UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICA – FADE CURSO DE DIREITO Phelipe Zacché Lopes de Andrade VANTAGENS E DESVANTAGENS NA SUCESSÃO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS Governador Valadares/MG 2009 PHELIPE ZACCHÉ LOPES DE ANDRADE VANTAGENS E DESVANTAGENS NA SUCESSÃO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS Monografia para obtenção do grau de Bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Rogério de Paula Miranda Governador Valadares/MG 2009 PHELIPE ZACCHÉ LOPES DE ANDRADE VANTAGENS E DESVANTAGENS NA SUCESSÃO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS Monografia para obtenção do grau de Bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, ___ de ____________ de _____. Banca Examinadora: __________________________________________ Profª. Rogério de Paula Miranda - Orientador Universidade do Vale do Rio Doce __________________________________________ Prof. ----------------------Universidade do Vale do Rio Doce __________________________________________ Prof. ----------------------Universidade do Vale do Rio Doce Dedico esta monografia a meus pais Márcio Murta de Andrade e Kissila Zacche Lopes de Andrade. AGRADECIMENTO Considerando esta monografia como resultado de uma caminhada que começou, não só, ao longo deste curso de graduação, agradecer pode não ser tarefa fácil, nem justa. Assim, para não correr o risco da injustiça, agradeço de antemão a todos que de alguma forma passaram pela minha vida e contribuíram para a construção de quem sou hoje. E, ainda, agradeço, particularmente, a algumas pessoas pela contribuição direta na construção deste trabalho: A Deus, pois o que seria de mim sem a fé que possuo. Aos meus pais, irmãos, minha namorada Paula, e a toda minha família que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. Ao professor orientador Rogério de Paula Miranda, por seu apoio, incentivo e inspiração no amadurecimento dos meus conceitos, que me levaram à conclusão desta monografia. conhecimentos e “A vida é para nós o que concebemos dela. Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.” Fernando Pessoa RESUMO O direito das sucessões sofreu mudanças significativas no que diz respeito ao direito do cônjuge e do companheiro sobreviventes, e com essas mudanças diferenciou, para alguns de modo retrógrado, os institutos. Porém, tal diferenciação tem respaldo constitucional, consistindo não em uma discriminação, com a desvalorização de um instituto, no caso a união estável, mas antes disso a valorização dos laços mais duradouros e formais do casamento. O único ponto em que se mostra incorreta a lei, do ponto de vista constitucional, é a concessão de maiores benefícios à união estável em detrimento do casamento, em alguns casos, o que pode ser resolvido com a interpretação do artigo específico da união estável mediante a constituição, a aplicação da cláusula do maior favorecimento, ou alternativamente da simples exclusão da norma daquele artigo. Palavras-chave: sucessão; cônjuge; convivente; constituição; diferenciação. ABSTRATIC The inheritance law suffered significant changes concerning to the right of the surviving spouse and the companion, and with these changes differentiated, for some in retrograde way, the institutes. However, such differentiation has constitutional endorsement, consisting not in discrimination, with the depreciation of an institute, in the case the steady union, but instead the valuation of the more lasting and formal bows of the marriage. The only point where the law shows up incorrect, of the constitutional point of view, is the concession of higher benefits to the steady union in detriment of the marriage, in some cases, which can be solved by the interpretation of the specific article of the steady union by means of the constitution, the application of the clause of the highest aiding, or alternatively of the simple exclusion of the norm of that article. Keywords: inheritance; spouse; companion; constitution; differentiation. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 BREVE RETROSPECTO ....................................................................................... 11 2 LAÇOS DE AFETO ................................................................................................ 14 3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO ............................................ 18 3.1 HERANÇA ....................................................................................................... 19 3.1.1 Determinação da herança ...................................................................... 20 3.1.2 Regimes ................................................................................................... 20 3.1.2.1 Comunhão de bens ........................................................................... 20 3.1.2.2 Comunhão parcial de bens ................................................................. 21 3.1.2.3 Separação de bens............................................................................. 22 3.1.2.4 Participação final nos aquestos .......................................................... 22 3.1.2.5 Outros regimes ................................................................................... 22 3.1.3 Falecido convivendo em união estável ................................................. 23 3.2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.......................................................... 23 4 SUCESSÃO DO CÔNJUGE .................................................................................. 26 5 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO ......................................................................... 29 6 CASAMENTO X UNIÃO ESTÁVEL: LEGALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO ....................................................................................................... 30 7 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SUCESSÃO ......................... 33 8 ANÁLISE DAS REGRAS SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL ............................. 35 8.1 CONSTITUCIONALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE CÔNJUGE E CONVIVENTE.................................................................................. 35 8.2 CONVIVENTES COM MAIS BENEFÍCIO QUE O CÔNJUGE: SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA ............................................................................................ 35 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 38 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo a comparação entre as regras para sucessão do cônjuge e do companheiro, analisando-as sob o prisma constitucional. Tratará este estudo da comparação, com enfoque na sucessão, do casamento e da união estável, ambos constituindo na formação de uma nova família no decorrer da vida do indivíduo. Não obstante, a discussão doutrinária acerca do direito sucessório entre esses institutos, pois com o advento do Código Civil de 2002, o companheiro (a), pode, para alguns doutrinadores, levar mais vantagens na sucessão do que o cônjuge. Traçar-se-á um paralelo entre as sucessões, iniciando por explicar a sucessão em linhas gerais, individualizando as regras para a sucessão do cônjuge e, após, do companheiro, destacando-se então as diferenças e semelhanças entre ambas, para ao final analisá-las do ponto de vista constitucional e apresentar uma solução que possa conciliar a Constituição e o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Analisaremos as regras, pormenorizando cada aspecto e detalhe que surja no caminho, na medida em que se mostrar necessário, para se chegar a uma melhor solução. O principal objetivo é mostrar que a união estável não pode ter mais previlégios no direito sucessório do que o casamento. Errou o legislador ao conceder mais direitos em alguns pontos da lei aos companheiro do que ao cônjuge. A CF iguala companheiro e cônjuge no sentido de proteção, mas diferencia-os incentivando a coversão da união estável em casamento, e não vice-versa, a que se pontuar. O principal problema se encontra no pálio constitucional: Conceder direitos iguais ou até superiores aos companheiros estaria de fato protegendo a família? Como agir quando a norma é mais benéfica aos companheiros do que ao cônjuge? São questões difíceis de ser resolvidas, haja vista a maior parte da doutrina pleitear direitos iguais aos companheiros, interpretando a norma constitucional em um sentido mais amplo do que realmente diz o texto constitucional. Para fazer este estudo, utilizamos a metodologia bibliográfica, utilizando, principalmente, a doutrina, as leis e a jurisprudência. 10 O tema é complexo, amplamente discutível e polêmico. O que foi de certa forma um incentivo para que o escolhêssemos como tema central deste Trabalho de Conclusão de Curso. Não é fácil ir contra a doutrina majoritária, mas, na medida do possível, tentaremos a todo custo mostrar que nem sempre a maioria pode estar com a razão, que as correntes discidentes também tem seu ponto de vista e merecem ser analisadas a fim de evitar injustiças motivadas principalmente pelo tradicionalismo e preconceito do legislador e da doutrina. Dividimos esse trabalho em 8 capítulos, indo da evolução a preceitos básicos do direito sucessório. Atentamos como ponto alto desta monografia o capítulo sexto, sétimo e oitavo, pois aqui defendemos a solução da problemática sob um ângulo constitucional. Por fim, passaremos às considerações finais. 1 BREVE RETROSPECTO Numa sumária passagem pela legislação revogada, vê-se o cônjuge ocupando, como herdeiro legítimo, o terceiro posto na ordem da vocação hereditária. Não detinha, naquela época, a qualidade de herdeiro necessário, o que se traduzia, conforme o caso, no mais completo desamparo. Após a Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962, mais conhecida como Estatuto da Mulher Casada, o cônjuge teve instituído, a seu favor, o usufruto e o direito real de habitação. Já o companheiro era abertamente rechaçado pelo código anterior. Entretanto, é de conhecimento geral que a evolução da família constituída fora do casamento foi, nos últimos tempos, um aspecto marcante do direito pátrio. Aos poucos as famílias extra matrimoniais ganharam reconhecimento social, sendo (correta e finalmente) acolhidas pela Constituição Federal de 1988, passando os companheiros à condição de entes familiares e desfrutando, por conseguinte, até de proteção estatal. É verdade que seus direitos sucessórios só foram reconhecidos com o advento da Lei 8.971/94 (e fortalecidos pela Lei 9.278/96), mas em determinado momento da história, aos companheiros atribuíam-se determinados benefícios que não eram extensivos aos cônjuges. O Direito Sucessório visa disciplinar o trânsito de bens causa mortis, ou melhor, a transferência do patrimônio do de cujus a seus sucessores e/ou legatários. O termo de cujus, originário de cuius hereditatis agitur ou de cuius successione agitur, quer dizer, entre outros, falecido, finado, extinto, defunto, inventariado, autor da herança. Sucessão, em sentido amplo significa o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam. [...] No Direito das Sucessões, entretanto, emprega-se o vocábulo num sentido mais restrito, para designar tão somente a transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento [...]. (Monteiro, 2007, p. 1). 12 Percebe-se daí que a sucessão, no Direito pátrio, pode ocorrer por ato inter vivos, aquela oriunda da aquisição de imóvel, na qual o comprador sucede o vendedor nas obrigações propter rem, ou por causa mortis. Esta última é a que interessa ao Direito das Sucessões. Sobre a abertura da Sucessão diz-se que: A abertura da sucessão se dá no momento da morte, termo final da personalidade natural, e a abertura do inventário somente ocorrerá quando os legitimados elencados nos arts. 987, 988 e 989 do Código de Processo Civil ajuizarem a ação correspondente, sempre depois da abertura da sucessão. (NOGUEIRA, 2007, p. 2). Dispõe o Código Civil que, aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784). Esta hipótese, em que se verifica a imediata transmissão da herança, ou seja, do domínio e da posse dos bens aos herdeiros, independentemente de inventário, é conhecida como droit de saisine. Tal regra se justifica pela impossibilidade de uma relação jurídica acéfala, isto é, sem um sujeito de direito que a titularize, já que, segundo o princípio da continuidade da propriedade, não pode existir espaços em branco nesse percurso. A sucessão, na dicção da lei civil, pode ser de duas espécies: legítima e testamentária (art. 1.786). Será legítima a sucessão quando decorrer da lei, ou melhor, não depender da vontade do de cujus, mas da ordem de vocação arbitrada pelo legislador (art. 1.829 c/c o art. 1.790). Tratando-se de herdeiros necessários (arts. 1.845 e 1.846), não podem eles, exceto nos casos de indignidade e deserdação, ser excluídos da sucessão. Diz-se testamentária quando o testador, dispondo da parte que a lei lhe faculta, decide quem o sucederá (art. 1.857 c/c o art. 1.789). Fala-se, ainda, em uma terceira espécie, formada pela combinação da sucessão legítima com a testamentária. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido e será regulada pela lei vigente ao tempo de sua abertura (arts. 1.785 e 1.787). 13 Como mencionado acima, os sucessores podem ser herdeiros ou legatários. Herdeiros são aqueles que, por força da lei ou ato de última vontade, recebem a totalidade ou fração do patrimônio do de cujus, sem individualização dos bens (NOGUEIRA, 2007, p. 17) - sucessores a título universal, ex vi do droit de saisine, transmitem-se-lhes inicialmente o ativo e o passivo, apurando-se o saldo em momento posterior. Classificam-se em necessários (arts. 1.845 a 1.849) e facultativos (art. 1.850). Necessários são os que não podem ser afastados por vontade do autor da herança; já os facultativos ou colaterais podem ser excluídos da sucessão por meio de testamento. Legatários, segundo o magistério de Nogueira (2007, p. 19), constituem-se os sucessores "a título singular, que recebe(m) coisa certa ou valores determinados". A herança é representada pela universalidade dos bens, inclusive imóveis (art. 1.791 c/c o art. 80), e pelos encargos e obrigações que oneram o espólio, a ser partilhado entre os herdeiros e/ou legatários. 2 LAÇOS DE AFETO Nos fatos naturais nascimento, crescimento e morte se têm os principais pontos, bem como as fases em que se divide, da vida do indivíduo. Tais fatos naturais se mostram relevantes em diversos ramos da ciência humana, inclusive ao direito, no qual traçam o início e fim da personalidade, a capacidade civil, o surgimento e extinção de direitos, dentre muitos outros efeitos. Mesmo do ponto de vista psicológico, são esses fatos naturais as maiores fontes de alegrias e tristezas para todos, sem exceções, como no nascimento de um filho ou neto, bem como na morte de um ente querido. Durante a vida, o indivíduo, na medida em que se envolve na sociedade, a ela se adaptando, cerca-se de pessoas, sejam familiares, amigos, colegas de trabalho ou de estudo, simples conhecidos, companheiros ocasionais ou duradouros. Essas pessoas, „classificadas‟ de diversas formas, cercam o indivíduo e, de certa forma, o definem, nele influindo e por ele sendo influenciadas, à medida que crescem os laços de respeito, amizade, amor, etc. Das relações que formam a vida do indivíduo, a família é aquela que o segue desde o nascimento, saído do ventre materno, até a morte, cercado por seus filhos, e mesmo que sejam verificadas muitas diferenças de um indivíduo para outro, como os órfãos iniciando sua vida sem uma família por perto, ou daquele que termina a vida sozinho, a grande maioria – a regra – é cercada por pessoas de sua convivência, seja o grupo familiar tradicionalmente considerado, ou qualquer das suas variações. Dessa forma, conforme o dizer da Enciclopédia Saraiva de Direito (1982, v. 78, p. 45), vê-se que “Existe uma tendência natural para proteger a família, definida pelos laços do sangue e do parentesco”, dado o papel que ela representa, desde a antigüidade até os dias de hoje. Mesmo a tristeza da solidão é muitas vezes encarada como um vazio da falta de laços duradouros, oriundos da família, seja a formada por pais e filhos, um pai e um filho, irmãos, um casal, ou um dos tantos modelos existentes. 15 Do fato natural – Morte advém a abertura da sucessão, na qual os herdeiros (assim indicados pela Lei Civil ou por disposição de última vontade) sucedem o morto. Nas últimas décadas, o Direito tem evidenciado o reflexo das profundas mudanças por que passa a sociedade mundial. Registrem-se, no caso brasileiro, o fim da ditadura e o advento da Constituição de 1388. O período da ditadura militar (1964-1985) serviu como elemento instigador do pensamento, o que permitiu à sociedade reavaliar seus paradigmas, inclusive aqueles ligados ao Direito de Família. A Constituição Cidadã compilou essas conclusões no princípio dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e na proteção especial assegurada à família (art. 226). Dessarte, em vista do novo cenário sociocultural, o Direito de Família buscou atender aos reclamos da contemporaneidade, ampliando o conceito de família. Na lição de Lafayette, apud Rodrigues (v. 6, 2007, p. 3), o Direito de Família "tem por objeto a exposição dos princípios de direito que regem as relações de família, do ponto de vista da influência dessas relações não só sobre as pessoas, como sobre os bens". Durante muito tempo, no Brasil, a noção de família esteve diretamente ligada à de casamento, inclusive por inspiração constitucional. Dispunha o art. 175 da Carta de 1969, verbis: "A familia é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos". Melo , citando Pietro Perlingieri, afirma que: A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana:ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas sobretudo àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida. (Melo, 2006). Sobre o tema, leciona Venosa: 16 O Direito de Família, por sua natureza, apresenta características que o afastam dos demais ramos do direito privado. (...) a sociedade procura-regular e tutelar a família da forma mais aceitável possível no tempo e no espaço. O Estado intervém na estrutura da família em prol da preservação da célula que o sustenta. (VENOSA, 2003, p. 26). Nesse diapasão, pode-se afirmar que o Direito de Família se constitui um complexo de normas que têm por objeto a disciplina das entidades familiares, seus efeitos sobre pessoas e bens, e os institutos complementares da tutela e da curatela. A Constituição de 1988 inovou ao estender a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, enquanto entidade familiar (art. 226, § 3º), e a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, ou seja, à família monoparental (art. 226, § 4º). Nesse sentido, a lição de Rodrigues: O vocábulo "família" é usado em vários sentidos. Num conceito mais amplo, poder-se-ia definir família como a formada por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum, o que corresponde a incluir dentro da órbita da família todos os parentes consanguíneos. Numa acepção um pouco mais limitada, poder-se-ia compreender a família como abrangendo os consanguíneos em linha reta e os colaterais sucessíveis, isto é, os colaterais até quarto grau. Num sentido ainda mais restrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole. É com essa conotação que a maioria das leis a ela se referia. (Rodrigues, v. 6, 2007, 4-5): Nas palavras de Tartuce: [...] Os antigos princípios do Direito de Família foram aniquilados, surgindo outros, dentro dessa proposta de 17 constitucionalização, remodelando esse ramo jurídico. [...] Na realidade pós-positivista, os princípios constitucionais ganharam um novo papel, plenamente aplicáveis às relações particulares. Dos princípios gerais do direito saltamos à realidade dos princípios constitucionais, com emergência imediata. Justamente por isso é que muitos dos princípios do atua! Direito de Família brasileiro encontram substractum constitucional. (TARTUCE, 2006). Defende o doutrinador que se aplicam ao Direito de Família os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1 o, III c/c o art. 226, § 7o); da solidariedade familiar (art. 3o, I); da igualdade entre filhos (art. 227, § 6o); da igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 5 o); da igualdade na chefia familiar (arts. 226, § 5o, e 227, § 7o); da não-intervenção ou da liberdade (art. 226, § 7o); do melhor interesse da criança (art. 227, caput); da afetividade e da função social da família. Acrescente-se a esse rol o princípio da proibição do retrocesso social (BERENICE, 2007, p. 66) e o da equiparação das entidades familiares (art. 226). 3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO Guillermo Borda (1993, p. 45, apud VENOSA, 2006, p. 27) conceitua o casamento como sendo “a união do homem e da mulher para o estabelecimento de uma plena comunidade de vida”. O casamento obedece a requisitos formais para sua celebração. União Estável é a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Dissolvido o casamento ou a união estável pela morte de um dos consortes, é estabelecida a meação, se houver, e, sendo o caso, a herança que caberá ao consorte sobrevivente, concorrentemente com os herdeiros. Com o falecimento do consorte, abre-se a sucessão, regulada pela lei vigente ao tempo do óbito, conforme artigo 1.787 do Código Civil. A transmissão do patrimônio de alguém, que faleceu, a seus herdeiros, sejam eles descendentes, ascendentes, cônjuge, companheiro, colaterais, terceiros beneficiados por testamento ou legado, ou mesmo o Estado é tratada pelo direito das sucessões, também chamado direito hereditário. O direito das sucessões é “o complexo dos princípios, segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir” (BEVILÁQUA, 1898, p. 14). É regulado pelo Livro V do Código Civil de 2002. A sucessão remonta da antigüidade, apesar de variações quanto a suas regras, e vários são os seus fundamentos, podendo ser citados os de ordem religiosa, biológica, antropológica e ainda o incentivo aos indivíduos para que amealhem e conservem a riqueza, que será transmitida a seus herdeiros, como bem assevera Sílvio Rodrigues (RODRIGUES, 1997, p. 6, apud CAHALI, 2007, p. 21), apesar da existência de opositores, dentre os quais os socialistas. Como bem apontado por Francisco José Cahali, “Prestigiando-se a propriedade privada, inclusive em harmonia com o interesse social, como ocorre na grande maioria dos países, o direito sucessório encontra fundamento no próprio direito de propriedade. É corolário do direito de propriedade” (CAHALI, 2007, pp. 21/22). 19 A propriedade que não se transmite a um sucessor com a morte do respectivo titular não é propriedade, mas mero usufruto, garantindo a transmissão a perpetuidade do domínio (MONTEIRO, apud CAHALI, 2007, p. 22). 3.1 HERANÇA Extingue-se a personalidade com o falecimento do indivíduo: no dizer de Caio Mário, “Como a existência da pessoa natural termina com a morte, somente com esta cessa a sua personalidade” (PEREIRA, 1997, p. 148). Verifica-se o falecimento com a “parada do sistema cardiorrespiratório com a cessação das funções vitais” (GAGLIANO, 2006, p. 125), tendo como efeitos, dentre outros, a abertura da sucessão. No momento do óbito opera-se a transmissão do patrimônio aos herdeiros, segundo o princípio da saisine, adotado em nosso direito, porém permanecerão os herdeiros na posse da herança, em condomínio, até que lhes sejam divididos os quinhões, através do inventário/arrolamento dos bens do de cujus. Denomina-se herança, acervo hereditário, monte-mor, monte partível, massa, patrimônio inventariado, espólio (este último do ponto de vista processual), a universalidade das relações jurídicas – universitas rerum – deixadas pelo falecido, enquanto não promovida a partilha entre os sucessores ou a adjudicação ao herdeiro único. Trata-se de ente despersonalizado com legitimidade ad causam, exercida pelo inventariante, que também o representa nos atos em geral, artigos 12, inciso V e 991, inciso I do Código Civil. A herança é composta pelas relações jurídicas de caráter patrimonial deixadas pelo falecido – também chamado autor da herança, inventariado, de cujus (de cujus hereditatis agitur) ou de cuius (de cuius successione agitur), estas últimas vindas do latim, referentes à pessoa de cuja sucessão ou herança se trata. É tratada juridicamente como imóvel, independentemente dos bens que a compõem – artigo 80, II do Código Civil, e constitui-se de um todo unitário, nos termos do artigo 1791 do referido codex. A sucessão pode ser testamentária ou legítima, conforme o falecido tenha ou não deixado disposição de última vontade. 20 É legítima a sucessão segundo a ordem disciplinada no Código Civil, e testamentária a feita através de disposição de última vontade, onde o falecido pode transmitir metade da herança, se houverem herdeiros necessários e, inexistindo necessários, da totalidade da herança. 3.1.1 Determinação da herança Para determinação da herança, necessária a análise do patrimônio do falecido, para separar o que é a meação – parcela dos bens dividida entre os cônjuges/ conviventes por força do regime de bens, e pertence ao consorte sobrevivente, e o que é a herança – meação pertencente ao falecido acrescida dos bens particulares e incomunicáveis, se houver algum. Sendo o falecido solteiro, não há que se falar em meação, sendo herança todo o patrimônio deixado por ele, porém se casado ou convivendo em união estável, necessários maiores esclarecimentos. O regime em que o falecido era casado interfere na determinação do que constitui a herança, ao determinar os bens que pertencem a ele e ao determinar sobre quais bens o cônjuge sobrevivente herdará quando concorrendo com descendentes do falecido. 3.1.2 Regimes 3.1.2.1 Comunhão de bens No regime da comunhão de bens, metade do patrimônio do casal constituirá a meação, incluindo-se os bens particulares de cada um, e excluindo-se os constantes do artigo 1.668 do Código Civil. 21 A metade pertencente ao falecido será a herança, à qual o cônjuge sobrevivente não fará jus caso concorra com descendentes do falecido, posto que não é herdeiro nesse caso. Não havendo descendentes, o cônjuge herda sobre toda a herança, de acordo com a regra do artigo 1.829 do CC. Este regime, que se mostra o mais igualitário do ponto de vista patrimonial, instituindo a comunhão sobre todos os bens, salvo exceções, e desta forma procurado pelos cônjuges quem desejam beneficiar de forma mais ampla um ao outro, deve ser tomado como paradigma ao analisar os outros regimes, de forma que os outros não recebam mais que o da comunhão universal de bens. 3.1.2.2 Comunhão parcial de bens Sendo o falecido casado pelo regime da comunhão parcial de bens, constituirá meação metade do patrimônio comum do casal, e herança a meação do de cujus somada aos seus bens particulares. Não havendo descendentes do autor da herança, o cônjuge sobrevivente herda sobre todo o acervo hereditário; concorrendo, porém, com descendentes, herdará apenas se houverem bens particulares, portanto necessárias algumas considerações. O cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial, em concorrência com descendentes do falecido, herdará apenas sobre os bens a que não faz jus meação, ou seja, apenas sobre os bens particulares, conforme Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro de 2004. Apesar de entendimento contrário, de que o cônjuge sobrevivente herdaria sobre todo o monte-mor, por ser a herança um todo indivisível, deve-se adotar o entendimento supra, sob pena de se dar ao casado pela comunhão parcial mais direitos que o casado pela comunhão universal. Deve-se ainda ter em conta, ao interpretar o artigo, o dispositivo relativo à comunhão total, excluindo-se da herança os bens do artigo 1.668 do Código Civil, sobre os quais o cônjuge não herdaria se casado pela comunhão universal. 22 3.1.2.3 Separação de bens No regime da separação de bens, a herança será constituída pelos bens particulares do inventariado, acrescidos, se houver, da metade do patrimônio comum. Para o cálculo da herança, concorrendo com descendentes do falecido, o cônjuge não herda se a separação é obrigatória (legal), herdando se o regime é convencional, devendo ser excluídos os bens sobre os quais não herdaria o cônjuge nos regimes da comunhão total ou parcial. Não concorrendo com descendentes, o cônjuge herda independente do regime ser da separação obrigatória ou convencional. 3.1.2.4 Participação final nos aquestos Se casados forem pelo regime da participação final nos aquestos, considerase herança o patrimônio individual do falecido, somado à metade dos bens adquiridos a título oneroso pelo casal, na constância do casamento. A regra a ser seguida é a da comunhão parcial, visto que a diferença entre ambos é “na forma como se faz a liquidação dos direitos” (CAHALI, 2007, p. 170). 3.1.2.5 Outros regimes Os cônjuges podem estabelecer, através de pacto antenupcial, regimes diferentes de bens, intermediários àqueles supracitados, caso em que a herança será a parte que permaneceria com o falecido com a dissolução da sociedade conjugal e, concorrendo com descendentes, recairá apenas sobre os bens em que o cônjuge não recebe a meação. 23 3.1.3 Falecido convivendo em união estável Na união estável, pela regra do atual código civil, em seu artigo 1790, o regime de bens não interferirá na herança a ser recebida pelo companheiro sobrevivente, mas interferirá no cálculo da herança na medida em que é ele que determina, dentre os bens do patrimônio do casal, o que pertencia ao falecido e o que pertence ao sobrevivente. O convivente herda sempre independentemente do regime de bens, ainda que concorrendo com descendentes do falecido, seguindo-se a regra do referido artigo. A herança, nesse caso, a ser recebida pelo convivente, seria composta pelos bens adquiridos onerosamente pelo falecido, fugindo-se à regra do cônjuge, que herda sobre aquilo que não é meeiro quando concorrendo com descendentes. Tal regra, como será demonstrado adiante, cria situações díspares ao se determinar a herança que o cônjuge receberia e a que um convivente receberia em caso semelhante (mesmo regime de bens, mesma espécie de bens, etc), o que pode trazer prejuízo e benefício para um e outro, conforme a existência de bens adquiridos a diversos títulos e a diversos tempos. 3.2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA Ao delimitar os herdeiros do falecido, o Código Civil institui a ordem pela qual os mesmos serão chamados à herança, denominada vocação hereditária. Determina ainda, dentre os herdeiros, quais serão necessários, que não podem ser afastados da vocação hereditária por testamento, e, por exclusão, aqueles que não são necessários. Assim, chamam-se, em primeiro lugar, os descendentes, em concorrência com o cônjuge ou com o companheiro, conforme haja um ou outro. Não havendo descendentes, virão concorrência com o cônjuge ou companheiro. os ascendentes, novamente em 24 Caso não haja nem descendentes nem ascendentes, o cônjuge herda tudo; não havendo cônjuge sobrevivente, herdam os colaterais, até o quarto grau. Sendo o caso de falecido que convivia em união estável, o companheiro não herdará sozinho, a menos que não haja nenhum parente sucessível (artigos 1.790, inciso IV c/c 1.839), ou seja, havendo colaterais, até o quarto grau, o companheiro sobrevivente com eles concorrerá. Inexistindo cônjuge, companheiro ou parente sucessível, ou tendo eles renunciado à herança, esta se devolve ao Município, Distrito Federal, conforme esteja na circunscrição deste ou daquele, ou à União, se localizada em território federal (artigo 1844 do CC). Aos herdeiros necessários pertence de pleno direito a metade da herança – legítima (artigo 1846 do CC). O artigo 1845 determina quais serão os herdeiros necessários, sendo eles os descendentes, ascendentes e o cônjuge, alçado a esta categoria pela nova lei, não incluído, como se pode perceber, o companheiro. Uma brecha que se poderia alegar na legislação é o artigo 1850 do CC, que determina que, para excluir da sucessão os colaterais, basta que o testador disponha do patrimônio sem os contemplar, não mencionando, portanto, o companheiro. Contudo, em uma análise do sistema em vigor com o Código Civil, tem-se que o companheiro pode ser excluído, visto não ser herdeiro necessário, da mesma forma que o Estado seria excluído no caso de por testamento o falecido haver disposto de todo o acervo, e também o Estado não foi incluído no referido artigo 1850. A vocação hereditária, assim, obedece a seguinte ordem (artigo 1829 c/c 1790, ambos do CC), ressaltando-se que cônjuge e companheiro foram incluídos na mesma lista apenas para melhor visualização, visto que somente um deles herdará: 1º Descendentes em concorrência com cônjuge ou companheiro sobrevivente, quanto ao cônjuge dependendo do regime de bens; 2º Ascendentes em concorrência com o cônjuge ou companheiro; 3º Cônjuge (o companheiro não herdará sozinho nesta situação); 4º Colaterais até o quarto grau (artigo 1839) em concorrência com o companheiro; 5º Companheiro (somente aqui ele recebe sobre todo o acervo e não apenas sobre os adquiridos onerosamente na constância da união); 25 6º Município ou Distrito Federal, ou União, se localizado em território federal. O companheiro herda sozinho antes do Estado conforme artigo 1844, que determina que o ente da Federação só receberá se não houver cônjuge, companheiro ou parente sucessível. Ressalte-se que o rol acima é feito tomando-se por base simplesmente os artigos citados, sendo necessária, após sua análise, uma releitura conforme a CR. 4 SUCESSÃO DO CÔNJUGE Ao se falar do casamento e dos cônjuges, primeiramente cabível a citação de Clóvis Beviláqua (1898, pp. 143/144), que ensinava: Entre marido e mulher não existe parentesco, que sirva de base a um direito hereditário recíproco. Um elo mais forte, porém, os une em sociedade tão íntima, pela comunhão de afetos, de interesses, de esforços, de preocupações, em vista da prole engendrada por ambos, que se não pode recusar a necessidade de lhes ser garantido um direito sucessório, somente equiparável ao dos filhos e ao dos pais. Ou se tenha em atenção, para determinar o direito hereditário ab intestato, o amor presumido do de cujus ou a solidariedade da família, a situação do cônjuge supérstite apresenta-se sob aspecto dos mais vantajosos. E, relembrando que a fortuna do marido encontra na sábia economia da mulher um poderoso elemento de conservação e desenvolvimento; que é, muitas vezes, para cercar uma esposa amada, de conforto e de gozos, que o homem luta e vence no conflito vital; e ainda, que a eqüidade seria gravemente golpeada em muitas circunstâncias, se o cônjuge fosse preferido por um parente longínquo; os legisladores modernos têm procurado reagir contra o sistema ilógico e injusto da exclusão total ou quase total do cônjuge sobrevivo em face da herança do cônjuge pré-morto. Tais ensinamentos foram proferidos há mais de século atrás e, apesar das óbvias mudanças na sociedade, com a valorização da mulher, sua elevação ao mesmo patamar do homem, assumindo um papel ativo na sociedade, papel esse merecido e bem desempenhado, demonstram de forma magistral o funcionamento que se espera de uma sociedade conjugal, ainda que com papéis mais divididos, mas com ambos, homem e mulher, contribuindo para o desenvolvimento do patrimônio e para o bem da família. O cônjuge casado com o de cujus quando do óbito, ou separado de fato há menos de dois anos, ou que não teve culpa se separado de fato há mais de dois anos, é herdeiro necessário do falecido, conforme artigo 1845 do CC. A sucessão do cônjuge é operada segundo a regra do artigo 1829 do CC. Herdará o cônjuge, em concorrência com os descendentes do falecido, de acordo com o seu regime de bens. Há aqui a proteção do cônjuge, que adquirirá parcela sobre todos os bens do falecido, seja como meeiro, seja como herdeiro, exceto, a princípio, no caso da separação obrigatória de bens. 27 Dessa forma, o cônjuge, não tendo meação, recebe a herança, ainda que em quantia menor que 50% por haverem descendentes do de cujus. Em julgamento a recurso no processo nº 1.0105.03.096604-5/001(1), o Desembargador Relator HYPARCO IMMESI leciona que “durante dezenas de anos vigeu no Brasil, como regime legal de bens, o regime de comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivo não concorre na herança, por já ser „meeiro‟”. O julgador acrescenta ainda que com a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515, de 21 de dezembro de 1977), o regime legal da comunhão de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que trouxe o risco de o cônjuge desprovido de recursos “nada herdar no tocante aos bens particulares do falecido, cabendo a herança por inteiro aos descendentes ou aos ascendentes”, afirmando o Eminente Desembargador que surge daí “a idéia de tornar o cônjuge herdeiro, no concernente aos bens particulares do autor da herança.” Com essa mudança, estende-se o direito sobre os bens do outro ao cônjuge sobrevivente, que sobre eles não possui meação, premiando aquele que manteve com o falecido a relação, acompanhando-o até o fim dos seus dias (ou que se separou não por culpa sua, mas do morto, tentando manter a relação). Dessa forma, temos que o cônjuge poderá comparecer no inventário em três situações distintas: como meeiro, como herdeiro ou como meeiro e herdeiro. O cônjuge será meeiro nas seguintes hipóteses: 1 – casado pelo regime da comunhão total de bens, exceto quanto ao patrimônio incomunicável – artigo 1668 do CC; 2 – casado pelo regime da comunhão parcial de bens, quanto aos bens adquiridos na constância do casamento, exceto os do artigo 1659 do CC; 3 – casado pelo regime da participação final nos aquestros, sobre os bens adquiridos a título oneroso pelo casal, na constância do casamento; 4 – casado pelo regime da separação de bens, quanto aos bens adquiridos com esforço comum, na constância do casamento – súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Independentemente de ser meeiro, será o cônjuge herdeiro se casado com o falecido quando do óbito e, se separado de fato há menos de dois anos ou se a separação for maior, caso não seja por culpa do sobrevivente. São as seguintes as situações em que o cônjuge é herdeiro: 28 1 – havendo descendentes (Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal): 1.1 – quando casado no regime da separação convencional de bens; 1.2 – quando casado no regime da comunhão parcial ou da participação final nos aquestros, se o falecido possuía bens particulares, herdando apenas sobre tais bens, devendo ser excluídos também os bens do artigo 1668 do CC; 1.3 – quando em regime misto, é herdeiro sobre os bens que não é meeiro, exceto os do artigo 1668 do CC, a menos que o regime se assemelhe a outro existente, hipótese em que seguirá a regra dele. 2 – não havendo descendentes, o cônjuge é sempre herdeiro, sobre todo o acervo hereditário, concorrendo com os ascendentes, se for o caso. Um parêntese se faz aqui quanto aos regimes da comunhão parcial de bens e da participação final nos aquestros, visto que, apesar de regimes diversos, são semelhantes, diferindo apenas quanto à liquidação dos direitos, devendo, portanto, seguir mesma regra sucessória, como já explanado anteriormente. A regra, como salientado no decorrer de todo esse trabalho, é que, concorrendo com descendentes, o cônjuge é herdeiro quanto aos bens em que não é meeiro, devendo ser verificado isso em qualquer caso que se mostre duvidoso. A exceção seria o regime da separação obrigatória de bens, em que o cônjuge não é herdeiro nem meeiro. O cônjuge, ao contrário dos outros herdeiros, não possui o direito de acrescer, caso os descendentes não queiram ou não possam aceitar a herança, pois, conforme artigo 1836 do CC, nesse caso o cônjuge concorre com os ascendentes. Se há também convivente, e a separação de fato é por tempo inferior aos dois anos, deve-se dar preferência ao convivente, que vivia com o de cujus ao tempo do óbito, recebendo o cônjuge apenas a meação a que teria direito pelo regime de bens (adquiridos anteriormente ao início da união estável). Com esse entendimento mantém-se a linha de raciocínio que beneficia o que permaneceu até o fim com o falecido, seja ele casado ou apenas em união estável com o de cujus. 5 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO O companheiro sobrevivente surgirá como meeiro/ herdeiro ou nada receberá, concorrendo com descendentes e outros parentes sucessíveis – incluídos aqui os colaterais. Seus percentuais são menores que os do cônjuge, e concorre com herdeiros com os quais aquele não concorreria, visto que somente herdará sozinho o companheiro se não houverem outros parentes sucessíveis. A regra da sucessão do companheiro, nesses pontos, é pior que a do cônjuge, porém o companheiro será mais beneficiado se o de cujus deixar apenas bens adquiridos a título oneroso, caso em que ele receberá a meação e a herança sobre os mesmos bens, o que não ocorre com o cônjuge. Houve em alguns pontos uma valorização do companheiro, comparada com a regra anterior, mas certamente houve alguns pontos em que a regra anterior ser-lheia mais benéfica. A diferenciação não é, per si, proibida, como dito supra, mas deve haver uma interligação, de modo a se manter a intenção do legislador de valorizar o casamento, favorecendo a conversão da união estável. 6 CASAMENTO X UNIÃO ESTÁVEL: LEGALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO Em que pese doutrina em contrário, entendemos ser possível o tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro, apesar de não ser esse tratamento obrigatório, ou seja, poder-se-ia igualá-los, mas, não o fazendo, deve o cônjuge ter o tratamento mais benéfico. A Constituição da República, ao preceituar em seu artigo 226, § 3° o reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar, apesar de inegável a importância dada a dita entidade, não a iguala ao casamento, determinando inclusive que deve ser facilitada pela lei sua conversão em casamento. Como bem salientado por Roberto Figueiredo (2006, p. 27): (...) todo o Direito Convivencial se submete a um princípio intangível, qual seja: o da sua facilitação em casamento. Já é assente no Supremo Tribunal Federal que o matrimônio constitui, ainda, o grande paradigma do Direito de Família. Quando se fala em casal, filhos, parentes, fidelidade, dever de assistência, dentre outros, utiliza-se o matrimônio como referência indiscutível. Corroborando com a fala supra, temos que tal entendimento já havia sido demonstrado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, afirmando em julgado que a norma do § 3º do art. 226 da Constituição de 1988 “coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele” (MS 21.449, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgamento em 27-9-95, DJ de 17-11-95). Essa a opinião de Alexandre de Moraes (2006, p. 2218), ao preceituar o seguinte: Portanto, não é correto afirmar que a União Estável foi igualada ao casamento, por tratar-se de institutos jurídicos diversos, mas que houve o reconhecimento da juridicidade da união fática, com a finalidade de evitar a continuidade de injustiças sociais. 31 Ademais, o que sempre se garantiu à União Estável foi a meação, com a divisão do patrimônio adquirido por esforço comum, sendo inovação legislativa a concorrência com outras classes de herdeiros, portanto houve um benefício nesse ponto, apesar de haver prejuízo em outros. De igual forma, nem cônjuge nem companheiro eram herdeiros necessários no sistema anterior, portanto, se o código amplia os direitos do cônjuge, não se pode dizer que reduz os do companheiro, com relação a este ponto específico. Casamento e União Estável são entidades que possuem muitas diferenças, apesar de possuírem também muitas semelhanças, como o fato de se tratarem ambas de entidades familiares. A começar, o casamento inicia-se por ato solene, formal, enquanto a união estável é sociedade de fato; o casamento impõe diversos direitos e obrigações aos cônjuges, muitos deles visando inclusive a proteção de terceiros, direitos e deveres que não são totalmente estendidos à união estável. Desse modo, temos que a união estável, dado seu caráter informal, exige maior cuidado em sua normatização, ao passo que o casamento, registrado no local em que ocorre e averbado nos registros de nascimento, bem como nos registros de imóveis, traz uma segurança jurídica maior, facilitando a divisão entre o que é patrimônio do casal e o que é patrimônio comum, se comparado à união estável. Ainda deve-se observar que pelo próprio caráter formal do casamento, temos que os contraentes, cientes das conseqüências jurídicas do seu ato, o realizam de comum acordo e concordes com a ocorrência do resultado que dele advier, seja com a sua dissolução judicial, seja com a morte de um deles. Porém, no caso da união estável não há esse ato solene, e em muitos casos a transição do namoro para a união estável se dá gradativamente, especialmente em alguns casos em que referida transição leva anos de convivência, devendo-se considerar que, devido a seus requisitos subjetivos, casos há em que duas pessoas de sexo oposto moram juntas sem conviver em união estável, enquanto duas pessoas que moram em residências (e até municípios diferentes) podem estar em união estável. Dessa maneira, devido a seu caráter informal, faltando-lhe um ato solene que a inicie, tem-se por tortuosa, quando não beirando o impossível, a prova da diferença entre união estável e, p.ex., um namoro de longa data, visto que na prática 32 a diferença não é tão clara quanto em teoria, e nos relacionamentos humanos temos diversos matizes de cores, além do preto e do branco, e a união estável acaba por adotar rostos diferentes, de um relacionamento que se aproxima do casamento a um que se aproxima de um namoro. A qualificação de uma relação como união estável já se mostra em alguns casos de extrema dificuldade para o Juiz, que se vê muitas vezes diante de provas testemunhais e documentais conflitantes, e mais difícil ainda é para o terceiro que com alguém negocia para saber se ele está em união estável, e assim avaliar os possíveis riscos do seu negócio, visto que ocorrendo a dissolução da união, p.ex., aquele bem que lhe foi vendido pode vir a se mostrar o único, e muitos já foram os que acabaram diante da necessidade de se explicar após o que considerava uma compra regular. Ana Luiza Maia Nevares, apesar de contrária ao tratamento diferenciado, traz brilhante diferenciação entre casamento e união estável, ao afirmar: (…) não se pode negar que o ato formal do matrimônio gera uma maior segurança para as relações jurídicas na sociedade, tanto em relação aos partícipes da relação conjugal, quanto em relação aos terceiros que com eles venham a contratar. Isso porque estabelece a priori os seus efeitos, bastando que o ato seja celebrado: a partir desse momento estão definidas todas as relações entre os cônjuges e todos os atos que um cônjuge não poderá celebrar sem a autorização do outro. (NEVARES, 2006, p. 158) O que se deve ter em mente são os objetivos diferenciados que levam uma pessoa a constituir união estável ou contrair matrimônio; ambos os institutos têm diversas semelhanças, mas são diferentes entre si. Não há que se falar em distinção entre cidadãos, não havendo pessoas que merecem maior ou menor proteção, mas a entidade „união estável‟ está em plano inferior, por assim dizer, ao casamento, devido a seu regime jurídico e aos seus efeitos. 7 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SUCESSÃO Nas palavras de Paulo Dourado de Gusmão, “interpretar o direito é estabelecer o sentido atual da norma” , sentido esse que deve ser “compatível com o texto interpretado e com o sistema jurídico” (GUSMÃO, 2003, pp. 229 e 230). O Código Civil, apesar de haver entrado em vigor recentemente, mostra-se ultrapassado em alguns pontos, devido à dinâmica da sociedade e à demora para sua aprovação, e as reformas por que passou o projeto não chegaram a sanar totalmente o problema da atualidade. A interpretação deve ser feita de forma a se buscar a mens legis, conciliando os preceitos da sociedade atual e as normas constitucionais, de forma a inclusive restringir a aplicação de determinados dispositivos, se assim se mostrar necessário. Para se entender o sentido da norma, devemos ter em mente o conceito da sociedade relativamente ao casamento, que dá força maior ao caráter „eterno‟ da união, sinalizado pelas palavras „até que a morte os separe‟, interligadas que estão ao próprio conceito de casamento. Da mesma forma, vê-se uma idealização de qualquer união duradoura, seja ela um casamento, seja ela união estável. Assim, percebe-se que o legislador traz duas óticas distintas para a dissolução da sociedade conjugal (seja formada pelo casamento ou pela união estável), uma marcada por um caráter contratual, com os consortes se separando e dividindo seus bens, de acordo com o regime de bens aplicável, e outra com a morte de um dos consortes, caso em que se reconhece o caráter „eterno‟ / duradouro da relação. Naquela relação que durou até o falecimento de um dos consortes, tenha ela durado qualquer quantidade de tempo, o legislador optou por reconhecer a importância daquele consorte que viveu com o outro até o fim da sua vida, que dividiu com ele seus últimos momentos. Mesmo a inclusão na sucessão do conceito de „culpa‟ demonstra essa preocupação, trazendo à baila o papel de ambos na „sobrevivência‟ da união, apesar das críticas que se faz à referência à culpa, dado seu caráter de difícil prova, bem como às dificuldades que pode acarretar no caso de haver cônjuge e companheiro ao mesmo tempo, deixados pelo falecido. 34 Rodrigo da Cunha Pereira (2001) assim leciona: O casamento é mais que uma instituição religiosa e jurídica: para a maior parte das pessoas é um sonho de felicidade. Todos queremos estabelecer um laço conjugal. Acreditamos que aí podemos selar nossa felicidade. Apesar das mudanças de valores, da revolução feminista, da separação Igreja/Estado (1891), o casamento constitui-se em um ideal, onde se depositam esperanças, sonhos e um viver juntos para sempre. Reproduz-se e constrói as regras de uma cultura e, acima de tudo, monta uma estrutura familiar. A Lei deve ser interpretada de forma a se garantir ao consorte sobrevivo recebimento sobre todo o patrimônio do casal e do falecido, de forma que onde ele não seja meeiro, seja herdeiro, e vice-versa. Porém, necessária análise profunda para que se evite o prejuízo daquele que, de outra forma, pelo regime, deveria por lógica receber parcela maior, tomando-se sempre por base de quem receberia mais o regime da comunhão de bens, mais favorável. 8 ANÁLISE DAS REGRAS SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL 8.1 CONSTITUCIONALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE CÔNJUGE E CONVIVENTE O texto constitucional admite a existência de diferenças entre os institutos, e a Lei Civil trouxe em seu bojo essa diferenciação, o que em verdade constituiu na aproximação do direito do fato. Com este trabalho percebe-se que há uma distinção entre cônjuge e convivente, tanto na norma constitucional, que determina a não discriminação e a facilitação da conversão da união estável em casamento, quanto na regra das sucessões, onde as diferenças podem se mostrar bem maiores, com prejuízos para uma ou outra, conforme o caso. 8.2 CONVIVENTES COM MAIS BENEFÍCIO QUE O CÔNJUGE: SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA Para solucionar tal impasse, visto que o convivente não pode ter mais benefícios que o cônjuge, apesar de não haver impedimento de que ambos tenham benefícios iguais, têm-se três opções como mais adequadas, apesar de existir opinião divergente na doutrina. Uma primeira opção é a exclusão do termo „onerosamente‟ do caput do artigo 1.790 do Código Civil, dada sua inconstitucionalidade, por trazer distinção não permitida, ao beneficiar a união estável, de forma a colocá-la em situação melhor que o casamento, ao herdar o convivente bens sobre os quais também é meeiro. Nessa hipótese tem-se que o convivente herdaria sobre os mesmos bens que o cônjuge com o mesmo regime de bens, variando apenas o percentual e as regras de concorrência, que permaneceriam conforme os incisos do artigo supracitado. A segunda opção seria a aplicação da „cláusula de maior favorecimento‟, ou Meistbegünstigungsklausel, que preceitua o seguinte: 36 Quando um benefício alcança apenas uma classe de categorias igualadas por lei ou posta por esta em situação de inferioridade, a melhor exegese não é concluir pela invalidade do benefício, senão pela sua extensão. Aplica-se então, ao caso, a Meistbegünstigungsklausel ou "cláusula de maior favorecimento. (NICOLAU JÚNIOR, 2002) . O casamento é o ideal almejado pela Constituição, estando em situação privilegiada em comparação à união estável, ou seja, apesar de não haver distinção entre os membros da entidade familiar, sejam eles casados ou conviventes, a entidade em si tem tratamento diferenciado, com relação aos efeitos que produz no mundo jurídico. Villela, citado por Rodrigo da Cunha Pereira (1999, pp. 114/115, apud CAHALI, 2007, p. 201) já se posicionava favoravelmente à aplicação da meistbegünstigungsklausel, conforme se segue: Trata-se de uma típica aplicação, em direito interno, da chamada Méistbegünstigungsklausel ou „cláusula de maior favorecimento‟, usual no comércio internacional. Dada a circunstância de o casamento ter na Constituição precedência sobre a união estável, todas as vantagens deferidas a esta, por lei ordinária, supõem-se extensivas àquele, se a não tiver por outro título. A legislação, da forma em que foi redigido o artigo 1.790, concede à união estável direito não estendido, a princípio, ao casamento, trazendo uma desigualdade entre os institutos de forma contrária ao que determina a Constituição da República, como é o caso de o falecido haver deixado apenas bens comuns, sobre os quais o consorte casado seria apenas meeiro, e o consorte convivente seria herdeiro e meeiro. Nesse caso, não se trata de retirar da união estável direito que lhe foi concedido, mas de estendê-lo ao casamento, de forma que ao cônjuge se aplique também a regra do artigo 1.790 do Código Civil, além da regra específica para ele – artigo 1.829. A distinção feita entre união estável e casamento tem arrimo no texto constitucional, como bem apontado por Mário Luiz Delgado Régis, ao afirmar o seguinte: 37 A orientação adotada pelo legislador procurou ser coerente com o estabelecido no § 3º do art. 226 da Carta Magna, que assegura a proteção do Estado à união estável, mas sem equipará-la ao casamento, tanto que determina que a lei facilitará sua conversão em casamento, e não se converte o que já é igual. (RÉGIS, 2005, p. 215) Referido autor cita ainda Eduardo De Oliveira Leite (2003, apud RÉGIS, 2005, p. 215), que leciona que novo Código guindou a união estável ao patamar do casamento civil, em dois grandes efeitos patrimoniais – alimentos e sucessão, mas sem exageros. Uma última solução seria a aplicação da mesma regra do cônjuge ao convivente, o que resultaria na total igualação entre os institutos, do ponto de vista do direito das sucessões, com o descarte da regra do artigo 1790. Porém, tal solução se mostra destoante com o texto constitucional, além de não ser a intenção do legislador essa igualação. Mais acertada, portanto, a segunda opção, que não prejudica os conviventes em união estável, mantendo seus direitos da forma que foram concebidos pela redação do Código Civil, e estendendo aos casados aqueles benefícios, nos termos da Meistbegünstigungsklausel. 38 CONCLUSÃO O Código Civil trouxe em seu bojo diversas novas regras em termos de sucessão, tanto do cônjuge quanto do companheiro, notando quanto a esse um tratamento em alguns pontos mais prejudicial, comparado ao cônjuge. De outro turno, uma leitura mais atenta da lei mostra também que situações há em que o companheiro se beneficia, recebendo parcela maior do que receberia o cônjuge na mesma situação. Dessa forma, apesar de ser reconhecida a união estável, a legislação nova a trata de forma diferente do matrimônio, no que alguns chamam de retrocesso legislativo, o que exige do intérprete um estudo mais aprofundado, de forma a amoldá-la à Constituição, comparando as duas espécies de sucessão quanto aos bens deixados pelo consorte. Porém, um estudo mais aprofundado mostra que, se o legislador não foi acertado, tal não se deve à diferenciação, permitida, e até mesmo determinada, pela Constituição da República. O afeto é o único laço que consegue transcender a morte, e o legislador buscou, com o Código Civil de 2002, valorizar os laços mais duradouros, representados pelo casamento, paradigma de união entre duas pessoas, entidade familiar por excelência, servindo de modelo a todos os outros. A Constituição proíbe a discriminação, mas é sabido que toda relação, seja ela afetiva, negocial, etc., produz efeitos no mundo jurídico, e seus efeitos são diferentes assim como são diferentes as relações entre pessoas. Dessa forma, a diferenciação é permitida, desde que favorável ao casamento, preterindo a união estável, e à comunhão total de bens, preterindo os outros regimes. Assim, em aplicação da „cláusula de maior favorecimento‟, devem ser estendidos ao casamento os direitos concedidos à união estável, por ser regra de Justiça. 39 REFERÊNCIAS BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e o Supremo. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 04 março 2009. _______. Supremo Tribunal Federal. Súmula 377. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagin a=sumula_301_400>. Acesso em: 19 abril 2009. CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões. 3. ed. 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