UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS SANDRA MARIA WIRZBICKI ABORDAGENS E REFLEXÕES SOBRE A SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE ENERGIA EM ESPAÇOS INTERATIVOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES IJUÍ (RS) 2010 1 SANDRA MARIA WIRZBICKI ABORDAGENS E REFLEXÕES SOBRE A SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE ENERGIA EM ESPAÇOS INTERATIVOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências. Orientadora: Profª Dra. Lenir Basso Zanon IJUÍ (RS) 2010 2 3 4 A minha mãe, que, apesar de todas as dificuldades, não perdeu o sorriso e o brilho no olhar, sempre incentivando e acreditando nesta conquista. 5 AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS A professora orientadora desta pesquisa Lenir Zanon, por apostar e acreditar em mim, pela disponibilidade, apoio, orientação, mas, acima de tudo, pela amizade e cumplicidade; Aos (às) professores (as) Maria Cristina Pansera de Araújo, Otavio Maldaner, pelas valiosas contribuições por ocasião da qualificação; Aos professores e bolsistas do GIPEC-UNIJUÍ, cujas contribuições foram importantes para a elaboração desta pesquisa, pelo carinho e amizade, indispensáveis em minha vida; À professora e grande amiga Clarinês Hames (Clara) pelo constante incentivo, pelas trocas de ideia e pelo carinho; À professora Maria Cristina Pansera de Araújo (Cris) pelos conhecimentos partilhados, apoio e incentivo; Aos colegas de Curso, com os quais tive o privilégio de conviver, pela amizade, pelas trocas de experiências, que contribuíram nesta caminhada, mas também pelos momentos de lazer e descontração. Em especial aos colegas e amigos: Sandra, Silvia, Marla, Vanessa, Fábio, Francini, Daiane e Vanessa; Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação do Curso de Mestrado em Educação nas Ciências, pela disponibilidade e pelos conhecimentos compartilhados; A minha família, pelo incentivo, amor, carinho e compreensão; A todos os meus amigos, em especial a Claci, Jaque, Carmen, Elizandra, Tere, Chica, Mari, Micheli e Adri que sempre acreditaram e me estimularam a continuar nessa caminhada; A meu amor por me fazer acreditar na realização dos sonhos e ser feliz; À CAPES, pelo apoio financeiro; Aos sujeitos de pesquisa pela valiosa contribuição nas interações. 6 RESUMO Este trabalho parte da constatação de que o ensino de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (CNT) denota influências de visões dicotômicas entre conhecimentos produzidos em contextos diversificados, em especial, o da Ciência e o do cotidiano, do que decorrem desafios aos educadores: abordagens dos conteúdos do ensino de CNT desconsideram, muitas vezes, a dinamicidade das inter-relações de saberes envolvidos nos processos de construção dos conhecimentos escolares. Esta pesquisa analisa interações de licenciandos, professores da educação básica e da universidade, em um espaço de formação para o ensino de CNT, mediante o planejamento e desenvolvimento de “módulos interativos” em busca de compreender formas de (re)contexualização pedagógica, especificamente, do conceito ‘energia’. São analisadas, também, abordagens do referido conceito em livros didáticos de Biologia e Química do Ensino Médio (EM), utilizados durante os ‘módulos interativos’ como subsídio para interações e reflexões acerca de formas como o conceito é abordado nos mesmos. A análise das interações entre os sujeitos de pesquisa durante processos de (re)significação conceitual denotou contribuições de reflexões possibilitadas, na formação docente inicial, sobre como mediar explicações em aulas do EM. Com base no referencial histórico-cultural, a análise aponta abordagens e mediações que enriquecem o ensino e a formação docente, mediante processos dinâmicos de (re)contextualização e (re)significação conceitual, potencializadores dos processos de conhecimentos. A busca de melhorias na formação de professores de CNT implica promover formas de reflexão crítica e interativa sobre mudanças no ensino de objetos complexos, cuja compreensão abrange uma multiplicidade de relações entre significados conceituais, como é o caso dos significados de ‘energia’. Palavras-chave: formação de professores; ensino de ciências; significação conceitual; energia, (re)contextualização de conhecimentos. 7 ABSTRACT The present work starts from the evidence that the teaching of Sciences of Nature and their Technologies (SNT) indicates influences from dichotomic views between the knowledge produced in diverse contexts, specially the scientific one, and the quotidian life; and, from such situation, some challenges to the educators emerge: the approaches of the contents in the teaching of SNT, many times, don’t take into account the dynamicity of the inter-relationships between the knowledge involved in the process of construction of the school education. This research analyses interactions between undergraduates, school teachers and university professors in a space of education for the teaching of SNT, by means of planning and development of “interactive modules” trying to understand ways of pedagogical (re)contextualization, specifically, the concept of “energy”. It is also analyzed approaches of that concept found in Biology and Chemistry high-school workbooks, used during the “interactive modules” as a source for interactions and reflections about the ways the concept is approached in those books. The analysis of the interactions between the subjects of the research during the processes of conceptual (re)signification indicated contributions from the reflections for the teacher’s education on how to mediate the explanations in high-school classes. Based on the historical-cultural reference, the analysis points out to approaches and mediations which enhance the teaching and the teacher’s education by means of dynamic processes of (re)contextualization and conceptual (re)signification – empowering elements of the processes of knowledge. The search for improvements in the education of the SNT teachers implicates in promoting ways for critical and interactive reflection about changes in the teaching of complex objects whose comprehension includes a multiplicity of relationships between conceptual meanings, which is the case in the concept of “energy”. Key words: Teachers’ education, teaching of Sciences, conceptual signification, energy, (re)contextualization of knowledge 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADP - Difosfato de Adenosina ATP - Trifosfato de Adenosina CNT - Ciências da Natureza e suas Tecnologias EF - Ensino Fundamental EM - Ensino Médio ES - Ensino Superior FAD – Flavina Adenina Dinoclueotídeo GIPEC-UNIJUÍ - Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências IBECC - Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura L - Licenciando LB - Licenciando de Biologia LQ - Licenciando de Química LD - Livro didático LDCIE - Livro didático de Ciências LDBIO - Livro didático de Biologia LDQUI - Livro didático de Química LDBQ - Livro didático de Bioquímica LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional M - Mestrando MST - Movimento Sem Terra 9 NAD - Nicotinamida Adenina Dinoclueotídeo (forma oxidada) NADH - Nicotinamida Adenina Dinoclueotídeo (forma reduzida) OCNEM - Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCNLEM - Programa do Catálogo Nacional do Livro Didático do EM PEIES - Programa Especial de Ingresso no Ensino Superior PEF - Pedagogia do Ensino Fundamental PEMB - Professor do Ensino Médio de Biologia PEMQ - Professor do Ensino Médio de Química PU - Professor Universitário PPGEC - Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências. SE - Situação de Estudo SMEd - Secretaria Municipal de Educação TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul 10 LISTA DE FIGURAS Figura1. Macro-Micro. (Site 1) ................................................................................................ 70 Figura 2. Enzima Quimotripsina. (Site 2)................................................................................. 71 Figura 3. Representação de ‘sítio catalítico’ da Quimotripsina (LDBQ2, p.311) .................... 72 Figura 4. Equação Geral da Reação Catalítica (LDBQ1, p.121) .............................................. 75 Figura 5. Energia de Dissociação de Ligação Média. LDBQ3 ................................................ 76 Figura 6. Gráfico da Reação. (Site 2) ....................................................................................... 77 Figura 7. Representação do Morro Energético. (Site 2) ........................................................... 80 Figura 8. Esquema e Gráfico da Energia de Ativação. (LDBIO1, p.96) .................................. 82 Figura 9. Modelo Explicando a Ação Enzimática. (LDBIO3, p.541) ...................................... 84 Figura 10. Modelo Chave-Fechadura para Ação Enzimática. (LDBIO4, p.75) ....................... 84 Figura 11. Catálise Enzimática. (LDQUI1, p.469) ................................................................... 85 Figura 12. Representação Artística da Ação enzimática. (LDBIO2, p.48) .............................. 86 Figura 13. Modelo Chave-Fechadura 1. (LDQUI2, p.424) ...................................................... 87 Figura 14. Modelo Chave-Fechadura 2. (LDQUI3, p. 552) ..................................................... 87 Figura 15. Processos Celulares de Transformação de Energia (LDBIO1, p.160) .................... 97 Figura 16. Fotossíntese e Quimiossíntese (LDBIO1, p.162)................................................... 98 Figura 17. Reações Químicas, Acoplamento de Reações e ATP. (LDBIO1, 176) .................. 99 Figura 18. Fotossíntese (LDBIO2, p. 88) ............................................................................... 101 Figura 19. Respiração Aeróbia (LDBIO2, p. 88) ................................................................... 101 11 Figura 20. Reações Acopladas (LDBIO1, p.163)................................................................... 103 Figura 21. Respiração Mitocondrial. (LDBIO4, p. 215, 2004) .............................................. 106 Figura 22. Processos Celulares de Energia (LDBIO1, p.161,) ............................................... 109 Figura 23. Alimentos e Ciclo de Krebs (LDBIO1, p. 203) .................................................... 110 Figura 24. Representação de NAD+ e NADH. (LDBIO4, p.208) .......................................... 111 Figura 25. Representação do ATP/ADP/AMP. (LDBIO4, p. 211) ........................................ 111 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 1 ABRANGÊNCIA E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA .............. 17 2 CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS .................................................................................. 23 2.1 Sobre Concepções de Ciência e de Conhecimento Científico ........................................ 25 2.2 Sobre a História do Ensino de Ciências da Natureza no Brasil ...................................... 28 2.3 A Perspectiva da Contextualização no Ensino de Ciências da Natureza ........................ 34 3 O CONCEITO ENERGIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS TECNOLOGIAS .................................................................................................................... 40 3.1 Visão Histórica do Ensino do Conceito Energia no Âmbito Empírico da Pesquisa....... 40 3.2 Uma Discussão sobre o Conceito ‘Energia’ ................................................................... 50 3.3 A Significação Conceitual em Contexto Escolar ............................................................ 61 4 UM OLHAR SOBRE ABORDAGENS DO CONCEITO ENERGIA............................ 68 4.1 Compreensões sobre Reação Enzimática e Energia de Ativação ................................... 69 4.2 Compreensões sobre ATP e Interconversões Energéticas nos Processos Vitais ............ 94 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ........................................................................................ 118 CORPUS – CONJUNTO DE DOCUMENTOS UTILIZADOS E ANALISADOS NA PESQUISA ............................................................................................................................ 121 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 122 ANEXOS ............................................................................................................................... 127 APÊNDICES ......................................................................................................................... 135 13 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, têm sido frequentes as alusões, no contexto educacional e, até mesmo por parte da mídia em geral, ao ‘fracasso escolar’ dos estudantes da educação básica, o que tem suscitado preocupações e discussões relativas à necessidade de avançar na compreensão de como desenvolver práticas educativas capazes de produzir aprendizados escolares mais significativos e socialmente relevantes. Articuladamente ao desenvolvimento de novas políticas públicas, percebe-se que o cenário da área de educação está permeado por preocupações relativas à qualidade do ensino e da formação dos professores que nele atuam. Tais preocupações são cada vez mais evidenciadas, também, na literatura e em discussões entre educadores e especialistas da área, acenando para perspectivas de mudança nas concepções e práticas curriculares, nos diversos níveis da escolarização, tendo sido crescente a atenção, particularmente, na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (CNT), a focos de estudo e discussão que dizem respeito aos aspectos conceituais do ensino e aos tipos de aprendizagem por ele propiciada. Muito se tem discutido, na última década, sobre movimentos que acenam para reformas curriculares como as apregoadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, BRASIL, 1999). Nas diversas áreas do conhecimento, as atenções têm sido direcionadas para a construção de uma escola que eduque para a vida mediante conhecimentos e práticas associadas ao desenvolvimento de capacidades, competências, valores, atitudes, de uma ‘concidadania responsável’, expressão referida por Marques (1988). Contudo, há muito que se avançar nas práticas de sala de aula, o que coloca a necessidade de mudanças, sobretudo, nas concepções pedagógicas e epistemológicas das quais elas decorrem, amplamente necessárias de serem objetos de reflexão na perspectiva de virem a ser crítica e interativamente reconstruídas, sobretudo, em espaços de formação de professores. Uma das ideias que têm sido amplamente destacadas é que os contextos de 14 mudança de concepções/práticas educativas não podem ser alijados a meras soluções técnicas propostas por especialistas. Não se trata de tarefas simples de serem concebidas e empreendidas em âmbito escolar. Frente ao quadro problemático acima apontado, este trabalho busca contribuir na produção de uma compreensão fundamentada sobre o ensino, particularmente, do complexo conteúdo/conceito ‘energia’, amplamente abordado na área de CNT. Isto, mediante um olhar instruído por preocupações educacionais atuais, levando em conta o desafio de adequar o ensino e a escola ao novo cenário da educação contemporânea, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, BRASIL, 1996), referendada pelas políticas públicas dela decorrentes, incluindo os PCNEM (BRASIL, 1999). A complexidade acima reportada ao ensino do conteúdo/conceito ‘energia’ pode ser remetida à visão expressa por Morin (2007), no sentido da visão de uma busca por novas formas de conhecimento, por um “conhecimento pertinente”, fundado em compreensões não segmentadas, não cerceadas aos limites de visões simplistas e fragmentadas, que levam em conta a visão de complexos sistemas de relações sistematicamente implicados, entendendo que: O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis e constitutivos do todo [...], e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. [...] é a união entre a unidade e a multiplicidade. (idem, p. 38) Nesse sentido, a pretensão de contribuir para a melhoria do ensino do conteúdo/conceito ‘energia’, ao longo do desenvolvimento da presente pesquisa, partindo da visão problemática mencionada, leva em conta preocupações relativas aos processos de (re)contextualização e (re)significação de conteúdos/conceitos no ensino e na formação para o ensino, na área de CNT. A pesquisa está focada na análise de abordagens e discussões relativas ao ensino do referido conteúdo/conceito em espaços específicos de formação para o ensino de CNT, contando com o uso de livros didáticos (LD) como subsídio aos estudos e reflexões, em busca de avanços nas compreensões de processos de (re)contextualização e (re)significação conceitual que acompanham abordagens e discussões propiciadas. Assim, contribuições possíveis do trabalho referem-se a entendimentos sobre implicações de determinadas abordagens do conceito ‘energia’, a partir da visão da produção 15 do conhecimento escolar como um processo dinâmico de inter-relação de conhecimentos científicos e cotidianos sempre diversificados (LOPES, 1999). Nessa perspectiva, foram registradas falas de sujeitos participantes de ‘módulos triádicos’ de interação, com participação simultaneamente, de licenciandos, professores da universidade e do EM (ZANON, 2003). Para isso, a organização da investigação girou em torno da busca de respostas às seguintes questões básicas: abordagens e discussões referentes ao ensino do conteúdo/conceito ‘energia’ possibilitadas pelos ‘módulos interativos’ contribuem na formação para o ensino de CNT, especificamente, quanto a processos de significação conceitual? Se sim, como? Os ‘módulos interativos’ foram planejados e desenvolvidos em aulas de componentes curriculares (CC) dos cursos de licenciatura em Biologia e Química da UNIJUÍ (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul). A partir dos registros em agenda de campo e em áudio, seguidos de transcrição, foi possível construir materiais empíricos (transcrições). Sucessivas leituras atentas das mesmas permitiram identificar recortes de falas dos sujeitos participantes, nos processos de construção e análise dos resultados de pesquisa. Tal análise, fundamentada, principalmente, no referencial histórico-cultural, situa-se como um olhar à multiplicidade de relações intersubjetivas, com atenção direcionada aos modos de mediação de sujeitos que interagem sob condições socioculturais diversificadas, em processos de formação docente que acenam para a construção de conhecimentos escolares significativos e socialmente relevantes, tal como propõem as Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (OCNEM, BRASIL, 2006). O trabalho está organizado em quatro capítulos. O primeiro descreve a organização metodológica da pesquisa, incluindo os procedimentos adotados durante os registros e os processos de construção dos resultados de pesquisa. O capítulo 2 situa a temática da pesquisa com uma fundamentação teórica relativa a concepções de Ciência, uma retomada de aspectos históricos do desenvolvimento do ensino de CNT no Brasil, e, por último discute aspectos da (re)contextualização didática dos conceitos científicos no contexto escolar. O capítulo 3 trata, especificamente, do conceito ‘energia’ na área de CNT. Parte de uma retrospectiva histórica do ensino do referido conceito na área e no âmbito empírico desta pesquisa. A seguir, explicita algumas compreensões conceituais de ‘energia’, na perspectiva de contribuir nas discussões sobre uma (re)contextualização didática mais adequada do referido conteúdo/conceito no EM. Após, aborda aspectos da significação conceitual de ‘energia’ embasada no referencial histórico-cultural, enfocando a constituição da consciência 16 dos sujeitos e o desenvolvimento da mente humana, contando com processos de apropriação de linguagens e de produção de significados conceituais típicos ao ensino escolar. Ao longo do capítulo 4 são explicitados e analisados os resultados obtidos, em busca de respostas às questões de pesquisa. Recortes de falas dos sujeitos de pesquisa, registradas nos ‘módulos interativos’ acompanhados, relativas a abordagens do conteúdo/conceito ‘energia’ são apresentados e discutidos, com foco no ensino sobre ‘respiração, enzimas e reação enzimática’. São tratados dois focos de compreensão, um relativo à ‘energia de ativação’ e outro relativo à energia na forma de trifosfato de adenosina (ATP) e interconversões energéticas associadas aos processos vitais. Reafirma-se a potencialidade do ensino do conteúdo/conceito ‘energia’ mediante abordagens de caráter conceitual e contextual dinamicamente inter-relacionadas, contemplando relações entre conhecimentos científicos e cotidianos, na construção de um conhecimento escolar que promova o desenvolvimento das plenas capacidades humanas. Tudo isso, em defesa de abordagens conceituais adequadas à promoção de tal desenvolvimento, seja no ensino ou na formação para o ensino de CNT. 17 1 ABRANGÊNCIA E ORGANIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA Nesta pesquisa, sem negligenciar a visão da complexidade dos processos de mudança a serem desenvolvidos na formação para o ensino de CNT, a grande preocupação ocorre em torno do desenvolvimento de novos espaços de formação docente, na perspectiva de analisálos em sua potencialidade para contribuir na reforma educativa em andamento no país, em especial, na compreensão e significação do conceito ‘energia’. Atualmente, a pesquisa é um dos maiores enfoques no contexto educacional, visto sua importância em espaços de ensino e formação. De acordo com Lüdke: “a pesquisa aparece na literatura internacional recente e em algumas propostas de inovação curricular como uma prática fundamental no desenvolvimento profissional do professor, bem como, no desenvolvimento curricular” (2001, p.31). A presente investigação enfoca uma pesquisa de natureza qualitativa, organizada como um processo que envolve: o contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada mediante trabalho de campo. De frente à questão em estudo, o pesquisador presenciará situações em que ela se manifeste, diante de um contato direto com o contexto empírico, na condição de ‘observador’ e, por outro lado, de ‘participante’ das mesmas interações investigadas (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.18). Com apoio em Minayo et al (1994), entende-se que, em contextos de ‘observação participante’, os pesquisadores mantêm contatos diretos com a situação real observada, procedendo aos registros para a obtenção de informações sobre a realidade dos atores sociais, em seus próprios contextos de vivência cotidiana, neste caso, em aulas de licenciatura acompanhadas. A organização metodológica da pesquisa considera o pressuposto expresso nos dizeres da mesma autora, de que: 18 o observador, enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados. No processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar e ser modificado pelo contexto. A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real. A inserção do pesquisador no campo está relacionada com diferentes situações da observação participante por ele desejada. Num pólo, temos sua participação plena, caracterizada por um envolvimento por inteiro em todas as dimensões da vivência estudada. (idem, p.59/60) Com base em entendimentos como esses, o presente estudo envolveu os seguintes procedimentos de pesquisa: análise de LD de EM; análise das interações de professores de EM, da universidade e licenciandos, registradas nos ‘módulos interativos’ (ZANON, 2003) e realização de entrevista semi-estruturada com uma professora de Biologia do Ensino Superior (ES). Cabe esclarecer que o presente projeto decorre de pesquisas anteriores (Zanon, 2001, 2003; Hames, 2003; Wirzbicki; 2007) desenvolvidas no âmbito do Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências (Gipec-Unijuí) do qual fiz parte como bolsista de iniciação científica, durante o período em que era estudante da Licenciatura e posteriormente como voluntária. Tais pesquisas apontaram para a potencialidade da interação triádica (Schnetzler e Zanon, 2001) de licenciandos, professores da educação básica e professores da universidade na promoção de mudanças expressas, ao mesmo tempo, nas concepções e práticas de sujeitos em formação. Em síntese, este projeto insere-se num projeto de pesquisa mais amplo, coordenado pela orientadora, institucionalmente alocado no Programa de PósGraduação em Educação nas Ciências (PPGEC). Em atenção aos princípios da ética na pesquisa, o projeto desenvolvido foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa da Unijuí, conforme consta no Anexo I (Parecer Consubstanciado nº 055/2008). A análise de abordagens do conceito ‘energia’, em LD de Biologia e de Química do EM, abrangeu livros indicados pelo Programa do Catálogo Nacional do Livro para o Ensino Médio (PCNLEM). Analisou-se ainda um LD de Ciências do Ensino Fundamental (EF), LD do ES nos CC Bioquímica I e II. A escolha do “corpus” - conjunto de documentos utilizados e analisados na pesquisa - deve-se ao fato de terem sido utilizados como subsídio na organização dos ‘módulos interativos’, em especial nos capítulos que abordem os conteúdos: Enzimas e Metabolismo Energético. A análise procurou verificar em recortes de escritas e figuras as abordagens e explicações envolvendo as formas de ‘energia’, como são apresentadas e se são adequadas para a significação do conceito. 19 Para estabelecer distinções entre os LD de Biologia, Ciências, Química e Bioquímica analisados, utilizaram-se as seguintes siglas: LDBIO (Livro Didático de Biologia do EM), LDCIE (Livro Didático de Ciências do EF), LDQUI (Livro Didático de Química do EM) e LDBQ (Livro Didático de Bioquímica do ES). Os livros de Biologia analisados foram identificados como LDBIO1, LDBIO2, LDBIO3 e assim sucessivamente. O LDBIO1 é um livro de Biologia para a 1ª série do EM; o LDBIO2 é utilizado nas três séries do EM; o LDBIO3 é um volume único utilizado nas três séries do EM; o LDBIO4 refere-se ao volume 1, para a 1ª série do EM; o LDBIO5 é um volume único, indicado para todas as séries do EM. O LDCIE1 é um livro de CNT utilizado nas séries finais do EF. Os livros de Química analisados foram identificados como LDQUI1, LDQUI2 e LDQUI3, em que LDQUI1 é indicado para a 3ª série do EM; LDQUI2 é volume único para as três séries do EM; LDQUI3 é outro para as três séries do EM. Os livros de Bioquímica do ES utilizados como subsídio durante alguns ‘módulos interativos’ foram identificados como LDBQ1, LDBOQ2 e LDBQ3, em que o LDBQ1 é de Bioquímica Básica utilizado nos CC de Bioquímica; o LDBQ2 é, também, utilizado no CC Bioquímica I e II da universidade, possui um CD-ROM como subsídio alternativo, que contém imagens e animações de representações de processos atômico-moleculares, o que possivelmente auxilia nas compreensões dos estudantes. LDBQ3 é um livro de Química utilizado no âmbito do ES. Outros recursos didáticos utilizados nos trabalhos de pesquisa dos licenciandos, anteriores ao planejamento e desenvolvimento dos ‘módulos interativos’, foram também apresentados e discutidos, durante os mesmos. As figuras do capítulo IV retiradas de sites disponíveis na internet serão designadas de Site1, Site2 e assim sucessivamente. Em seguida, o procedimento metodológico abrangeu o planejamento, implementação e análise de ‘módulos interativos’, com três grupos de sujeitos de pesquisa – professores da universidade, professores do EM e licenciandos – em aulas de CC da licenciatura de Biologia e/ou Química (ZANON, 2003). Os módulos criam a possibilidade concreta de interação dos três grupos de sujeitos, cada um contribuindo com vivências e saberes em processos de discussão e reelaboração curricular em CNT. Neste contexto interativo, tem sido possível problematizar, compartilhar e ressignificar conhecimentos acerca de objetos sistematicamente influenciados pela cultura, pelo outro, marcados por intencionalidades e condições mais/menos simétricas de interação social. 20 O acompanhamento das interações é realizado mediante registros das falas dos sujeitos em áudio ou vídeo, e mediante anotações em agenda de campo. Os registros das interações dos três sujeitos de pesquisa, realizados em espaços de sala de aula na licenciatura, com posterior transcrição das falas, constituíram ricos materiais de análise. A análise centrou-se nas interações dos sujeitos participantes e suas mediações, voltadas ao desenvolvimento de processos de reflexão, em especial, sobre o conceito ‘energia’, no ensino e na formação de CNT. Por exemplo, a perspectiva de uma contextualização que não desconsidere a essencialidade dos processos de significação de ‘energia’. Para a realização dos ‘módulos interativos’, foram mantidos contatos com o Departamento de Biologia e Química (DBQ) da UNIJUÍ, a fim de apresentar a proposta de desenvolvimento desses módulos em CC dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas e Química, com a participação de sujeitos de pesquisa, conforme acima explicitado. A proposta de realização do estudo foi recebida como uma possibilidade concreta de promover conhecimentos pedagógicos relativos ao ensino do conceito ‘energia’ em CC da graduação, pertinentes à formação docente e que são abordados no EM, com todas as potencialidades, problemas e implicações. Realizou-se, então, uma primeira etapa do trabalho de coleta de dados em ‘módulos interativos’. O contexto da pesquisa abrangeu, especificamente, aulas de CC de Bioquímica I e II e dos referidos cursos de licenciatura, nos quais vêm sendo realizadas atividades visando a contextualizar e significar conceitos da área de CNT. Também, contempla características interdisciplinares, na perspectiva de compreender mudanças de concepções e práticas pedagógicas, no âmbito de processos de construção de conhecimentos científicos escolares. Cabe destacar que nos CC contemplados na presente pesquisa, os estudos bioquímicos abrangiam compreensões das atividades metabólicas vitais, com a utilização do mapa metabólico, ao que se pode referir como um recurso didático que exige graus elevados de abstração, necessários para compreender as rotas metabólicas ali representadas. No Apêndice I, encontra-se um quadro com os dados referentes (os CC contemplados com a pesquisa, as temáticas abordadas e os sujeitos participantes) aos 10 ‘módulos interativos’ planejados e desenvolvidos pela pesquisa no período de 2006 a 2009. Cabe ressaltar que nesta dissertação, dos ‘módulos interativos’ desenvolvidos, foram analisados somente os módulos 2, 8 e 9. Os referidos módulos trataram de assuntos vivenciais como: “respiração”; “respiração: bioenergética celular”, “enzimas e catálise enzimática”; estudados ao longo do semestre pelo CC em que o ‘módulo interativo’ foi desenvolvido. 21 Em conformidade com as características dos ‘módulos interativos’, para o desenvolvimento e análise das interações na formação docente, professores do EM (Biologia e Química) foram convidados a participar de aulas do curso de licenciatura, na universidade, criando uma possibilidade concreta de interação dos três grupos de sujeitos, cada um com suas vivências e saberes, sempre passíveis de discussão e reelaboração (ZANON, 2003). Com vistas a possibilitar interações ricas e fecundas, elaborou-se, para cada ‘módulo interativo’, um subsídio básico, para que os professores convidados pudessem contribuir nas discussões a partir dos conteúdos abordados na graduação, bem como, foram sugeridas leituras prévias sobre o assunto, incluindo figuras obtidas a partir de LDBIO e LDQUI utilizados no EM. Da mesma forma, os licenciandos realizaram, anteriormente aos módulos, pesquisas coletivas sobre os assuntos vivenciais desenvolvidos nos ‘módulos interativos’, usando fontes diversificadas, incluindo análise de LD do EM, bem como elaboração de questões prévias para serem levantadas e debatidas durante os módulos. Para que as interações fossem mais participativas, foram apresentados durante todos os ‘módulos interativos’ slides que incluíam abordagens e ilustrações encontradas em LDBIO e LDQUI do EM e em outras fontes sobre os assuntos em discussão. A exemplo disso, os slides continham ilustrações de esquemas representativos de transformações em nível atômicomolecular, mediante as quais é produzida a ‘energia’ metabólica que possibilita a manutenção do processo vital, envolvendo, em especial, compreensões relativas às vias metabólicas mitocondriais. Em relação aos princípios éticos da pesquisa, observando o que prevê a Legislação que disciplina pesquisas envolvendo seres humanos, os sujeitos de pesquisa foram esclarecidos sobre os objetivos, a justificativa, as metas e a possibilidade de desistirem de participar a qualquer momento da pesquisa, sem que houvesse constrangimento ou algum tipo de prejuízo. Aos sujeitos participantes dos ‘módulos interativos’ foi informado do anonimato garantido pela pesquisa, expresso no Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE II), que foi assinado pelos que concordaram em participar. Nesse contexto, foram procedidos os registros das falas gravadas em áudio e agenda de campo, seguidos de transcrição, os quais constituíram ricos materiais empíricos, que, por meio de sucessivas leituras, permitiram proceder recortes das falas, resultando na construção e análise de dados da pesquisa. Nos trechos de fala apresentados e discutidos no próximo capítulo, os sujeitos são referidos conforme segue: PU como professor da Universidade; PEMQ como professor de Química do EM; PEMB como professor de Biologia do EM; LQ como licenciando de Química; LB como licenciando de Biologia, L como licenciando quando 22 não é possível identificar se é licenciando de Biologia ou Química e M como mestrando. Os sujeitos, dentro de um mesmo grupo, são identificados por números distintos. Os turnos de fala dos sujeitos foram enumerados na ordem em que aconteceram as falas, iniciando em 1 (um) em cada ‘módulo interativo’ desenvolvido, também enumerando a sequência dos módulos. Por exemplo, (M2 - 8), corresponde ao registro do ‘módulo interativo’ 2, no turno de fala 8. Recortes das transcrições são apresentados e analisados no capítulo 4 do trabalho, com a finalidade de sustentar as argumentações, justificar e ampliar os diálogos com diversos autores que embasam teoricamente esta pesquisa. Outro procedimento metodológico constitui-se numa entrevista semi-estruturada com uma professora universitária da área de Biologia, com experiência docente no EM e superior. A entrevista foi realizada com base em um conjunto de questões prévias (APÊNDICE III), tendo sido registrada em áudio e posteriormente transcrita, permitindo a construção de resultados de pesquisa. Nos episódios da entrevista, a identificação foi feita com a denominação de PU3. A seguir serão discutidos aspectos relativos às concepções de Ciência e de conhecimento científico, uma breve retrospectiva histórica do ensino de Ciências no Brasil, articuladamente a reflexões sobre a (re)contextualização de conceitos científicos no ensino de CNT. 23 2 CONCEPÇÕES DE CIÊNCIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS As reflexões iniciais sobre os processos de significação do conceito ‘energia’ no ensino de CNT abrangem, neste capítulo, um olhar para aspectos históricos do desenvolvimento dessa área de ensino, situando as origens da problemática em estudo neste trabalho, em busca de melhor situá-la e compreendê-la, relacionando-a, posteriormente, com a idéia da contextualização dos conteúdos do ensino de CNT. Para isso, este capítulo traz algumas reflexões de cunho epistemológico sobre os conhecimentos histórica e socialmente produzidos, que compreendem os conhecimentos científicos, cotidianos e escolares, sempre diversificados, a partir de questões como: quais as marcas da visão positivista/empiricista de Ciência no ensino de CNT? Quais as visões de Ciência subjacentes aos discursos e práticas docentes? Qual a compreensão sobre dificuldades e obstáculos que acompanham os processos de (re)contextualização pedagógica dos conhecimentos científicos e cotidianos, nos processos de produção dos conhecimentos escolares, especificamente, no que se refere à significação de conceitos complexos, como o de ‘energia’, que se constitui num sistema, numa trama de relações com outros conceitos? Não é raro perceber-se que sujeitos envolvidos no ensino de CNT (professores, estudantes) detêm a concepção de que o conhecimento científico é um conhecimento provado, verdadeiro, inquestionável, visão que é explorada até mesmo pela mídia em propagandas quando a imagem de um determinado produto é vendida como a melhor, por seus efeitos terem sido “cientificamente comprovados”. Por outro lado, percebe-se a visão de que os conhecimentos “errados” dos estudantes devem ser eliminados e substituídos pelos conhecimentos científicos, “verdadeiros”. Nessa concepção, ensinar constitui-se num ato de impor um conjunto de verdades absolutas e dogmáticas e aprender é realizar um esforço de 24 repetição e “memorização” de verdades (GARCIA, 1998). Nos dizeres de Marques (1993), o ensino consiste em transmitir fielmente verdades aprendidas como imutáveis; e a aprendizagem é assimilação passiva das verdades ensinadas. Ensinar é repetir, aprender é memorizar. É decisivo o papel do professor, insubstituível em sua qualidade de portador individual dos conhecimentos depositados na tradição cultural. Os alunos são todos iguais, desde sua ignorância radical dos conhecimentos de que necessitam para se adaptarem ao cumprimento de suas futuras obrigações. (p. 15-28 e 105). Nessa concepção de ensino o professor é portador individual do conhecimento científico, visto como pronto e acabado. Os alunos, por sua vez, são sujeitos passivos da ação do professor, o que denota uma visão distorcida do papel da escola na sociedade conforme proposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, BRASIL, 1996). Essas considerações são um indicativo de que as concepções de Ciência e do papel do professor de CNT carecem de discussões fundamentadas, em todos os níveis e âmbitos da educação, em suas implicações no ensino da área, na perspectiva de uma contraposição ao ensino usualmente limitado à transmissão repetitiva de conteúdos sem uma relevância social intencionalmente explicitada. A preparação de professores é tema de discussões constantes e intensas controvérsias tanto, no Brasil como em âmbito internacional envolvendo problemas filosóficos, ideológicos, pedagógicos entre muitos outros. Hoje quando o papel dos docentes na preparação das crianças e jovens para viver no mundo em que mudanças afetam diretamente suas relações com a escola, novos elementos são agregados ao debate. No Brasil diante da situação deficitária de todos os níveis do ensino é comum atribuir aos docentes e seus formadores a responsabilidade pelas falhas e fracassos dos sistemas escolares. Aceitar decisões simplistas que ignorem a complexidade do processo educacional leva ao fracasso das políticas governamentais e das iniciativas institucionais (KRASILCHIK, 2000, p. 22). Em contraposição às visões simplistas do processo educacional, que reduzem muitas das dificuldades no âmbito do ensino de CNT à responsabilidade dos professores é que se constitui o presente trabalho. O mesmo propõe discutir a complexidade do processo de ensino do conceito ‘energia’, apontando algumas melhorias possíveis de serem implementadas na área de CNT. Este capítulo está organizado em três subcapítulos. O primeiro resgata algumas concepções de Ciência e conhecimento científico, ao longo da história da Ciência. O segundo traz uma breve retrospectiva histórica do ensino de CNT, no contexto brasileiro. O terceiro discute a perspectiva contextual no ensino de CNT. 25 2.1 Sobre Concepções de Ciência e de Conhecimento Científico Muitas foram as ideias e concepções de Ciência desenvolvidas ao longo de seu próprio percurso histórico, articuladamente ao desenvolvimento da própria humanidade. Algumas estão presentes até hoje em contextos educativos, outras já foram superadas ou encontram-se em fase de reformulação. Desde os primórdios da organização da Ciência, os interesses científicos da humanidade giravam em torno da relação homem/natureza, o primeiro considerado como um ser “fora” da realidade em que está inserido, que domina e usa os bens naturais disponíveis em seu próprio benefício. Proposições de Bacon e Galileu remetiam para as bases de uma concepção de Ciência criticada na atualidade. A visão de que a Ciência é objetiva e de que o conhecimento científico é provado tornou-se presente durante a (e como consequência da) Revolução Científica que ocorreu principalmente durante o século XVII, levada a cabo por grandes cientistas pioneiros como Galileu e Newton (CHALMERS, 1993). A respeito dessa filosofia, pode-se dizer que um dos criadores do método científico moderno e da Ciência experimental, Francis Bacon, utilizou, no início do século XVII, o método de pesquisa baseado na indução. Segundo a lógica do indutivismo, o conhecimento científico é provado e as teorias científicas derivam da obtenção de dados da experiência adquiridos por observação e experimento. Chalmers propõe que: “Existem duas suposições importantes envolvidas na posição indutivista ingênua em relação à observação. Uma é que a Ciência começa com a observação. A outra é que a observação produz uma base segura da qual o conhecimento pode ser derivado” (1993, p.46). Críticas à posição indutivista fundamentam-se na ideia de que dois observadores podem estar olhando para um mesmo objeto, mas cada um com um olhar, uma análise, uma interpretação e uma conclusão diferenciada sobre o que lhe é apresentado. Fundamentam-se, também, na ideia de que as proposições elaboradas a partir das observações pelos sentidos são tão sujeitas a falhas quanto às teorias que elas pressupõem. “A dependência que a observação tem da teoria, com certeza derruba a afirmação indutivista de que a Ciência começa com a observação” (CHALMERS, 1993, p.25), visto que a Ciência progride por tentativas e erros. Para Marques (1993, p. 42), “na moderna Ciência da Natureza o conhecimento não se funda na interpretação intelectual dos fenômenos, mas na determinação de transformá-los para dominá-los. (...) Os fenômenos são tecnicamente constituídos.” Chalmers (1993) afirma que o positivismo lógico foi uma forma extrema de empirismo, segundo o qual as teorias não apenas devem ser justificadas, na medida em que podem ser verificadas mediante um apelo 26 aos fatos adquiridos através da observação, mas também, são consideradas como tendo significado apenas até onde elas possam ser assim derivadas. Sobre a intervenção e dominação do homem sobre o mundo, Marques propõe que: “a consciência conhece pela representação com que se relaciona com objetos que, para melhor domínio, reduz e fragmenta em especialidades compartimentadas e isoladas de todo seu contexto natural e cultural” (1992, p.553). Na concepção empiricista/indutivista de Ciência, as principais formas de legitimação dos conhecimentos científicos fundamentam-se na natureza, segundo a qual as ‘verdades’ estariam postas na natureza, a priore da observação, cabendo aos cientistas descobri-las, desvelá-las. Porém, a partir da visão crítica à Modernidade, frente a situações novas como a produção de inúmeras substâncias artificiais, produtos científicos e tantos modelos teóricos simbolicamente criados, como refere Lopes, é abalada a crença de que as ciências são inerentes à natureza e, anteriores à própria ação social dos seres humanos; a própria noção de objetividade modifica-se. (...) Ser objetivo nas ciências não significa estar fundamentado no objeto. (...) É preciso ser capaz de elaborar métodos de construção da objetividade, e não supor essa objetividade como anterior ao próprio processo de pesquisa (2007, p.190-191). Cada vez mais, novas vertentes da filosofia da Ciência têm feito críticas em relação ao fundamento seguro da observação e do experimento. Por outro lado, vêm contribuindo e problematizando a visão de uma possibilidade segura de observação, da qual possam derivar teorias científicas de modo confiável, em defesa da visão de que as teorias científicas não são ‘descobertas’, mas, sim, produções humanas decorrentes de interesses e de conhecimentos já existentes. Recentemente, ampliam-se as críticas à visão das teorias científicas como verdades absolutas, com influências consideráveis nas concepções de Ciência como processo social, humano e sistematicamente reflexivo. Nessa perspectiva, referenda-se a visão de que: Como poderíamos afirmar que a experimentação científica encerra múltiplos fatores não apenas tecnológicos, mas histórico-culturais, ético-morais, políticos, religiosos ... que condicionam e, em muitos casos na atualidade, (re)orientam e (re)centram a atividade de pesquisa, como construção e produção social do conhecimento científico, como empreendimento humano que toma opções e tomadas de posição não neutrais, mas carregadas de valores. A comunidade científica tem, também, um papel primordial que importa não esquecer. A experiência enquadra-se num processo não de saber-fazer, mas de reflexão sistemático, de criatividade e mesmo de invenção (PRAIA E CACHAPUZ, 2002, p.258). 27 Segundo Marques, os fenômenos “não são dados, mas resultados; não se descrevem, mas se produzem” (MARQUES, 1993, p. 42). A Ciência é um conhecimento em expansão e uma teoria só pode ser adequadamente avaliada em seu contexto histórico: a avaliação da teoria está intimamente ligada às circunstâncias nas quais ela surge. Como refere Chalmers (1993), não se pode manter uma distinção acentuada entre a observação e a teoria porque a observação ou, antes, as afirmações resultantes da observação são permeadas pela teoria. Outrossim, vale refletir sobre a visão de que, com Bachelard, (...) a própria questão da verdade se modificou. Com base em sua epistemologia, deixa de ser possível fazer referência à verdade, instância em que se alcança em definitivo. Existem verdades, múltiplas, históricas, pertencentes à esfera da veracidade, da capacidade de gerar credibilidade, confiança. As verdades só adquirem sentido ao fim de uma polêmica. (LOPES, 2007, p.33). Segundo considerações lógicas e filosóficas, teorias científicas não podem ser provadas ou desaprovadas. Uma reação à percepção de que teorias científicas não podem ser conclusivamente provadas ou desaprovadas e de que as reconstruções dos filósofos guardam pouca semelhança com o que realmente ocorre na Ciência é desistir de uma vez da ideia de que a Ciência é uma atividade racional, que opera com algum método (CHALMERS, 1993). De acordo com o mesmo autor: “é essencial compreender a Ciência como um corpo de conhecimento historicamente em expansão e que uma teoria só pode ser adequadamente avaliada se for prestada devida atenção ao seu contexto histórico e às circunstâncias nas quais surge” (idem, p.61). Nessa perspectiva, a Ciência é tida como processo social, histórico e cultural. Lopes (2007), com base em Stengers (1990), expressa a visão de que as Ciências se constituem e se organizam como empreendimento cultural, ou seja, social e humano. Nesse sentido, o trabalho científico precisa despertar interesse e ser capaz de criar diferença entre seus pares. Dessa forma, os cientistas inventam o que talvez seja a singularidade das ciências modernas: uma prática original de trabalhar junto. Os cientistas precisam criar vínculos, estabelecer relações, formar grupos de interesses comuns, traduzindo fielmente as relações sociais que determinam aqueles a quem é interessante interessar e aqueles a que podem ajudar a fazer a diferença. Desse modo é que as ciências se organizam como um empreendimento cultural e, portanto, social e humano. (LOPES, 2007, p. 193-194). A concepção de Ciência baseada na visão de um processo de produção históricosociocultural é levantada por Chalmers (1993) ao assinalar que tanto a observação quanto o experimento orientam-se por 'teorias' pré-existentes, de que não há 'descobertas', mas, sim, 28 'produção de conhecimentos' através do aprofundamento e ampliação das formas anteriores de conhecimento. Tudo isso corrobora a defesa da visão de Ciência como uma construção humana, que envolve aspectos sociais e culturais que lhe são inerentes. O uso da razão instrumental na dominação do homem sobre o mundo e a natureza colocou a própria razão em crise. Essa crise atingiu muitas instituições sociais, dentre elas a prática educacional, carente de rupturas e (re)construções. Nessa perspectiva, Boufleur (1997) sugere que se abandonem as concepções de Ciência baseadas no mundo que “se descobre” para um mundo que “se produz”, “o que resulta em mudanças efetivamente radicais para as interações humanas que se orientam para processos de aprendizagem nos âmbitos da cultura e da sociedade, como é o caso das interações pedagógicas” (p.312). Contudo, essa linha de discussão e reflexão permite a percepção e compreensão de que, desde o princípio, o ensino das Ciências foi marcado por uma visão dogmática por parte daqueles que o ministravam, visão ainda recorrente em diversos âmbitos e níveis educacionais. A concepção de Ciência como verdade absoluta, pronta e acabada, um dogma, semelhante a uma religião, fortalecida na ideia de verdade, na perspectiva de valorizá-la como um conhecimento produzido por uma comunidade científica, resultante da produção humana, constante e bastante específica, sujeita a sistemáticos processos de validação e refutação (CHALMERS, 1993). Frente a essas considerações, o subcapítulo que segue apresenta um breve retrospecto histórico do ensino de CNT no Brasil, discutindo a promoção de um ensino que considere a visão de que os conhecimentos científicos mediados em contexto escolar são impregnados de aspectos históricos, sociais e culturais específicos a cada Ciência. 2.2 Sobre a História do Ensino de Ciências da Natureza no Brasil No Brasil, o ensino de Ciências, nas últimas décadas, sofreu influências de vários autores com grande referência em pesquisas na área de Ciências: Krasilchik (1987) Fracalanza (1986), Lopes (1993), Maldaner (2003), Delizoicov (2004), Nardi (2005), entre outros. A partir de autores como estes, ocorreu a constituição de grupos de pesquisa sobre o ensino, contrapondo-se a limitações de uma visão de Ciência cerceada a transmissões técnicas e simplistas. Sobre a instauração e a ampliação do ensino de CNT brasileiro, seus avanços e limitações, referendando Lopes, trazemos a reflexão de que: 29 A ciência precisa ser vista no ensino dentro de sua lógica própria, sendo transmitida aos alunos enquanto parte de uma cultura crítica, polêmica. Limitar a ciência a seu caráter de aplicação técnico, ou suprimir essa relação igualmente impedem o conhecimento da totalidade do processo de construção científica (p. 87, 1990). Para compreender a atual conjuntura do ensino de CNT, é importante considerar que esta área nem sempre esteve presente nas grades curriculares das escolas brasileiras. No que se refere, especificamente, à presença de estudos e aprendizagens relativas ao conceito ‘energia’ do ponto de vista da área de CNT, cabe refletir que nem sempre isso aconteceu nas escolas do nosso país. Segundo estudos publicados por Lopes (2007, p.81-82), a área de Ciências começou a ocupar e integrar o espaço do currículo das escolas secundárias a partir de 1837, tendo como característica marcante o “fazer”, e não o “pensar”, a memorização, o acúmulo de informações, o caráter “descritivista e empiricista” no ensino de “fatos e princípios de utilidade prática”, mesmo que distantes da realidade do estudante. Pesquisas mencionadas pela autora informam que as orientações do Colégio Pedro II, já em 1899: objetivavam o ensino dos fenômenos mais correntes e fundamentais das ciências. No programa de 1911, a recomendação era restringir o ensino de ciências a noções sucintas, de forma a estabelecer o ensino intuitivo, sem abordagem de teorias ou doutrinas. Já se apontava para a perspectiva de enfatizar observações e experiências, mesmo que de caráter ilustrativo (LOPES, 2007, p. 95). O ensino de Ciências, nesse período histórico, reforçava classificações e conexões entre fatos, com influências de concepções empiristas que marcavam o currículo formal vigente. As primeiras abordagens da área eram pautadas em noções sucintas, ao mesmo tempo em que se apresentavam programas extensos para a carga horária. Sobre o ensino desenvolvido no colégio Pedro II, a mesma autora considera que “o ensino do país não pode ser reduzido ao que se ensinava no Colégio Pedro II, como limitar o ensino de Ciências à existência da disciplina com esse nome na grade curricular” (LOPES, 2007, p. 80). Como apontado e discutido por autores diversos, citados no início deste subcapítulo, que tratam da história da educação do Brasil, em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, passaram a ser propostas mudanças no ensino escolar, contrapondo-se aos métodos tradicionais, a favor de uma metodologia ativa. Pretendia-se incluir o que se tinha de mais moderno em descobertas nas Ciências, com a finalidade de formação de uma elite de profissionais capazes de contribuir para o desenvolvimento industrial científico e tecnológico. Para tanto, a orientação era de que as aulas em laboratório superariam o caráter expositivo, e 30 viriam então a propiciar atividades motivadoras que possibilitassem a compreensão dos conceitos. Anos mais tarde, por volta de 1950, o Brasil vivia uma fase de industrialização. O currículo brasileiro “copiava” os currículos europeus, pois seus livros e programas eram importados da Europa. O ensino nesta época centrava-se no uso exclusivo do livro texto, e o professor tinha como principal função a transmissão de informações que os estudantes deveriam memorizar e repetir. Segundo Krasilchik: “Para atender às necessidades de mudanças, movimentos começaram a se organizar, nessa época, em várias instâncias. Em nível internacional formava-se a chamada primeira geração de projetos curriculares, nos Estados Unidos” (1987, p.8). A partir da primeira geração de projetos no ensino de Ciências foram propostos os projetos voltados à temática ambiental. Esta é uma das explicações para o fato de se colocar, ainda hoje, a Educação Ambiental junto ao ensino de Ciências. Esse período marcante e crucial na história do ensino de Ciências, que influi até hoje nas tendências curriculares de CNT no EM como no EF, foi dando lugar, ao longo dessas últimas décadas, a outras modificações em função de fatores políticos, econômicos e sociais que resultaram, por sua vez, em transformações das políticas educacionais, cumulativas em função das quais ocorreram mudanças no ensino de Ciências. O Quadro1 situa as tendências mundiais de ensino no período de 1950 a 2000. Quadro 1: Evolução da Situação Mundial, segundo Tendências no Ensino (1950-2000) Tendências Ensino Objetivo Ensino Concepção Ciência Instituições Promotoras Reforma no Situação Mundial 1950 Guerra Fria do • Formar Elite • Programas Rígidos Situação Mundial 1970 Guerra Tecnológica • Formar Cidadãotrabalhador • Propostas Curriculares Estaduais • Evolução Histórica de • Atividade Neutra • Pensamento Lógico-crítico •Projetos • Centros de Ciências, de Curriculares • Associações Universidades Profissionais • Aulas Práticas • Projetos e Discussões Modalidades Didáticas Recomendadas Fonte: Krasilchik, 2000, p. 86. Situação Mundial 1990 - 2000 Globalização • Formar CidadãoTrabalhador-Estudante • Parâmetros Curriculares Federais • Atividade com Implicações Sociais • Universidades Associações Profissionais e • Jogos: Exercícios no Computador 31 O quadro evolutivo dos objetivos do ensino de Ciências, proposto pela referida autora, situa uma preocupação constante com a atualização dos programas em relação ao progresso da própria Ciência. Segundo ela, no Brasil, o movimento de reforma do ensino de Ciências antecedeu ao dos americanos. Sob a liderança do professor universitário Isaias Raw um grupo de professores que almejavam mudanças na qualidade do ensino de Ciências organizou, em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC). Isso, pela preocupação frente ao baixo nível do ensino escolar, na área, e a busca de sua melhoria de qualidade, a ser estendida até o ES. Nas palavras de Isaias Raw (apud, CHASSOT, 2002, p.26): Até os anos 50, no Brasil, o MEC tinha um programa oficial e todos os livros escolares eram iguais. Era proibido inovar. Foi quando começamos um esforço muito semelhante ao que foi desenvolvido, dois anos mais tarde, pela National Science Fundation. Conseguimos inovar o ensino de Ciências. Somando Ibecc (depois Funbec) e Cescem (depois fundação Carlos Chagas) preparamos novos livros e guias de laboratório, criamos novos equipamentos de baixo custo e retreinamos os professores para usá-los. Segundo o autor, o trabalho deste grupo centrou-se na preparação de material de laboratório e na atualização dos conteúdos de currículo de Ciências. Não tardou para que as reformas se deparassem com barreiras como o número de aulas, que era determinado pelo ministério da educação e a falta de profissionais qualificados, demandando cursos de aperfeiçoamento para uma formação mais adequada. De acordo com Krasilchik (1987), a disciplina de Ciências passou a ser obrigatória no país só a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº. 4.024/61, a qual ampliou bastante a participação das ciências no currículo escolar, que passaram a figurar desde o 1º ano do curso ginasial. No curso colegial, houve também substancial aumento da carga horária de Física, Química e Biologia. Essas disciplinas passavam a ter a função de desenvolver o espírito crítico com o exercício do método científico. O cidadão seria preparado para pensar lógica e criticamente e assim capaz de tomar decisões com base em informações e dados. (idem, 1987, p.15) A partir da década de 1950-60, focos de mudança nas perspectivas do Ensino de Ciências passaram a ser objeto da atenção de pesquisadores e educadores da área, refletindose, de alguma forma, nas orientações curriculares do mundo todo. A importância dada à formação do cidadão está associada a um processo de democratização que, em nosso país, foi interrompido durante os vinte anos posteriores ao golpe de 1964. Paulatinamente ocorreu uma mudança nos objetivos 32 da educação e no ensino de Ciências que havia passado do cientista para o cidadão e depois para o trabalhador. Embora os documentos legais pouco tivessem modificado a sua letra, não mais se aspirava a um conhecimento científico atualizado, considerado supérfluo na escola profissionalizante. As disciplinas científicas tiveram sua carga horária reduzida, o currículo foi acrescido de uma série de disciplinas pretensamente técnicas que, na verdade, fragmentaram, esfacelaram as demais disciplinas, impedindo que o conhecimento fosse apresentado aos estudantes com coerência e sentido. Em consequência, os defeitos atribuídos às disciplinas científicas - fragmentárias, livrescas, memorísticas, enciclopédicas - acentuaram-se. (KRASILCHIK, 1987, p.56) Em tempo de ‘guerra-fria’, países mais desenvolvidos (Estados Unidos, Reino Unido e Austrália), tradicionais centros culturais de influência no mundo, alavancavam as primeiras mudanças no Ensino de Ciências e nos programas das disciplinas científicas. Era a primeira reforma do Ensino de Ciências Naturais, cujas origens se situam, portanto, num movimento de âmbito mundial que se contrapunha ao modelo de ensino marcado pela transmissãorecepção de conteúdos padronizados, de forma diretiva, pronta e repetitiva. Esse período foi o marco histórico do fim de um longo tempo de estabilidade nos currículos da área. bem como o início de um movimento de reforma que se originou como resposta a críticas feitas a partir do exterior da instituição escolar. Tais críticas tinham por base a constatação da existência de um considerável defasamento entre os notórios progressos da sociedade industrial e a mediocridade dos programas de ensino em uso para o ensino das Ciências (SANTOS, 1991, p. 26 e 27). As propostas de mudança do ensino de Ciências não valorizavam relações entre o que estava sendo estudado em sala de aula e situações reais vivenciadas no cotidiano fora da escola ou em aulas experimentais. O contexto era marcado por metodologias e conteúdos baseados no modelo de ensino referido por Freire (1987) como “bancário”. A tendência da “transmissão-recepção”, de caráter “conteudista”, perdurava sem avanços. Por conta dos projetos internacionais, nas décadas de 1970 e 1980, o ensino de Ciências vinha pautado num caráter objetivista da Ciência, baseado na valorização das técnicas de observação e experimentação, sem a influência dos interesses e concepções dos sujeitos, marcas da visão empirista. Mais tarde, abordagens educacionais passavam a caminhar em direção à superação das tendências propedêuticas vigentes. Na década de 1990, é promulgada mais uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de Nº. 9.394/96 com inúmeros avanços. Mas em muitas escolas contemporâneas ainda permanece um ensino fortemente alicerçado na preparação para vestibulares e seleções, com pouca significação conceitual para os estudantes, 33 bem como sem a valorização das vivências desses sujeitos e a necessária contextualização. Para Marques: Reconstruir a educação que responda às exigências dos tempos atuais não significa o abandono do passado, o esquecimento da tradição, mas uma releitura dela à luz do presente que temos e do futuro que queremos, uma hermenêutica que parta do pressuposto de que nenhuma tradição se esgota em si mesma, bem como nenhuma é dona original de seu próprio sentido.(...) Reconstruir não significa ignorar o passado que, na cultura e em cada homem, continua presente e ativo, vivo e operante, mas impõe que nele penetrem e atuem novas formas que o transformem e o introduzam na novidade de outro momento histórico e outros lugares sociais (1992, p. 549). Dessa forma, podemos perceber, a partir de estudos históricos, que o ensino de Ciências no país é recente, e que passou e continua passando por diversas alterações. Entretanto, ainda hoje apresenta resultados insuficientes, tendo em vista várias dificuldades no âmbito escolar, sobre as quais é importante empreender discussões e reflexões que apontem para melhorias. Visto que o ensino de CNT, Infelizmente, mantém-se um ensino precário com professores que enfrentam nas escolas problemas de sobrecarga, de falta de recursos e de determinações que deveriam seguir sobre as quais não foram ouvidos. As modificações promovidas por diferentes elementos ao longo dos diversos patamares de decisões que atuam nos componentes curriculares – temáticas e conteúdo, modalidades didáticas e recursos e processos de avaliação – confluem para um cenário que raramente é o planejado pelos emissores do currículo teórico. (KRASILCHIK, 2000, p. 88) A constatação de uma crise no ensino de Ciências não pode ser destacada daquela que atinge todo o processo educacional, mas exige soluções próprias e um tratamento adequado. Nesse sentido, cabe refletir sobre o que observa Krasilchik: No Brasil, no plano das intenções, aparentemente não ocorre conflito, pois pesquisas na área de educação indicam que cientistas e educadores concordam sobre os grandes objetivos do ensino das Ciências – pensar lógica e criticamente. Embora não haja discordâncias evidentes sobre o papel das disciplinas científicas na educação dos jovens, os resultados estão longe das aspirações compartilhadas por todos que influenciam as decisões curriculares. Tal situação suscita questões para as quais não há resposta fácil: Por que, na sala de aula, o ensino continua como sempre, e incoerente com as metas aceitas por consenso? Se o problema não reside na diferença de concepções, qual a explicação para a discrepância entre o que se acredita e o que acontece? (1987, 60). Com o resgate de aspectos do desenvolvimento histórico do ensino de CNT no Brasil e das problemáticas a ele inerentes, busca-se melhor situar e compreender a necessidade de uma reconstrução curricular do mesmo, a partir das novas políticas públicas do país, atualmente em desenvolvimento nas escolas, após a LDBEN (BRASIL, 1996), em contraposição à 34 preocupação restrita em dar conta de uma lista pré-determinada de conteúdos, em cada disciplina escolar. Procura-se promover conhecimentos escolares não mais marcados por limitações típicas do ensino tradicional, baseadas em repetições e memorizações de conteúdos prontos e dogmáticos, que confirmam a maneira descontextualizada e fragmentada de organização do conhecimento no currículo escolar. Também, romper com a relação dicotômica entre os aprendizados escolares e os desenvolvidos nas vivências em situações reais, em decorrência de uma visão de ciência neutra, pronta, acabada, cerceada aos limites da racionalidade técnica (SCHÖN, 1987). No item que segue, discute-se a respeito da perspectiva da contextualização dos conteúdos do ensino escolar, amplamente sugerida nos parâmetros, diretrizes e orientações curriculares nacionais, que se contrapõem ao ensino desconexo ainda presente em âmbito escolar, de modo que os estudantes sejam capazes de relacionar o pensar científico, para uma compreensão crítica da realidade e para a solução de problemas práticos, em situações cotidianas. 2.3 A Perspectiva da Contextualização no Ensino de Ciências da Natureza Discutir a perspectiva da contextualização dos conteúdos do ensino de CNT, neste trabalho, pressupõe a visão de que a Ciência é uma atividade humana que permite a produção e validação de conhecimentos no âmbito de comunidades específicas de pesquisadores, mediante um caminho nunca linear. Podemos chamar de Ciência um conjunto de processos histórico-culturais de produção e validação de novos conhecimentos sobre realidades que mudam, ou podem mudar, nos diversos tempos ou lugares sociais. Os cientistas são histórica e culturalmente influenciados pelos pensamentos típicos de diferentes períodos e contextos. Mesmo as teorias que hoje são refutadas, de alguma forma, contribuíram para a Ciência se consolidar e dispor de todos os conhecimentos dos dias atuais. Contudo, como já referido, o ensino de CNT denota influências tradicionalmente disseminadas, em contextos educativos diversificados, marcadas por concepções empiristas/indutivistas de Ciência, o que coloca a necessidade e importância de estudos e discussões, em processos de formação de professores sobre implicações de concepções de Ciência no ensino de CNT. Assumir que é papel da escola e, dentro dela, do professor de CNT, disponibilizar aos cidadãos o acesso aos conhecimentos produzidos nas Ciências implica desenvolver e compreender modos adequados de transformação dos conhecimentos científicos em conhecimentos escolares, os quais, por natureza, mantêm relações com 35 conhecimentos cotidianos. Neste trabalho a atenção volta-se à compreensão de processos de significação do conceito ‘energia’, frente às críticas ao ensino tradicional, referidas anteriormente, assumindo a visão de uma formação escolar ‘para todos’, na qual uma das perspectivas atualmente consideradas é a da contextualização dos conteúdos do ensino escolar. A universalização do direito à Educação Básica até o final do EM é reveladora da mudança radical do perfil da reforma educativa que passou a marcar o desenvolvimento curricular, no país, buscando superar o modelo caracteristicamente elitista de organização do ensino, no seio das políticas públicas anteriores à LDBEN (BRASIL, 1996). No entanto, apesar das novas políticas, muitos professores de CNT ainda se mantêm alijados do acesso aos avanços dos conhecimentos, sejam os relativos às novas perspectivas curriculares, sejam os relativos aos próprios conhecimentos dos conteúdos do ensino que ministram. Convivemos, ainda hoje, com a tendência de manutenção do status quo, sendo constantes os desafios e as dificuldades enfrentadas por parte de grupos organizados que buscam propiciar, na prática, a reforma curricular do sistema educacional. Preocupações de educadores e pesquisadores da área de ensino CNT, em especial a partir da década de 1980, diante das limitações percebidas no contexto educacional marcado pela pouca significação dos conteúdos, inexistência de vinculação a situações reais, pouco interesse e aprendizado por parte dos estudantes, ensino de transmissão e repetição com caráter conteudista, altos índices de repetência e evasão escolar, entre outras dificuldades, trilharam um caminho propulsor para a construção e estabelecimento de leis, parâmetros e diretrizes que orientam o desenvolvimento de um ensino que supere as dificuldades presentes até então. Nessa perspectiva, as reflexões de educadores, pesquisadores, instituições governamentais e cidadãos interessados em mudar os rumos da educação neste país permitiram a construção de documentos que fundamentam as ações educativas atuais. De acordo com Nardi (2007): A institucionalização da ciência em nível escolar se dá através do estabelecimento de vários mecanismos: legislações e normas, posteriormente assumidas em caráter oficial pelos governos através da determinação de parâmetros, diretrizes curriculares, currículos mínimos; a criação de cursos de formação de professores específicos para o ensino da ciência em suas diversas ramificações ou modalidades; e a criação de outras instâncias paralelas-geralmente chamadas de não-formais, como centros de ciências e revistas de divulgação (p.359). 36 Sugestões expressas nas orientações curriculares oficiais publicadas em documentos como a Constituição Federal (1988), a LDBEN (BRASIL, 1996), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 1998), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 1999) e por fim as OCNEM (BRASIL, 2006), constituem uma documentação consolidada por uma caminhada histórica na educação, de fundamental importância na perspectiva de auxiliar na melhoria da qualidade educativa dos espaços de ensino e formação brasileiros, com uma preocupação voltada para a valorização dos docentes da educação básica. Todos esses documentos resultam de quase duas décadas de intenso repensar e questionar sobre as maneiras de como a educação nacional estava sendo trabalhada nos vários níveis e áreas. Os parâmetros, diretrizes e organizações curriculares foram publicados após a instituição em nível nacional da LDBEN (BRASIL, 1996), com a responsabilidade de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor na busca de novas abordagens e metodologias. Reflexões desenvolvidas durante a elaboração de leis, diretrizes e orientações curriculares partiram da consideração de que um avanço necessário estava se tornando presente na área de CNT. Nessa perspectiva, as mudanças passaram a ser compreendidas como um processo complexo e interligado, que contempla vários saberes, que não se restringem a uma única disciplina. Mesmo que a LDBEN não coloque referências aos eixos da contextualização e interdisciplinaridade, ela explicita a preocupação com um ensino que garanta “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). Acredita-se que o desenvolvimento de um ensino com características conceituais e contextuais seja capaz de contemplar exigências de formação expressas pela LDBEN. Pode-se dizer que a reforma curricular em andamento no país objetiva ampliar os processos de aprendizagem significativa ao longo do desenvolvimento dos conteúdos, relacionando-os com a realidade dos estudantes, na perspectiva da contextualização dos conhecimentos escolares, no ensino. Acredita-se que somente se voltarmos atenções a esta perspectiva é que será possível uma reorganização curricular do EM que contemple a formação dos estudantes com significações no contexto da ampla globalização que marca o meio social e escolar, de modo que no contexto escolar possa acontecer a formação de sujeitos ativos, críticos e participativos, capazes de construir respostas adequadas a problemas atuais e novas situações reais (BRASIL, 1996). 37 Atualmente vivemos a era da informação e dos avanços tecnológicos de comunicação, nos quais temas de CNT são amplamente apresentados nos variados meios de comunicação, instigando os professores a apresentarem esses assuntos aos estudantes, possibilitando que os mesmos associem suas realidades com os conceitos científicos básicos. Um ensino pautado na memorização e reprodução mecânica de conteúdos acabados contribui para a descaracterização de uma Ciência que se preocupa com os diversos aspectos da vida e com a formação de uma visão do homem e de seu papel no mundo em transformação (BRASIL, 2006). Nesse sentido, torna-se necessário repensar e superar as práticas tradicionais de ensino dos conteúdos científicos escolares, que ainda subsistem, em que pese às amplas possibilidades de mudança propostas pelas OCNEM (BRASIL, 2006). As possibilidades de ruptura com o modelo tradicional de ensino estão colocadas há vários anos como alternativa de os professores repensarem sua prática pedagógica, na perspectiva de promover um processo de ensino-aprendizagem mais significativo, que contemple expectativas de desenvolvimento mental, cognitivo dos estudantes. No cenário da reforma curricular vigente no país, para ensinar CNT, é fundamental enfrentar e saber lidar com constantes desafios. Um deles é propiciar ao estudante a participação em debates contemporâneos, que exijam conhecimentos conceituais para tomadas de decisões com responsabilidade social. Outro desafio é a formação do indivíduo com um sólido conhecimento na área científica e com raciocínio crítico e (re)construtivo. Cotidianamente, a população, embora sujeita a uma variedade de propagandas e campanhas, e mesmo diante de uma gama de informações e posicionamentos, sente-se pouco confiante para opinar sobre temas polêmicos e que podem interferir diretamente em suas condições de vida (BRASIL, 2006). Nessa perspectiva, o ensino de CNT tem a pretensão de instrumentalizar o estudante, mediante conhecimentos associados a atitudes, valores e ações, para que ele possa se posicionar crítica e responsavelmente, diante de questões que se apresentam no seu dia-a-dia. Trata-se, portanto, de capacitá-lo para interpretar fatos e fenômenos à luz dos conhecimentos escolares, mais especificamente, da área de CNT, para que seja sujeito ativo, com visão crítica e argumentativa, usando conhecimentos enriquecidos pelos estudos escolares. Defende-se uma (re)contextualização e significação dos conhecimentos científicos em aulas de CNT, não como conhecimentos ‘colocados a prova’ mas sim como conhecimentos cuja apropriação pelos estudantes, em âmbito escolar, é importante. 38 Nesse cenário problemático, com as discussões apresentadas neste capítulo, defendese a atenção à necessária reflexão epistemológica sobre a especificidade dos conhecimentos científicos e cotidianos que, produzidos pela humanidade, são prementes de co-participarem no ensino de CNT, nos espaços educacionais diversificados, proporcionando e estimulando uma visão mais ampliada e crítica da realidade, à luz das Ciências. Refletir sobre a especificidade dos conhecimentos escolares e sobre o que se pretende com a produção e recriação dos mesmos é algo bastante complexo, sendo importante promover reflexões sobre tal complexidade, em espaços de formação para o ensino de CNT. Tal formação carece de novas ações e interações, em busca de novas compreensões sobre as mudanças curriculares em andamento no país, sendo essencial a conscientização e participação ativa dos agentes envolvidos nos processos de mudança. Nesse sentido, ao pensar num currículo para formação de professores do ensino de ciências, logo temos que pensar na necessidade de mapear os conteúdos dessa disciplina, de tal maneira a formar um currículo com disciplinas relevantes e que propicie a integração entre os conteúdos e áreas específicas da ciência que está dentro da disciplina de ciências. É importante pensarmos num currículo interdisciplinar de formação de professores para esse ensino, levando o educando a construir um conhecimento global, não permitindo uma organização curricular fragmentada e compartimentalizada. Assim, acreditamos que devemos dar uma melhor atenção nos modelos de currículo para a formação desses professores, e também, analisar qual seria um modelo de currículo que contemple a formação de um professor que seja apto a trabalhar interdisciplinarmente com os conteúdos das diversas ciências no ensino fundamental (FRACALANZA, 2006, p. 211). Assim, está-se ciente da necessidade de maior consideração, em contextos de ensino e de formação para o ensino em CNT, da dinamicidade e complexidade dos conhecimentos e das relações imbricadas na construção de uma organização curricular com características contextuais atualmente propostas, frente ao pressuposto de que: O conhecimento escolar seria estruturado de maneira a viabilizar o domínio do conhecimento científico sistematizado na educação formal, reconhecendo sua relação com o cotidiano e as possibilidades de uso dos conhecimentos apreendidos em situações diferenciadas da vida. Essa proposta depende, para a concretização, de que o professor se torne mediador entre o conhecimento sistematizado e o aluno, para que este consiga transpor para o cotidiano os conteúdos apropriados em sala de aula. (OCNEM, BRASIL, 2006, p. 18). Nesse cenário problemático, situa-se e justifica-se a importância da linha de investigação deste trabalho, que, sem deixar de dar atenção a formas de (re)contextualização didática das abordagens tipicamente escolares, busca avanços na compreensão, sobretudo, dos 39 processos de significação conceitual, especificamente, de ‘energia’, temática que é enfocada no capítulo que segue. 40 3 O CONCEITO ENERGIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS TECNOLOGIAS Este capítulo apresenta abordagens do conceito ‘energia’ na área de CNT. Está organizado em três subcapítulos. O primeiro traz uma breve retrospectiva histórica do ensino do referido conceito, na região de abrangência da UNIJUÍ, a qual se constitui no contexto empírico desta pesquisa. O segundo explicita algumas compreensões conceituais de ‘energia’ e, com base nelas, discute aspectos do ensino do conceito, na perspectiva de contribuir para uma recontextualização didática mais adequada do mesmo, em atividades e abordagens usuais ao EM. O terceiro traz uma abordagem sobre a significação conceitual de ‘energia’ embasada no referencial histórico-cultural, valorizando a visão de que a constituição da consciência dos sujeitos e a potencialização do desenvolvimento da mente humana se dão mediante aprendizagens configuradas por processos de apropriação de linguagens e significados conceituais típicos ao ensino escolar. 3.1 Visão Histórica do Ensino do Conceito Energia no Âmbito Empírico da Pesquisa Com o propósito de contribuir para situar e contextualizar a problemática em estudo, este capítulo apresenta e discute, inicialmente, alguns aspectos históricos do ensino do conceito ‘energia’ na área de CNT, no âmbito empírico da pesquisa. Isto, considerando-se que o próprio interesse de investigar aspectos do ensino do referido conceito decorreu da participação como bolsista de iniciação científica, no Gipec-Unijuí, com amplas discussões relativas a tal ensino. Conforme Maldaner (2007), o Gipec-Unijuí “institui-se num grupo produtivo de inovação curricular na forma contextualizada” (p. 251). No âmbito do referido grupo de pesquisa vem sendo desenvolvida e investigada uma organização curricular na modalidade de sucessivas Situações de Estudo (SE). Nelas, o ensino 41 assume características interdisciplinares na medida em que um contexto da vivência dos estudantes, conceitualmente rico para diversos campos das Ciências, com duração delimitada, é abordado em aula, permitindo uma abordagem com característica interdisciplinar, intercomplementar e transdisciplinar. Isso, através de interações diversificadas que incluem linguagens e significados conceituais específicos a cada um dos campos disciplinares da área de CNT (Biologia, Química e Física), na problematização e tematização das situações vivenciais em estudo (MALDANER e ZANON, 2004). Ao longo dos processos de planejamento e implementação de diversas SE vivenciados, percebeu-se a ampla e importante presença do conceito ‘energia’, com discussões em torno de significações diferenciadas em aulas de cada campo disciplinar de CNT. Bianchi, Froner e Araújo (2007) manifestam-se como consta abaixo, sobre as SE: Em todas elas, a energia, cotidianamente evidenciada nas suas diferentes formas (elétrica, luminosa, química, potencial, cinética, nuclear, mecânica,...) e relações, foi abordada, e, impôs a necessidade de organizar esse tema de maneira sistemática na educação Básica, a fim de constituir uma consciência crítica quanto ao desenvolvimento (SE) almejado (p. 3). Concomitante ao desenvolvimento das SE observou-se a necessidade de estudos e proposições sobre as inter-relações requeridas à compreensão do conceito ‘energia’, no âmbito da área CNT. Professores que atuam no ensino da área denotam concepções fragmentadas, desarticuladas e até mesmo distorcidas de ‘energia’, relativamente aos conhecimentos das Ciências. Nos processos de formação docente vivenciados articuladamente ao desenvolvimento das SE, percebe-se a tendência de uma contraposição às abordagens e conhecimentos fragmentados e lineares alicerçados no ensino tradicional. Contudo, tal contraposição não pode ser vista como algo simples; são necessários estudos e pesquisas que permitam avanços nas compreensões sobre as práticas e concepções subjacentes aos novos contextos curriculares em desenvolvimento. Assim, a escolha da significação do conceito ‘energia’ no ensino de CNT como objeto de estudo considerou a potencialidade de contribuir no avanço dos entendimentos sobre as abordagens do conceito no EM. Parte-se do pressuposto de que as SE, de modo geral, têm potencialidade para promover compreensões e inter-relações diversificadas que incluem dimensões contextuais e conceituais de conhecimentos, sendo importante compreender relações entre os conhecimentos científicos e cotidianos. Assume-se que estas duas formas de conhecimento, cada uma produzida em um contexto sociocultural específico, coparticipam dos processos de construção dos conhecimentos escolares. 42 A relevância da presente pesquisa justifica-se também pela amplitude das relações do conceito ‘energia’ com outros conceitos da área de CNT, sendo inúmeras as possibilidades de produção de sentidos aos significados conceituais relativos a abordagens de diferentes contextos e temas em estudos, por exemplo, de processos metabólicos vitais como a respiração, entre outros. Preocupações e estudos sobre o ensino do conceito ‘energia’ não são recentes. Elas têm uma história em âmbito próximo e distante ao Gipec-Unijuí. Professores universitários atualmente vinculados ao mesmo têm uma vasta caminhada, durante mais de três décadas, que pode ser visualizada em algumas produções e ações como: publicação de materiais didáticos em coautoria com professores da Educação Básica. Como refere Hames (2003), os processos de formação de professores de CNT historicamente desenvolvidos no âmbito da UNIJUÍ propiciaram relevantes momentos de interação dos professores universitários: com os professores das redes de ensino na perspectiva da constituição dos sujeitos, articuladamente com processos de desenvolvimento curricular, bem como nas interações entre formadores em âmbito interinstitucional, que contribuíram tanto para implementar amplas mudanças nas concepções e práticas de ensinoaprendizagem quanto nas reformulações do Curso de Ciências na UNIJUÍ (p. 23). As preocupações relativas a carências na formação de professores de CNT, com repercussão nas práticas escolares, também podem ser reportadas à problemática que diz respeito à organização curricular das licenciaturas. As mesmas detinham-se em suas especificidades, não sendo adequadas à formação de professores de Ciências, negligenciando um modelo de Ciência integrada. O currículo adotado para a formação de professores de curta duração, posteriormente modificado para as licenciaturas científicas tornando-se plenas em uma área de CNT, não proporcionou uma boa formação nem para o EF tampouco para o EM (WORTMANN, 2003). Na interação com os professores das escolas, através de diferentes fases dos Projetos de Extensão, percebia-se que as aulas nas escolas aconteciam de forma tradicional, sempre na tentativa de transmitir conteúdos ou informações desvinculados da realidade do aluno. Ventilou-se a possibilidade de que a formação dos professores de Ciências pudesse ser inadequada (HAMES, 2003, p.26). Nesse cenário, o ensino de CNT era usualmente desvinculado de abordagens de temas ou assuntos da realidade dos estudantes e, por isso, de cunho apenas “livresco” e formalístico, vazio de significados conceituais. Diante disso, interações com os professores das redes de ensino, mediante atividades de extensão, potencializaram uma conscientização de que era 43 necessário instrumentalizar o professor “para um ensino mais prático e eficiente, evitando que o estudante assumisse uma atitude de mero receptor de informações e possibilitando ao mesmo tempo uma postura de redescoberta e realização frente às indagações da realidade científica” (MALDANER, 1981 apud HAMES, 2003, p. 26-27). Com base na mesma autora, no início da década de 80, constituiu-se um grupo de estudos, interdepartamental e interdisciplinar, do qual faziam parte professores de Química, Física, Biologia, Matemática e Pedagogia. O grupo objetivava desencadear discussões, reflexões e estudos sobre a formação de professores em Ciências e Matemática, para melhorar o ensino escolar e a reestruturação curricular do Curso de Ciências (HAMES, 2003). Em nosso meio, por exemplo, na década de 80, diante dessa preocupação, professores de Ciências vivenciaram um processo de mudança cujo desafio foi o de inserir, nas práticas de ensino de Ciências, temas amplos de estudo trazidos da vivência social, que pudessem articular os aprendizados na escola. Importantes avanços foram então conseguidos, sobretudo os que permitiram dinamizar os processos de construção do conhecimento escolar, de modo a lhes conferir um maior grau de inter-relação, significação e relevância, além de estabelecer uma cultura de trabalho coletivo entre os profissionais da educação (MALDANER e ZANON, 2004, p. 45- 46). Atividades importantes no âmbito de tais grupos referem-se ao desenvolvimento de cursos de extensão, os quais possibilitaram um profundo envolvimento dos professores universitários com os das escolas. “As atividades, inicialmente, consistiam em elaborar ‘espécies’ de apostilas contendo roteiros de atividades práticas que abordassem, especialmente, temas amplos, como alimentação, saúde, energia e meio ambiente” (HAMES, 2003, p.28). Contudo, a perspectiva de desenvolver um ensino significativo dinamicamente inter-relacionado ao longo das séries não foi possível, incorrendo na necessidade de níveis mais elevados de abstração, significação e compreensão dos “temas amplos”, nos espaços de ensino e formação em CNT. Assim, o tema ‘energia’, há trinta anos, já era concebido como um eixo articulador do currículo da área no EF e EM, ocupando uma posição de destaque na organização dos programas de ensino ao longo de diferentes séries da escolarização. Inicialmente as mudanças nos currículos escolares eram propostas mediante cursos de extensão, que nem sempre davam conta dos objetivos pretendidos, o que levou a reflexões e questionamentos por parte dos formadores da universidade que tinham a intenção de mudança expressa nos próprios títulos das produções: “Propostas Alternativas para o Ensino de Ciências” (HAMES, 2003). 44 Optou-se, então, pela criação de núcleos de estudos nos quais se davam os encontros com os professores para discutir, vivenciar, replanejar e avaliar as atividades, na tentativa de elaborar uma proposta de trabalho que fosse ao encontro das expectativas e necessidades dos alunos. Dessa forma, o professor passava a ser um sujeito ativo e não mero repetidor de atividades pensadas e planejadas por outros (idem, 2003, p.33). No conjunto de ações desenvolvidas na área de CNT, tanto na formação inicial quanto continuada, pode-se considerar a preocupação dispensada aos processos formativos que permitiram avanços significativos, no que se refere às metodologias de ensino e aos encontros de professores para a criação de núcleos de estudos, que mais tarde constituíram grupos de produção de materiais didáticos (HAMES, 2003). A respeito dos materiais didáticos alternativos produzidos no âmbito desses grupos, é importante ressaltar que: se configuravam como uma nova proposta curricular em debate e construção desde o início da década de 80, foram elaborados em conjunto com os professores das redes de ensino, conforme tendências pedagógicas assumidas nesse período e que podem ser caracterizadas pela valorização das situações vivenciadas pelos alunos e dos processos de construção dos conhecimentos, com o desenvolvimento da capacidade de reflexão e do raciocínio crítico, de ações cooperativas, da ciência como processo e não como um conjunto de verdades (UNIJUÍ, 1987 apud HAMES, 2003, p.41). Segundo a mesma autora, foi possível que professores/autores das diversas disciplinas da área participassem da produção dos materiais didáticos pelo fato de haver um grupo em constante interação, criando possibilidades de evoluções nas práticas pedagógicas. Nessa perspectiva, o ensino-aprendizagem em CNT não se restringia somente à área, mas buscava abranger “questões sociais”. na nova proposta curricular, buscava-se construir/elaborar/evoluir os conceitos centrais de conservação-transformação; organização-diversidade; reproduçãodesenvolvimento; continuidade-descontinuidade. Para isso os seguintes temas amplos no Ensino de Ciências foram considerados de maior relevância: o alimento, na 4ª série; a questão ambiental, na 5ª e 6ª séries; saúde e higiene, na 7ª série; matéria e energia, na 8ª série (MALDANER e ARAÚJO, 1992, p. 23). No âmbito do grupo de sujeitos envolvidos em tais processos é perceptível a consideração de inúmeras dificuldades que os acompanharam, os quais não podem ser vistos como um “caminho” linear. Ora os avanços são mais salientes, ora menos, ora parecem denotar retrocessos na caminhada, sendo sistemática a visão da complexidade das mudanças em desenvolvimento. À medida que alguns resultados iam sendo atingidos, outras linhas de mudança passavam a ser buscadas. Não tardou a consciência de que os importantes processos 45 históricos de mudança não rompiam com a forma tradicional de organização dos conteúdos na área. Uma avaliação mais rigorosa dessa experiência desenvolvida com base nos temas amplos mostra que a almejada ruptura com a forma linear e fragmentada de organização do currículo e da formação escolar não aconteceu. Ainda que de modo não totalmente estanque, cada tema ficou concentrado em determinado espaço curricular: alimentação na quarta série, energia na oitava, saúde na sétima. (MALDANER e ZANON, 2004, p. 47) Com base nisso, a partir do ano 2000, os processos de reconstrução curricular, na região de abrangência da UNIJUÍ, na área, passaram a ser organizados em torno das SE. Com o desenvolvimento das mesmas, houve, inclusive, a decisão de que os LD que veiculavam as antigas “Propostas Alternativas de Ensino” não seriam mais publicados. As escolas passaram a ser desafiadas a produzirem suas SE, com acompanhamento do Gipec-Unijuí, implementando, assim, a nova organização curricular, na perspectiva de romper com a linearidade e a diretividade que marcava o ensino dos mesmos conteúdos nas mesmas séries escolares. Durante os anos de 2003 a 2005, tendo vivenciado ações coletivas no âmbito da SMEd (Secretaria Municipal de Educação) de Ijuí, envolvendo estudos e planejamentos de SE, foi possível perceber a tendência, por parte dos professores e das escolas, de manter as práticas fragmentadas, tendo sido visíveis as permanentes necessidades de aprofundamento e ampliação das compreensões dos próprios conteúdos do ensino escolar. Isso juntamente com as constantes dificuldades para o desenvolvimento de um currículo e de um ensino dinamicamente articulado, na área. Com esta breve retrospectiva histórica, pode-se dizer que preocupações em romper com a fragmentação do conhecimento escolar - priorizando relações entre conceitos de modo a atingir a significação dos mesmos - fizeram e fazem parte dos objetivos do grupo de professores de CNT da UNIJUÍ. Na última década, tal grupo passou a ser organizado como um grupo interdepartamental de pesquisa, o Gipec-Unijuí. Além de possibilitar o desenvolvimento de uma nova modalidade de organização curricular (SE), vem proporcionando interações mais próximas com professores em formação, seja inicial ou continuada, ainda unido na busca de propor, discutir e implementar ações que potencializem um ensino significativo, em CNT. No que se refere, especificamente, ao ensino de conteúdo/conceito ‘energia’, pode-se dizer que - apesar de o mesmo ter sido enfatizado desde os primeiros movimentos de melhoria 46 na organização curricular, no ensino e na formação de professores de CNT - permaneceram por vários anos concepções simplistas, por parte dos professores e estudantes, haja vista as abordagens tanto inadequadas (relativamente às explicações científicas) quanto restritas a um único campo disciplinar. A partir de falas registradas em entrevista com uma professora universitária (PU) vinculada ao Gipec-Unijuí, foi possível ampliar informações sobre aspectos da história do ensino do conteúdo/conceito ‘energia’, bem como sobre a complexidade do mesmo. Foram expressos depoimentos relativos ao ensino e ao entendimento conceitual, antes e depois do desenvolvimento da organização curricular na modalidade de SE, com ênfase no campo disciplinar de Biologia. A compreensão de ‘energia’ de forma dinamicamente inter-relacionada, contando com entendimentos específicos a cada uma das disciplinas da área de CNT, constitui-se em tarefa complexa e que, no mais das vezes, não faz parte do ensino e da formação de professores, na área. Segundo o depoimento da professora universitária de Biologia, uma das primeiras discussões sobre o conceito ‘energia’, no âmbito da área, na UNIJUÍ, veio à tona por volta de 1996, quando da organização de módulos formativos do Pedagogia do Ensino Fundamental (PEF), junto a um grupo de acadêmicos do Curso de Pedagogia do Movimento Sem Terra (MST). Sobre a complexidade do conceito ‘energia’ PU3 se manifestou conforme segue: PU3: O desenvolvimento dos módulos até ir chegando a SE [...] permitiu um diálogo entre as Ciências e dentro da própria Ciência, por exemplo, entre as disciplinas Biologia, Química e Física, Geociências, Astronomia e tal, o que permite dentro da própria Biologia outros tipos de diálogo. Porque se a energia, lá na Ecologia, flui, pode ser que na Fisiologia ou na Bioquímica não flua, seja mais transformada. Mas de fato a gente pouco lida com isso. O principal capítulo que fala exatamente da palavra energia, nos livros didáticos, é o capítulo que trata da Ecologia. A energia na parte do ciclo celular, da divisão celular, do ciclo de Krebs e da cadeia respiratória, nem sempre a palavra energia aparece, apesar de aparecer ATP. Nem lá na própria replicação e transcrição lá no DNA, também não aparece quase a palavra energia, então veja quantos lugares que teria [...] energia na Biologia que são pouco tratados. O depoimento de PU3 remete para a consideração de que são inúmeros os problemas relativos ao ensino sobre ‘energia’, desde a precariedade das abordagens ao longo dos estudos dentro de um campo disciplinar, como o de Biologia, até problemas que podem ser reportados às próprias concepções conceituais, a exemplo da visão de uma energia que “flua” ou que “seja transformada” ou da forma fragmentada de abordagem dos conteúdos. PU3: Porque são temas que todo mundo debate e poucas são as respostas que se tem sobre essa questão da energia. [...] O grande problema da Biologia em relação 47 à Química e a Física no meu ponto de vista é como o conceito de energia fica entendido. Porque o grande lance, [...] é o problema desse conceito em relação às outras duas áreas. Eu só consegui perceber [...] que, na minha formação, a gente não dava muita conta de que essa energia física, química e biológica era a mesma. Parecia que tu tinha uma energia para cada área. Em 1996, 97, quando é a data do PEF, aí a gente resolveu fazer um ensino por módulos, que originou o que nós temos ((hoje)) como a Situação de Estudo, mas com um módulo. [...] apareceu o conceito energia. Como esse módulo tinha um professor de Física, um professor de Biologia e um professor de Química trabalhando juntos aconteceu que eu comecei a falar, por exemplo, que, pra mim, a energia na Biologia ela flui, na Física ela é transportada e na Química transformada. Então, a idéia que se tem na Biologia, é que a energia tá passando dentro de um cano, de um canudo, que ela flui. [...] Essa não é só minha concepção, é o que tá escrito no livro de Biologia, porque a energia flui de um nível trófico para outro. No depoimento acima é possível perceber as limitações relativas a compreensões de ‘energia’, decorrentes de uma formação sem interlocuções dentro da área de CNT, baseadas principalmente no uso dos LD, cujas abordagens são restritas a cada campo disciplinar e, ainda, apresentam inúmeras inadequações conceituais, denotando concepções simplistas e fragmentadas acerca de um mesmo conceito. O que se pode dizer é que grande parte dos professores possivelmente ainda não se deram por conta da amplitude e da complexidade das relações envolvidas na compreensão escolar do conceito ‘energia’. O depoimento que segue também se refere às dificuldades em romper com visões simplistas e fragmentadas sobre o conceito. PU3: Eu estava desde 82 na Unijuí, quatorze anos dialogando com colegas da Física e Química, mas a ficha foi cair, para essa mudança de compreensão conceitual, perante o PEF, que foi com o MST. Antes disso ninguém discutiu [...] que a energia da Física, a energia da Química e da Biologia eram [...]. Primeiro foi preciso estabelecer, perceber que a energia é um conceito e tem gente que não sabe o que é. Essa é a primeira questão. A energia, não se sabe. Nem o texto do ((cita um autor)) [...] nos dá uma definição de certeza do que é energia. O máximo que se sabe é o que ela não é. E o que ela é não se sabe ao certo. A segunda coisa importante é tu saber que a energia da Química, da Física e da Biologia e da Geociências, e de tudo, de todas as áreas, é a mesma. [...] Um diálogo específico, [...] nessa montagem dos módulos, trouxe a energia como um aspecto fundamental de análise. Daí, pela primeira vez na vida, [...] foi intermediado [...] no diálogo. Os alunos [...] olharam assim: “mas o que vocês estão dizendo? Não, a energia flui? Não, a energia se transforma e é transportada; o que é transformado e transportado? O que é esse negócio?” E daí a gente começou a esclarecer pra nós professores e pros alunos, daí, nesse diálogo, que a gente, que eu comecei a enxergar outra ((energia)), porque ela é transformada, transportada e conservada, que são três características fundamentais. A transformação da energia é fundamental. Mas isso eu já era professora há dezesseis anos. PU3 ressaltava que, sendo uma professora de Biologia que atuou historicamente nos diferentes níveis de ensino, manteve por longos anos a mesma concepção limitada decorrente de sua formação. Dar-se conta da compreensão da complexidade do conceito ‘energia’, não 48 será possível sem diálogos entre pares que atuam nas diferentes disciplinas da área de CNT. Tal dificuldade é reforçada nos LD, até mesmo os mais atuais, que avançam muito na apresentação de abordagens com ilustrações e textos que denotam elevados graus de dificuldades, carecendo de significação conceitual. Tais interações dialógicas são vistas como um ponto determinante para avançar nas concepções de ‘energia’, por isso é necessário que os sujeitos da área possam contar com processos articulados de formação, poder discutir coletivamente seus trabalhos, a partir de objetivos comuns no desenvolvimento das suas práticas escolares, de modo que professores e estudantes possam avançar nos conhecimentos, em detrimento de entendimentos simplistas. Especialmente na Biologia, parece ser necessário e importante superar visões como a de que a ‘energia’ “flui”. Sendo um conceito fundamental, é importante que os próprios LD de CNT, bem como os espaços de formação de professores, propiciem abordagens relativas ao conceito e suscitem discussões que se contraponham a tais limitações. PU3: Não tem como avançar [...] porque parte-se [...] do pressuposto que os professores usam os livros didáticos como base. Nos livros didáticos a energia da Física, da Química e da Biologia é diferente. Tanto do Ensino Médio quanto do superior ainda continua naquele caminho antigo. Acho que não ocorreram mudanças, a não ser alguns poucos casos [...]. Porque ainda encontro em textos de Biologia mesmo o último livro ((referindo-se a autor de LDBIO muito utilizado no EM)) que é super cheio de coisas, faz toda a fotossíntese, [...] fótons e transformação, mas a energia tá fluindo. [...] ((Ou seja, permanece a idéia de que)) na Biologia ela fui, na Química e na Física ela é transformada e conservada, mas é pouca expressão a mais que tem. Então isso impede uma compreensão maior, mais significativa. Perante as dificuldades de estabelecer compreensões e abordagens de ‘energia’, alternativas como a organização coletiva dos professores da área podem ser formas de contrapor-se à simplicidade com que o conceito é abordado nos LD. Criticar somente os LD não basta. É necessário refletir sobre eles, estudar e discutir suas abordagens em espaços de formação inicial e continuada. A entrevistada, mesmo que afirme: “não tem como avançar”, é talvez uma das poucas professoras de Biologia que não permaneceu acomodada ou alheia às concepções repassadas pelos LD, relativas à ‘energia’. No episódio a seguir, manifesta-se sobre atividades iniciais de melhoria na abordagem conceitual de ‘energia’ em contexto escolar e sobre a formação docente inicial, na área. PU3: Então nós estamos propondo que nas disciplinas a idéia de energia, ((seja)) nessa perspectiva de [...] em Biologia, Química e Física ser a mesma. [...] E essa articulação, [...] tu tem que garantir [...] na escola. Aí tu tens que garantir na 49 formação inicial que esse conceito seja compreendido como um conceito unificador. Porque se tu não pensar ele na formação inicial, ninguém vai pensar depois. Nesse sentido, cabe aos professores de CNT, sempre que surgir alguma situação vivencial ou escolar relacionada à ‘energia’, discutir e propor novas possibilidades de abordagem, com vistas a relacionar e significar o conceito de forma adequada. Na entrevista semi-estruturada com enfoque em ‘energia’, uma das questões referia-se a: “como você vê possíveis relações entre o significado conceitual de ‘energia’ a ser ensinado na escola e situações da vivência cotidiana? De que forma poderiam ser contempladas relações com contextos cotidianos? (Questão 9, APÊNDICE III). A entrevistada respondeu sugerindo com veemência o desenvolvimento das SE: PU3: A Situação de Estudo, [...] ela permite [...] diálogos. [...] Permite um diálogo entre as ciências e dentro da própria ciência. Por exemplo, entre as disciplinas Biologia, Química e Física e as áreas Geociências e outras como Astronomia e tal, que permite [...] essa articulação. Os depoimentos de PU3 também justificam o olhar direcionado ao ensino do conceito ‘energia’, abordado nas diferentes disciplinas da área de CNT, nas diferentes séries e níveis da educação, estando sistematicamente presente nos estudos sobre o meio físico, natural ou artificial. Compreender a natureza das diferentes modalidades de ‘energia’ e suas interconversões, em atenção a implicações das mesmas no ambiente é, certamente, um desafio que se coloca na área de CNT e, também, no âmbito deste trabalho, que focaliza abordagens relativas à compreensão da ‘energia’ e suas transformações na biosfera. Contudo, a compreensão do conceito ‘energia’, abstrato e complexo por natureza, quando tratado de forma abrangente e dispersa, torna-se difícil, de modo que, muitas vezes, aparece atrelado a entendimentos simplistas, quando não deturpados relativamente ao significado científico, por parte dos educadores e estudantes. Muitas vezes, mesmo após anos de escolarização ou até mesmo de ensino, no caso de professores de CNT, as compreensões de ‘energia’ mantêm-se limitadas aos conhecimentos cotidianos. Definições de caráter formalístico e linear, sem estabelecer nexos de relações não permitem uma compreensão conceitual significativa. No âmbito do ensino escolar, abordagens sobre ‘energia’ limitam-se, no mais das vezes, ao campo restrito de cada disciplina, sem contemplar inter-relações intencionalmente mediadas entre linguagens e significados conceituais intermediados em aulas de Biologia, Química ou Física. O que se percebe é que os aprendizados se mantêm cerceados a cada 50 campo disciplinar e, além disso, o ensino do referido conceito, no âmbito de cada uma das disciplinas de CNT, denota problemas relativos a visões simplistas e/ou deturpadas, haja vista as abordagens nos próprios LD e, por decorrência, nos processos de ensino e de formação de professores da área. Seja em contexto escolar ou universitário, compreensões e explicações do conceito ‘energia’ carecem de avanços que levem em conta novos conhecimentos, bem como a versatilidade e complexidade inerente ao conceito. Também, é importante levar em conta a perspectiva da superação das dicotomias entre entendimentos de nível micro e macroscópico, em suas repercussões nos aprendizados escolares. No item que segue a partir da breve retrospectiva histórica com uma problematização sobre o ensino de ‘energia’ no currículo escolar, são apresentados e discutidos aspectos relativos ao entendimento conceitual de ‘energia’, em sentido mais amplo, em busca de avanços nas abordagens e compreensões em aulas de CNT. 3.2 Uma Discussão sobre o Conceito ‘Energia’ Ao longo da história da Ciência, a noção de ‘energia’ levou centenas de anos para se desenvolver e se estabelecer (JACQUES, 2008). No que tange à própria evolução histórica do universo, pode-se dizer que ‘energia’ é algo que sempre esteve presente em todos os fenômenos naturais, os quais possibilitaram a organização do ambiente e a evolução da vida. A ‘energia’ sempre esteve presente, também, de uma forma ou outra, no pensamento dos estudiosos, contudo, de acordo com Auth (2000): Somente foi reconhecido pela comunidade científica, na sua formulação atual, a partir de meados do século XIX. Energia uma grandeza não palpável e nem modelável e, portanto, não “coisificável” (...). As diversas manifestações relacionadas com a energia que ocorrem na natureza indicam que o conceito energia não está associado somente a “algo coisificável”, mas também a formas, como a eletricidade e o calor, a interações (à distância) e a posições. (p.69) Mesmo após esse percurso histórico de desenvolvimento, com as implicações de sua inserção nos currículos da educação básica e superior, o ensino do conceito carece ser mais bem compreendido, no que se refere ao seu próprio significado conceitual, bem como à dialeticidade das relações envolvidas na construção do conhecimento escolar, mediante formas de articulação entre conhecimentos científicos e cotidianos. Isso, considerando-se os diversos níveis da escolarização, desde os 5º e 6º anos do EF, quando são desenvolvidos os 51 primeiros conhecimentos escolares relativos às relações entre fatores bióticos e abióticos que mantêm as condições e a dinâmica dos processos biogeoquímicos no Planeta, com seus permanentes ciclos e fluxos de transformação, envolvendo a matéria/energia. Trata-se de uma noção cuja compreensão, como já referido neste trabalho, abrange uma complexidade de entendimentos, nem sempre reconhecida como inerente ao ensino de CNT, com decorrências que podem ser remetidas a especificidades de sentidos e significados conceituais produzidos, validados e usados no âmbito de cada uma das comunidades científicas da área. Para assegurar a coerência com os princípios e leis aceitos no âmbito da Ciência, o conhecimento escolar sobre ‘energia’ necessita priorizar entendimentos configurados a partir da visão, primeiramente, de que existe uma diversidade de formas de ‘energia’ (trabalho, energia elétrica, luminosa, gravitacional, eólica, hidroelétrica, magnética, térmica, mecânica, e outras). Entendimentos, também, a partir da visão de que as diferentes formas de ‘energia’ podem transformar-se, interconvertendo-se umas nas outras. Ainda, a visão de que, ao mesmo tempo em que elas se transformam, há conservação da ‘energia total’ do sistema (considerando-o como um sistema isolado). Ou seja, a ‘energia’ sempre se conserva. Nesse sentido, como referem Anacleto e Ferreira (2008): o calor e o trabalho são, respectivamente, manifestações de movimento caótico e organizado das partículas na vizinhança, pelo que uma alteração na vizinhança resultante da sua permuta com o sistema poderá ter como conseqüência uma alteração dos valores do calor e do trabalho, mantendo-se contudo invariante a sua soma (p. 1882). Assim, uma diversidade de entendimentos relativos a conceito ‘energia’ complexifica a compreensão conceitual do mesmo, em sentido mais amplo. Existem várias formas de energia, associada aos diferentes tipos de trabalho: o trabalho mecânico, [...] o trabalho elétrico, o fluxo de calor etc. A idéia básica da primeira lei é que todas estas formas de energia são interconvertíveis e que se conservam. Essas idéias foram se estabelecendo com o decorrer do tempo, a partir do século XVIII, quando se percebeu a impossibilidade da construção de máquinas que pudessem trabalhar sem consumir energia (moto continuum). Elas foram sendo expressas, de forma variada, por vários pesquisadores de diferentes áreas (Física, Engenharia, Química, Fisiologia, Filosofia), alguns de maneira mais particularizada, outros de forma mais geral, porém essas idéias nem sempre foram bem compreendidas (CHAGAS, 1999, p. 39). Considerações como a acima reiteram a visão de que a compreensão do conceito ‘energia’ abrange inter-relações que extrapolam os limites de cada Ciência. Por outro lado, 52 mesmo na Ciência o entendimento do que é a ‘energia’ não pode ser visto como uma concepção simples nem consensual, sendo importante considerar as amplitudes dos significados, a exemplo da explicação expressa por Angotti (1991) de que a energia é: um “sutil camaleão” do conhecimento científico. Transforma-se espacial e temporalmente, na dinâmica mutável dos objetos, fenômenos e sistemas, conservase na totalização das distintas formas e degrada-se porque uma de suas formas – o calor – é menos elástico e reversível do que outras (p.115 apud AUTH, 2000, p. 70). Não cabe, aqui, discutir detalhadamente tal concepção, mas, sim, reiterar a afirmativa de que, no ensino de CNT, é importante considerar os graus de dificuldades inerentes ao entendimento do referido conceito, evitando explicações escolares simplistas e/ou deturpadas, que não levam em conta conhecimentos importantes sobre o ambiente, no que se refere à natureza da matéria e da ‘energia’. Tais conhecimentos incluem noções importantes relativas às partículas e às interações inter-partículas envolvidas na compreensão de abordagens sobre fenômenos tomados como objeto de estudo, na área. Como refere Chagas (1999): O estudo das variações de energia associadas às reações químicas é um dos aspectos mais importantes da Química, tanto do ponto de vista fundamental, como das aplicações. Do ponto de vista fundamental, pode-se mencionar que todo processo físico, químico ou biológico ocorre envolvendo uma troca de energia com o ambiente. Um dos conceitos básicos da Termoquímica é o de energia de ligação, ou seja, a variação de energia que ocorre quando se quebra ou se forma uma ligação química, o qual, juntamente com conceito de distância interatômica, é utilizado para caracterizar a ligação química [...]. Do ponto de vista das aplicações, todo processo químico industrial necessita trocar energia com o ambiente, e o balanço energético, que é o cômputo de todas as trocas energéticas realizadas pelo sistema, é indispensável para o seu bom funcionamento. Acresce-se ainda que um dos grandes problemas do mundo de hoje é a chamada questão energética, ou seja, a produção, distribuição e consumo de energia para uso industrial, doméstico, agrícola nos transportes etc., energia essa em sua maioria proveniente da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão etc.) (p. 59). A importância de melhor compreender as abordagens do conceito ‘energia’ nos estudos escolares, na perspectiva de propiciar aprendizados significativos é remetida à abrangência do mesmo, tanto no que se refere ao contexto científico, quanto escolar, o qual, por sua natureza, abrange relações com conhecimentos cotidianos. Essa visão da amplitude e da complexidade inerente à compreensão conceitual de ‘energia’ remete para discussões e reflexões relativas a entendimentos conceituais sobre formas de abordagem no contexto escolar, sobre como os conhecimentos científicos são recontextualizados nos próprios processos de produção dos LD. Como o conceito ‘energia’ é compreendido no âmbito científico e como é pedagogicamente transformado em 53 conhecimento escolar? Essa linha de indagação considera e remete para reflexões sobre a visão de que tanto os conhecimentos cotidianos quanto os científicos têm significados e sentidos específicos, com características próprias, os quais, de forma dinamicamente interrelacionada, coparticipam na produção dos conhecimentos escolares. Diferentemente do conhecimento científico, o conhecimento escolar envolve interrelações com conhecimentos cotidianos, nunca no sentido da conversão de um no outro, mas sim, de uma relação dialética entre eles. Ambos se complementam e são interdependentes, nos processos dinâmicos de constituição do conhecimento próprio ao contexto escolar. Tais processos abrangem relações de tensão e de conflito decorrentes das inerentes características epistemológicas dos contextos culturais de produção de conhecimento na Ciência e no cotidiano. Vigotski (2001) usa o termo ‘espontâneo’ para referir-se aos conhecimentos produzidos pelas pessoas nas interações circunstanciais, diferentemente dos processos de ensino e aprendizagem sistemáticos e intencionais típicos do contexto escolar. Com base em suas pesquisas com crianças o autor refere que: Poderíamos dizer que os conceitos científicos, que se formam no processo de aprendizagem, distinguem-se dos espontâneos por outro tipo de relação com a experiência da criança, outra relação sua com o objeto desses ou daqueles conceitos, e por outras vias que eles percorrem do momento da sua germinação ao momento da formação definitiva. [...] a força e a fraqueza dos conceitos espontâneos e científicos no aluno escolar são inteiramente diversas; naquilo em que os conceitos científicos são fortes os espontâneos são fracos, e vice-versa, a força dos conceitos espontâneos acaba sendo a fraqueza dos científicos (idem, p. 263). No que se refere à produção de sentidos e significados conceituais, em contexto escolar, uma das tendências curriculares que ganhou força a partir dos PCNEM (BRASIL, 1999) é a que se refere à contextualização dos conteúdos do ensino. Por um lado, tal valorização da contextualização no ensino pode ser vista como um caminho sem volta. Por outro lado, ela não pode ser vista como algo simples de ser desenvolvido nas práticas curriculares, sendo necessário levar em conta a complexidade inerente aos processos descontinuistas e plurais (LOPES, 1999) de produção de conhecimentos, mediante relações dialéticas entre conhecimentos científicos e cotidianos variados, os quais se requerem, mutuamente, em relação de reciprocidade, sem nunca negligenciar a diversidade de suas naturezas. Isso, considerando-se que: As entidades tidas como reais dentro do discurso do dia-a-dia diferem das entidades da comunidade científica. O raciocínio de senso comum, embora possa apresentar certa complexidade, tende a ser tácito ou a não ter regras explícitas. O raciocínio científico, por outro lado, é caracterizado pela formulação explícita de teorias, que 54 podem ser comunicadas e inspecionadas (...). Envolve vários cientistas comunicando-se uns com os outros (DRIVER et al, 1999, p.35). Nesse sentido, referendando uma publicação produzida no âmbito desta pesquisa, em que participei como coautora (HAMES et.al, 2007), cabe reiterar o entendimento de que os processos de produção do conhecimento escolar supõem processos de diálogo entre conhecimentos científicos e cotidianos. Tal linha de discussão e reflexão remete para a consideração, também, de que no ensino é inerente o risco de incorrer em obstáculos epistemológicos e pedagógicos à compreensão escolar de ‘energia’. Partimos do pressuposto de que as formas escolares de compreensão e explicação de situações reais não são feitas com, mas sim, contra as formas de conhecimento produzidas na vivência cotidiana, contra os processos circunstanciais de produção de conhecimentos, usualmente presos ao real, e que acompanham nossas primeiras bagagens culturais (LOPES, 1999). Isso remete a entendimentos sobre a inerente abstração que acompanha os processos de conhecimento de CNT, a exemplo do conceito ‘energia’. Em algumas situações o conceito de energia, por ter um caráter mais abstrato, mas ao mesmo tempo ser identificado em várias formas, como luz e calor, passa a ser concebido como algo superior, não compreensível. Já, em outras, passa a ser considerado de forma simplista ignorando-se seu grau de abstração. As duas visões fazem parte da cultura primeira das pessoas, com forte apego ao imediatismo das evidências. Sabem que a energia é útil, identificam-na nos fenômenos elétricos, nos solares e mesmo nos processos vitais (relacionados com as necessidades para sobrevivência dos seres vivos). No entanto, não percebem outras possibilidades, além das diretamente observadas (AUTH, 2000, p.70). Nesse sentido, o conceito ‘energia’ é apontado, neste trabalho, como uma referência importante sob o ponto de vista do ensino nas disciplinas da área de CNT, o que implica inúmeras compreensões, (re)contextualizações e (re)significações. A ‘energia’ da Biologia, da Química e da Física é diferente? Quais entendimentos conceituais são mediados em cada disciplina? Formas diversas de ensino potencializam aprendizados do conceito de maneira significativa? Por vezes o ensino é limitado a abordagens simplistas, precariamente relacionadas com situações reais, por exemplo, com entendimentos sobre a manutenção da vida e das condições ambientais em sentido mais amplo. No que se refere às limitações das significações conceituais que acompanham o ensino e a compreensão de ‘energia’ (por parte de estudantes e professores), reafirma-se a importância e a necessidade de direcionar a atenção para 55 reflexões sobre a prática no ensino de CNT, bem como sobre a formação para o ensino na área. Esse cenário problemático situa o direcionamento da atenção, neste trabalho, para a análise de interações entre professores em formação inicial ou continuada, focalizando o ensino de conteúdos de CNT relacionados com a compreensão de ‘energia’. Como tal conceito é significado no âmbito de cada disciplina e na área de CNT como um todo? Como referem Strada et al: As noções de energia são diferenciadas entre si, mas podem ser agrupadas de acordo com a área do livro didático, ou seja, a Biologia diz que “energia flui”; na Física, “é capacidade de realizar trabalho”; e na Química, “é agente de transformações e de movimento”. (...) Falta uma conceituação que possa ser utilizada por todos os componentes CNT, que permita aproximações entre eles e não essa concepção desconexa, sem relação. Percebem-se em um mesmo tema, num primeiro momento, explicações e/ou teorizações diferenciadas conforme a área de conhecimento, que precisam ser recolocadas, ampliadas, significadas e compreendidas. (2007, p. 5-6) Em processos de ensino e formação de professores de CNT, o LD, muitas vezes, constitui-se em um dos poucos recursos pedagógicos usados em salas de aula. Por isso é fundamental empreender esforços no sentido de uma compreensão mais ampla das repercussões, no ensino, de formas diferenciadas de tratamento dos conteúdos por parte dos LD. O que se percebe é que, na área, abordagens convencionais refletem a visão de uma sequência linear e fragmentada de conteúdos, o que tende a dificultar o desenvolvimento de conceitos escolares, que contemple inter-relações de conhecimentos diversificados. Possivelmente, assumem tais características por decorrerem de visões positivistas, “em que as ciências exatas e naturais reafirmam as crenças em si mesmas e se fecham em suas exclusivas competências, segundo uma lógica desvinculada dos fins humanos” (MARQUES, 1988, p.6687). Nem mesmo dentro da área, as abordagens de conteúdos e conceitos transdisciplinares, como é o caso de ‘energia’, contemplam inter-relações de conhecimentos. Essa tendência de manter a fragmentação dos conceitos/conteúdos no ensino de CNT situa e justifica a importância de estudos e ações numa direção que se contraponha a ela, desenvolvendo interações que contribuem na articulação dos diversos conhecimentos que integram o ensino de CNT. Para tal, é possível eleger determinadas categorias que possibilitam estruturar conhecimentos centrais das CN, com características voltadas para evidenciar o que é essencial, o que é universal, o que é mais geral nas várias leis e teorias destas ciências. Estas características podem ser exploradas no processo de ensino- 56 aprendizagem utilizando-se, por exemplo, conceitos unificadores como os propostos por Angotti. (AUTH, 2000, p.65). Auth refere-se à tese de Angotti (1991), defendida pelo autor com base na sistematização de quatro conceitos unificadores, dentre os quais o conceito ‘energia’. Os outros três são: ‘transformações’, ‘regularidades’, ‘escalas’. O autor considera que o conceito ‘energia’ é mais geral que os demais. “Por estar presente em várias esferas do conhecimento, como na área de Ciências Naturais, com possibilidade de associar conhecimentos até então tidos como separados, energia pode ser considerada conceito unificador” (AUTH, 2000, p. 69). Tais conceitos refletem relações que, de modo geral, precisam tornar-se mais visíveis e presentes no ensino de CNT. O conceito ‘energia’, além de estabelecer relações com vários conhecimentos da área, abre possibilidades de relacioná-lo com outras áreas, a exemplo da história de seu desenvolvimento na sociedade, dos aspectos geográficos, econômicos, políticos, relacionados com os processos de produção e uso de diferentes formas de ‘energia’ na sociedade. O conceito unificador ‘energia’, por permitir grandes generalizações e ao mesmo tempo aproximações em torno das conservações e transformações naturais e tecnológicas, potencializa a conexão entre conhecimentos diversificados no ensino de CNT, em especial, no EM. Os conceitos unificadores são importantes quando se quer, no ensino, envolver os objetos reais do cotidiano dos estudantes, evidenciar transformações e regularidades, por exemplo, e, a partir delas, construir os conhecimentos escolares, atingindo níveis mais avançados de abstração. Além disso, são considerados importantes para reestruturar atividades de ensino de Física, Química e Biologia, com abrangência suficiente para superar a usual forma fragmentada, de ensino. (AUTH, 2000, p.75) Superar abordagens de cunho formalístico e fragmentado do conceito ‘energia’ no ensino de CNT não é tarefa simples, como vem sendo afirmado neste trabalho. Isso requer mudanças tanto nos conhecimentos dos professores em formação (inicial e continuada) quanto nas suas concepções pedagógicas e epistemológicas. Ao observar abordagens de ‘energia’ na área de CNT, por parte dos LD ou de professores das diferentes disciplinas, percebem-se explicações que não contemplam entendimentos relativos ao princípio da ‘conservação de energia’ com explicações sobre a ‘energia’ total e as transformações envolvidas nos sistemas em estudo. Por exemplo, nos estudos sobre processos ‘endotérmicos’ e ‘exotérmicos’, estudantes e professores denotam dificuldades recorrentes relacionadas à visão da ‘energia cinética’, ‘potencial’ e das suas 57 interconversões, mediante entendimentos sobre a natureza das partículas e das interações. Até mesmo dificuldades relativas à compreensão de processos que envolvem variação de calor e temperatura são recorrentes em estudos sobre sistemas com realização de trabalhos. A interpretação atômico-molecular de processos endotérmicos e exotérmicos exige clareza quanto aos aspectos macroscópicos dos experimentos. Há muitas dificuldades com as definições de sistema e de vizinhança e com o fato de ser ou não possível a troca de calor entre eles – e, em caso afirmativo, dúvidas quanto às consequências do restabelecimento do equilíbrio térmico (BARROS, 2009, p. 1). São várias as compreensões conceituais envolvidas nos estudos sobre sistemas (naturais ou tecnológicos) cujo funcionamento envolve transformações de ‘energia’. Tais dificuldades podem ser reportadas a conhecimentos sobre a natureza de entidades coparticipantes do funcionamento dos sistemas, bem como sobre as interações entre as mesmas. Entidades simbólicas ou reais? São inúmeras as linhas de reflexão e discussão sobre conhecimentos e concepções que integram processos de formação de professores de CNT. Uma discussão importante de ser aqui trazida é a que diz respeito a carências ou inadequações de abordagens relativas à noção de ‘energia interna’ de um sistema, no ensino de CNT. Isso implica compreensões em nível microscópico sobre as partículas e as transformações envolvidas nos processos de interconversão matéria/energia. A ‘energia’ interna de um sistema corresponde à soma de todas as formas de ‘energia’ que o integram, podendo ser expressa como a soma da ‘energia’ cinética e da energia potencial do sistema. Considerando o nível microscópico, nota-se que os estudantes nem sempre têm uma boa compreensão do significado da energia interna de um sistema nem de suas constituintes – a energia cinética e a energia potencial das partículas que o formam. Ainda nesse nível, existem dúvidas quanto à associação de ruptura e formação de ligações (ou de interações intermoleculares) com absorção e liberação de energia, como também quanto à identificação desses fenômenos com alterações na energia potencial das partículas envolvidas (BARROS, 2009, p. 1). Mediar explicações sobre a ‘energia interna’ é essencial para uma compreensão adequada sobre a conservação e as transformações matéria/energia, no âmbito de qualquer sistema em estudo. Cabe destacar o entendimento de que: os componentes significativos da energia interna são aqueles que podem alterar-se no decurso de uma reação química – quais sejam: (I) as energias associadas à translação, rotação e vibração das partículas (ou de outras unidades estruturais capazes desses movimentos); e (II) a energia eletrônica, que é a energia associada às várias interações, intramoleculares e intermoleculares, que existem entre núcleos e elétrons. (...) A soma dos componentes agrupados em (I) corresponde à energia 58 cinética das partículas constituintes do sistema, e a soma dos componentes agrupados em (II), à sua energia potencial. (BARROS, 2009, p. 2) Carências de relações nas compreensões conceituais das interconversões de formas de ‘energia’, no ensino e na formação do professor de EM, repercutem em dificuldades de compreensão do significado de ‘energia interna’ ao qual são inerentes as relações conceituais que permitam “entender as ligações entre os átomos, a quebra de ligações, rompimento de ligações” com variação de ‘energia’, a partir de mudanças na “interação química... as anteriores e as novas interações”. Em vista da complexidade das transformações envolvidas, em vez de restringir à expressão ‘energia interna’, cabe considerar formas de energia envolvidas, como potencial e cinética, definidas por Barros (2009) como: Energia cinética é a energia associada ao movimento. Quanto maior ela for, tanto maior a velocidade de translação e/ou a velocidade de rotação e/ou a frequência de vibração das partículas. (...) A percepção da energia potencial é mais difícil do que a da cinética. (...) a energia potencial de um sistema está associada às interações entre núcleos e elétrons e relaciona-se à posição das partículas. Ela só se mostra evidente quando se transforma em trabalho ou em outras formas de energia (p. 2). Tais entendimentos remetem a concepções de que conceitos científicos não existem de forma isolada, mas que fazem parte de sistemas complexos, os quais para serem compreendidos de forma significativa necessitam do estabelecimento de relações entre eles, a exemplo do calor ou trabalho, relativos à energia interna de um sistema. Com base em Beatie apud Barros (2009): energia interna de um sistema pode ser aumentada pela execução de trabalho sobre ele (...) A energia interna de um sistema pode também ser aumentada pela absorção de calor. Transferência de energia na forma de calor e execução de trabalho são modos equivalentes de se alterar a energia interna de um sistema. Calor e trabalho só aparecem durante a transferência de energia. Portanto, um sistema não possui calor ou trabalho – ele possui uma energia interna (p.2). Outra simplificação conceitual no âmbito do ensino e da formação na área de CNT, em especial, do conceito ‘energia’ diz respeito a expressões que veiculam visões simplistas como ‘absorção’, ‘armazenamento’ e ‘liberação’ de ‘energia’, atreladas a entendimentos arcaicos, como a da ‘hipótese calórica’, usualmente carentes de discussões em salas de aula. Como refere Barros (2009) 59 Na verdade, na ruptura de qualquer ligação química ou de interação intermolecular, o sistema absorve energia e há aumento de sua energia potencial nas rupturas no mundo macroscópico. (...) Na formação de qualquer ligação química ou de interação intermolecular, o sistema libera energia e há diminuição de sua energia potencial (p. 2-3). Ao alertar sobre a simplicidade com que as abordagens conceituais de ‘energia’ são apresentadas aos estudantes, no âmbito de diferentes disciplinas, em nível universitário ou escolar, as quais na maioria das vezes não consideram a complexidade conceitual e a capacidade de abstração por parte dos aprendizes, é importante chamar atenção para tal complexidade. Também, para a necessidade de retomadas, em diferentes séries e, sempre que possível, relacionar compreensões conceituais de ‘energia’ com conhecimentos cotidianos relativos a problemas ou fenômenos vivenciais. Isso, de forma a possibilitar aos estudantes, compreensões conceituais significativas em aulas de CNT, particularmente, no que se refere ao conceito em estudo neste trabalho. Compreender conceitualmente, mediante conhecimentos escolares, por exemplo, o funcionamento de um automóvel por meio do consumo de álcool ou gasolina no motor, implica entendimentos sobre transformações matéria/energia envolvidas nas reações de combustão. Explicações com uso de expressões simplistas como a de que os combustíveis “liberam” ‘energia’ numa reação de combustão incorrem em obstáculos epistemológicos à compreensão escolar, em aulas de CNT, sobre a natureza, a origem e as transformações matéria/energia envolvidas numa reação química. O que dizer sobre os entendimentos usuais que acompanham abordagens e explicações relativas à realização de trabalhos em sistemas como um carro andando? Quais compreensões são usuais, em nível microscópico, sobre as entidades e as transformações envolvidas? Neste trabalho, a análise é direcionada para abordagens sobre relações energéticas associadas ao funcionamento do nosso organismo, com atenção aos processos vitais, particularmente, à compreensão teórico-conceitual sobre a respiração. Compreender, em contexto escolar, o assunto vivencial ‘respiração’ implica conhecimentos relativos ao metabolismo celular que inclui compreensões sobre reações enzimáticas mitocondriais integrantes do mesmo. Abordagens em LD e em aulas de CNT, seja em nível escolar ou universitário, no mais das vezes, são acompanhadas de expressões que obstacularizam compreensões coerentes com os conhecimentos das ciências. Conforme Schnetzler et al: 60 os estudos escolares sobre a respiração – usualmente centrados em abordagens anatômicas e fisiológicas – enfatizam a respiração pulmonar, em detrimento de abordagens que explorem, também explicações sobre os processos e transformações no nível das substâncias das partículas, das interações e das relações energéticas envolvidas. Por isso, as idéias prevalentes dos estudantes sobre a respiração restringem-se ao contexto biológico-pulmonar de explicação, sendo incipientes as explicações moleculares (2000, p.188-189). Ainda que sejam abordados aspectos relativos às interações em nível atômicomolecular, expressões como ‘energia química’, ‘energia absorvida’, ‘energia liberada’, ‘energia armazenada’, ‘energia contida’ ou outras similares acarretam obstáculos à compreensão do ponto de vista das ciências. Como referem Oliveira e Santos, 1998, “o conceito de energia química, assim empobrecido, antes de facilitar, dificulta a aprendizagem porque retém o pensamento no patamar de uma simplicidade apenas aparente”. Considera-se importante prestar atenção, no ensino de CNT, a obstáculos epistemológicos que, segundo Bachelard (1996), acompanham os processos de ensino, a exemplo da tendência em incorrer no realismo e do verbalismo, no sentido de que os estudantes correm o risco de tomar por reais entidades criadas nas Ciências, que se constituem em objetos teóricos, do âmbito do imaginário, do simbólico (como moléculas, átomos, estruturas supramoleculares). Com base em autores, Lopes expressa o entendimento de que: o obstáculo epistemológico tende a se manifestar mais decisivamente para mascarar o processo de ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, quando o pensamento procura prender o conhecimento no real aparente. Os obstáculos epistemológicos tendem a constituir-se, então, como anti-rupturas (PARENTE, 1990: 62), pontos de resistência do pensamento ao próprio pensamento (LECOURT, 1980: 26), instinto de conservação do pensamento, uma preferência pelas respostas e não pelas questões (CANGUILHEM, 1994: 177). A razão acomodada ao que já conhece, procurando manter a continuidade do conhecimento opõe-se à retificação dos erros ao introduzir um número excessivo de analogias, metáforas e imagens no próprio ato de conhecer, com o fim de tornar familiar todo conhecimento abstrato, constituindo, assim os obstáculos epistemológicos (LOPES, 1996, p. 263). Muito do que acabamos de referir traduz-se em dificuldades e fatores amplamente percebidos em práticas escolares. Romper com visões simplificadas e distorcidas acerca de ‘energia’ demanda uma aprofundada formação científica, que não é atingida unicamente na formação inicial. É necessário permanecer em constante aprendizado, refletindo sobre a própria ação escolar. A formação contínua promove a constituição do sujeito professor, em plenitude. Isso, fundamentando-se em práticas que desenvolvam o pensar, que sejam desafiadoras, e que promovam a significação conceitual. 61 A partir do desafio de desenvolver interações em processos de formação de professores de CNT que contribuam para a articulação de abordagens do conceito ‘energia’ com enfoque contextual, conceitual e intercomplementar, tal como proposto pelas OCNEM (BRASIL, 2006), cabe melhor explicitar e fundamentar visões sobre a significação conceitual e suas relações com a constituição do ser humano. Com enfoque no referencial históricocultural, tal problemática é tratada a seguir. 3.3 A Significação Conceitual em Contexto Escolar No âmbito desta pesquisa, compreender processos de ensino e aprendizagem em CNT implica valorizá-los como focos significativos da constituição e do desenvolvimento dos sujeitos neles envolvidos. Um grande passo na compreensão de como é constituída a singularidade humana, postulado por Vigotski, refere-se às interações do sujeito no mundo, a partir da mediação simbólica de instrumentos e signos. Tal mediação simbólica permite o estabelecimento das relações do homem no meio. Por ser um sujeito interacionista, como tal se constitui. Góes (2000, p.12) observa que, “tendo em vista a crença no papel fundante das relações sociais, Vigotski concebe o estudo do homem enquanto ser que se constitui imerso na cultura – nas experiências coletivas e práticas sociais”. Parte-se do pressuposto de que a constituição do ser humano se dá nas interações com o outro, nos meios em que ele vive e atua. Cada sujeito, sendo historicamente constituído, é portador das marcas culturais tipicamente humanas (filogênese), ainda que cada sujeito seja impregnado de especificidades culturais próprias ao seu contexto social de desenvolvimento. Essa visão remete à ideia de que cada sujeito conta com interações, por um lado, próprias à espécie humana e, por outro, com interações inerentes ao seu contexto individual de desenvolvimento e constituição (ontogênese). Isso, não como simples ‘troca de saberes’, nem como uma internalização determinada unicamente pelos fatores externos ao indivíduo, mas, sim, como processos sociointeracionistas dialéticos, tal como refere Rego (2000). Nesses processos, com apoio no referencial histórico-cultural, a linguagem, para além da função intercomunicativa (HABERMAS, 1989), tem um papel constitutivo do pensamento e da mente humana. Para Vigotski (2001), o ponto de partida no processo de aprendizagem é a palavra, que, desde o início, é uma generalização ou um conceito. A palavra é tratada como signo e é central na abordagem vigotskiana. Assim, o seu interesse volta-se para os conceitos que permitem entender a vivência das pessoas e a gênese de novas funções mentais (GHELEN et al, 2008). 62 Isso situa e justifica o papel da sociedade e, nela, da escola e em especial dos professores, na promoção do desenvolvimento humano, sem nunca conceber os estudantes como ‘tabulas rasas’ a serem preenchidas, mas como sujeitos com vivências, experiências, com potencialidades diversas para pensar e expressar conhecimentos acerca de conceitos complexos como é o caso de ‘energia’, tal como tratado no subcapítulo anterior. Cabe aos professores mediar o acesso a novas formas de linguagem e pensamento, possibilitando processos adequados de (re)contextualização de conhecimentos científicos, na produção dos conhecimentos escolares, de forma que, ao tratar dos objetos de conhecimento, possibilitem a produção de sentidos aos conceitos, como é o caso de ‘energia’, de forma controlada. Isso na medida em que os estudantes estabelecem relações dinâmicas entre conhecimentos escolares e cotidianos, apropriando-se de novas formas, mais significativas de explicação, associadas aos conhecimentos científicos. Considerando as distintas linguagens e formas de pensamento que coparticipam na construção do conhecimento escolar, é importante prestar atenção aos signos e significados mediados em salas de aula. Os signos são instrumentos para os quais é necessário que sejam produzidos sentidos, em contextos diversificados, de forma dinamicamente inter-relacionada, mediante controles dos mesmos, por parte do professor, em busca de coerência com os significados aceitos nos contextos culturais da Ciência e da escola. Porque se signos e sentidos são sempre produzidos por sujeitos em relação, os muitos modos de ação e interpretação desenvolvidos (no tornar próprio, no atribuir pertença, no tornar pertinente, no adequar, no transformar...) são parte de uma prática historicamente construída, de uma trama complexa de significações nas quais eles participam sem serem, contudo, capazes de controlar a produção, de reterem ou de se apropriarem dos múltiplos, possíveis e contraditórios sentidos (que vão sendo) produzidos... (SMOLKA, 2000, p.38). A multiplicidade dos processos de interação social típicos do contexto escolar só é possível graças a sistemas de mediação altamente complexos, que envolvem conhecimentos produzidos dentro e fora da escola. Processos de desenvolvimento humano iniciam desde a infância, a partir da vivência de situações de interação, em que a criança opera com os conceitos cotidianos, como refere Vigotski (2001), sendo que, “no pensamento infantil, não se separa os conceitos adquiridos na escola dos conceitos adquiridos em casa” (idem, p. 348). Nessa fase, ela estabelece relações usando instrumentos e signos de forma ainda presa ao concreto, ou seja, sem uma abstração que lhe permita o pensar conceitualmente, sendo que “a criança passa a tomar consciência de suas vivências por intermédio da significação dos conhecimentos sistematizados, a exemplo dos científicos” (GHELEN et al, 2008, p.5 ). Opera 63 mediante pensamentos ‘por complexo’ e pseudoconceitos, sendo importante que os adultos que convivem com ela (pais, professores ou outros adultos mais experientes) lhe proporcionem estímulos e mediações variadas, que potencializem o desenvolvimento do pensamento infantil, para que, na adolescência, possa atingir formas superiores de pensamento, com crescentes níveis de abstração e generalização (VIGOTSKI, 2001). A participação de relações concretas nos processos de aprendizagem possibilita o desenvolvimento do pensamento verbal, o qual se constitui numa forma histórico-social de comportamento, ou seja, não inata nem natural, atingida progressivamente pela criança. No entanto, “pode-se considerar que a criança atinge tarde o grau de socialização de seu pensamento, que é necessário para a elaboração de conceitos plenamente desenvolvidos.” (VIGOTSKI, 2001, p.159). Se os processos de formação de conceitos resultam das interações com outros, então, interferir intencionalmente na aprendizagem é de grande importância para os sujeitos envolvidos nas aprendizagens. Isto pode ajudar a compreender as razões do ‘fracasso’ do desempenho escolar de estudantes: professores que desconhecem ou que são desatentos à perspectiva históricocultural enganam-se ao pensar que o estudante está entendendo suas intervenções, na maioria das vezes desconexas, que não priorizam o estabelecimento de relações com conhecimentos produzidos nos contextos cotidianos em que os sujeitos estão inseridos. Por exemplo, no caso do complexo conceito ‘energia’, ainda que os estudantes usem signos típicos ao contexto escolar, como as expressões ‘endotérmica’, ‘exotérmica’, ‘energia de ativação’, isso não significa que os mesmos, necessariamente, tenham produzido sentidos e significados escolares, de forma adequada. Conforme Vigotski (2001): Não menos que a investigação teórica, a experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril. O professor que envereda por esse caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança, mas, na prática, esconde o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o conceito, mas a palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado. No fundo, esse método de ensino de conceitos é a falha principal do rejeitado método puramente escolástico de ensino, que substitui a apreensão do conhecimento vivo pela apreensão de esquemas verbais mortos e vazios. (p. 247) Nesse sentido, cabe aos professores utilizar e fazer com que os estudantes utilizem palavras (signos, linguagens, simbologias, representações) adequadas à expressão do pensamento típico à forma escolar de conhecimento, que se diferencia dos conhecimentos cotidianos. Para isso, é imprescindível o controle dos processos de produção de sentidos aos 64 significados conceituais, por meio de mediações específicas, por parte do professor. Nesse sentido, é importante levar em conta o entendimento de que não há transformação, em aulas de CNT, dos sistemas de conceitos típicos ao cotidiano em escolar, mas, sim, uma influência recíproca entre ambos, que permite a evolução do conhecimento ao longo de vivências educativas diferenciadas. A partir do nascimento, a criança desenvolve capacidades superiores, próprias do ser humano, nas interações com outros, em seu meio sociocultural. Contudo, é importante considerar, com apoio em Vigotski (2001), a visão de que é na adolescência, sobretudo com a escolarização, que é possibilitado o pleno desenvolvimento das capacidades superiores do ser humano, constituindo-se a escola numa condição essencial a tal desenvolvimento. Para isto, é essencial o acesso do adolescente a outras formas de linguagem e pensamento, mediante o acesso a signos e significados próprios aos conhecimentos escolares, que incluem relações entre sentidos atribuídos aos conceitos, em contextos socioculturais diversificados, incluindo relações com os significados típicos a cada Ciência que se ensina e se aprende nas salas de aula. Reitera-se, aqui, o entendimento de que, em cada contexto de ensino e aprendizagem, são produzidos sentidos específicos aos conceitos (com os quais operam os interlocutores), referentes aos significados mais universalmente estabilizados e aceitos (concebidos como sentido historicamente estabilizado no âmbito de uma Ciência). Nessa perspectiva entende-se que a tomada de consciência “se realiza através da formação de um sistema de conceitos, baseado em determinadas relações recíprocas de generalidade, e que tal tomada de consciência dos conceitos os torna arbitrários” (VIGOTSKI, 2001, p.295). O sentido está sempre amarrado ao contexto no qual o conceito é produzido, ou seja, às possíveis relações estabelecidas no contexto. O professor, ao proporcionar processos de produção de sentidos por parte do estudante, torna possível que ele consiga desenvolver o conceito, evoluindo no significado. Segundo Vigotski (2001), quando o sujeito começa a usar a nova palavra (signo) recém está iniciando o processo de sua evolução conceitual, sendo necessárias sistemáticas retomadas para, ao verbalizar suas formas de pensamento, poder atingir, progressivamente, novos estágios de significação. Em sala de aula e em processos de formação acompanhados, percebe-se a importância de compreender as formas como os estudantes podem alcançar níveis de significação conceituais mais elevados, tendo sido recorrente a percepção da influência de graus de assimetria das interações nos processos de significação conceitual. Sujeitos que interagem orientados para uma linha de entendimento do objeto de conhecimento, abordado sob pontos de vista diversos, têm mais possibilidades de avançar nas compreensões conceituais, na 65 medida em que participam ativamente nos processos de verbalização e reconstrução de saberes. É nesse sentido que a atenção é direcionada, neste trabalho, para interações em espaços de formação docente, em cursos de licenciatura da área de CNT, nos quais nem sempre são inseridas abordagens, compreensões e reflexões relativas aos processos de produção dos conhecimentos escolares, a exemplo de entendimentos relativos a como o conceito ‘energia’ é significado em níveis progressivamente mais elevados ao longo da escolarização. De alguma maneira, cada estudante contou, ao ingressar na escola, em diferentes níveis/séries, com processos de conhecimento produzidos em suas vivências cotidianas relativos ao conceito ‘energia’. A produção de novos sentidos e significados conceituais é propiciada em salas de aula, seja no nível fundamental, médio ou superior. Quem sabe, para além da área de CNT, em aulas de geografia, importantes processos de significação conceitual de ‘energia’ possam ter sido vivenciados. No entanto, nem sempre há visibilidade dos possíveis ou prováveis processos de significação conceitual, nem mesmo dentro de uma mesma série, ou de um mesmo campo científico, dentro de uma mesma turma/escola. O referencial histórico-cultural ajuda-nos a entender a participação fundamental do ‘outro’ e o papel da linguagem para desencadear os processos de significação dos conceitos na aprendizagem escolar, a qual supõe, por natureza, graus mais elevados de abstração e generalização, o que a diferencia das aprendizagens típicas das vivências cotidianas. E, também, entender que os processos de aprendizagem antecedem e fazem avançar os processos de desenvolvimento humano, incluindo a inteligência. É a aprendizagem que potencializa o desenvolvimento da inteligência em suas múltiplas dimensões e, por outro lado, o desenvolvimento da mesma proporciona mais aprendizagens. Dessa forma, é importante inserir estudos e discussões, na formação de professores, sobre a especificidade dos processos escolares de significação conceitual, de modo que o ensino seja orientado para o desenvolvimento de aprendizados significativos à formação escolar que possam adiantar e promover os processos de desenvolvimento humano. Isso implica prestar atenção aos tipos de aprendizado propiciados pelo ensino e pelos cursos de formação de professores de CNT. Implica compreender como conhecimentos produzidos na realidade vivida pelos estudantes fora da escola evoluem para novos níveis de abstração e generalização, com acesso a outras formas de conhecimento, produzidos nas ciências e recontextualizados no âmbito especificamente escolar. Para efeito de clareza, Vigotski (2001) 66 nomina os movimentos mentais entre conceitos cotidianos e científicos de ascendentes e descendentes e propõe que: Poderíamos conceber esquematicamente o caminho do desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos da criança sob a forma de duas linhas de sentidos opostos, uma das quais se projetando de cima para baixo, atingindo um determinado nível no ponto em que a outra se aproxima ao fazer o movimento de baixo para cima. [...] poderíamos dizer convencionalmente que o conceito espontâneo da criança se desenvolve de baixo para cima, das propriedades mais elementares e inferiores às superiores, ao passo que os conceitos científicos se desenvolvem de cima para baixo, das propriedades mais complexas e superiores para as mais elementares e inferiores. (p. 347-348) Cabe à escola cumprir com a sua função social imprescindível, a de mediar o acesso do cidadão a novas formas de explicação, relativamente às formas cotidianas, mediante o uso dos signos e instrumentos adequados ao conhecimento tipicamente escolar, impossíveis de serem construídos diretamente pelos estudantes. É mediante as intervenções do professor, associadas a recursos e procedimentos didáticos, que os estudantes elaboram representações do mundo à luz das Ciências, capazes de contribuir para compreensões em novos níveis, pela (re)contextualização dos conhecimentos científicos na escola (BRASIL, 2006). A problemática discutida neste capítulo situa a importância de compreender, de forma situada, a significação conceitual de ‘energia’, em suas implicações socioambientais, diante do objetivo central do ensino na área de CNT, qual seja, o de compreender o meio em que se vive e atua numa perspectiva socialmente responsável, mediante conhecimentos escolares dinamicamente articulados com contextos da vida cotidiana. Tal visão problemática demanda que práticas no ensino de tal conceito sejam amplamente compreendidas e criticamente refletidas, em espaços como os de aulas da licenciatura. Neles, em muitos Componentes Curriculares (CC), os conceitos necessários à compreensão dos objetos em estudo, muitas vezes, são tratados de maneira descontextualizada, fragmentada e linear, sem uma percepção sobre a complexidade das inter-relações envolvidas. “Não basta ensinar as partes e querer juntá-las, depois, para formar um todo. Se elas não estiverem “amarradas”, inter-relacionadas, representando o todo, desde o começo do ensino, o todo permanecerá fragmentado” (AUTH, 2000, p.73). Preocupações como essas orientam o desenvolvimento do presente trabalho, em busca de compreender contextos de ensino e de formação para o ensino em CNT que, de alguma forma, levem em conta a dinamicidade e complexidade dos conhecimentos e das relações imbricadas na compreensão conceitual significativa de ‘energia’, relacionada com aspectos contextuais do conceito. É nesse âmbito de preocupação e reflexão que se apóia a presente 67 pesquisa, cujo capítulo a seguir apresenta discussões de aspectos relativos às abordagens e aos processos de significação e (re)contextualização do conceito ‘energia’ em LD e em aulas de CNT, articuladamente a reflexões sobre práticas de professores no ensino e na formação em CNT. 68 4 UM OLHAR SOBRE ABORDAGENS DO CONCEITO ENERGIA Atualmente, com o Programa do Catálogo Nacional do Livro Didático do EM (PCNLEM), os LD tornaram-se um recurso disponível para todos os estudantes da Educação Básica brasileira. Por sua vez, mesmo depois de políticas públicas que avaliam, selecionam e distribuem volumes para as escolas, os mesmos ainda apresentam deficiências e limitações, além de abordagens distorcidas com implicações ao processo de ensino e de aprendizagem em salas de aula. Como refere a pesquisa de Jacques (2008), nos LD de CNT: muitas pesquisas acadêmicas, como Pretto (1985), Mortimer (1988), Axt & Brückmann (1989), Fracalanza (1993), Amaral & Megid Neto (1997), Pimentel (1998), entre outras, apontaram nos últimos anos inúmeros problemas, como erros conceituais, preconceitos sociais, culturais e raciais, deficiências gráficas, diagramação cansativa e concepções errôneas sobre Ciência nos principais livros utilizados no Brasil, tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio. (p.16-17) O olhar desta pesquisa voltou-se às abordagens do conceito ‘energia’ em LDBIO e LDQUI, principalmente, no que se refere a preocupações e possíveis decorrências dessas abordagens conceituais de ‘energia’ no EM, em CNT, particularmente, quanto à adequação dos tratamentos didáticos para a significação conceitual, no ensino. A análise do tratamento ao termo ‘energia’ e suas relações diz respeito a abordagens relativas a estudos sobre respiração, enzimas, metabolismo energético celular, articuladamente aos ‘módulos interativos’ acompanhados. Os resultados de pesquisa apresentados e analisados neste capítulo referem-se a dois focos de tratamento do referido conceito, quais sejam: (i) reação enzimática e energia de ativação em transformações químicas, (ii) interconversões energéticas e variações de energia e compreensão da participação do ATP (Trifosfato de Adenosina) nos processos vitais. 69 Os resultados foram construídos mediante procedimentos metodológicos já descritos. A seguir são apresentadas e discutidas figuras de LD e episódios dos ‘módulos interativos’, que se contrapõem a entendimentos simplistas do conceito ‘energia’. 4.1 Compreensões sobre Reação Enzimática e Energia de Ativação O olhar, durante o processo de construção dos resultados de pesquisa, voltou-se especificamente para as abordagens sobre as enzimas, visto que as mesmas abrangiam relações com o conceito ‘energia’. Como refere o LDBIO1, os processos vitais envolvem atividades metabólicas que incluem transformações químicas impossíveis de serem efetivadas nas condições energéticas típicas ao meio biológico celular, não fosse a presença das enzimas. Nos LDBIO, os estudos sobre as enzimas incluem a noção de que é a ‘catálise enzimática’ que possibilita a ‘energia de ativação’ necessária para cada reação química que acontece nos seres vivos. Por exemplo, no capítulo 5 do LDBIO1, intitulado ‘A Base Específica da Vida II’, no subcapítulo ‘Aminoácidos e Proteínas’, os estudos tratam dos ácidos nucléicos, de ligações peptídicas, estrutura e funções das proteínas, classes de proteínas, dando enfoque ao estudo das enzimas. Sobre a relação entre a ‘atividade enzimática’ e a ‘energia de ativação’, consta no LDBIO1 que: As reações biológicas são pouco espontâneas e muito lentas. [...] Uma das maneiras de fornecer aos reagentes a energia necessária para que a reação ocorra é aumentar a temperatura: as moléculas movimentam-se mais rapidamente, aumentando a probabilidade de se chocarem com energia suficiente para provocar uma reação química. No entanto, para os seres vivos é importante que as reações ocorram em velocidade adequada, porém sem aumento significativo da temperatura, para que não haja desnaturação protéica. Nos seres vivos, as enzimas aumentam a velocidade das reações sem elevar a temperatura. Isso acontece porque elas diminuem a energia de ativação necessária para ocorrer a reação. ( 95-96) (grifo nosso) Compreensões relativas à explicação acima, por parte dos estudantes do EM, não podem ser vistas de forma simplista. Requerem o uso de uma rede de relações entre conceitos ensinados nas diferentes disciplinas da área de CNT. Não é de se estranhar que muitos estudantes não atinjam uma significação conceitual adequada de ‘energia de ativação’ nem das relações entre este conceito, o de enzima e o de ‘catálise enzimática’, quando o ensino não contemplar explicações e aprendizados adequados à compreensão. 70 No ‘módulo interativo 9’, articuladamente aos estudos no CC de Bioquímica I, discutiu-se sobre a complexidade da compreensão conceitual de explicações como a que consta no excerto acima. Abordagens no referido módulo giravam em torno da compreensão do mecanismo da reação química catalisada por uma enzima, no caso, a ‘quimotripsina’. A ênfase no mecanismo de ação desta enzima deve-se à disponibilização de um software que acompanha o LDBQ2, usado no CC. PU2 iniciou sua abordagem retomando uma aula anterior, em que PU1 havia usado o slide que segue (Figura 1), novamente apresentado e discutido no CC. Macro Micro Macro Micro ... Diversas enzimas... Catalisadores Biológicos - uma classe de proteínas. Figura1. Macro-Micro. (Site 1) PU2 expõe o slide (figura 1) e dá inicio às interlocuções: PU2: Então eu vou dar uma pequena pincelada, de novo, na questão das enzimas e vou entrar na questão do mecanismo de ação da quimotripsina. Então, o que a professora PU já falava durante as aulas, dessa viagem que a gente faz do macro ao micro, do micro ao macro? Então, de você viajar lá pro teu corpo humano, imaginar uma célula, depois imaginar o cromossomo, o DNA que está lá. Então, tem várias representações que permitem você viajar até o “íntimo”, digamos assim, das estruturas maiores, até as menores. Então aqui tem um exemplo da célula que está dividida em várias outras estruturas, e dentre essas, nas células também tem enzimas, que acabam funcionando como catalisadores biológicos que as colegas falaram ali. (M9, 21) 71 No âmbito da presente pesquisa, é importante valorizar essa linha de reflexão suscitada no módulo 9, quanto ao “viajar” imaginariamente dos níveis macroscópicos para os microscópicos de compreensão e vice versa, em detrimento de uma visão dicotômica entre os mesmos. Ambos se intercomplementam e se inter-relacionam. Possivelmente a falta de relações entre tais níveis de explicação seja causadora das dificuldades de avanços conceituais no ensino deste conteúdo ou de outros de CNT. Explicações por parte de PU2 sobre o mecanismo de reação da ‘enzima quimotripsina’ enfatizaram a ação catalítica na ruptura de ligações C-N das moléculas do substrato, como representado pela Figura 2. • Quimotripsina: está entre as enzimas Serino-Proteases ... • Estas enzimas são proteínas que hidrolisam ligações peptídicas distantes dos extremos C e N-terminal da molécula proteica (transformando-os em oligopeptídeos). • A reação das proteases pode ser representada pelo esquema a seguir: Enzima Figura 2. Enzima Quimotripsina. (Site 2) Ainda que envolva grande quantidade de ‘energia’, tal ruptura de ligação covalente é realizada em temperatura corporal próxima a 37ºC. Nesse sentido, a linha de explicação dizia respeito à noção de que as ‘enzimas’ são reconhecidas como ‘catalisadores biológicos’ na medida em que elas atuam em nível atômico-molecular, reduzindo a ‘energia de ‘ativação’ das respectivas reações. A significação conceitual da ‘atividade enzimática’ como meio que possibilita rupturas de ligação covalente, tais como C-N, C-C, requer compreensões sobre interações químicas envolvidas na ‘catálise enzimática’, o que implica uma compreensão relativa a um sistema de relações conceituais referentes a aspectos da estrutura química e das interações entre a enzima 72 e o substrato. Noções como a de ‘complexo enzima-substrato’, de ‘mecanismo de reação enzimática’, de ‘sítio catalítico’ são essenciais à significação conceitual da ‘atividade enzimática’. Isso, considerando que ela gira em torno do entendimento de que em cada enzima há um microambiente (sítio catalítico) que expõe determinados grupos químicos (radicais de aminoácidos) que conferem graus específicos de carga iônica, polaridade de ligação covalente, interação hidrofóbica. Sem levar em conta tais noções não é possível uma compreensão conceitual adequada, cuja centralidade está na visão de interações químicas específicas que possibilitam a transformação do substrato em produto, nas condições biológicas, por meio de uma redução da ‘energia de ativação’. Cabe reiterar a visão da complexidade e da amplitude do conceito ‘energia’, nem sempre assim consideradas no ensino de CNT, em diversos níveis. A compreensão e ressignificação do conceito passa pelo estabelecimento de necessárias conexões entre compreensões relativas a conhecimentos produzidos em contextos diversificados, desde os científicos até os cotidianos, os de nível teórico e abstrato até os vivenciais, a exemplo da respiração. São complexas as compreensões e as relações entre conhecimentos relativos às formas de ‘energia’ envolvidas em transformações abordadas em nível atômico-molecular. Outro slide apresentado e discutido nos módulos acompanhados é o que segue. QUIMOTRIPSINA Figura 3. Representação de ‘sítio catalítico’ da Quimotripsina (LDBQ2, p.311) 73 No episódio que segue percebe-se a intencionalidade, por parte de PU2, de mediar tal linha de compreensão, durante o ‘módulo interativo 9’. Explicações com base na Figura 3 diziam respeito a noções sobre a estrutura da enzima mencionada e o seu ‘sítio catalítico.’ PU2: Aqui tem umas representações do livro LDBQ2 que mostram a estrutura da quimotripsina. Aqui vocês vêem que tem o sítio ativo da quimotripsina, que eles chamam de tríade catalítica, que são os resíduos dos aminoácidos que vão atuar na transformação da proteína. Então aqui ((imagem a direita da Figura 3)) já tem outra estrutura um pouco diferente. (M8 - 43) Dessa forma, recursos didáticos apresentados durante o ‘módulo interativo 9’ remetiam a reflexões e questionamentos relativos às formas de representação da enzima na Figura 3, desde a visão da estrutura molecular como um todo, até a noção de que determinados grupamentos químicos (radicais de aminoácidos) compõem o ‘sítio ativo’ da enzima e atuam na catálise da reação. PU2: [...]. E aqui ((3ª imagem da Figura 3)) [...] mostra bem essa tríade catalítica, aqui, e que acaba mesmo fazendo ligações de hidrogênio e covalentes com o substrato, que se encaixa aqui. PU1: Aqui nós poderíamos começar na figura ((mais acima)) imaginando que é a estrutura tridimensional inteira da enzima, como se fosse uma partícula cheia de átomos, ligações e lá está cheio de aminoácidos, a outra já vem mostrando a visibilidade da cadeia polipeptídica, e ali dentro a gente vê mais ou menos o que seria o sítio ativo ((figura a direita)), e essa de baixo é por extenso PU2, aquela parte azul claro mostrando, você até podia ler PU2, aqui está meio longe, tem uma histidina 57, uma serina 195. PU2: O número representa a posição da cadeia da proteína. Então 57 é o quinquagésimo sétimo aminoácido. [...] PU: Vocês imaginem a extremidade terminal né, então aqui alguns radicais lembram? L ((alguns)): Aham. PU1: Então o fio, a cadeia polipeptídica ela vai expor aqui naquele espaço no centro ativo, alguns radicais e alguns aminoácidos, um é o 102, outro é o 57, 195, 16, mas como o dezesseis está perto do cento e noventa e cinco, lembram? É o enovelamento da cadeia polipeptídica, Então isso vocês têm que imaginar. (M9, 4552) PU2 ao indicar a Figura 3 ressalta que esta representação não se refere a um simples encaixe mecânico entre a enzima e o substrato. Remete à visão de uma complementaridade estrutural entre a enzima e o substrato, que depende das interações intramoleculares, pois é através de interações químicas adequadas que acontece o encaixe do substrato específico ao sítio ativo de cada enzima. 74 A linha de pensamento denota a intencionalidade de mediar a compreensão de que as rupturas de ligação exigem que as energias de ligação sejam extrapoladas. Isso requer graus elevados de abstração, o que na maioria das vezes não é considerado no ensino. Por vezes, tal nível não é possível por parte dos estudantes. Essa linha de discussão será tratada com mais detalhe no item que segue, mas é importante considerar, já aqui, a visão de que os conceitos são abstrações e que os processos de significação conceitual, por sua natureza, implicam em aprendizados de nível teórico-conceitual, como é o caso das explicações e compreensões sobre a ‘atividade enzimática’, assunto central nos estudos sobre os seres vivos e sobre como acontecem as transformações que mantêm o funcionamento do processo vital. Sobre o pensamento conceitual abstrações e significações, é importante destacar que: O pensamento conceitual envolve uma enorme expansão das formas resultantes da atividade cognitiva. Uma pessoa capaz de pensamento abstrato reflete o mundo externo mais profunda e completamente e chega a conclusões e inferências a respeito do fenômeno percebido, tomando por base não só a sua experiência pessoal, mas também os esquemas de pensamento lógico que objetivamente se formam em um estágio avançado de desenvolvimento da atividade cognitiva. (LURIA, 1990, p.135 apud DUARTE, 2003, p.622). Na compreensão da atuação das enzimas, PU2 fazia menção a compreensões relativas às ligações químicas envolvidas nas reações enzimáticas com rupturas de ligação, em detrimento da visão de um encaixe mecânico entre a enzima e o substrato. Para isso, foram usadas representações em slides, a exemplo da figura que segue: 75 Equação Geral da Reação Catalítica Nas serinas-proteases, o mecanismo baseia-se na ação de uma TRÍADE CATALÍTICA: - serina + histidina + aspartato - O que significa (quimicamente) essa tríade catalítica?? Figura 4. Equação Geral da Reação Catalítica (LDBQ1, p.121) Os sujeitos chamavam a atenção para a importância de mediar e usar conceitos, evitando significações e compreensões simplistas. PU2: [...] Aqui tá uma visão bem simplificada. PU1: Na verdade [...] ali no meio tem uma ligação peptídica. Ali é que houve a ruptura da ligação. PU2: Então nas Serino-Proteases, que são as enzimas, o mecanismo baseia-se na ação da tríade catalítica [...]. O que significa essa tríade catalítica? [...] Aqui vocês vêm que as Serino-Proteases, todas elas têm a atuação da serina, aspartato e histidina. Então, aqui tem ó ((aponta para a terceira figura do slide anterior)) a serina, a histidina, o aspartato, ó... (M9,53-55) Ao mediar explicações de aspectos importantes relativos à ‘catálise enzimática’, PU2 remetia para a visão da importância da atuação das enzimas no metabolismo, permitindo a manutenção da vida. As explicações requeriam compreensões relativas à ‘energia’ envolvida nos processos vitais, como mostra a tabela de energias de dissociação da figura 5: 76 Condição de Moléculas em Colisão: - Inércia? Ou Reatividade Química? Figura 5. Energia de Dissociação de Ligação Média. LDBQ3 As explicações eram mediadas por PU2: PU2: Então [...] os resíduos de aminoácido vão tá lá, agindo [...] e transformando, na ruptura da ligação carbono e nitrogênio. [...] Como explicar a ruptura de uma ligação C-N [...] em que não tem nenhuma condição para que aconteça, se for pensar quimicamente ... com temperatura de aproximadamente 37°. [...] O nosso corpo precisaria de bastante energia para isso. Então, lembrar que sempre há uma energia de ativação nessa ligação carbono e nitrogênio. E vocês têm como outro exemplo [...], a reação de combustão, que precisa muita energia para que comece a transformação. E aqui vocês têm o valor aproximado de uma ligação de carbono e nitrogênio ((energia de ligação)). O valor foi pego daqui. Então comparado à ligação C-C, que é 348 KJ/mol, e do C-N que é essa que a quimotripsina rompe, é 305 KJ/mol. É muita energia né? Se for pensar [...], e lembrando que isso ainda precisa de condições: a condição das moléculas colidirem nas condições adequadas para que acontecesse, quebrasse essa inércia que a molécula tem, de permanecer do jeito que está, pra então ela ter a reatividade, que acaba rompendo mesmo aquela ligação. Então a enzima como ela faz? Ela é chamada de catalisador, catalisador biológico [...]. Então, a função da enzima é diminuir a energia de ativação de modo seletivo. Assim, aumenta a velocidade das reações [...] sem afetar o equilíbrio das reações. Então aqui [aponta para a Figura 6) tem um exemplo de uma reação. (M957). Para ampliar as compreensões acerca da ‘energia de ativação’, foi apresentado outro slide (Figura 6): 77 (Proteínas) (Peptídeos) Enzima = Catalisador Figura 6. Gráfico da Reação. (Site 2) No episódio a seguir, PU2 reitera a importância de considerar a ‘energia de ativação’ nas rupturas de ligação, mediante a compreensão conceitual de que a enzima reduz a ‘energia’ necessária para romper as ligações em nível atômico molecular. O caminho da reação, sem a enzima, então, uma energia muito grande, e com a enzima, que ela diminui bastante essa energia de ativação necessária para romper aquela ligação C-N. O estado de transição seria essa parte ((aponta para o topo do gráfico – slide anterior)) que ela acaba rompendo a ligação. É a forma ativada de uma molécula em que a mesma é capaz de sofrer uma reação, composto instável e de alta energia. A energia de ativação que seria essa energia ((mostra a variação de temperatura no gráfico-Figura 6)) [...] para que rompa, para que consiga romper essa ligação C-N. É a quantidade de energia em calorias ou KJ como eu havia falado antes, necessárias para se elevar 1mol de uma substância a um estado de transição. Então é uma energia [...] para vencer a inércia química dos reagentes. Tem uma barreira que separa os reagentes dos produtos, que seria além dessa energia de ativação depois ela tem uma energia favorável para que essa reação aconteça ((mostrando a energia representada nos reagentes e a energia representada nos produtos, no gráfico)). Mas primeiro é preciso quebrar essa inércia da molécula da proteína. (M9, 57) Diante dessas explicações, cabe refletir: em aulas de Biologia no EM, a ‘energia’ envolvida na compreensão da atividade enzimática é mediada de forma problematizadora e é adequadamente significada? O conceito de ‘energia de ativação’ é possível de ser significado a partir das abordagens convencionais em âmbito escolar? Se sim, em que nível de 78 compreensão? Barros (2009, p.1) alerta que, nos estudos que envolvem a ‘energia’, “é comum os estudantes apresentarem dificuldades recorrentes”, desde aquelas relacionadas às variações de temperatura (em processos endotérmicos e exotérmicos) ou outras no âmbito da termoquímica. No ‘módulo interativo 8’, PU1 chamava atenção para a especificidade de cada disciplina na área de CNT e para a necessária articulação entre as mesmas, de modo que uma pudesse vir a auxiliar a outra, em busca de uma compreensão mediante relações entre conceitos, na compreensão de assuntos complexos como ‘energia’, ‘catálise enzimática’, ‘energia de ligação’. Em interlocuções anteriores, PEMQ1 e LQ1 haviam manifestado uma ideia que remetia para uma mudança nas escolas de modo que o professor de Química pudesse estar presente em algumas aulas de Biologia, ou vice-versa. PU1: Agora gente, aqui [...] PEMB1, [...] eu tenho outra tese sobre energia de ligação. Então, a profe de Biologia, e vocês também, que depois vão dar aulas de Biologia, provavelmente não vão estar a fim de estar falando nas aulas de Biologia nos valores das energias de ligação envolvidas nas reações químicas. Isso que o PEMQ1 estava falando agora há pouco. Nós de Química pensamos assim, nós temos um reagente, um produto, e nós vamos ver quais as energias de ligação que nós tínhamos, envolvidas lá, antes, nos reagentes e nos produtos. E podemos compreender dessa forma. Mas lá na aula de Biologia provavelmente isso é um complicador. Por isso eu estou dizendo ((reforçando)) aquilo que o PEMQ1 e a LQ1 estavam falando antes, que era a possibilidade de termos um professor de Biologia e de Química na sala de aula. Que bom se pudéssemos contar com o professor de Biologia que de aula de Biologia e o de Química que de aula de Química, mas que um pudesse, daqui um pouco, potencializar a compreensão da aula, um do outro. Pra isso ((acontecer)) também tem que mudar alguma coisa: o PEMQ1 vai ter de dar alguma coisa um pouquinho diferente do que ele iria dar na aula dele, se não estivesse a PEMB1, ou vice-versa. E parece muito mais o contrário. Nós de Química teríamos que ter mais acessibilidade de dialogar, porque a gente nem sabe o que está acontecendo nas aulas de Biologia ((do EM)). [...] (M8, 314) No episódio acima, PU1 fazia uma mediação que agregava reflexões, no módulo, sobre a importância de um trabalho interdisciplinar, mas sem diminuir a importância de cada conhecimento e abordagem disciplinar. O desenvolvimento e análise dessas interações nos módulos partem do pressuposto de que um dos eixos focalizados como princípio básico da reforma da educação básica em andamento no país, referendado pelas OCNEM (BRASIL, 2006) - a interdisciplinaridade - necessita ser dinamicamente inserida como princípio educativo na formação docente inicial e continuada. É fundamental que as escolas, ao manterem a organização disciplinar, pensem em organizações curriculares que possibilitem o diálogo entre os professores das disciplinas da área de Ciências da Natureza, na construção de propostas pedagógicas que busquem a contextualização interdisciplinar dos conhecimentos dessa área. O que se precisa é instituir os necessários espaços interativos de planejamento e 79 acompanhamento coletivo da ação pedagógica, de acordo com um ensino com característica contextual e interdisciplinar (...), como foi proposto nos PCNEM e PCN+ (BRASIL, 2006, p. 105). No ‘módulo interativo 9’, as atenções também podem ser remetidas a outro princípio defendido nas OCNEM (BRASIL 2006), no que se refere à perspectiva da contextualização de conceitos complexos, a exemplo da ‘energia’. Esta linha de discussão remete para a visão de que a contextualização pode potencializar processos de aprendizado e de conhecimento em níveis de significação elevados por parte de estudantes ou dos próprios professores. PU1: Eu tava conversando com o PU2 sobre essa idéia esses dias, e eu comentava, assim, um exemplo bem fácil de entender. Se você tem um gás que tá vazando lá em casa, ou uma gasolina vazando lá no posto de gasolina. Essas moléculas do gás, da gasolina, estão em contato com o ar, elas colidem com o ar, porém não há uma reação de combustão, não há queima. Porque não há queima? L2: Porque não há energia de ativação... PU1: Qual é o risco de um incêndio? Se tiver ali a energia, então, teria que ter cuidado. Lá em São Paulo, aquele povo morando em cima de um antigo posto de gasolina, se não tivesse ido lá, com um fogão a gás para fazer comida em cima de um posto de gasolina, não teria problema. Eu sei que deu uma explosão, então assim as moléculas podem colidir em si, mas nessa colisão gente, nem sempre há saída dos reagentes que colidem da condição de inércia. Inércia é não reatividade química. Colide mas volta como tava antes. Então a energia de ativação é a energia mínima necessária para que com a colisão, ó ((mostra com duas canetas de quadro branco)), ela colide, mas nessa colisão há uma interconversão energética interessante aqui né, e essa energia cinética e potencial, ela permite atingir o estado de transição. Então a pergunta é assim como que lá ((na célula)) em temperatura corporal essas reações conseguem acontecer? É como se fosse com o mesmo valor de energia de uma queima. É muito semelhante com o rompimento de uma ligação C-C. Então a enzima é que interfere ali, vamos tentar compreender como elas atuam pra reduzir essa energia de ativação. (M9, 58-60) PU1 buscou, através de exemplos de situação vivencial, a importância da presença ou não da ‘energia de ativação’ para a realização da combustão. Através do exemplo procurou explicitar aos estudantes a necessidade de ampliar os entendimentos quanto a aspectos microscópicos de uma reação. Para ampliar as reflexões dos professores em formação, inicial ou continuada, sobre representações e entendimentos referentes à ‘energia de ativação’, durante o ‘módulo interativo 9’, foram apresentadas e discutidas figuras disponíveis em LD e na internet, utilizadas como recursos didáticos no ensino de enzimas, a exemplo da Figura 7. 80 Ilustrações como essas ajudam a compreender conceitualmente a reatividade? Figura 7. Representação do Morro Energético. (Site 2) A partir das abordagens anteriores, que enfatizavam a essencialidade das interações químicas entre o substrato e o ‘sítio catalítico’ da enzima, PU1 e PU2 questionavam a pertinência da representação à direita. PU2: Aqui tem uma outra representação que foi pego da internet, mas que é de um site de ensino. Então a energia de ativação pode ser comparada com a energia necessária para se elevar uma pedra até o alto de uma montanha, de onde ela pode rolar livremente, ou não, dependendo se tiver energia suficiente. PU1: Ela colide, a energia não é suficiente, ela volta como reagente. PU2: Então do lado da representação do cara empurrando lá, a pedra, tem um esquema.[...] que mostra os reagentes que precisam de energia de ativação. Nesse caso ((aponta para a curva mais elevada)) é quando não tem o catalisador. E é uma ((curva)) menor quando tem ((catalisador)). Se fosse menor, aqui ó, ((aponta para a linha pontilhada na representação à direita)), ele cruzaria por aqui. Então, situações como essas ajudam a compreender conceitualmente a reatividade do substrato ((com ou sem a enzima))? PU1: Aquela pedra subindo? PU2: Eu não sei, né! 81 PU1: [...] A pergunta dele: “será que ajuda?” [...] A representação ajuda a compreender conceitualmente a reatividade química? (M9, 61-68) É importante que professores em formação vivenciem reflexões como as possibilitadas pelo ‘módulo interativo 9’, no caso, a partir de um confronto entre duas formas de representação da noção teórica de que as enzimas atuam, nas reações que catalisam, mediante redução da ‘energia de ativação’ das mesmas. Acredita-se que limitar tais compreensões a representações de um ‘morro energético’ obstaculiza a compreensão conceitual, por acomodar o pensamento, ao invés de direcionar os processos de conhecimento para uma significação conceitual coerente com as explicações escolares, na área de CNT. Essa linha de reflexão reitera a visão já expressa (no subcapítulo 3.3) de que os processos de aprendizagem antecedem e fazem avançar os processos de desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 2001). Isso, entendendo que: O desenvolvimento do indivíduo humano está intimamente relacionado ao contexto sócio-cultural em que se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo (REGO, 2000, p.104). No ‘módulo interativo 9’, abordagens traziam à tona representações que constam em LDBIO nos quais a noção de que as enzimas reduzem a ‘energia de ativação’ das reações era cerceada à visão de um ‘morro energético’ a ser ‘subido’. Discutiu-se se tal representação auxiliaria, ou não, em compreensões conceituais escolares coerentes com os conhecimentos científicos sobre a ‘energia de ativação’ envolvida nas atividades enzimáticas. 82 Figura 8. Esquema e Gráfico da Energia de Ativação. (LDBIO1, p.96) Como já discutido neste trabalho, é importante que, no ensino de CNT, os aprendizados dos conteúdos/conceitos extrapolem os conhecimentos restritos, que acomodam a razão, lançando mão às formas de pensamento presas ao concreto. Por exemplo, como se discutia nos ‘módulos interativos’, é importante ter uma visão crítica sobre o ensino, seja nas abordagens em LD ou em aulas, em que as explicações limitam-se à introdução de analogias e metáforas que, ao invés de propiciar avanços nas compreensões conceituais, permanecem nas formas familiares de conhecimento, típicas ao conhecimento cotidiano, constituindo obstáculos à construção dos conhecimentos escolares. Essa linha de reflexão traz à tona considerações sobre os obstáculos epistemológicos bachelardianos: Não podemos, contudo, considerar que Bachelard defende a impossibilidade de utilização de metáforas e imagens. Sua posição é de que a razão não se pode acomodar a elas, devendo estar pronta a desconstruí-las sempre que o processo de construção do conhecimento científico assim o exigir (BACHELARD, 1970: 63). Há mesmo em sua obra (BACHELARD, s.d: 84-85) uma discussão a respeito das boas e das más imagens, úteis para descrever um mundo que não se vê, devem ser empregadas em instância de redução: redução a ser feita pela matematização. Temos que entender as imagens como uma instituição de meios matemáticos de compreensão racional das leis e não como uma afirmação dogmática da realidade (LOPES, 1996, p. 263). 83 Em módulo anterior, PEMQ1 alertava para o risco de os estudantes interpretarem de forma inadequada a noção de redução da ‘energia de ativação’, como é o caso da analogia expressa na Figura 8, que procura representar tal noção por meio da imagem de homens tentando empurrar pedras "morro acima", suscitando interpretações bastante diferentes daquelas que seriam esperadas pelo professor. PEMQ1: Outra coisa é essa questão da energia de ativação, como tinha, numa figura, ali. PU1: Aquela do morro. PEMQ1: Empurrando, um morro acima, e um morro abaixo. Gente! Teve um dia que um aluno me perguntou: “professor, mas como é que é carregada para cima, então, essa molécula? Como que é carregada para cima?” [...] Vários: Hãn?!((espanto)) PU1: Entenderam? Olhem aqui, ó ((aponta para o morro no slide)). Ele ((aluno do EM)) estava entendendo que a molécula é isso aqui, de repente. PEMQ1: É. Está fazendo uma analogia, como se fosse acontecer isso. O cara pensou “como é que vai carregar? Para que lado que vai lá dentro da célula? Como é que funciona isso? Como que é esse morro, lá?” [...] PEMB1: Se fosse os meus já iam dizer que gasta energia. (M8, 124-133) O depoimento de PMQ1 fazia com que os sujeitos participantes do ‘módulo interativo 8’ refletissem sobre uma vivência em suas aulas no EM. Frente à referida figura, a analogia fez com que os estudantes do EM pensassem que haveria algo semelhante ao tal ‘morro’ lá dentro da célula. Fez com que eles pensassem na força necessária às moléculas, para que elas ‘subissem os morros’ dentro das células. Também neste módulo, discutia-se sobre a inadequação de figuras que não favorecem a compreensão de que, é mediante interações químicas entre a molécula da enzima (sítio catalítico) e a molécula do substrato, que há redução da ‘energia de ativação’ da reação, na ‘catálise enzimática’. Ao invés de uma efetiva compreensão conceitual da variação da ‘energia’ durante a reação, esta era rechaçada por idéias que nada tinham a ver com o conceito, o que denota visões distorcidas e simplistas sobre o mesmo. São discussões importantes à formação para o ensino de CNT, por alertarem para a necessidade de não negligenciar a complexidade e o grau de dificuldade de compreensão de conceitos complexos, que requerem um sistema de relações conceituais, como é o caso da redução da ‘energia de ativação’ na catálise de reações enzimáticas. 84 Outras reflexões sobre visões simplistas que negligenciam o pensamento conceitual relativo às ‘interações químicas’ foram suscitadas por discussões nos ‘módulos interativos 8 e 9’. A partir das representações abaixo, coletadas em LDBIO e LDQUI do EM, nas quais o uso de analogias reforça a idéia de uma interação enzima-substrato limitada a um simples encaixe mecânico. Ao invés das interações químicas, as figuras privilegiam a noção de uma complementaridade restrita ao formato da enzima e do substrato, como representam as imagens das Figuras 9 e 10: Representações da interação E-S em Livros Didáticos (sacarase) Tais representações são suficientes para a compreensão bioquímica?? Figura 9. Modelo Explicando a Ação Enzimática. (LDBIO3, p.541) Figura 10. Modelo Chave-Fechadura para Ação Enzimática. (LDBIO4, p.75) PU1 e PU2 interagiam a respeito dos LD em que tais representações são encontradas, ao passo que questionavam sobre a inadequação das mesmas, impossibilitando compreensões significativas : PU2: [...] Os livros didáticos trazem várias representações. [...] PU1: Do ensino médio né? PU2: [...] de Biologia, esse aqui é do LDBIO3, esse aqui também é de Biologia, do LDBIO4, que são interações enzima-substrato. Será que tais representações são 85 suficientes para a compreensão bioquímica? Agora que vocês têm um pouquinho mais de condições, e perceberam todas as etapas, as interações que acontecem: será que elas são suficientes, em nível de ensino médio? [...] (M9, 123-126) Noutra Figura (11), a interação enzima substrato, novamente é representada apenas por um encaixe físico: Figura 11. Catálise Enzimática. (LDQUI1, p.469) Os PU esclareciam aos sujeitos presentes no ‘módulo interativo’ a fonte das representações: PU2: Essa é de um livro de Química e também mostra um encaixe físico entre [...] PU1: Aquela parte azul que seria a enzima e aí vem o substrato, e aí vai rompendo lá, a ligação [...]. (M9, 127-128) Outra representação da ação enzimática de LDBIO do EM foi apresentada aos sujeitos presentes no módulo 9: 86 -Estudantes tomam tais imagens como representações da realidade? -O que fazer? Figura 12. Representação Artística da Ação enzimática. (LDBIO2, p.48) Interlocuções remetiam a questionamentos sobre a carência de compreensão conceitual a partir de imagens simplistas: PU2: Aqui também outro livro de Biologia [...]. Será que os estudantes tomam tais imagens como representações da realidade? Será que eles acham que lá, é assim coloridinho, bonitinho, estático, plano. PEMB1: Sim. L(alguns): É [...] PEMB1: Pergunta pra quantos daqui que não tem essa idéia. Porque os meus alunos têm. PU2: O que fazer [...] (M9, 129- 134) As discussões e reflexões eram direcionadas para necessárias abordagens e explicações, por parte do professor, em aulas de CNT, que pudessem ser contrapostas a visões simplistas e/ou distorcidas, como as veiculadas pelas figuras apresentadas. Da mesma forma, 87 discutiu-se sobre representações que incorrem no risco de um maior grau de inadequação, por veicularem a noção de um mero encaixe “chave-fechadura” representado nas Figuras 13 e 14. - como os estudantes compreendem as interações em nível atômico-molecular envolvidas nas reações enzimáticas (pelo modelo chave-fechadura)? - analogias/imagens ajudam ou atrapalham? -reduzem a complexidade conceitual? - é isso que se quer em aulas de Biologia e Química? - O que você faria? Figura 13. Modelo Chave-Fechadura 1. (LDQUI2, p.424) Figura 14. Modelo Chave-Fechadura 2. (LDQUI3, p. 552) Diante das imagens (Figuras 13 e 14) que reduzem a complexidade da atividade enzimática a um simples encaixe físico, PU2 levantou questões que faziam pensar nos cuidados que se deve ter ao usar tais imagens, no ensino de CNT. PU2: Aqui tem outras representações, do LDQUI2 e LDQUI3. PU1: Isso é livro de Química do EM. [...] PU2: Como os estudantes compreendem as interações em nível atômico-molecular envolvidas nas reações enzimáticas, pelo modelo chave-fechadura? Se compreendem? As analogias ou imagens ajudam ou atrapalham? Reduzem a complexidade conceitual? Será que é isso que se quer no ensino de Biologia ou Química? O que fazer? São questões que preocupam. (M9, 135-138) PEMB1 instigava os licenciandos a refletir e se pronunciar sobre as figuras apresentadas, com o uso das quais não acredita ser possível uma compreensão ou significação conceitual que permitam constituir aprendizados relevantes aos estudantes. 88 PEMB1: [...] Nós temos que pensar que para [...] explicar alguma coisa, aquele modelo da chave-fechadura, por exemplo, é um modelo, eu não tenho como explicar. São modelos de ensino aprendizagem. Agora, eles ajudam ou eles atrapalham? Aquele ((aponta para a chave- fechadura)) do LDQUI2. Isso aqui [...]. Um cadeado e uma chave ((risos)), vocês acham que o aluno vai olhar pra isso aqui ((apontando para a figura da esquerda)) e vai pensar em uma reação química entre uma enzima e um substrato? E esse aqui ((figura da direita))? L3: Se disser que aquilo é um molde, ou um exemplo de uma enzima com substrato, não, é lógico que não. [...] L9: Ta, mas então como explicar sem os modelos? L7: Aquilo ali só atrapalha. [...] Tá, mas então porque colocam esses exemplos, só pra atrapalhar?[...] L4: Esse ((referindo-se a figura 10)) que tu colocou dá pra entender um pouco melhor, significa que os hidrogênios vão se ligar, vão se aproximar da enzima, [ ...] PU2: É mais fácil, mas não é também por que. L4: Não to dizendo que é 100% mais fácil. Mas tem a noção que ta a Química envolvida junto com a Biologia, vamos supor, os dois vão se unir. (M9, 240-250) Foi possível perceber que sujeitos presentes no ‘módulo interativo’, após as abordagens com o uso de uma animação, que permitiu desenvolver a noção de que a cada atividade enzimática está associado um determinado ‘mecanismo de reação’, mostravam-se contrários e reprovavam o uso de analogias simplistas, como a da “chave-fechadura”, apresentada em LDBIO e LDQUI, por não contemplarem um entendimento coerente com o sistema de relações conceituais que possibilita a compreensão da formação e da ação do ‘complexo enzima-substrato’. Ou seja, foram importantes as mediações e as significações conceituais possibilitadas, permitindo discussões relativas a representações inadequadas sobre a ‘energia de ativação’, sem enfatizar as ‘interações químicas’ envolvidas na ‘catálise enzimática’. No episódio que segue PEMQ2 fazia menção à importância do professor ser um sujeito reflexivo de sua prática pedagógica. No mais das vezes, os próprios docentes não analisam os subsídios levados e utilizados em sala de aula. Apresentam os conteúdos aos estudantes como verdades prontas e acabadas, sem refletir e sem proporcionar que estes reflitam acerca dos mesmos. PEMQ2: [...] Nós teríamos que aprender, aprender. Nós professores temos que entender muito antes ((do ensino)) as teorias. Nós deveríamos refletir mais. Nós já queremos dar a resposta pro aluno. Então a gente deveria refletir mais. Que bom que ela ((a licencianda que falava sobre limitações de Ciências no Ensino Fundamental)) deu essa colocação de que ela não aprendeu, não aprendeu e não 89 aprendeu. Mas então, por quê? Chega o momento de a gente parar, refletir e pensar. O que esse modelo tá dizendo? O que vem por trás disso? Será que vai ajudar ou só tá atrapalhando? Bom, se não dá esse, vamos partir pro próximo, mas desde que isso sirva para uma reflexão. E o que tá por trás disso? Eu, pra mim, na Química, toda base é da energia. Eu, pra mim, no meu entendimento, um modelo pode até prejudicar, mas têm modelos que podem auxiliar na nossa imaginação [...]. Pra algumas pessoas aquilo serve. Para outras vai servir outro modelo. Mas precisa sim de alguém, de um colega ou um professor, para mostrar outros caminhos, e dizer assim “não, vamos por aqui, por ali, isso realmente não vai dar”. Só que é difícil. E ninguém vai nós dizer a resposta, entenderam? Então, é uma coisa que vai acontecendo. É um processo. É complexo. É difícil. Mas têm que imaginar que isso é uma máquina complexa. É um sistema complexo. Então, essas interações entre pessoas, entre conhecimentos, como se deu o processo? O que está por detrás?[...] (M9, 252) PEMQ2 ressaltava a importância das reflexões, das ajudas e das interações dos professores em formação com outras pessoas, com outras experiências, que possam contribuir com mediações, com trocas de idéias, entre sujeitos que fazem parte ou não do contexto escolar. São inúmeras as dificuldades percebidas no ensino de CNT, frente às quais, é importante interagir tanto com colegas próximos quanto com outros educadores ou especialistas que possam co-participar na reconstrução dos conhecimentos e das práticas em salas de aula. Como refere Morin (2002), “não é suficiente ter aprendido coisas para ser capaz de ensiná-las com um espírito científico”. Com base no mesmo autor, é importante o convencimento de que: é preciso ir mais longe: uma mudança nas práticas de ensino e uma consideração das variedades das práticas de ensino e de aprendizagem, o que é um trabalho de fôlego. Além das urgências aparentes, é importante pelo menos fazer com que os professores experimentem, eles próprios, outras maneiras de aprender além daquelas que foram convenientes para eles mesmos durante sua adolescência e que, muitas vezes, reproduzem, acreditando, com boas interações, que são as únicas que podem funcionar. (MORIN, 2002, p. 532) Cabe considerar que muitas vezes a carga horária excessiva dos docentes, a falta de diálogo entre os colegas da área de CNT, a falta de atualização e de aprofundamento teóricoconceitual no âmbito da sua disciplina, da área e da educação como um todo, são obstáculos que distanciam os docentes das práticas de ensino mais adequadas ao desenvolvimento de aprendizados significativos. Frente a este quadro, PEMQ2 alertava para reflexões que direcionavam a atenção para o que seria possível fazer. O que fazer diante de um ensino fortemente ancorado no uso restrito dos LD? Como potencializar o acesso aos conhecimentos que são objetos dos estudos? Quais aprendizados são possíveis de serem propiciados aos estudantes? Quais atitudes terão que ser tomadas no âmbito dos diferentes níveis do ensino? 90 No episódio a seguir, PU1 sugere formas de avançar nas práticas escolares, fazendo menção a contribuições da SE. PU1: Então assim gente, [...] fazendo aulas práticas, atividades, metodologias variadas usando recursos, figuras, animações, sei lá. Então a gente poderá, quem sabe, tornar a aula um pouco mais relacionada com a vivência. Enfim, por alguma razão, o aluno não tá interessado em estudar aquilo. Pode ser que sim. Agora, outra coisa. E esse é o ponto. E que bom que vocês têm a Situação de Estudo, com muita diversidade de atividades, mil e uma coisas pra poder estar mediando e ajudar [...] aquela compreensão lá na escola. A segunda coisa, que tava todo mundo falando aqui, é que isso é complexo, isso é difícil. E aí nós temos o entendimento, [...] temos discutido isso várias vezes aqui na Bioquímica. E eu corroboro com isso, firmemente, de que não tem como, não tem artimanha. Isso nada vai diminuir a dificuldade, a complexidade da compreensão conceitual, assim como PU2 tava explicando antes. Então o que nós vamos fazer? (M9, 288) PU1 também referia que muito do trabalho realizado em aula está ao alcance dos professores, cabendo a estes, adequar suas práticas. No ensino, muitos obstáculos decorrem de materiais didáticos utilizados por professores que não refletem sobre a adequação ou não de figuras, textos e atividades constantes em LD. Resultados de pesquisa construídos corroboram a visão de que os ‘módulos interativos’ não se constituem em espaços formativos em que sejam dadas ‘receitas’ de como seria a melhor maneira de ensinar Química ou Biologia. Têm a pretensão sim de discutir, refletir a complexidade de ser professor, de constituir-se professor. Discutir limitações de recursos didáticos, de conhecimentos, de aspectos diversos da formação inicial e continuada. Também, as limitações do próprio currículo escolar, sendo importante que o mesmo seja integrado, na prática, de abordagens pertinentes mediante metodologias e recursos instrucionais que podem contribuir para a organização de um ensino que mobilize o interesse dos estudantes. Nas falas que seguem PEMQ1 deixava claro que o EM não propicia uma compreensão conceitual pertinente de ‘energia de ativação’ por não direcionar o pensamento para a noção de variações de ‘energia’ associadas a rupturas e formação de ligações químicas, mediante interações entre as moléculas. PEMQ1: [...] Nos livros de Química é muito superficial. [...] Aí os caras pegam 50 questões de vestibular e as 50 questões pedem a mesma coisa. Então, o cara decora isso. Ele “sabe tudo” [...] de energia de ativação. Só que na realidade não tem a compreensão química do processo. Ou seja, que você tem substâncias reagentes que precisam romper ligação, que precisam fornecer energia para quebrar ligação e que vão se formar novas substâncias/produtos, com novas ligações químicas, de uma forma diferente. [...] Quimicamente falando, ou seja, em termos do nível estrutural de molécula, nenhum livro didático traz. Então a única aplicação que 91 existe é dentro da Biologia, lá, mas quimicamente falando no EM isso deixa a desejar. PEMB1: Se a gente for pensar, por exemplo, na Biologia [...] PEMQ1: E é extremamente importante entender isso! Na verdade o importante seria entender as ligações entre os átomos, a quebra de ligações, rompimento de ligações, com fornecimento de energia [...]. PU1: Interação química. PEMQ1: É. As anteriores e as novas interações. Porque vai formar esse produto? Porque forma o produto? Afinal de contas porque a reação acontece? Porque ela é mais rápida? O que faz ela ser mais rápida, se não é ‘subir e descer’? Porque essa é que é a idéia que traz na analogia, na figura. (M8, 134-138) Retomando as concepções de PEMQ1, PU1 reforçava que as compreensões sobre ‘energia de ligação’, não devem restringir-se à disciplina de Química. A Biologia carece de tal compreensão e poderá avançar muito no ensino quando considerar ‘energia’ como um ‘conceito unificador’. PU1: Eu acho que a energia de ligação é um assunto importante. [...] Na aula de Química tem isso. E na aula de Biologia, nós podemos falar em combustão, mas daí começa dar os nós. Mas será que podemos falar que isso é combustão? Não é nada! Em temperatura corporal: é com as enzimas. Mas a equação geral é a mesma: glicose mais oxigênio se transformando em gás carbônico mais água. Em termos energéticos [...] as entalpias, as energias de ligação, os princípios da Química estão [...] contemplados aqui. Mas é outra condição ambiental, que é a condição celular. E, por isso, as enzimas é que é o foco central. Ah, se não tivessem as enzimas! Como é que nós iríamos imaginar as rupturas de ligação e tudo mais? [...] LQ3: Eu acho que um pouco na Química é assim, se tu não entender ali porque tem uma ligação, ou sei lá o porquê daquela interação da química, da energia. Porque que sem ((essa compreensão)) eu acho tu não vê a Química. Tu sabes Química, mas tu não sabe o porquê da Química. PEMQ1: Aquela velha história, tu sabe coisas [...] (M8, 316-344) PU1 trazia uma linha de reflexão que acenava para a visão das inerentes relações conceituais interdisciplinares na compreensão do conceito. Professores e licenciandos mostravam-se favoráveis à necessidade de compreensões mais aprofundadas em Química. Ressaltavam carências de significação conceitual e de relações nas compreensões conceituais relativas às interconversões de formas de energia, no ensino e na formação do professor de EM, em detrimento de aprendizados fragmentados de ‘coisas de Química’. Alertavam para a importância de um aprendizado teórico-conceitual que permitisse “entender as ligações entre os átomos, a quebra de ligações, rompimento de ligações” com variação de ‘energia’, a partir de mudanças na “interação química... as anteriores e as novas interações”. Em vista da complexidade das transformações envolvidas, ao invés de restringir ao termo ‘energia 92 química’, caberia considerar formas diversas de ‘energia’ envolvidas, como potencial, cinética, eletrostática. Cabe pensar: Por que não falar em energias envolvidas nos processos químicos? (...) o conceito de energia química. (...) a princípio tido como esclarecedor, na verdade se torna obscuro quando isolado de um contexto explicativo mais amplo, o qual não é necessário e sim essencial para sua fundamentação. (OLIVEIRA e SANTOS, 1998, p.21) Em torno da complexidade da significação conceitual, as discussões enfatizavam a importância de abordagens capazes de inter-relacionar explicações teórico-conceituais entre si e com contextos vivenciais, evitando incorrer no risco de recair em obstáculos à apropriação do conhecimento escolar. Aprendizados deturpados e limitados não propiciam processos de significação conceitual em nível atômico-molecular, como é o caso de estudantes que usam palavras sem ter construído um significado adequado. Para Vigotski, a aparição de palavras novas no contexto de constituição dos indivíduos, marca o princípio do desenvolvimento do significado. Este é produzido nas interações sociais, mediadas por signos ou instrumentos, através da figura do outro. O sujeito, na perspectiva de Vigotski (2001, p. 133) “só pode ser compreendido na sua relação com o signo e, mais especificamente, com a linguagem”. O homem é produzido nas relações sociais, situado histórica e culturalmente, definido pela emergência do signo e pela consciência constituída na e pela linguagem. Tudo isso permite reafirmar a importância de propiciar aprendizados escolares que potencializem os processos de desenvolvimento humano, de desenvolvimento da inteligência, da mente humana. É importante saber lidar com dificuldades de compreensão conceitual significativa, por parte dos próprios professores, que repercutem no ensino de conceitos complexos como o de ‘energia’. Num episódio do ‘módulo interativo 8’, PEMB1 fazia menção a tais dificuldades no ensino escolar, suscitando importantes reflexões aos futuros professores: PEMB1: [...] e discutir isso! Dar uma aula sobre energia, com toda a complexidade que isso exige que isso envolve, para pessoas que não têm noção do que é uma mitocôndria. Esse é o mundo real, da escola que você encontrará, depois. Essa é a sala de aula, onde a gente vai trabalhar. Acho que as primeiras vezes que eu dei aula foi uma tragédia. Talvez hoje ainda seja, mas menor. Por que ela é menor hoje? Porque eu acabo estudando mais Química hoje, como o PEMQ1 também diz: “não PEMB1, é uma interação química; é isso ...”. Mas ainda falta muito o entendimento da Química para mim talvez poder mediar adequadamente essa construção. Talvez um pouco por isso que eu digo que é o conteúdo mais difícil do Ensino Médio. [...] 93 PEMQ1: Olha eu passei algumas noites em claro, pegando livros. Eu tive que apelar. Fazer o que? Pegar livros didáticos do Ensino Médio. E aí quando eu consegui entender os livros didáticos do Ensino Médio principalmente na parte das reações orgânicas e na parte da Bioquímica. Aí eu voltei a pegar os livros que eu usava na faculdade, enfim, os materiais. Eu acho que dentro dessa parte da Bioquímica os professores de Química, têm muita dificuldade para entender o processo biológico. É muito difícil. (M8, 159, 165) As reflexões sobre dificuldades na promoção de um ensino que propicie processos significativos de compreensão conceitual referiam-se a transformações entre matéria e ‘energia’ e que compreender significativamente os fenômenos químicos requer estudo constante, além de ‘trocas’ entre professores de CNT. É preciso primeiro conhecer, para depois mediar o ensino. Como mostram as falas apresentadas a seguir, outros momentos interativos, nos módulos, ainda propiciavam discussões que se referiam à complexidade da prática escolar. Acenando para o rompimento das formas tradicionais de organização do currículo escolar, denotavam possibilidades de (re)contextualização dos conceitos científicos em contexto escolar de forma que os conteúdos do ensino tenham mais significado para os estudantes e para o próprio professor. LQ2: [...] Outra coisa [...] é sobre romper com a fragmentação, com o conteúdo disciplinar. Mas escrever é fácil, gente, agora, o difícil é pensar em contextualizar um conteúdo como esse. PEMQ1: É bem complicado. [...] Mas uma das coisas que eu acredito, enquanto professor, é que a principal dificuldade ((além de outras)) é a questão de ter tempo para ler, ter fontes que são seguras e boas. [...] PU1: E ter gente que te ajude. LQ2: Gente que ajude! PU1: Um grupo! PEMQ1: É! Você formar um grupo! Mas um grupo que realmente discuta contigo, entre colegas das diversas áreas, ou, pelo menos, um colega da Química, um da Biologia e um da Física. E você ter a vontade disso! (M8,187-196 ) As manifestações, no episódio, traziam à tona uma discussão anteriormente analisada, quanto à importância de interações como as vivenciadas pelos sujeitos nos módulos. Professores e licenciandos expressavam-se sobre a importância e a necessidade de estudar sempre. Constituir-se professor não é algo mecânico, que acontece com a conquista do diploma. É um processo lento, processual e gradual, no qual reflexões criticamente 94 fundamentadas sobre as práticas pedagógicas exercem papel fundamental (WIRZBICKI e ZANON, 2009). A consolidação da escola “ideal” estaria fundamentada sobre um espaço-tempo para estudos e planejamentos conjuntos, para leituras e constante formação/atualização docente. Isso remete para a importância de promover encontros que aproximem a escola e a universidade, ou seja, aproximando sujeitos que atuam na realidade escolar com os sujeitos em formação que atuarão na educação futuramente. A conquista de um espaço interdisciplinar, que envolva as diferentes disciplinas da área de CNT, era vislumbrada a partir do depoimento de professores que já conquistaram tal espaço no contexto escolar, apontando para um ensino mais significativo conceitualmente no que se refere ao estudo de ‘energia’. “E você ter a vontade disso!”, tal como dizia PEMQ1. As interações nos módulos analisados possibilitaram discussões e reflexões sobre abordagens do conceito ‘energia’ no EM, denotando contribuições à formação docente, quanto a uma visibilidade sobre insuficiências nas significações conceituais no ensino de CNT, seja em aulas do EM ou na licenciatura. A análise de abordagens no ensino do conceito ‘energia’ prossegue no sub-capítulo a seguir, que trata de outro assunto dos LDBIO do EM e em aulas de CNT, qual seja: a participação do ATP na manutenção dos processos vitais. 4.2 Compreensões sobre ATP e Interconversões Energéticas nos Processos Vitais No âmbito desta pesquisa, o olhar na análise das interlocuções nos ‘módulos interativos’, envolvendo o uso de LD, esteve voltado para abordagens e compreensões conceituais relacionadas à respiração. Trata-se de um assunto vivencial, haja vista a sensação de “falta de ar” possivelmente experienciada por parte de cada pessoa, em situações específicas, por vezes em riscos de afogamento ou outras vivências. Contudo, em contexto escolar, trata-se de um conteúdo do ensino de CNT bastante complexo, cujos estudos requerem compreensões com graus elevados de abstração, como as relativas à atuação de enzimas no metabolismo celular. No EM percebe-se uma ampliação crescente de abordagens e explicações sobre a respiração celular. É preocupante a constatação de que, por exemplo, em LDBIO, elas abrangem crescentes tratamentos de conteúdos bioquímicos, cuja compreensão envolve graus elevados de abstração. As abordagens sobre o metabolismo energético celular (constantes nos LDBIO direcionados para a 1ª série do EM) incluem estudos e entendimentos sobre as vias 95 metabólicas e suas relações com processos de produção e consumo de ATP na manutenção dos processos vitais. Esta problemática carece de ser objeto de atenção em contextos de planejamento e execução das práticas curriculares em CNT, no EM. No âmbito dos ‘módulos interativos’ acompanhados, discussões diziam respeito a tal problemática, tendo sido expressos depoimentos, posicionamentos e argumentos que se contrapunham a visões simplistas de que a ‘energia’ é ‘liberada’ ou ‘absorvida’, reduzindo possibilidades de significação conceitual por parte dos estudantes, na área de CNT. Resultados apresentados neste capítulo dizem respeito a essa linha de preocupação, frente à crença de que tais estudos requerem, por um lado, entendimentos relativos a cada uma das vias metabólicas e reações enzimáticas específicas que integram o metabolismo celular (a exemplo da Glicólise, do Ciclo do Ácido Cítrico ou Ciclo de Krebs, da Cadeia de Transporte de Elétrons ou Cadeia Respiratória) e, por outro lado, entendimentos relativos às complexas redes de relações entre as mesmas. No desenvolvimento dos ‘módulos interativos’, discussões entre os sujeitos faziam referência à necessidade de o professor mediar conceitos complexos e abstratos como os envolvidos nos estudos sobre a constituição química e as transformações que acontecem nos seres vivos, que mantém a vida. As explicações referem-se a processos de transformação de ‘energia’ que acontecem em nível atômico-molecular, sendo que a compreensão exige graus elevados de abstração por parte dos estudantes, o que no EM, nem sempre é possível, pois nem todos os estudantes atingem níveis abstratos de pensamento. No ‘módulo interativo 8’ PEMB1 questionava a complexidade do ensino e das compreensões de conteúdos/conceitos relativos aos processos celulares. PEMB1: [...]. Um dos conteúdos que eu trabalho e que eu mais gosto de trabalhar, gosto muito de trabalhar biologia celular. Gosto! Para mim ela é muito desafiadora. Porque ela é muito difícil de trabalhar. Porque no Ensino Médio ela é muito abstrata. PU1: É. Aqui também é. PEMB1: Como você tem que imaginar essas rotas metabólicas, essas reações químicas acontecendo e aqui daqui a pouco tem gente que daqui a meio ano estará em sala de aula. E vocês ainda têm dificuldade para fazer isso. Então vocês imaginam um aluno do Ensino Médio que tem ali os seus 15 anos. É muito difícil. E isso que é o desafio da coisa. O que você faz para tentar minimamente produzir significados para esses conceitos, nesse nível de ensino? Em que níveis você consegue chegar com eles? Ou pode chegar? (M8, 40-42) 96 A preocupação expressa por PEMB1, na maioria das situações escolares, passa despercebida nos contextos da sala de aula. As capacidades de assimilação por parte dos estudantes, em geral, não são consideradas. Para muitos professores ensinar os conceitos é algo mecânico, estes sequer refletem sobre os níveis de abstração necessários à compreensão dos adolescentes. Nessa mesma linha de compreensão, Vigotski (2001) refere que: estudos especiais mostram que só depois dos doze anos, ou com o início da puberdade e ao término da primeira idade escolar, começam a desenvolver-se na criança os processos que levam a formação dos conceitos e ao pensamento abstrato. Pode-se considerar que a criança atinge tarde o grau de socialização de seu pensamento, que é necessário para a elaboração de conceitos plenamente desenvolvidos. (p.159) A complexidade e os graus de dificuldade dos estudos sobre ‘respiração celular’ residem na necessidade de uso, por parte dos estudantes, de conceitos básicos de Química e de Biologia, abstratos por sua natureza, bem como da capacidade de entendê-los de forma dinamicamente inter-relacionada, a exemplo das significações conceituais de processos ‘endotérmicos’ e ‘exotérmicos’, ligações químicas, reação enzimática, coenzima, mitocôndria, ATP, entre inúmeros outros que poderiam ser citados. Tal preocupação relativa ao grau de dificuldade de compreensão conceitual pode ser remetida à análise de excertos e/ou figuras presentes em LDBIO, a exemplo, do Cap. 8 do LDBIO1, intitulado “Metabolismo Energético – Noções Gerais”. Há uma menção ao “conjunto das atividades metabólicas da célula relacionadas com a transformação de energia, o qual é denominado metabolismo energético.” (p. 159; grifo do LDBIO). Logo após, consta o excerto abaixo, que pode ser analisado quanto a concepções relativas ao conceito ‘energia’ e suas interconversões. A fonte de energia mais importante para os seres vivos é a luz solar. Essa energia é captada pelos seres clorofilados e transformada em energia química, que fica armazenada em moléculas orgânicas, como a glicose. A energia armazenada nas ligações químicas das moléculas orgânicas pode ser liberada e empregada na execução das diferentes funções celulares. Para isso as moléculas precisam ser quebradas, e o principal processo metabólico que executa essa função é a respiração aeróbia, durante a qual há participação do oxigênio. (LDBIO1, 2006, p. 159) (grifos nossos). São inúmeros os LDBIO que, como mostra o excerto acima, usam expressões como “liberada”, “armazenada”, ao se referirem à ‘energia’. Tal simplificação e deturpação conceitual contrapõe-se à complexidade associada ao uso de analogias e metáforas, que, 97 segundo a literatura, incorrem no risco de criar obstáculos epistemológicos à apropriação do conhecimento científico mediado no contexto escolar. Em que pese a complexidade da compreensão conceitual de ‘energia’ e de suas dinâmicas de transformações nos processos biológicos, foi possível perceber que o LDBIO1 apresenta os conteúdos e conceitos de forma direta, mediante definições e ilustrações, como se fosse algo de fácil entendimento por parte dos estudantes do EM. A figura que segue exemplifica tal simplificação. Figura 15. Processos Celulares de Transformação de Energia (LDBIO1, p.160) Expressões como “processos de liberação de energia”, relativamente à “transformação de energia nos seres vivos”, como no esquema acima, remetem à visão de que a energia é “liberada”, no sentido de ser “para fora” do ser vivo, ou seja, para o meio externo. Não há uma problematização e significação conceitual relativa ao entendimento de reações químicas que acontecem em níveis submicroscópicos. Assim, os entendimentos ficam reduzidos a expressões simplistas como “incorporação” e “liberação” de ‘energia’. O mesmo livro, ao tratar de “reações químicas”, apresenta, de forma também direta, os conceitos de reação “endergônica” e “exergônica”, apresentando os esquemas abaixo: 98 Figura 16. Fotossíntese e Quimiossíntese (LDBIO1, p.162) Na figura/excerto percebe-se que LDBIO1 classifica e exemplifica os fenômenos químicos da quimiossíntese e da fotossíntese como processos ‘endergônicos’, de forma simplista, como um conteúdo de caráter apenas formal. Apesar do item “Atenção” colocar que as representações não contemplam as ‘reações químicas’, referindo-se a estas como um “processo mais complexo”, cabe refletir: por que trabalhar com explicações fragmentadas que não possibilitam uma compreensão sobre o todo? Quais compreensões os estudantes desenvolvem diante de explicações simplistas como estas? Eles conseguem estabelecer relações com conhecimentos de níveis submicroscópicos? Outras ilustrações como as apresentadas abaixo também denotam uma simplificação de explicações complexas relativas a contextos vivenciais, sem permitir uma compreensão adequada, relativamente às Ciências, sobre os processos metabólicos envolvidos no funcionamento e manutenção da vida, considerando-se o contexto celular. Durante o ‘módulo interativo 9’ foi apresentado e discutido o slide contendo a gravura e o excerto da Figura 17: 99 Figura 17. Reações Químicas, Acoplamento de Reações e ATP. (LDBIO1, 176) Pode-se dizer que em abordagens como as da Figura 17, conceitos como o de reação ‘exergônica’ e ‘endergônica’ são tratados de forma simplista, sem considerar a complexidade dos processos de transformação e conservação de ‘energia’ envolvidos. No ‘módulo interativo 2’ PU1 manifestava-se sobre dificuldades de compreensão do metabolismo celular no ES e que devem ser mais presentes no âmbito do EM. PU1: Nesta turma de licenciatura estamos desde março estudando o metabolismo celular, a glicólise, [...] eu desafiei a turma que eles analisassem livros didáticos do Ensino Médio, como é que [...] esse assunto comparece lá para ser ensinado. A gente aqui percebe como esse assunto é complexo, quando aqui mesmo a gente vai compreender teoricamente como esses mecanismos são propostos, a gente tem essa visão que compreender o metabolismo celular é algo complexo.(M2, 7) No âmbito deste trabalho, considera-se importante que os processos de formação de professores propiciem reflexões sobre essa complexidade do conceito ‘energia’, considerada acima por PU1 e pela pesquisa dos licenciandos. Nem sempre há consciência de limitações 100 associadas à simplicidade e objetividade de abordagens em LD, independente do nível de ensino. No capítulo 6 de LDBIO1, intitulado “Metabolismo energético das células”, a introdução a esta abordagem é realizada a partir das definições que seguem: Nas reações químicas, moléculas reagentes interagem entre si e se transformam em outras moléculas denominadas produtos. Existem reações químicas que, para ocorrer, precisam receber energia. Elas são chamadas endotérmicas. Nesses casos, os reagentes têm menos energia do que os produtos. A fotossíntese e a quimiossíntese são processos endotérmicos. Outras reações, no entanto, liberam energia. Elas são exotérmicas. Nessas reações, os reagentes possuem mais energia do que os produtos, e parte da energia dos reagentes são liberados na forma de calor. A respiração e a fermentação são processos exotérmicos. (LDBIO1, p. 88) (grifos do LDBIO). A maneira simplista como LDBIO1 aborda reações químicas ‘endotérmicas’ e ‘exotérmicas’, relacionando a conceitos fundamentais a serem compreendidos no EM, a exemplo da ‘fotossíntese’, ‘quimiossíntese’, ‘respiração’ e ‘fermentação’, possivelmente não possibilitam compreensões e inter-relações por parte dos estudantes. A interpretação necessária para o entendimento conceitual desses processos complexos é assim referida pela literatura: A interpretação atômico-molecular de processos endotérmicos e exotérmicos exige clareza quanto aos aspectos macroscópicos dos experimentos. Há muitas dificuldades com as definições de sistema e de vizinhança e com o fato de ser ou não possível a troca de calor entre eles – e, em caso afirmativo, dúvidas quanto às consequências do restabelecimento do equilíbrio térmico. Nos níveis microscópicos ainda existem as dúvidas quanto à associação de ruptura e formação de ligações (ou de interações intermoleculares) com absorção e liberação de energia, como também quanto à identificação desses fenômenos com alterações na energia potencial das partículas envolvidas. (BARROS, 2009, p.1). Logo após as abordagens com limitações aos entendimentos dos estudantes, em LDBIO2 constam imagens representativas dos processos de fotossíntese, que não podem ser compreendidos tão simplesmente como “incorporação” ou “liberação” de ‘energia’. 101 Figura 18. Fotossíntese (LDBIO2, p. 88) Figura 19. Respiração Aeróbia (LDBIO2, p. 88) Questionamentos eram levantados durante o módulo 9, sobre as compreensões dos estudantes do EM a respeito do importante e complexo conceito ‘energia’, na área de CNT, a partir de imagens inadequadas como as das Figuras 17 e 18, a do morro energético e outras analogias presentes em LDBIO e LDQUI. PU2: Que energias são essas que estamos falando? São diferentes para Física, Química e Biologia? O que vocês entendem por energia? L2 ((cochicho)): Pra mim é a mesma coisa. PU2: Então aqui tem outra representação de um livro didático de uma reação exotérmica e de outra endotérmica fala em energia. Todas tem energia. O que é energia? O que vocês entendem por energia? Tem uns autores que falam em interconversões de energia. PU1: O livro ((referindo-se ao LDCIE1)). 102 PU2: Então essa, a M1 me passou esse slide e eu achei bem interessante mesmo. “As substâncias interagem entre si e se modificam por meio de absorção, dissipação e trocas de energia. Nesse processo, enquanto ligações químicas são rompidas e novas ligações são formadas, há sempre o envolvimento de energia. Nas transformações de substâncias, a energia potencial de ligação química é transformada em energia cinética molecular, aumentando a temperatura do corpo.” ((LDCIE1, p.71)). Então são ligações, as ligações é que fornecem essa energia, que então a gente percebe esse calor. PU1: Ou até mesmo mantendo o organismo. PU2: Ou mantendo o organismo pelas interconversões dessa energia potencial que a molécula tem, então porque a energia é a mesma, tudo tem energia. PU1: O total de energia. PU2 - A energia total é a mesma. O que acontece são interconversões, da energia potencial das moléculas ((que)) são transformadas em cinética, ((não é toda, há novas energias potenciais, porque há novas moléculas)) que podem ser dissipadas que tu nem percebe, ou tu pode perceber o calor. (M9, 71-79) PU2, ao questionar os sujeitos presentes no ‘módulo interativo’, sobre entendimentos e concepções diferenciadas de ‘energia’ no âmbito de cada campo disciplinar de CNT, chama atenção para o LDCie1, utilizado nas séries finais do EF e como subsídio nos ‘módulos interativos’. Por ser um LDCIE do EF, nível do ensino em que são iniciados os processos de formação conceitual relacionados à ‘energia’, respiração, entre outros, tal discussão justificase, por perceber-se um avanço na forma conceitual de tratamento didático, tendo sido observada a presença, ao longo do mesmo, de abordagens adequadas e coerentes com a forma científica com que os termos são entendidos e tratados. Apesar da palavra “libera” ainda estar presente em LDCIE1, a partir de análise do mesmo percebeu-se grande avanço em relação à abordagem das transformações entre matéria/energia, como a citada no episódio acima. Tal análise contrapõe-se a visões limitadas e fragmentadas, da área, presentes na maioria dos LDBIO que abordam ‘energia’, a partir de ideias relativas a concepções como “libera energia”, usualmente utilizadas em situações cotidianas. Nossa preocupação é de que, em aulas de CNT, esta expressão tende a criar obstáculos à construção da compreensão cientificamente aceita sobre as transformações envolvendo matéria e ‘energia’. Em vista da complexidade das transformações envolvidas, ao invés de restringir ao termo ‘energia química’, caberia considerar formas diversas de energia envolvidas, como potencial, cinética, eletrostática. Frente a expressões simplistas e equivocadas presentes em vários LDBIO e LDQUI do EM, resultando em compreensões incoerentes com formas científicas adequadas de explicação, cabe considerar que não podemos mais voltar a definições arcaicas dos conceitos, uma vez que estudos sobre a natureza do calor sempre estiveram em foco para os químicos e 103 físicos, dos séculos XVIII e XIX, Lavoisier apoiava a chamada ‘hipótese calórica’, segundo a qual o calor se devia à transmissão de um fluido calórico dos corpos mais quentes para os mais frios. Nesse sentido, essa forma ultrapassada e descontextualizada de abordar conceitos pode incorrer em assimilações em que os estudantes possam imaginar uma situação em que exista uma ‘energia’ retida em um material, a qual depende de alguma reação para ser liberada. LD amplamente utilizados no EM também abordam de forma simplista os processos complexos de reações referidas como ‘exotérmicas’ e ‘endotérmicas’, possivelmente sem estabelecer relações ou diferenciações entre as noções de reação ‘exergônica’ e ‘endergônica’, incorrendo, dessa forma em obstáculos epistemológicos às compreensões científicas, como tratado no Capítulo 2. Tais obstáculos podem ser remetidos a figuras como a 20, referente às “reações acopladas” quanto às interconversões de energia. Figura 20. Reações Acopladas (LDBIO1, p.163) Tal forma de abordagem, sem contemplar explicações acerca das transformações que acontecem em níveis submicroscópicos, incorrem em obstáculos ao desenvolvimento de conhecimentos escolares coerentes com as formas científicas de explicação. Isso acomoda o 104 pensamento, impedindo os entendimentos conceituais por parte dos estudantes. A figura compromete a compreensão, devido a equívocos reportados à visão de ‘liberação’ e de ‘incorporação’ de ‘energia’ como mero movimento de caminhõezinhos num ir e vir com ou sem a ‘carga’. Acredita-se que mediações de saberes por parte de sujeitos com formação e atuação profissional em diferentes níveis educativos permitem um enriquecimento das ideias e argumentações, concebido como fator propulsor de mudanças no ensino de CNT, em contraposição à primazia das visões simplistas como a de que o professor seria o detentor dos conhecimentos ‘verdadeiros’, bem como a concepção extremista de que o ‘aluno constrói o seu conhecimento’, o que negligencia a essencialidade do papel mediador do professor. Corroboram tal visão as ideias de que: o que afeta diretamente o desenvolvimento dos conteúdos científicos em sala de aula é a maneira como o docente é formado ou até mesmo a visão que possui sobre o que é Ciência e a atividade científica. ... os professores parecem possuir uma concepção arraigada de que ensinar conteúdos científicos é transmitir conhecimentos prontos. Assim, segundo o autor, torna-se difícil esperar que um professor formado com uma concepção de Ciência como algo estático desenvolva práticas que privilegiem outra visão da atividade científica, se ele próprio não vivenciou tal processo. (LONGHINI, 2008, p. 243) Assim, dificuldades por parte dos professores da área de CNT em compreender e ensinar o conceito ‘energia’ podem ser reportadas aos processos formativos baseados no currículo tradicional, em que cada disciplina trata os conteúdos sem interlocuções dos pares, não promovendo um ensino inter-relacional dentro da própria área. Limitações a compreensões conceituais no ensino e na formação para o ensino, apesar de vários avanços significativos, permanecem atreladas a abordagens inadequadas em LD. Não desconsiderando a importância do LD no contexto escolar, sugere-se que haja um olhar mais crítico sobre as formas como conteúdos/conceitos são abordados, na perspectiva de preservar a coerência com as Ciências e, por outro lado, de valorizar as inter-relações necessárias a uma verdadeira compreensão conceitual, enquanto sistemas de relações a serem considerados no ensino de conteúdos/conceitos complexos, como é o caso de ‘energia’. Nesse sentido, cabe refletir que: é preocupante evidenciar as dificuldades dos professores em conteúdos de Ciências, muitas vezes de nível elementar. Na carência de conhecimentos de conteúdos científicos, a interação acaba quase sempre sendo com o próprio livro didático disponível nas escolas, o que limita o aprofundamento de tais conteúdos. Além disso, a prática de consulta a livros didáticos pode reforçar alguns erros conceituais, devido à qualidade ainda sofrível de muitas destas obras. [...] Caso contrário, 105 corremos o risco de continuarmos formando o professor pleno em metodologias, mas vazio em conteúdos. (LONGHINI, 2008, p.251) Apesar das políticas públicas, com a publicação de leis e documentos que orientam a educação nacional, é necessário reforçar movimentos de mudança mediante os quais todos os sujeitos que atuem no ensino tenham capacidade de desenvolver compreensões acerca dos conhecimentos científicos e que estes sejam ensinados de forma que venha a auxiliar na resolução de problemas típicos ao contexto cotidiano. Frente a esta concepção, cabe refletir sobre o necessário cuidado para não incorrer na implementação de um currículo pouco rigoroso. O risco grave é de que se percam de vista os objetivos maiores do ensino de Ciências, que deve incluir a aquisição do conhecimento científico por uma população que compreenda e valorize a Ciência como empreendimento social. Os alunos não serão adequadamente formados se não correlacionarem as disciplinas escolares com a atividade científica e tecnológica e os problemas sociais contemporâneos. (KRASILCHIK, 1987, p. 66) Essa linha de entendimento remete a discussões sobre a necessidade de compreender limitações de abordagens conceituais de ‘energia’ em LD utilizados em aulas de CNT, conforme reflexões vivenciadas durante o desenvolvimento dos ‘módulos interativos’. Percebia-se uma maior conscientização no sentido de o professor não vir a tomar o LD como único orientador na apresentação dos conteúdos. Melhorias no ensino de CNT necessitam contemplar os LD, mas não apenas os mesmos, sendo importante ter uma visão crítica sobre os mesmos, bem como, usar uma multiplicidade de fontes de informação, bem como outros recursos didáticos, possibilitando o desenvolvimento de um ensino em CNT dinâmico e enriquecedor, coerentemente com as OCNEM (BRASIL, 2006). Durante os ‘módulos interativos 2 e 8’, foram levantadas discussões sobre carências de relações nas compreensões conceituais das interconversões de formas de ‘energia’, presente nos LD e nas práticas de sala de aula, tanto no ensino quanto na formação de professores de EM, ao qual são inerentes as relações conceituais interdisciplinares na compreensão do referido conceito. Mediações alertavam para a importância de um aprendizado teóricoconceitual que permitisse “entender as ligações entre os átomos, a quebra de ligações, rompimento de ligações” com variação de energia, a partir de mudanças na “interação química ... as anteriores e as novas interações”. No ‘módulo interativo 8’ foram apresentados e discutidos slides que ilustravam esquemas representativos de transformações em nível atômico-molecular, mediante as quais é 106 produzida a energia metabólica que possibilita a manutenção do processo vital, envolvendo em especial compreensões relativas às vias metabólicas mitocondriais. Figura 21. Respiração Mitocondrial. (LDBIO4, p. 215, 2004) PEMB manifestava-se sobre as dificuldades de ensinar ‘respiração’, pela complexidade da compreensão conceitual dos processos metabólicos nela envolvidos. PEMB1: [...] o conteúdo mais difícil para todo o EM, em Biologia, indiscutivelmente, é mitocôndria. É compreender o processo de produção de energia. E entender a fotossíntese. De tudo o que eu dou, nada pode ser mais complicado. Talvez, porque eu acho também difícil. E porque eu vou esbarrar na Química. Então, eu estudo muita química para mim conseguir ensinar. PU1: Provavelmente os professores de Biologia que são seus colegas também... PEMB1: É. Agora, para o aluno entender o que acontece quando ele come, ele já tem dificuldade para entender, por exemplo, que ele come, lá, uma barrinha de chocolate, e que, com isso, tem uma série de transformações que acontecem, até você produzir e ter a glicose. Daí, ele tem que entender que essa glicose atravessa a parede intestinal, que ela vai para o sangue, vai para a célula, e que, lá na célula... PU1: Tem a mitocôndria PEMB1: [...] Até ela ((glicose)) chegar à mitocôndria. Entender essas reações químicas ((para o slide)) é complicadíssimo. PU1: E isto está lá no EM. PEMB1: Está nos livros! E isso é difícil! (M8, 100-107) 107 As dificuldades dos professores de Biologia em compreender, em dar “conta” dos conteúdos que incluem muitos entendimentos da Química no EM, eram recorrentes desde os primeiros ‘módulos interativos’ organizados no âmbito dessa pesquisa. Bem como a importância da interdisciplinaridade para avançar no ensino da área e o constante estudo, aperfeiçoamento dos docentes. Os conteúdos que envolvem a ‘energia celular’ exigem, por parte do professor de Biologia, estudos químicos que, isolados de um contexto, por si só não bastam. Para avançar na significação, é de grande relevância a ajuda dos professores das demais disciplinas da área. Por exemplo, o professor de Química poderá contribuir com explicações relativas às partículas e interações em nível atômico-molecular. No que se refere aos LD, considerando-se que os mesmos se limitam a uma determinada disciplina, cabe refletir que: A abordagem dos conceitos diferencia-se apenas pela complexidade da explicação, isto é, fica mais na dependência do tipo de livro que, por exemplo, se este for volume único, os conceitos são pouco explicitados. Nestes termos, alguns livros se resumem a meras definições e assim, em poucas linhas ou frases são introduzidos muitos conceitos na forma de definição. [...] Ao nosso ver, a forma e organização dos conteúdos celulares apresentados pelos autores não evidencia preocupação com a inter-relação funcional e mesmo estrututal entre os diversos componentes celulares e, portanto, o estudo destes se dá de forma linear e estanque. (CERRI et al, 2000, p. 128) Considera-se importante valorizar modos de mediação de sujeitos como o estabelecido por PEMB, que, na condição de professora de Biologia, expressa dificuldades vivenciadas cotidianamente na abordagem de conteúdos que requerem necessárias compreensões químicas. PEMB4 – Eu digo assim por mim e por várias colegas de Biologia do EM é esse o nosso trabalho? PEMB3 – É, depende ainda muito da nossa capacidade, EM eu sempre tive essa clareza, que é ruim entender sempre na corrida, a gente não tem essa clareza de passar pra eles. PEMB5 - Por isso que a gente quer criar esse encontro de formação . PEMB3 – E como é bom estar aqui. PU1 - Fala PEMB4, quer falar? PEMB4 – Não, eu tô contando pra eles, uma questão que tem [num livro didático] do terceiro ano agora, e que esse ano me apertou. (...) Eu sei que tinha questões e no próprio original tinha (...) corrigidas (...). Chegou na outra [parte], é pura Química, fazer o que fulaninha vamos na professora de química, daí fomos lá no professor de Química. 108 PU1 – Que bom isso mesmo. PEMB4 – E daí as pessoas dizem, eu acho assim, quando a gente não sabe, tem muita coisa que a gente não sabe. E todas vão sair da faculdade e vão ter que estudar muito, tem muita coisa que a gente não sabe. PU1 – Com certeza. O que é que não sabem? PEMB4 – Isso vale pro resto da vida da gente, todo ano tu vai acrescentando coisas novas, e muitas coisas (...). PEMB3 – E quanto é importante o colega da gente de Química, [ter] essa compreensão de que (...) é bom pra eles isso ajuda explicar para vocês [alunos] (...). PEMB4 – E a professora de Química é boa, pegou olhou, (...) observou e fez a questão. (...) Explicou pra menina, e eu junto (...). Daí voltamos pra sala de aula e eu expliquei e a menina me ajudou, então ficou clara a questão. Essa questão, pra mais gente de química não foi uma questão que fluiu tão rapidamente a resposta. (...) Eu sou formada em Biologia (...) [num encontro] todas nós de Biologia lá, eu disse gente, são todas professoras há algum tempo como eu, e daí isso não dá, isso é pura Química. Mas colega é uma questão do vestibular de biologia, essa questão não precisa dar, (...) e foi aí que encerrou nossa discussão, (...) a questão que era puramente Química. Eu estou sendo bem verdadeira PU1 – Não PEMB4 a nossa pergunta é verdadeira (...). PU1 – Viu PEMB4, nós não temos respostas, (...) por isso que nós estamos discutindo também, nós temos preocupações, algumas idéias (...). (M2, 200-214) O episódio aponta que há professores preocupados com o seu saber, que refletem sobre sua prática, que buscam trocas entre colegas, assim como há aqueles que ainda continuam dando subsídios a um ensino estanque e linear, em que cada disciplina seja responsável por determinados conteúdos, corroborando a manutenção do currículo tradicional, distante das orientações estabelecidas nas OCNEM (BRASIL, 2006). Por um lado, a atenção se voltava para a complexidade do conteúdo respiração celular e, por outro, para a necessidade da interdisciplinaridade na construção mais significativa de conceitos envolvidos. PEMB4 coloca-se na condição de sujeito que, sendo professor de Biologia, vivencia cotidianamente com dificuldades a abordagem de conteúdos, quanto às necessárias compreensões químicas, sendo esse outro foco de reflexão importante na formação. No ‘módulo interativo 2’ foram apresentados, para discussão entre os sujeitos, com a participação de professores do EM, slides contendo figuras de LDBIO de EM que representavam transformações químicas envolvidas na compreensão da respiração. É um assunto da vivência das pessoas, bastante complexo e amplamente abordado nos LD analisados, com constantes relações com o conceito ‘energia’. Num recorte de LDBIO1 consta a figura a seguir. 109 Figura 22. Processos Celulares de Energia (LDBIO1, p.161,) Sobre a possível contextualização e complexidade inerente à respiração, um sujeito interativo assim se expressava: PU - Eu queria relembrar que respiração celular é um conteúdo que é estudado bastante, mais nas aulas de Biologia e muito pouco na Química. Para nós, respiração é um assunto da vivência: a gente respira, e não vive sem respirar. Mas sobre esse assunto vivencial, como é a compreensão escolar, nas aulas de Biologia e Química? (M2, 170) Se, por um lado, respiração é um assunto intrinsecamente presente na vida de cada um, enquanto situação real, por outro lado, a (re)contextualização das explicações científicas, ainda que possa ser possibilitada de forma a tornar o assunto mais atraente, não reduzirá a dificuldade do processo de ensinar e aprender. Em outras palavras, a contextualização dos conteúdos de CNT no ensino escolar não significa que se torna fácil mediar o acesso às linguagens de modo a internalizar os significados conceituais coerentes com as explicações científicas. As reflexões sobre dificuldades na promoção de um ensino que propicie processos significativos de compreensão conceitual referiam-se a transformações entre matéria e ‘energia’; compreender significativamente os fenômenos químicos requer estudo constante, além de ‘trocas’ entre professores de CNT. Nas imagens presentes em LDBIO para o EM, observa-se grande quantidade de explicações, com ausência ou baixo comparecimento das fórmulas químicas dos processos abordados, apesar de as mesmas não garantirem nada sem a significação. 110 Figura 23. Alimentos e Ciclo de Krebs (LDBIO1, p. 203) PU1: Só pra dar um exemplo, vocês sabem que a gente pode ingerir alimentos ricos em glicose, carboidratos que vão propiciar a vinda da glicose pelo sangue até as células. Se a gente para com a atividade física, a gente tem tendência de engordar mesmo, a partir desses carboidratos, não é verdade? Se a gente fica sentada, não faz atividade física, a gente vai engordar mais. Então, essas enzimas estão lá, dependendo da condição do meio. Algumas são reguladoras do metabolismo, elas têm além do sítio de reação ali em cima que é onde o substrato se encaixa, elas têm outro centro, chamado alostérico. Daí vamos supor que tem lá uma presença de ATP alto na célula e que essas substâncias metabólicas estão interagindo com o centro alostérico, inibindo aquela enzima. Em outro momento, pode ser que ela interaja com outra substância lá presente. Pode ser que está interagindo, ativando. [...] PU2: Outra coisa importante de lembrar que na Química a gente imagina a molécula isolada, [...] como se fosse possível imaginar isso [...]. Na verdade ela esta sempre em interação, então é muito mais dinâmico que simplesmente imaginar uma molécula. (M9, 314-318) A Figura 23 não mostrou que, até Piruvato, a glicólise produz ATP. Seria importante considerar as reações que produzem um saldo energético de ATPs. A “queima” de gordura na respiração produz mais energia do que a de outras substâncias. Por exemplo: um grama de gordura na respiração produz duas vezes mais ATP do que um grama de carboidrato ou de proteína. Diante da simplificação da Figura 23 e das interlocuções do episódio acima cabe refletir: como se dão as compreensões, significações conceituais, frente a estas limitações dos LD? Compreende-se que figuras, com fórmulas ausentes, são impossíveis para os estudantes constituirem um sentido. Mesmo que o estudante consiga reproduzir a explicação como está no LD, é difícil dimensionar o sentido, significado conceitual ao que está explicando aí. Por isso defende-se a necessidade constante de interações entre as áreas de CNT, na perspectiva de um ensino e formação mais relevante, na área. O aumento significativo de figuras nos últimos anos em LDBIO do EM, a exemplo das Figuras 24 e 25 sem uma explicitação adequada acerca das reações químicas que 111 acontecem nos níveis microscópicos, com elevado envolvimento de ‘energia’, foram alvo de discussões durante os módulos. Figura 24. Representação de NAD+ e NADH. (LDBIO4, p.208) Figura 25. Representação do ATP/ADP/AMP. (LDBIO4, p. 211) Acerca das Figuras 24 e 25, PU1 no ‘módulo interativo8’, estabelecia a seguinte linha de reflexão com os sujeitos participantes do espaço formativo: 112 PU1: Eu queria falar de uma coisa importante [...] tem uma constatação que eu faço, de que a cada poucos anos que passam, os livros de Biologia estão ampliando tanto ((fala com entonação)) essa parte que entra na parte molecular. PEMB1: Isso eu queria falar. PU1: Então veja bem, uma estrutura como essa ((referindo-se a Figura 23)). Tu falava antes do NAD, da carga positiva do NAD [...]. A gente não tem dúvida nenhuma aqui nas aulas de Bioquímica, que a gente compreender enquanto professores, esse metabolismo assim como nós estudamos aqui, e que é difícil mesmo assim pra gente aqui, eu e eles, essa compreensão, não significa que da mesma forma vai ser trabalhado lá ((Ensino Médio)), tudo bem. Por outro lado PEMB1 ((os LDBIO)) estão cada vez ampliando mais, você concorda comigo? PEMB1: Sim, isso que iria falar antes. PU1: Entende PEMQ1 tu que é da Química. Então a hora que a gente vê, ainda mais sefor no primeiro ano como muitas vezes é. A presença [...] ninguém ta inventando colocar a estrutura do NAD como eu estou mostrando ela lá na parede, mostrando o ATP e essa energia de ligação, etc e tal...(M8, 213-217) Em relação ao saldo energético de ATP produzido nas diferentes reações químicas que constituem as rotas metabólicas vitais, durante alguns ‘módulos interativos’, aconteceram importantes discussões que diziam respeito à importância da readequação do plano de ensino de Química e Biologia, nos 1º e 3º anos do EM. Com base nas reflexões propiciadas pelas interações, defende-se que a Energética Celular em Biologia seja estudada no 3º ano do EM, em conjunto com os conteúdos de Química1. PU1: Deixa eu perguntar: vocês lembram quem é que fez Citologia, na Biologia, no 1º ano do Ensino Médio? Levanta a mão. A maior parte fez no 3º? Ou nem lembram? [...] LQ3: Meu. Aquilo lá é impossível de entender assim. E te jogam, pelo menos no meu Ensino Médio teve logo no início do ano letivo. M2: Atropelou. LQ3: Então foi aquela coisa assim que a agente nem sabia o que estava vendo, era célula, mas não [...]. Agora, hoje eu lembro algumas coisas, e eu associo agora, na Bioquímica, com aquilo que eu aprendi lá. PEMB1: Agora, este ano, o fato de ter dado Bioquímica e ter dado a parte da Citologia que envolve toda aquela parte das interações químicas, no 1º ano, para mim, [...] foi um desafio gigantesco. Porque quando eu pego eles no 3º ano, como eu dou Biologia no 1º, no 2º e no 3º ano, eu vou preparando eles. Quando eu trabalho a Ecologia, que é o primeiro conteúdo que se trabalhava. Eu dizia: “bom, são seres vivos, e com exceção dos vírus, são formados por células. Células são ...”. 1 As possibilidades dessa organização, com o estabelecimento de inter-relações entre conhecimentos químicos e biológicos, ficou bastante limitada quando muitas escolas adotaram o Programa de Ingresso no Ensino Superior (PEIES) desenvolvido pela Universidade Federal de SantaMaria – RS (UFSM). Este programa organiza o currículo ao qual as escolas que mantêm convênio com o mesmo devem-se adaptar. Através do PEIES a preparação para o ingresso no ES se dá ao longo do EM, com a realização de provas anuais durante todas as séries do EM, não havendo a necessidade de prestar vestibular. 113 Tu começa trabalhando isso. Tu vai fazendo essa construção. Quando eles chegavam lá no 3º ano, quando eu ia falar em mitose e meiose, era notícia. Porque eles já sabiam. Porque quando eu vou falar em reprodução de vegetais no 1º ano, eu já tinha que falar da meiose e tinha que falar da redução. Aí [...] era muito tranqüilo, só que agora não. Aí tem algumas coisas que tu também não vai mais, fica meio automático. (M8, 66-73) As dificuldades de compreensão e significação conceitual ficam bastante distantes quando não é possível estabelecer inter-relações entre as disciplinas de CNT. Os graus de abstração e de dificuldade requeridos para compreensões de processos em níveis submicroscópicos podem ser atingidos se acontecerem conexões entre os “tempos” em que os conceitos de Biologia e Química são abordados no EM. Como refere PEMQ1: PEMQ1: Então isso é uma questão assim que a gente fala em tempos diferentes. Daí o problema de você seguir um currículo que ele já vem pronto ((referindo-se ao PEIES)), um programa de conteúdos. Agora, se a gente tivesse o tempo e a possibilidade também muitas vezes, de você sentar junto e começar dar o conteúdo de uma forma diferente, eu acho que os alunos têm capacidade de compreensão. A gente os subestima muitas vezes, eles teriam condições [...] (M8, 77) Sem a compreensão de um ensino em CNT articulado com as especificidades das disciplinas, bem como sem considerar os processos de desenvolvimento mental dos estudantes, necessários às compreensões de conceitos complexos, o ensino de CNT permanecerá distante dos interesses dos estudantes e não atenderá as OCNEM (BRASIL, 2006), que têm a contextualização e a interdisciplinaridade como dois eixos articuladores do ensino. PEMB1: Para as escolas que seguem o currículo do PEIES [...] a Biologia ela era trabalhada no primeiro ano, trabalhando com a Ecologia e a Botânica. E até o segundo ano nós trabalhávamos os seres vivos, trabalhava toda Zoologia, toda Fisiologia Humana. Por que a Histologia e a Embriologia nós dávamos ainda no segundo. E a parte de micro nós trabalhávamos no terceiro ano. A gente vinha de trás para frente, quer dizer, do macro para o micro e não como está sendo proposto hoje. Daí, no terceiro ano nos dávamos a Biologia Celular e depois a Genética e Evolução. E era um tempo maravilhoso ((tom de exclamação)) para mim em sala de aula. Por que eu trabalho na minha escola com um professor de Química, que dá aula numa escola pública aqui de Ijuí [...] e numa escola ((particular)) comigo. Como nós vamos e voltamos juntos todos os dias, então a gente planeja a nossa interdisciplinaridade nesse trajeto, afinal de contas são quase três horas por dia que nós viajamos juntos. Então quando eu ia dar Biologia, quando eu dava a parte da composição química da célula, eu não precisava me preocupar em dar, por exemplo, o que é uma ligação peptídica. Eu até dizia para os meus alunos: ‘proteínas são formadas por um polímero de aminoácidos, que esses aminoácidos se ligam por ligações peptídicas’. Agora, o que é uma ligação peptídica? O professor ensinava na aula de Química. Eu até dizia o que é um aminoácido, que tinha um grupo amínico, que tinha isso, aquilo e deu. Sem entrar em detalhes. Quem dava o detalhe era a aula de Química. Agora, o conteúdo do PEIES mudou. O professor de 114 Química continua dando esse conteúdo lá no terceiro ano. Só que eu tenho que dar a Citologia, na Biologia, agora, no primeiro ano. PU1: Daí complicou! PEMB1: Quando, antes, eu disse que isso é difícil, se isso é difícil para vocês que são adultos, que conseguem abstrair com certa facilidade, vocês imaginem para uma criança de primeiro ano do EM, que tenha, lá, os seus 14, 15 anos. (...) Depoimentos como esses foram frequentes nos ‘módulos interativos’. Professores faziam menção aos níveis de abstração necessários para a compreensão do ‘metabolismo energético celular’, atingido por uma porcentagem muito pequena de estudantes. Quando tal conteúdo for desenvolvido no 1º ano do EM, eles irão conseguir entrar no nível de abstração no final do 3º ano, assim como muitos estudantes não os atingem. Diante dessa problemática, cabe refletir: Quais interesses podem estar orientando o EM, impedindo que os professores tenham autonomia de organizar seus planos de ensino em função de programas como o PEIES? Pode-se inferir acerca dos graus de dificuldades em que se encontram os conceitos científicos relacionados à ‘energia’. A abstração requerida para a compreensão de conceitos complexos como esse não pode ser compreendida nos espaços de ensino e formação em CNT como algo simples. Considera-se relevante inserir abordagens de ‘energia’ no âmbito do EF, de modo que os estudantes possam gradualmente constituir compreensões e significações sobre o conceito, evitando concepções estanques e fragmentadas na área de CNT. Sobre a complexidade inerente aos processos de respiração celular, os sujeitos assim manifestavam suas compreensões: PEMB1: Que saiu da oitava série. Essa semana eu estava dando aula e eu dei respiração celular. E daí, de repente, vem a história do... PU1: Dos NADH, ATP, AMP, ... PEMB1: Todos os anos o mais do NAD que aparece, aí... PU1: Nós vamos ver semestre que vem. PEMB1: Vocês vão ver semestre que vem meus alunos tem que ver agora, e eu vou ter que me ver com o bendito do mais. Essa vez foi interessante porque eles começaram, eles contaram os Hidrogênios, “professora forma isso?”, a idéia deles era assim: deixa eu ver ((apontava para o slide)) não, não era a estrutura do NAD que eles tinham ((comentou pelo fato de ter sido mostrado no slide a estrutura do NAD+ e NADH)), eles tinham a glicose que forma o piruvato e depois vai formar o AcetilCoA, etc. Aí pela conta deles faltavam dois H e daí tinha quatro H+, rebole para mim explicar que o hidrogênio aqueles quatro H +, aqueles elétrons lá. Como 115 eu explico isso pro primeiro ano? [...] Por que doa elétron, que pega próton e que vira não sei o que. Isso é extremamente difícil no primeiro ano. PU1: Eu diria: impossível. PEMB1: E sabe o que os alunos pediram para a coordenadora da escola? ((enquanto PEMB1 falava discussões em voz mais baixa se faziam pelos lincenciandos)). Que eu achei maravilhoso! Eles vem no sábado de manhã, com a condição que estejamos na sala de aula, eu e o professor de Química! Só comigo eles não querem. Nem só com o professor de Química. PU1: Uma aula extra? PEMB1: Uma aula extra eles estão pedindo, por que eles querem aprender. Eles pediram no sábado, a manhã inteira, mas comigo e com o professor de Química, para ver se a gente consegue avançar neste entendimento. Então, é difícil! (M9, 181-195) No âmbito desta pesquisa considera-se relevante ampliar as compreensões, sobretudo em contextos de formação de professores de CNT, sobre a complexidade inerente ao ensino do conceito ‘energia’, de modo a refletir de forma fundamentada sobre caminhos que se contraponham a enfoques simplistas e inadequados às compreensões relativamente às Ciências. Na perspectiva de acenar para melhorias na readequação curricular da área, PU1 reitera que: PU1: [...] Então vejam bem, o que eu queria dizer pra dar algum encaminhamento. [...] Então a primeira coisa [...] é que o ensino fundamental avance mais, na compreensão mesmo com as idéias centrais da Química e não só fazer, talvez, aquela coisa mais genérica. E no Ensino Médio [...] a pergunta que eu faria seria a seguinte: se o professor de Biologia, [...] tem lá o modelo chave-fechadura, tem o morro, se além disso no terceiro ano, nós temos que pensar que tem que ser no terceiro ano. Lamentavelmente nos temos que passar por cima do PEIES, não tem como. [...]Teria que ser no terceiro ano. Todo mundo concorda? No primeiro ano é difícil, vindo da oitava série, eu não imagino que a Citologia pudesse entrar lá. Eu não acredito na possibilidade do aluno compreender. É a minha leitura. Agora no terceiro ano, eu imagino uma professora dando aula de Biologia,[...] falando que modelos, animações, ilustrações, tudo pode ajudar, desde que a gente nunca pense que isso daí vai substituir a necessidade de abstrair, de sair do nível de pensar numa coisa real. [...] (M9, 296) Como já apontado no subcapítulo anterior, os ‘módulos interativos’ não pretendem determinar metodologias para o ensino de CNT, mas, sim, contribuir para que professores e licenciandos desenvolvam a atitude de um constante refletir, dialogar e estudar suas concepções e práticas escolares vivenciadas. Isso mediante diálogos que envolvam conhecimentos específicos, as diversas disciplinas da área, numa perspectiva inter-relacional, como referido no Capítulo 3. 116 Defende-se também a valorização dos conhecimentos dos estudantes, produzidos no contexto cotidiano para a sala de aula, permitindo inter-relações com os conhecimentos científicos, nos processos de constituição de conhecimentos escolares significativos e relevantes. Os processos de formação de conceitos partem dos ‘outros’ e interferir intencionalmente nos processos de ensino e de aprendizagem é de grande importância para os sujeitos envolvidos. O papel do professor mediador, com suas intervenções pedagógicas carregadas de intencionalidades, é essencial ao desenvolvimento dos sujeitos em contexto escolar. É importante que ele considere noções próprias aos estudantes, valorizando os conhecimentos no desenvolvimento de situações pedagógicas potencialmente favoráveis ao desenvolvimento dos processos de conhecimento como sistemas de relação inerentes aos esquemas conceituais em questão. Aos professores cabe utilizar muitas palavras que tenham algum significado no contexto de cada aula, com base em alguma das Ciências sobre a qual se está falando. Cabe ao professor controlar os processos de produção dos sentidos aos significados. O sentido (com o qual operam, próprio dos interlocutores) refere-se ao significado (concebido como sentido mais estabilizado). Ele sempre está amarrado ao contexto conceitual. Ao proporcionar sentidos para o aluno, é possível que este consiga desenvolver, evoluir no significado. Percebe-se a necessidade de um nível de significação mais elevado. A assimetria conceitual entre sujeitos que interagem orientados para um objeto de conhecimento, abordado sob perspectivas diversas, conforme a visão que se adote sobre a participação do outro e o papel da linguagem no processo de conhecimento, é fundamental para desencadear a significação dos conceitos e a aprendizagem destes. Isso remete para a visão da complexidade dos processos de mediação por parte do professor e de internalização por parte dos estudantes. Smolka afirma que: O fenômeno da ‘internalização’ (...) geralmente refere-se a uma esfera da atividade particular do indivíduo, ou do movimento de aprendizagem em relação à realidade física e cultural: relacionados a um conteúdo específico transmitido pelos outros; concernentes à atividade prática partilhada; ou ainda dizendo respeito ao processo de (re)construção interna e transformação das ações e operações (2000, p.28). A partir da análise dos resultados apresentados neste capítulo, cabe destacar que preocupações como as expressas e discutidas nos módulos podem ser relacionadas com o postulado de Vigotski de que a internalização de conceitos, abstratos por natureza, é inerente aos processos de constituição social do indivíduo. Por exemplo, as interações em aulas de 117 CNT podem se constituir em processos dialéticos de transformação por parte do indivíduo, como referido no capítulo 3 desta dissertação. Isso reitera a visão da função essencial do professor, no sentido de mediar processos de abstração e generalização requeridos pela aprendizagem tipicamente escolar. 118 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Resultados de pesquisa construídos e analisados neste trabalho indicam que abordagens e discussões referentes ao ensino do conteúdo/conceito ‘energia’ possibilitadas pelos ‘módulos interativos’ permitem importantes reflexões sobre formas inadequadas de explicação do referido conteúdo/conceito no ensino de CNT. Inadequadas, no sentido de incorrer em aprendizados superficiais, limitados ou até mesmo distorcidos relativamente às Ciências. Os ‘módulos interativos’, ao possibilitarem tais reflexões, enriquecem os saberes docentes, contribuindo, dessa forma, com a formação de professores para o ensino de CNT, seja inicial ou continuada. Isso, especificamente, no que se refere aos processos de significação conceitual, a partir de uma visibilidade de inadequações e/ou insuficiências das abordagens, seja em aulas do EM ou da licenciatura. Contribuições potenciais do trabalho referem-se, também, à compreensão de Ciência e de conhecimento científico, do desenvolvimento histórico do ensino de Ciências no Brasil, enfocando a perspectiva da contextualização. O olhar voltado às abordagens e compreensões do conceito ‘energia’ no âmbito da pesquisa e na área científica reitera a potencialidade de abordagens concernentes à significação conceitual do mesmo. A partir de análises de abordagens do conceito em LD, articuladamente a análises dos módulos, foi possível perceber que os sujeitos envolvidos na pesquisa, ao estabelecerem interlocuções com outros sujeitos, foram tomando consciência de simplificações nas abordagens sobre ‘energia’ nos LD e no contexto do ensino escolar. Foi possível, durante o desenvolvimento dos ‘módulos interativos’, criar condições para que os sujeitos de pesquisa reflitam acerca de abordagens do referido conceito no ensino de CNT. A análise das discussões e reflexões dos sujeitos interativos acena para contribuições ao ensino e à formação de professores de CNT, na medida em que permitem dirigir olhares críticos para saberes, concepções, posturas e atitudes subjacentes ao ensino. Pode-se perceber 119 indícios de contraposição aos moldes de formação viciosamente pautados na tendência de manter o status quo e, nesse sentido, contribuições da pesquisa relacionam-se ao desafio de desenvolver uma formação docente atenta à complexidade dos processos de recontextualização didática dos conteúdos das Ciências na escola, na perspectiva da (re)construção social de concepções/práticas. Interações em espaços de formação de sujeitos que interagem sob condições nãosimétricas de interação social denotam propensão a influenciar, mais decisivamente, nos processos re-construtivos da formação. Isso contribui para que professores em exercício e futuros professores não venham a simplesmente conduzir suas aulas da maneira vivenciada enquanto estudantes, e sim participar na produção das condições requeridas para a reforma educativa, em seus próprios processos de construção. Ou seja, resultados de pesquisa apresentados e analisados apontam para a necessidade de compreender limitações de abordagens conceituais de ‘energia’ em LD utilizados durante o desenvolvimento dos ‘módulos interativos’. Percebia-se uma maior conscientização sobre limitações de determinadas abordagens, bem como, no sentido de o professor não vir a tomar o LD como único orientador na apresentação dos conteúdos/conceitos. Melhorias no ensino de CNT necessitam contemplar os LD, mas não apenas os mesmos, sendo importante usar uma multiplicidade de fontes de informação, bem como outros recursos didáticos, possibilitando o desenvolvimento de um ensino em CNT dinâmico e enriquecedor, coerentemente com as OCNEM (BRASIL, 2006) Cabe destacar que tais contribuições da pesquisa dizem respeito à especificidade dos espaços de formação acompanhados, contando com a importante co-participação de professores da Educação Básica. Compreender a amplitude e complexidade do ensino de ‘energia’ implica levar em consideração que a formação docente carece de abordagens, discussões e reflexões acerca de objetos complexos de ensino cuja compreensão requer o estabelecimento de relações de conceitos entre si, o que se acredita ter sido contemplado nos espaços desenvolvidos e acompanhados. Nessa perspectiva, cabe aos cursos de formação de professores, inicial ou continuado, abrir espaços para discussões sobre fatores que limitam as práticas docentes, cerceadas ao seguimento de um LD ou a concepções ultrapassadas, sem estabelecimento de relações dentro e fora da área do conhecimento. Nesse sentido, referendam-se os ‘módulos interativos’ analisados, como potencializadores de melhorias na formação docente em CNT. Isso, na medida em que os módulos abrem espaço para discussão de idéias, concepções e abordagens conceituais, através de interações entre sujeitos. 120 Com as interações, ampliam-se as visões sobre a necessidade de ‘domínio’, por parte dos professores, dos conteúdos a serem ensinados, o que contribui para reduzir dificuldades e limitações na forma de ensinar conceitos/conteúdos complexos, a exemplo de ‘energia’. Também, contribui na própria análise do que é possível ensinar ou não, no âmbito da área, no EM, evitando-se incorrer em graus de abstração e de complexidade que dificilmente seriam alcançados pelos estudantes, a exemplo da Energética Celular em Biologia, que é estudada na 1ª série do EM, nas escolas que seguem o currículo do PEIES. Defende-se que este conteúdo seja estudado no 3º ano do EM, em conjunto com os conteúdos de Química. Em resposta aos desafios que acompanham os processos de mudança das práticas docentes na área de CNT, o trabalho aponta para possibilidades de promoção de um ensino fundamentado numa (re)contextulização pedagógica e numa (re)significação conceitual adequadas, relativamente às Ciências, o que implica saber lidar com dificuldades expressas pelos estudantes, em seus processos de compreensão significativa de conceitos complexos, que exigem graus de abstração, a exemplo do de ‘energia’. “Educar para a cidadania, sem restringir a escola ao papel de preparação do indivíduo maleável e manipulável, é a grande tarefa com que se defrontam hoje os professores de Ciências.” (KRASILCHIK, 2000, p.22). Nesse sentido, novos estudos e pesquisas a serem feitos poderão considerar a crescente importância de abordagens sobre o conceito ‘energia’ relativas, também, às implicações sócio-ambientais que têm sido recorrentemente discutidas em âmbitos e contextos diversificados, com repercussões na área de ensino de CNT. Enfim, conclui-se este trabalho consciente de que não se trata de um fechamento definitivo das abordagens e discussões. Cabe referendar a visão do professor de CNT como um sujeito em permanente processo de formação, sistematicamente aberto para novos conhecimentos e reflexões, valorizando conhecimentos diversificados, incluindo os dos colegas que atuam em outras disciplinas, bem como os dos pesquisadores e dos estudantes; um sujeito capaz de propiciar situações potencialmente facilitadoras da reconstrução de significados de conceitos, bem como de esquemas conceituais, promovendo, assim, aprendizados associados ao desenvolvimento humano/social, de forma mais rica e plena. 121 CORPUS – CONJUNTO DE DOCUMENTOS UTILIZADOS E ANALISADOS NA PESQUISA AMABIS, J.M.; MARTHO, G. R. Biologia. v 1. 2. São Paulo: Moderna, 2004 BOFF, E. T. de O.; HAMES, C.; FRISON, M. D. (Orgs.). Situação de Estudos Alimentos:produção e consumo. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2006, 88p. CHEIDA, L. E. Biologia Integrada. São Paulo: FTD, 2003. FELTRE, R. Química. Vol 1, 2 e 3, 5. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2000. LAURENCE J. 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Módulo Respiração 2007 2 Módulo Produtos de higiene e limpeza 1º sem. 2007 3 Módulo Funcionamento da visão, 1º sem. colóides, nanotecnologia e 2007 4 contração muscular 2º sem. Módulo Os perigos da acidificação dos oceanos 2007 5 Módulo Agentes detergentes 6 surfactantes, 1º sem. 2008 1ºsem. Módulo Escalas 2008 7 bioenergética 2º sem. Módulo Respiração: celular, enzimas e outros 2008 8 Módulo Enzimas Enzimática 9 e Catálise 1º sem. 2009 Módulo Enzimas Enzimática. 10 e Catálise 1º sem. 2009 Professores do Ensino Médio (PEM) participantes* Química Biológica 6 PEM (3 II; PEMQ e 3 Química PEMB) Bioquímica II 4 PEM (3 Biologia PEMB e 1 PEMQ) Seminário II 2 PEMQ Química Seminário V 3 PEM (2 Química PEMB e 1 PEMQ) Biologia; 4 PEM (2 Química PEMB e 1 PEMQ, PMM) Seminário II; 2 PEM (1 Química PEMB e 1 PEMQ) Seminário V, 2PEM (1PEMQ Química e 1PEMB) Bioquímica II 2PEM (1PEMQ Ciências Biológicas e 1PEMB) e Química Componente curricular/ Curso Bioquímica I 2PEM (1PEMQ Ciências Biológicas e 1PEMB) e Química Seminário V 2PEM (1PEMQ Química e 1PEMB) Dados relativos à execução dos Módulos no Projeto de Pesquisa "Interações Triádicas de Licenciandos, Professores da Educação Básica e da Universidade em Espaços de Formação para o Ensino em Ciências Naturais”, no qual meu projeto de pesquisa está inserido como subprojeto. 137 APÊNDICE II TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO MÓDULO 8 Prezado (a) Senhor (a) Estamos desenvolvendo duas pesquisas cujos títulos são: “Contribuições de Abordagens Contextuais e Interdisciplinares do Conceito Energia em Ações de Formação Docente Inicial em Biologia” e “Abordagens Representativas dos Modelos de Estruturas Moleculares e Supramoleculares na Formação para o Ensino de Ciências: Inter-Relações em Processos de (Re)Construção do Conhecimento Escolar”. Este trabalho é fruto de estudos do curso em pós-graduação Mestrado em Educação nas Ciências na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ e tem como objetivos produzir e investigar interações, simultaneamente, de licenciandos com professores da educação básica e da universidade, focalizando práticas de formação para o ensino de Ciências Naturais/Biologia, em especial, quanto à contextualização e interdisciplinaridade no desenvolvimento do conceito energia, bem como identificar e analisar abordagens em aulas de Biologia e/ou Química da universidade, incluindo o uso de gravuras/imagens concernentes a modelos representativos de estruturas moleculares e supramoleculares, com atenção, também, aos livros didáticos de Química e Biologia do ensino médio. A metodologia utilizada para a realização da pesquisa trata-se de uma pesquisa qualitativa que abrange a análise de livros didáticos e o planejamento e desenvolvimento de Módulos de interações triádicas (entre professores do ensino médio, da universidade e licenciandos), com o registros (gravação) de falas dos sujeitos interativos em aulas da Licenciatura. Também, serão planejados questionários e/ou entevistas com alguns sujeitos da pesquisa a partir da análise de livros didáticos e dos Módulos transcritos e analisados. Fica assegurado que os sujeitos envolvidos não incorrerão em nenhum risco advindo de sua participação e poderão obter benefícios através do acesso aos resultados da pesquisa, no que tange a avanços do conhecimento sobre os espaços alternativos de formação investigados. Nós pesquisadoras garantimos que seu anonimato está assegurado e suas informações serão tratadas com sigilo absoluto, podendo você ter acesso a elas e realizar qualquer modificação no seu conteúdo, se julgar necessário. Você tem liberdade para recusar-se a participar da pesquisa, ou desistir dela a qualquer momento sem que haja constrangimento, podendo solicitar que suas informações sejam desconsideradas no estudo. Mesmo 138 participando do estudo poderá recusar-se a responder as perguntas ou a quaisquer outros procedimentos que ocasionem constrangimento de qualquer natureza. Está garantido que você não terá nenhum tipo de despesa financeira durante o desenvolvimento da pesquisa, como também, nenhum constrangimento moral dela decorrente. Nós, Sandra Maria Wirzbicki e Fábio André Sangiogo, bem como nossa orientadora Lenir Basso Zanon assumimos toda e qualquer responsabilidade no decorrer da investigação e garantimos que suas informações somente serão utilizadas para esta pesquisa, podendo os resultados virem a ser publicados. Se houver dúvidas quanto a sua participação poderá pedir esclarecimento a qualquer um de nós, nos endereços e telefones abaixo: Sandra Maria Wirzbicki, Rua Simão Hickembick, 813, Bairro Elizabeth, Ijuí, RS CEP 98700-000.E-mail: [email protected]. Fone: (55)9135-5403. Fábio André Sangiogo, Rua Peri da Rosa, 66 Bairro São Geraldo, Ijuí, RS. E-mail: [email protected]. Fone: (55)-9907-7064 Lenir Basso Zanon, Rua Dom Antônio Reis, nº 58, Bairro Elizabeth, Ijuí, RS CEP 98700-000. E-mail [email protected]. Seus telefones (55)3332-4466 (residencial) e (55)9978-0081 (celular). Ou a membros do Comitê de Ética em Pesquisa: Comitê de Ética em Pesquisa da UNIJUÍ - Rua José Hickembick, 66 – Sala 3 - Prédio da Reitoria - Caixa Postal 560 - Bairro São Geraldo, Ijuí/RS CEP 98700-000. Fone/fax (55) 3332-0301. Eu,_______________________________________RG________________, ciente das informações recebidas concordo em participar das pesquisas, autorizando-os a utilizar as informações por mim concedidas e/ou os resultados alcançados. O presente documento foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma com o voluntário da pesquisa e outra com o pesquisador responsável. _______________________ Local e Data _______________________ Nome do entrevistado _______________________ Nome do pesquisador __________________________ Assinatura do entrevistado __________________________ Assinatura do pesquisador 1 139 APÊNDICE III ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA SOBRE ENERGIA 1) Você pode me dizer agora ou em outro momento, as publicações realizadas ao longo do tempo, de alguma forma relacionadas ao conceito ‘energia’ no ensino e na aprendizagem? 2) Você fez graduação na grande área das Ciências Naturais ou História Natural, enfim, na grande área de Biologia. Procure lembrar e expressar seu entendimento sobre o conceito ‘energia’ ao concluir o curso de graduação? a- Explique melhor essa idéia que você está expressando, dê um exemplo, cite alguma situação de aprendizagem (disciplina, conteúdo) ou alguma situação real, algum fato, em que esse entendimento estaria envolvido) b- Ainda sobre o que estamos falando, faça um esforço por lembrar e expressar o entendimento por exemplo sobre a relação entre a energia dos alimentos energéticos (doces, amidos, gorduras,...) e, por um lado a necessidade do sol (fotossíntese) e por outro lado a relação com a energia que mantém o organismo quando esses alimentos energéticos são consumidos. 3) Procure lembrar e expressar agora seu entendimento sobre o conceito ‘energia’ em outras fases da sua vida profissional (ensino médio profª de Biologia, formação continuada de professores, na licenciatura) e nos estudos (mestrado e doutorado). O entendimento há pouco expresso continuou o mesmo? Houve alguma mudança? 4) Hoje qual o seu entendimento sobre o conceito ‘energia’? 5) A partir de seus contatos com professores de escola, alunos da graduação e mestrado, segundo sua percepção, quais as compreensões/concepções mais usuais do conceito ‘energia’? (Considere as áreas Biologia,Química e Física ) 140 6) O que você teria a dizer sobre como tem percebido a concepção do conceito de ‘energia’ no proposição e desenvolvimento de Situações de Estudo (EFA, Alimentos Produção e Consumo, ou ao longo das edições das demais SEs. 7) O que você diz sobre a forma como o conceito energia vem sendo abordado no ensino Médio? O que deveria mudar na universidade? 8) E em livros didáticos de Biologia do Ensino Médio? 9) Como você vê possíveis relações entre a o significado conceitual de energia a ser ensinado na escola e situações da vivência cotidiana? De que forma poderiam ser contempladas relações com contextos cotidianos? 10) Como vê a perspectiva da interdisciplinaridade no ensino e na aprendizagem do conceito energia? (No ensino superior e médio) 11) De que forma a compreensão do conceito energia diferencia-se nos âmbitos da licenciatura e do Ensino Médio? 12) Quais dificuldades estariam presentes ensino e na aprendizagem do conceito energia? 13) Quais experiências bem sucedidas são de seu conhecimento, no que tange ao ensino e a aprendizagem do conceito energia? 14) Quais sugestões ou proposições apresentaria para de alguma melhorar o ensino e a aprendizagem do conceito energia?