poder Público precisam, necessariamente, ser adequadas, necessárias e trazer mais benefícios que prejuízos à coletividade. Faltando um destes elementos, o ato não pode ser considerado válido. No Direito Penal esse raciocínio tem de prevalecer: a coletividade deve ser sempre privilegiada. Mas não é o que acontece. Quando da análise do caso concreto, esses subprincípios são analisados de modo que o resultado do processo favoreça o réu, mesmo quando há condenação. 49 Como são elementos que formam a base para a aplicação de um Princípio maior (o da Proporcionalidade), e sendo este fundamento para aplicação das normas, ao determinar que a lei deve respeitar os direitos da pessoa, considerada individualmente, acima de qualquer coisa, àquele que comete um crime se dá um tratamento desigual perante a sua coletividade, que foi por ele agredida. 2.2.4 Aplicação do Princípio da Proporcionalidade No Estado de Direito, como o brasileiro, os direitos, deveres e obrigações são regulados por normas que, necessariamente, precisam seguir seus trâmites legais para que tenha vigência no ordenamento jurídico. O Princípio da Legalidade é o sistema que regula a elaboração das normas que regem todo o funcionamento de um Estado. É ele que protege o cidadão contra medidas arbitrárias e desproporcionais dos governantes, assegurando-lhe segurança jurídica nas relações com o Estado. Um dos sustentáculos que garantem essa proteção é o Princípio da Proporcionalidade. Como acima exposto, este princípio obriga o agente político, quando da elaboração da norma, a ponderar os valores atingidos para que o meio adequado seja suficiente e necessário para se alcançar o fim almejado. Um Estado Democrático de Direito é composto por 3 poderes: o Executivo, que administra o Estado, o Legislativo, que elabora as leis, e o Judiciário, que julga as lides processuais. Aristóteles foi quem primeiro idealizou essa separação: Em todo governo, existem três poderes essenciais, cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da maneira mais conveniente. Quando estas três partes estão bem acomodadas, necessariamente o governo vai bem, e é das diferenças entre estas partes que provêm as suas. O primeiro destes três poderes é o que delibera sobre os negócios do Estado. O segundo compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e a maneira de satisfazê-las. O terceiro abrange os cargos de jurisdição. 93 Montesquieu, seguindo na mesma linha, acrescentou o Poder Judiciário e ressaltou a importância do controle que um Poder deveria exercer sobre outro: 93 ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fortes, 1991. p. 113. 50 A liberdade política somente existe nos governos moderados. Mas nem sempre ela existe nos governos moderados. Só existe quando não se abusa do poder, mas é uma experiência eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar: e vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não se abuse do poder é necessário que pela disposição das coisas o poder limite o poder. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados, o Poder legislativo está unido ao Poder Executivo, não há liberdade pois é de esperar que o mesmo monarca ou assembléia faça leis tirânicas e as execute tiranicamente. Não há também liberdade, se o poder de julgar não está separado do Poder legislativo e do Executivo. Se aquele que estiver unido ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos será arbitrário, pois o juiz será também o legislador. Se o poder de julgar estiver unido ao Poder executivo, o juiz terá a força de um opressor (O Espírito das Leis, livro XI, capítulo VI ). 94 Deixar todo o poder de decisão sobre o que é certo ou errado nas mãos de apenas um desses Poderes seria deveras perigoso, uma vez que aquele que detivesse tal força poderia impor sua vontade, mesmo que fosse maléfico para a sociedade. No Estado Brasileiro, os Poderes são independentes e harmônicos entre si. Essa independência faz com que um Poder, ao mesmo tempo que age como limitador, tenha sua atuação limitada pelo outro. É o que se chama de “sistema de freios e contrapesos”. Se um praticar algum ato desrespeitando princípios estabelecidos na CF, outro poderá intervir para resguardar direitos fundamentais do cidadão. O Princípio da Proporcionalidade serve para se estabelecer a justa medida nos atos públicos, preservando os direitos fundamentais e protegendo os cidadãos de restrições desnecessárias e inócuas. Nas palavras de Guerra Filho, [...] a idéia de proporcionalidade revela-se não só um importante – o mais importante, como já propusemos aqui e em seguida reafirmamos – princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topo argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só de Direito em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo. 95 94 MONTESQUIEU apud SILVA, Alexandre Rezende da. Princípio da legalidade . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3816>. Acesso em: 05 out. 2008. 95 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processos constitucionais e direitos fundamentais. São Paulo: Celso Bastos, 1999. p. 72. 51 O cidadão, para viver em sociedade, deve abrir mão de parte de seus direitos, delegando ao Estado poderes para editar normas que regulem direitos e obrigações. E essa intervenção pode acarretar confronto entre direitos fundamentais. Quando isso acontece, a doutrina defende que deve-se adequar a solução pretendida com o possível prejuízo causado ao indivíduo. Analisando a aplicação do referido Princípio, manifesta-se Paulo Bonavides: Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca desde aí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As Cortes constitucionais européias, nomeadamente o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, já fizeram uso freqüente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos. 96 No campo do Direito Penal a questão assume proporções mais relevantes, posto que aqui se coloca em jogo a honra, a dignidade e a liberdade da pessoa. Aqui, a interpretação a ser dada à lei há de ser aquela que não provoque nenhum excesso nas decisões do julgador (seja ela mais ou menos gravosa para o infrator), e a valoração dos princípios que se encontram em colisão tem de ser o mais justo possível. Porém, é importante que se leve em consideração quem deve ser melhor protegido naquele caso concreto: o indivíduo, que quebrou o pacto social e cometeu o crime, ou a sociedade por ele atingida. 96 BONAVIDES, 2001, p. 387. 52 3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO 3.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Os princípios fundamentais que norteiam o Estado Brasileiro encontram-se delineados no Título I da Constituição Federal, onde, em seu art. 1°, inciso III, diz que “A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...] a dignidade da pessoa humana”. Por outro lado, os direitos e as garantias fundamentais do cidadão encontramse especificados no Título II, do mesmo diploma legal. Os relacionados à dignidade da pessoa humana estão previstos no art. 5º, caput, e inc. X, que rezam: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Não obstante o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os diretos fundamentais do cidadão estarem discriminados no texto normativo da CF/88, ambos estão intimamente relacionados entre si. Para que este Princípio possa ter sua aplicação concretizada, os mecanismos direcionados, no que tange à proteção dos direitos fundamentais, precisam ser observados. Daí se extrai a idéia de que o mesmo está na base de todos os direitos constitucionais consagrados.97 Ressaltando sua importância, Paulo Otero argumenta que o referido Princípio, [...] dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito. 98 Acrescentando o entendimento exposto, Flávia Piovesan esclarece: 97 SANTOS. Fátima P. dos. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento para a ressocialização do detento. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/33090>. Acesso em: 8 set. 2008. 98 OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública. O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Lisboa: Almedina, 2003. p. 254. 53 Adotando-se a concepção de Ronald Dworkin, acredita-se que o ordenamento jurídico é um sistema no qual, ao lado das normas legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos. Estes princípios constituem o suporte axiológico que confere coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico. O sistema jurídico define-se, pois, como uma ordem axiológica ou teleológica de princípios jurídicos que apresentam verdadeira função ordenadora, na medida em que salvaguardam valores fundamentais. A interpretação das normas constitucionais advém, desse modo, de critério valorativo extraído do próprio sistema constitucional. À luz dessa concepção, infere-se que o valor da dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais, vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. 99 Portanto, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como os direitos e garantias fundamentais, servem de escudo para salvaguardar os cidadãos contra os excessos dos governantes, assim como das atrocidades cometidas por seus pares. É perante tais considerações que este capítulo irá se desenvolver e delinear as principais prerrogativas deste Princípio, correlacionado aos direitos fundamentais da intimidade e privacidade. 3.1.1 Breve escorço histórico O valor ideológico do princípio da dignidade da pessoa humana remonta às reflexões desenvolvidas nos campos religioso e filosófico para, posteriormente, agregar-se ao mundo jurídico. Ao longo da história evolutiva da humanidade, o pensamento reflexivo em torno do homem foi se tornando algo primordial. A idéia de que o ser humano é dotado de um valor intrínseco vem da premissa cuja concepção advém de que todo ser humano se distingue dos demais e possui um valor próprio.100 Inicialmente, na Antiguidade Clássica, a dignidade da pessoa humana não era vista como um atributo inerente ao ser humano. Sua concepção pautava-se nas 99 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 56-57. 100 SARLET, Igno Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 30. 54 características externas do indivíduo. Aquele que possuísse maior status seria considerado digno. Nesse sentido esclarece Igno Wolfgang Sarlet: No pensamento filosófico e político da Antiguidade Clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma qualificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. 101 Entretanto, foi na Filosofia Sofística102 que o pensamento mais humanista passou a predominar. O que se pregava era a concepção de que o homem é um ser digno e dotado de valor. Passando o estudo da concepção da dignidade da pessoa humana para o campo axiológico, concernente ao valor moral (religioso), diversas são as culturas em diversificados povos que o aspecto valorativo do ser humano se fazia presente.103 No Renascimento, movimento que serviu de transição para a Idade Moderna, houve o desdobramento da concepção humanista do ser humano, que passou a ser considerado indivíduo. O homem foi proclamado ser ativo e independente para construir e transformar a sua própria realidade, sendo que o valor da condição humana deveria ser medido na sua capacidade de realizar virtudes. 104 Contudo, no âmbito do pensamento jusnaturalista, a manifestação do ideal da igualdade e liberdade do ser humano teve seu ápice com a chegada do movimento 101 SARLET, 2004, p.30. Segundo Abbagnano a Sofística é a corrente filosófica preconizada pelos sofistas, mestres de retórica e cultural geral que exerceram forte influência sobre o clima intelectual grego entre os sécs. V e IV a.C. Os grandes filósofos sofistas da época de Sócrates como Protágoras e Górgias, sustentavam que o interesse filosófico concentra-se no homem e em seus problemas e que o conhecimento reduz-se à opinião e o bem, à utilidade, reconhecendo assim a relatividade da verdade e dos valores morais que mudariam segundo o lugar e o tempo. SOFISTICA. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 918. 103 Cite-se como exemplo no Cristianismo, cuja manifestação e propagação da doutrina, baseava-se no fato de que o homem era a imagem e semelhança de Deus, um ser dotado de liberdade e dignidade. Assim depreende-se do texto extraído do livro do Gêneses: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra. Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. (in Gênesis, 1:27-28). 104 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. La dignidad de la persona desde la filosofia del derecho, 2. ed. Madrid: Editora Dykinson, 2003. p. 28. 102 55 iluminista do século XVIII. Entre os pensadores da era moderna,105 o que se pregava para o ideal de sociedade era a sua organização, que deveria ser voltada para a felicidade humana. E, para que isso ocorresse, o respeito aos direitos naturais do homem se fazia necessário.106 O idealismo lógico-filosófico de Immanuel Kant (1724-1804) contribuiu de forma fundamental para o amadurecimento da concepção da dignidade da pessoa humana. Para Kant, o que diferencia o homem dos demais seres é o fato dele ser provido de razão, e sua existência ser estabelecida por um fim em si mesmo, não apenas por um meio: “Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente com um fim e nunca simplesmente como meio”. 107 Fundamentando a dimensão do seu ideal da concepção dignidade da pessoa humana, Kant assevera: O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe com fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente com fim em si mesmo [...]. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, tem contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmo, que dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte limita nessa medida todo o atributo (é um objeto de respeito). 108 Deste modo, foi após o reconhecimento valorativo da dignidade da pessoa humana no aspecto da moral, que o valor jurídico lhe foi atribuído. Com o advento da Declaração da ONU de 1948, a dignidade da pessoa humana passou a ser consagrada internacionalmente. O movimento humanista surgiu a partir do PósGuerra, como resposta às atrocidades ocorridas durante o Nazismo.109 105 Destacam-se os filósofos Descartes, Locke, Voltaire, Turgot, Rousseau, Montesquieu, entre outros. 106 SARLET, 2004, 32. 107 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964. p. 137. 108 Ibid, p.135. 109 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da pessoa humana In: LEITE, George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 182. 56 Pelo exposto nas linhas resumitivas anteriores, é de se notar que a busca da dignidade da pessoa humana permeou por vários séculos e em diversos momentos para, então, ser abarcada no âmbito jurídico. Os valores consagrados e os ideais angariados nos aspectos filosóficos, morais e jurídicos fizeram com que, progressivamente, o homem deixasse de ser considerado uma coisa insignificante e sem valor, para então, ser apreciado como um ser humano protegido e digno de respeito em sua essência. 3.1.2 Conceito O Principio da Dignidade da Pessoa Humana é o alicerce fundamental para a caracterização do Estado Democrático de Direito, cujo desenvolvimento baseou-se na necessidade de proteção do ser humano, considerado um ser digno e dotado de valor. De acordo com a doutrina, delimitar o que vem a ser dignidade é uma tarefa difícil, posto que encerra múltiplos significados devido a sua ampla abrangência, como bem é ressaltado por Igno Wolfgang Sarlet: [...] decorre certamente (ao menos também) da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua “ambiguidade e porosidade” assim por sua natureza necessariamente polissêmica. 110 Apesar do termo dignidade apresentar características vagas, pois traz em seu bojo inúmeras concepções, o objetivo a ser alcançado pelo princípio é incontroverso, qual seja: buscar a respeitabilidade pela pessoa do ser humano. Segundo José Afonso da Silva, Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. ‘Concedido com referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais (observam Gomes Canotilho e Vital Moreira), o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate 110 SARLET, 2004, p. 40. 57 de garantir as bases da existência humana’. Daí decorre que a ordem econômica há de ter fim assegurar a todos existência digna [...], a ordem social visará a realização da Justiça social [...], a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores de conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. 111 Corroborando com o exposto acima, Jorge Mirandasintetiza o conceito da seguinte forma: a) A dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta; b) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela mesma, e não da situação em si; c) O primado da pessoa é o do ser, não o de ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade; d) A proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa e postula uma visão universalista da atribuição dos direitos; e) A dignidade da pessoa pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas. 112 Contudo, é notório que o Estado Brasileiro estabeleceu o principio da dignidade da pessoa humana como sendo um princípio máximo e fundamental que rege todo o ordenamento constitucional, cuja finalidade é salvaguardar o direito do indivíduo de ter a sua dignidade respeitada. No entanto, ao aduzir José Afonso da Silva sobre a relevância que tem o princípio da dignidade da pessoa humana, o autor argumenta que o referido princípio não deve ser observado apenas como uma proteção isolada de cada indivíduo e sim, de toda uma coletividade: Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-se nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. 113 Destarte, insta ressaltar que ao ser analisado o princípio da dignidade da pessoa humana, no que tange ao instituto das provas ilícitas, tal princípio máximo deve ter a sua aplicabilidade sopesada quando da ocorrência da transgressão da norma penal. 111 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 105. 112 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1988. t. 4, p. 169-170. 113 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 109. 58 Não se pode invocar a proteção da dignidade da pessoa humana do agente do fato típico em contraponto com a persecução Estatal, que tem por deverobrigação estabelecer segurança e bem-estar social da sociedade como um todo. Certo está delineado na Carta Magna que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, no entanto, o criminoso não pode valer-se do princípio da dignidade da pessoa humana para ficar impune diante do cometimento de um fato típico. Há que sim, no conflito entre valores, prevalecer o de maior relevância qual seja, o da coletividade. 3.2 DO DIREITO À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE Antes de serem abordadas as características peculiares dos direitos fundamentais da intimidade e privacidade, faz-se necessário compreender melhor as suas respectivas expressões no que concerne à diferenciação conceitual. A intimidade está relacionada à vida íntima de uma pessoa, algo confidencial, tendo o sentido subjetivo caracterizado. Já a privacidade tem um conceito mais amplo, diz respeito ao particular, a tudo que não se quer que tenha conhecimento geral.114 Ao conceituar os direitos da intimidade e privacidade, Tércio Sampaio Ferraz Júnioraponta as principais diferenças: A intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance de sua vida privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na família, no trabalho, no lazer em comum). Já a vida privada envolve a proteção de formas exclusivas de conveniência. Trata-se de situações em que a comunicação é inevitável (em termos de relação de alguém com alguém que , entre si, trocam mensagens), as quais, em princípio, são excluídos terceiros. A vida privada pode envolver, pois, situações de opção pessoal (como a escolha do regime de bens no casamento, mas que, em certos momentos, podem requerer a comunicação a terceiros (na aquisição, por exemplo, de 114 ARAÚJO, Luiz Alberto David.; JÚNIOR. Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.139-140. 59 um bem imóvel). Por aí ela difere da intimidade, que não experimenta esta forma de repercussão. 115 Confirmando o entendimento acima, Manuel Gonçalves Ferreira Filho distingue os dois conceitos: [...] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc. 116 Assim, se violadas as relações subjetivas e também, as de cunho objetivo por um terceiro, caracterizado estará à ofensa aos direitos fundamentais da intimidade e privacidade. É neste diapasão, que no campo penal o Poder Público ao exercer a sua atividade no que concerne a persecução penal deve ser limitada, posto que uma vez invadida a esfera da intimidade ou privacidade de um indivíduo, estará configurada a transgressão aos direitos e as garantias fundamentais inseridos na CF/88. De acordo com os doutrinadores Canotilho e Vital Moreira, “Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana” e “nos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”. 117 Neste contexto, argumentam que a atividade Estatal na persecução penal não pode “valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos, como o direito à integridade pessoal, à reserva da intimidade da vida privada, à inviolabilidade do domicílio e da correspondência.”118 E complementam dizendo: A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal, e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efetuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial, [...] quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos.119 115 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Revista dos Tribunais, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, ano 1, 1992, p. 79. 116 apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005. p. 47. 117 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa anotada. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1984. v. 1, p. 218. 118 CANOTILHO; MOREIRA, 1984, passim. 119 CANOTILHO; MOREIRA, 1984, passim. 60 Portanto, os direitos e as garantias fundamentais têm por escopo proteger o cidadão contra os abusos do Poder Estatal, devendo ser observados de acordo com o caso em concreto. Segundo os dizeres de Canotilho os direitos fundamentais têm: A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). 120 Outrossim, fazendo-se uma abordagem dos direitos fundamentais da intimidade e privacidade no âmbito penal, e em específico no tocante as provas ilícitas, o tema merece maior destaque. Quando do cometimento de um crime, cuja prova da materialidade e autoria do ato ilícito foram obtidas por meios supostamente ilícitos, deve-se resguardar os princípios e os direitos fundamentais do agente do delito, ora infringidos pela prova ilícita, ou prevalecer os interesses da sociedade, que almejam ver o criminoso pagar pelo feito? Para que o crime não fique impune, a utilização da prova ilícita faz-se necessária, uma vez que o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos e as garantias fundamentais do cidadão não são absolutos e, não podem servir de escudo protetor ao autor do fato típico. Portanto, há dois interesses em jogo: o particular – do indivíduo, e o público – da sociedade. Como bem exposto no capítulo anterior, pelo princípio da proporcionalidade, os valores em conflito devem ser sopesados para, então, predominar o de maior relevância. Neste caso, há que prevalecer o interesse público. Alexandre de Moraes, ao exarar a sua idéia explana que: Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.121 120 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 541. 121 MORAES, 2005, p.27. 61 O Estado, por sua vez, tem por obrigação promover a paz social. Para isso, existem normas para punir aqueles que as transgridem. Se a dignidade do indivíduo e as garantias fundamentais devem ser respeitadas, não é justo proteger-se apenas a do indivíduo que ofendeu toda a sociedade com o seu ato ilícito e tão pouco o crime ficar no âmbito da impunidade. 3.3 DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO O Estado Brasileiro, como um Estado de Direito, é fundado no Princípio da Legalidade, pois [...] toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgão de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição.122 A doutrina, nos últimos anos, identificou um novo Princípio implicitamente inserido na CF/88, denominado Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. Há divergências quanto a sua abrangência. Celso Antônio Bandeira de Melo afirma que este Princípio destina-se a proteger os interesses do indivíduo para garantir os interesses da coletividade. O referido autor conceitua interesse público como “o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”.123 Relata, ainda, que tal Princípio é mais uma das faces de garantia dos interesses individuais, uma vez que não possui consistência autônoma, sendo apenas uma função qualificada dos interesses das partes, e que o interesse público 122 SILVA, 2002, p. 419. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 61. 123 62 é a dimensão pública dos interesses de cada indivíduo, porém considerados dentro de um corpo societário.124 Comungando com esse pensamento, Celso Ribeiro Bastos argumenta: A supremacia do interesse público não existe tão somente para esmagar o indivíduo sob uma juridicidade consagradora de privilégios injustificáveis. Essa supremacia do interesse coletivo tem que encarnar privilégios legítimos. [...] O que demonstra que a supremacia do interesse público tem que ser exercida com todo o respeito aos interesses individuais, sem o que estes se tornariam letra-morta. 125 Já Marçal Justen Filho entende que a supremacia do interesse público significa que, em havendo conflito, os interesses da sociedade são superiores e devem prevalecer sobre todos os demais interesses envolvidos, sejam os individuais ou os dos agentes públicos. 126 Impende ressaltar que o colendo Supremo Tribunal Federal e o egrégio Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que os interesses individuais (os direitos e as garantias fundamentais) do cidadão não são absolutos, podendo ser mitigados quando sobrepujar o interesse público, senão vejamos em seus respectivos arestos: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO. RECURSO ORDINÁRIO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. LEI Nº 4.595/64, ART. 38, E CF, ART. 5º, X. O Superior Tribunal Militar denegou mandado de segurança impetrado contra decisão que deferiu a quebra do sigilo bancário dos ora recorrentes, porquanto reconhecera, a partir de informações providenciadas pela Comissão de Inquérito, que existem dados que, nas circunstâncias descritas, precisam ser apurados, sendo manifesto o interesse da Comissão de Inquérito em sua obtenção como providência essencial à satisfação das finalidades inderrogáveis da investigação penal. Esta Corte tem admitido a quebra do sigilo bancário quando há interesse público relevante, como o da investigação criminal fundada em suspeita razoável de infração penal. Recurso improvido.127 (grifo nosso). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO PARA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO. [...] 5. Considera-se devidamente fundamentada a decisão que determina a quebra de sigilo bancário do impetrante, quando sobre este pesa suspeita 124 MELLO, 2008, p. 59 e 61. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.33. 126 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 35. 127 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RMS 23002/RJ, Primeira Turma. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Julgado em 02.10.1998. DJ, Rio de Janeiro, 27 nov. 1998. p. 00033. 125 63 da prática de atos improbos, os quais não poderão ser esclarecidos senão mediante o deferimento da medida extrema. 6. O direito à privacidade é constitucionalmente garantido. Todavia, não é absoluto, devendo ceder em face do interesse público. 7. Se de um lado é certo que todos têm direito ao sigilo bancário como garantia à privacidade individual, de outro, não é menos certo que havendo indícios de improbidade administrativa impõe-se a quebra dos dados bancários do Administrador Público. Isso porque a proteção constitucional não deve servir para acobertar prática de atos delituosos.128 (grifo nosso). 8. Recurso ordinário desprovido. CONSTITUCIONAL. QUEBRA DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO EXAURIENTE. FORTES INDÍCIOS DE SIMULAÇÃO CONTRATUAL. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO. MITIGAÇÃO DO DIREITO PARTICULAR. I - O sigilo bancário e o fiscal estão protegidos no texto constitucional. Todavia, não são direitos absolutos, pois sofrem mitigação na hipótese de restar evidenciada a preponderância do interesse público sobre o particular.129 (grifo nosso). [...] Recurso ordinário conhecido, mas desprovido. O Direito, como cediço, é dividido em dois ramos: público (visa proteger interesse público) e privado (protege interesses individuais). Admitindo que esse critério não enseja uma separação absoluta dos interesses protegidos – veja-se, v.g., que o Direito de Família, inserido no Código Civil, que integra o direito privado, trata de interesse público –, deve-se considerar, para a presente monografia, como correta, ainda mais quando o assunto aqui tratado é relativo ao Direito Processual Penal, ramo do direito público indubitavelmente. Hely Lopes Meireles afirma que a “primazia do interesse público sobre o privado é inerente à autuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral”. 130 O princípio da supremacia do interesse público, também denominado de princípio da finalidade pública,131 se faz atinente à administração pública, porquanto esta tem, por obrigação, que atender aos interesses da coletividade. E esse mesmo interesse deve ser observado pelo legislador quando da elaboração de uma norma. 128 BRASIL: Superior Tribunal de Justiça. RMS 15771/SP, Primeira Turma. Relator: Ministro José Delgado. Julgado em 27.05.2003. DJ, 30 jun. 2003. p. 133. 129 BRASIL: Superior Tribunal de Justiça. RMS 18.445/PE, Terceira Turma. Relator: Ministro Castro Filho, Julgado em 03.05.2005. DJ, 23 maio 2005. p. 264. 130 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 105. 131 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.82. 64 O Direito objetiva atingir os fins sociais. E um dos instrumentos utilizados para esse fim é a lei, que busca proporcionar o bem comum às pessoas, levando toda a sociedade, em conseqüência, à conquista da paz social. Quando a norma atinge sua finalidade, os fins sociais também são alcançados: o bem comum, que traz consigo os elementos que o caracterizam, como a liberdade, a paz, a justiça, a segurança, a utilidade social etc,132 e a paz social, materializada no imperativo da segurança proporcionada às pessoas, que deve decorrer das relações jurídicas. No Direito Penal, as normas existem para regular comportamento e evitar o cometimento de crimes. Caso o indivíduo venha a cometê-lo, deve ser punido na medida de sua culpabilidade, dentro do que determina a regra punitiva. Se existe um Código Penal e leis extravagantes que tipificam atos como crimes, é óbvio que o Estado busca, através dessas normas, proteger a sociedade daquele que quebra o pacto social e perturba a paz social. Assim, verifica-se que o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, altamente difundido no Direito Administrativo, também deve ser aplicado no Direito Penal. Não há que se alegar que o referido Princípio existe para aplicação apenas naquela esfera do Direito, posto que “a ação imediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema”.133 O Direito, por ser uno, permite a integração de normas em seus vários ramos. Assim, uma lei editada para tratar de assunto pertinente a um ramo específico do Direito pode (e deve) ser utilizada para, numa interpretação sistemática, suprir possíveis lacunas existentes em um outro ramo. Portanto, se a regra vale para leis, mais válida ainda será para princípios. Quando um crime é cometido, a sociedade exige uma resposta do Estado, detentor do jus puniendi. É ele, através de seus órgãos competentes, quem deve investigar, processar e julgar os responsáveis. 132 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 173. 133 MIRANDA, Jorge, apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 96. 65 Se é do interesse da sociedade que os crimes praticados sejam resolvidos dentro do que determina a lei, com o devido julgamento dos responsáveis, claro está que há um interesse público envolvido. De outra banda, se para a devida responsabilização dos criminosos é necessária a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, dir-se-á que isso não é possível devido ao fato de estarem sendo violados princípios fundamentais do cidadão, previstos na CF. Como há interesses em conflito, deve prevalecer o Princípio da Supremacia do Interesse Público, haja vista que o bem maior a ser tutelado pelo Estado, em casos que tais, é a sociedade. A criminalidade é uma doença infecciosa a ser combatida e o criminoso um ser daninho.134 Cabe ao Estado separar as pessoas de bem, incapazes de cometer crimes, daquelas que não hesitam quando têm a oportunidade de praticá-los. 134 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.88. 66 4 DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS A função do Direito Penal é a busca da pacificação social. O Código Penal, bem como as leis penais extravagantes, trazem condutas que, se praticadas sem nenhum motivo que as justifiquem, geram punição para o seu autor. Contudo, como são muitas as situações, também são muitas as normas para tratarem delas. E algumas dessas normas acabam gerando conflitos, pois atuam em sentidos opostos. Para resolver esses conflitos, algumas vezes é necessário utilizar-se de um dos métodos de interpretação disponíveis para a correta aplicação da norma. Para Cintra, Grinover e Dinamarco, Interpretar a lei consiste em determinar o seu significado e fixar o seu alcance. Compreendendo diversos momentos e aspectos, a tarefa interpretativa apresenta contudo um tal caráter unitário, que não atinge o seu objetivo senão na sua inteireza e complexidade. 135 Para ilustrar, pode-se citar como exemplo o crime tipificado no art. 121 do CP (matar alguém), que comina pena de 6 a 20 anos de reclusão. Fazendo-se uma interpretação gramatical, deduziria-se que todo condenado pela prática desse crime deveria ser recolhido à prisão tão logo fosse proferida a sentença condenatória. Entretanto, o CPP traz uma outra determinação que se relaciona com o tema. Assim reza o referido Codex: Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crimes de que se livre solto. Nesse caso, deve-se fazer uma interpretação sistemática, fazendo prevalecer o disposto no CPP, mais benéfica para o réu, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário. No tocante ao tema tratado na presente monografia, defender-se-á a aplicação de uma outra espécie de interpretação. Trata-se da interpretação teleológica, que 135 CINTRA, GRINOVER; DINAMARCO, 2002, p. 100. 67 [...] investiga a finalidade social da lei, isto é, os interesses predominantes ou os valores que, com ela, se pretende realizar: a justiça, a segurança, o bem comum, a liberdade, a igualdade, a paz social, [...].136 Maria Helena Diniz, conceituando-a, afirma: A interpretação teleológica é também axiológica e conduz o intérpreteaplicador à configuração do sentido normativo em dado caso concreto, já que tem como critério o fim prático da norma de satisfazer as exigências sociais e a realização dos ideais de justiça vigentes na sociedade atual. O bem comum e a finalidade social são fórmulas gerais ou valorativas que uniformizam a interpretação, constituindo pontos referenciais para que se aprecie a lei a aplicar sob o prisma do momento de sua aplicação. Isto é assim porque a norma contém virtualidades de renovação e de expansão que a tornam suscetível de apresentar novas soluções, devido ao vário condicionalismo do seu tempo; logo o intérprete-aplicador optará pelo sentido mais razoável ao caso e à época. 137 Esse método de interpretação visa a adaptar a norma a uma nova realidade social. A sociedade é dinâmica e está sempre em evolução. Teorias são desenvolvidas, mas não se pode desejar que seus conceitos sejam eternos. Transformam-se as situações, acarretando mudanças que provocam novos interesses. Ao fim dessas mudanças, para que uma nova situação político-social não fique desamparada pelo Direito, cabe ao magistrado, como intérprete-aplicador, usar das técnicas desenvolvidas pelos doutrinadores e atualizar a definição da lei, de modo que a norma atenda a sua finalidade. Porém, não se deve olvidar, jamais, que a finalidade da norma é atingir os fins sociais, quais sejam, o bem comum e a paz social, finalidade está bem definida na Lei de Introdução ao Código Civil, ao estabelecer, em seu art. 5º, que “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Com efeito, não se pode conceber a elaboração de uma norma que não tenha como finalidade o alcance desses dois elementos, imprescindíveis para o bom convívio do cidadão em uma comunidade. Ressaltando a importância da interpretação teleológica para atingir esse objetivo, manifesta-se Maria Helena Diniz: Os fins sociais e o bem comum, portanto, sínteses éticas da vida em comunidade, por pressuporem uma unidade de objetivos do comportamento humano social. Os fins sociais são do direito; logo, é preciso encontrar no preceito normativo o seu telos (fim). O bem comum postula uma exigência, 136 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006. p. 96. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 167. 137 68 que se faz à própria sociabilidade; portanto, não é um fim do direito, mas da vida social [...]. A interpretação, como nos diz Ferrara, não é pura arte dialética, não se desenvolve como método geométrico num círculo de abstrações, mas perscruta as necessidades práticas da vida e a realidade social. 138 (grifo do autor). A supracitada autora apresenta, ainda, os objetivos pragmáticos do processo (sociológico) da interpretação: a) conferir a aplicabilidade da norma às relações sociais que lhe deram origem; b) estender o sentido da norma a relações novas, inexistentes ao tempo de sua criação; c) temperar o alcance do preceito normativo, afim de fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social.139 Baseado nessas considerações, torna-se mister admitir que o operador do Direito deve rever o modo de aplicar a norma penal. As teorias modernas foram elaboradas com fundamento nos direitos individuais assegurados na CF. Como o autor de um fato típico é um indivíduo, a ele é garantido todos os direitos, como responder ao processo em liberdade, mesmo que tenha cometido um crime hediondo (na acepção da palavra), ser presumido inocente até o trânsito em julgado da decisão condenatória, entre outros. O cidadão comum, que compõe a maior parte da população, é desconhecedor das minúcias do Direito, e assim não compreende o por que de todos esses privilégios para quem burlou a lei. Quando acontece de um crime ficar impune porque as provas foram obtidas por meios supostamente ilícitos, esse mesmo cidadão comum compreende menos ainda. Novamente, aqui, a sociedade se vê desamparada pelo Estado, e com fundamento apenas em entendimento teórico. O que todo cidadão comum (e honesto) deseja é que todo crime seja investigado e, em sendo o caso, devidamente punido. Para isso, bastaria apenas imputar aos responsáveis as penas cominadas no Código Penal e nas demais leis extravagantes. O Código Penal, ao tipificar condutas tidas como típicas e estipular as penas cabíveis para cada crime, na medida da culpabilidade do autor, objetiva exercer 138 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 65-66. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1, p. 364. 139 69 duas funções: preventiva, pois, impondo nele o receio da punição, coage o indivíduo a não praticá-las, e repressiva, posto que impõe ao criminoso o cumprimento de uma pena, ao mesmo tempo que utiliza o caso concreto como exemplo para os demais membros da comunidade. Havendo a ocorrência de um crime, se este não pode ser investigado e/ou o seu agente não pode ser punido, pois as provas são consideradas ilícitas, o Código Penal perde sua eficácia, e a norma não atingirá sua finalidade, com conseqüências desastrosas para toda a coletividade. Daí a necessidade da utilização da interpretação teleológica para permitir-se que norma, no caso o Código Penal e as leis penais extravagantes, atinja sua finalidade: a pacificação social, que hoje está longe de ser alcançada. 70 CONCLUSÃO Nas últimas décadas, o Poder Judiciário tem convivido com questões que, por serem complexas e, obviamente, de difícil solução, acarretam como conseqüência o seu mau funcionamento. Dentre elas, pode-se citar a enorme quantidade de processos e as várias possibilidades de recurso, que fazem com que os processos se arrastem por longos anos. No mundo do Direito Penal, a situação é ainda mais crítica. Aqui, além das causas acima citadas, ainda há a possibilidade de cada parte no processo poder arrolar até 8 testemunhas, sendo que, em muitos casos, algumas delas sequer são encontradas para colheita de seus depoimentos. Somando-se isso a outras artimanhas desenvolvidas pelos advogados de defesa, resta que boa parte dos processos penais instaurados são julgados extintos, pois o tempo para apuração dos crimes exaure-se, sendo, então, atingidos pela prescrição. E não sendo efetiva a prestação jurisdicional, passa-se a sensação de insegurança e desproteção aos integrantes da sociedade violentada pelo ato ilícito praticado por um criminoso. Nesse caso, a sociedade paga pela inércia do Estado. Quanto ao tema desenvolvido na presente monografia, o sentimento experimentado pelo indivíduo que toma conhecimento da ocorrência de um ilícito, sabe que as autoridades (policiais e judiciárias) dele foram comunicadas, que uma ação foi instaurada para a devida investigação, mas que esta tem de ser encerrada porque a prova que a originou foi obtida por meios supostamente ilícitos, é de perplexidade. E o motivo alegado para o trancamento da ação penal é sempre o mesmo: a prova assim obtida fere os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Intimidade e da Privacidade do Cidadão(?). Nas ações penais públicas, o Ministério Público é quem detém legitimidade para propor a ação, e o Poder Judiciário é o órgão responsável pelo processamento e julgamento dos casos. Como se vê, só o Estado pode punir. Em todo crime cometido, o Estado sempre será sujeito passivo, conforme textualiza Cezar Roberto Bitencourt: Sob o aspecto formal, o Estado é sempre o sujeito passivo do crime, que poderíamos chamar de sujeito passivo mediato; sob o aspecto material, 71 sujeito passivo direto é o titular do bem jurídico lesado. Nada impede, no entanto, que o próprio Estado seja o sujeito passivo imediato, direto, como ocorre quando o Estado é o titular do interesse jurídico lesado, como, por exemplo, nos crimes contra a Administração Pública.140 Acontece que, em muitos dos crimes, mesmo sendo sujeito passivo secundário (ou mediato), ele assume a condição de sujeito passivo primário (ou imediato). É o que ocorre, por exemplo, nos crimes contra o patrimônio. Aqui, o cidadão, que tem parte de seu patrimônio dilapidado, leva o caso às autoridades competentes em busca de uma solução satisfatória. O Estado, então, assume a responsabilidade pela elucidação do caso, gerando uma tranqüilidade social maior, com a certeza de que o problema será resolvido. Tempos mais tarde – Deus sabe quanto! –, esse mesmo cidadão descobrirá que houve a ocorrência de uma causa que impede uma punição exemplar ao infrator. Essa causa pode ser a prescrição, ou porque a prova que responsabiliza o autor do fato foi obtida por meios ilícitos. Não se pode esperar que, em casos que tais, todos os indivíduos aceitem esse deslinde com resignação. Nos crimes contra a Administração, onde o Estado é verdadeiramente o sujeito passivo primário, a perplexidade pela impossibilidade de punição ao criminoso, fundada na inadmissibilidade de aceitação no processo de prova obtida ilicitamente, também existe. Com efeito, não há como fugir dessa realidade. O Estado, como se sabe, é mantido pelo povo, através da arrecadação de impostos, que, no Brasil, são exorbitantes, ressalte-se. Imaginar que uma autoridade política desviou verbas públicas para proveito próprio e se safou de uma possível condenação, pelo simples fato de que a prova que o incrimina foi obtida ilicitamente, pode ser incompreensível. Novamente, afigura-se a extrema generosidade do Estado para com aqueles que prejudicam o indivíduo. Nesse caso, os efeitos de uma justificada irresignação serão maiores, pois toda a comunidade foi afetada. Para o cidadão comum, saber que (boa) parte do fruto do seu trabalho, que ele teve que colocar à disposição do Estado para arcar com as despesas deste e prover a manutenção dos serviços públicos, foi desviada para uso de quem deveria cuidar, é revoltante, ainda mais se 140 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 287. 72 for levado em consideração que o Estado não consegue atender satisfatoriamente às necessidades de grande parcela da população. Apesar de estar veementemente expressa na Constituição Federal a inadmissibilidade das provas ilicitamente produzidas, em alguns casos tais provas deveriam ser consideradas lícitas e, portanto, admitidas no processo, em face do que dispõe os Princípios da Primazia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e da Busca da Verdade Real. É cediço que a Carta Magna buscou privilegiar os direitos do cidadão – não à toa a mesma é alcunhada de Constituição Cidadã. Baseados nisso, a doutrina e a jurisprudência seguiram essa linha de entendimento, assegurando-lhe toda a proteção do Estado, mesmo que em detrimento dos interesses da coletividade. Porém, há que se repensar esse entendimento. Há que se definir até onde o cidadão merece toda essa proteção. Quando um crime é cometido, a sociedade exige uma resposta, pois é de seu interesse que este seja elucidado. E nunca é demais lembrar que o Estado existe para defender os interesses da sociedade, também. E há casos em que, para se chegar a um veredicto correto e punir-se exemplarmente os culpados, necessário se faz mitigar as garantias e os direitos individuais constantes do Texto Maior, que, repise-se, não são absolutos. Impedir que um crime seja julgado é impedir que o Poder Judiciário exerça sua função precípua, qual seja, a devida prestação jurisdicional, que proporciona a paz social e o bem comum, desejo de todas as pessoas de bem. Com mais casos resolvidos, algumas conseqüências positivas seriam observadas: aumentaria-se a (combalida) credibilidade do Poder Judiciário; diminuiria-se a sensação de impunidade e de insegurança, tão viva no seio da sociedade; os criminosos contumazes, bem como aqueles que desejassem enveredar-se pelo mundo do crime, sentiriam-se intimidados ante a idéia de se cometer um ato ilícito. O pensamento hodierno vigora em virtude de se direcionar o foco da proteção estatal todo para o indivíduo. Mister se faz mudar esse entendimento, direcionar o foco para a coletividade. Ao indivíduo, o Direito Processual Penal deve garantir os direitos que assegurem um julgamento justo. Isso é plenamente possível. Basta lembrar do caminho percorrido pela Lei nº 8.072/90, famosa Lei dos Crimes Hediondos. 73 Naquele momento, o crime de seqüestro de pessoas com maior poder aquisitivo aumentou sobremaneira, criando um alarde perante aquela parte da sociedade. Com o fim do regime militar, houve o aumento do número de casos de seqüestro, que antes, além de muito pouco praticado e, quando ocorria, tinha fundamentação política, passou a ser utilizado para fins de extorsão, com uma peculiaridade: figuras importantes da elite econômica e social do país eram os principais alvos dos criminosos (Abílio Diniz e Roberto Medina foram os maiores exemplos). Cedendo à pressão exercida pela imprensa – aquela que é admitida por muitos como o 4º Poder –, o Congresso Nacional elaborou e aprovou, sem nenhuma discussão mais aprofundada,141 uma verdadeira lei de afogadilho, que tornava mais rigoroso o tratamento a quem cometesse os crimes nela relacionados, os chamados “crimes hediondos”. Sua principal característica era o total desrespeito a princípios constitucionais, como, por exemplo, o da Humanização da Pena e o da Individualização da Pena (ao estabelecer, no § 1º do art. 2º, que a “pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”), além de ofender o Princípio do Ne Bis in Idem (quando, em seu art. 9º, cria nova causa de aumento da pena para alguns dos crimes nela especificados, sem deixar de considerar as agravantes genéricas142), inadmissível no ordenamento jurídico pátrio. Naquele momento, o excelso Pretório considerou constitucional todos o seu conteúdo. A única justificativa plausível é a de que o momento exigia esse entendimento, extremamente rigoroso. Em 23.02.2006, julgando o HC 82959, o Supremo Tribunal Federal, revendo sua posição, decidiu, por maioria, deferir o pedido do paciente e declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da supracitada lei. No caso em tela, os mais abastados eram as vítimas. Com relação ao tema tratado na presente monografia, eles são os mais favorecidos, posto que, contando 141 A respeito, veja o pronunciamento do Deputado Federal Plínio de Arruda Sampaio: “Tenho todo o interesse em votar a proposição, mas não quero fazê-lo sob a ameaça de, hoje à noite, na TV Globo, ser acusado de estar a favor do seqüestro. Isso certamente acontecerá, se eu pedir o adiamento da votação (...)”. DCN de 29.06.1990. 142 Constantes dos arts. 61 e 62 do CP. 74 com bons advogados, conseguem livrar-se solto de quaisquer que sejam as acusações. Será necessária uma revolução social para resolver-se essa questão. Não é possível que, contando com magistrados inteligentes que se preocupam apenas em fazer justiça (é o que dizem), seja preciso chegar-se a uma posição tão radical. Ao que se percebe, tudo é uma questão de entendimento. Talvez esse seja o momento de se repensar a problemática da inadmissibilidade de provas ilícitas no processo penal. O caos social passa pelo Direito Penal. Permitir a impunidade de quem comete delitos, mesmo tendo todas as provas que o incrimine, só contribui para a o aumento da desordem. Ressalte-se que não se pode, de forma alguma, defender o uso de tortura ou de qualquer tipo de coação física ou moral. Isso já seria extrapolar o direito de obter provas, e nenhum tipo de exagero é aceitável. Entretanto, são plenamente cabíveis o uso de interceptações telefônicas e gravações ambientais sem autorização judicial, desde que, antes de sua aceitação no processo, passem pelo crivo do Judiciário, obviamente. É necessário acreditar no bom senso do juiz para que ele, aplicando o bem senso que o exercício da sua função exige, saiba discernir o que é razoável e deve fazer parte do processo, eliminando tudo o que for praticado com excesso, bem como providenciando a devida punição de quem cometê-lo. 75 REFERÊNCIAS AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006. 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