UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE
FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICA – FADE
CURSO DE DIREITO
Phelipe Zacché Lopes de Andrade
VANTAGENS E DESVANTAGENS NA SUCESSÃO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS
Governador Valadares/MG
2009
PHELIPE ZACCHÉ LOPES DE ANDRADE
VANTAGENS E DESVANTAGENS NA SUCESSÃO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS
Monografia para obtenção do grau de Bacharel em
Direito apresentada à Faculdade de Direito,
Ciências Administrativas e Econômicas da
Universidade Vale do Rio Doce.
Orientador: Rogério de Paula Miranda
Governador Valadares/MG
2009
PHELIPE ZACCHÉ LOPES DE ANDRADE
VANTAGENS E DESVANTAGENS NA SUCESSÃO ENTRE CÔNJUGES E
COMPANHEIROS
Monografia para obtenção do grau de Bacharel em
Direito apresentada à Faculdade de Direito,
Ciências Administrativas e Econômicas da
Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, ___ de ____________ de _____.
Banca Examinadora:
__________________________________________
Profª. Rogério de Paula Miranda - Orientador
Universidade do Vale do Rio Doce
__________________________________________
Prof. ----------------------Universidade do Vale do Rio Doce
__________________________________________
Prof. ----------------------Universidade do Vale do Rio Doce
Dedico esta monografia a meus pais Márcio Murta
de Andrade e Kissila Zacche Lopes de Andrade.
AGRADECIMENTO
Considerando esta monografia como resultado de uma caminhada que começou,
não só, ao longo deste curso de graduação, agradecer pode não ser tarefa fácil,
nem justa. Assim, para não correr o risco da injustiça, agradeço de antemão a todos
que
de
alguma
forma
passaram
pela
minha
vida
e
contribuíram para a construção de quem sou hoje.
E, ainda, agradeço, particularmente, a algumas pessoas pela contribuição
direta na construção deste trabalho:
A Deus, pois o que seria de mim sem a fé que possuo.
Aos meus pais, irmãos, minha namorada Paula, e a toda minha família que, com
muito
carinho
e
apoio,
não
mediram
esforços
para
que
eu
chegasse
até esta etapa de minha vida.
Ao professor orientador Rogério de Paula Miranda, por seu apoio, incentivo e
inspiração
no
amadurecimento
dos
meus
conceitos, que me levaram à conclusão desta monografia.
conhecimentos
e
“A vida é para nós o que concebemos dela.
Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um
império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco,
esse império é um campo. O pobre possui um império; o
grande possui um campo. Na verdade, não possuímos
mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que
não no que elas vêem, temos que fundamentar a
realidade da nossa vida.”
Fernando Pessoa
RESUMO
O direito das sucessões sofreu mudanças significativas no que diz respeito ao direito
do cônjuge e do companheiro sobreviventes, e com essas mudanças diferenciou,
para alguns de modo retrógrado, os institutos. Porém, tal diferenciação tem respaldo
constitucional, consistindo não em uma discriminação, com a desvalorização de um
instituto, no caso a união estável, mas antes disso a valorização dos laços mais
duradouros e formais do casamento. O único ponto em que se mostra incorreta a lei,
do ponto de vista constitucional, é a concessão de maiores benefícios à união
estável em detrimento do casamento, em alguns casos, o que pode ser resolvido
com a interpretação do artigo específico da união estável mediante a constituição, a
aplicação da cláusula do maior favorecimento, ou alternativamente da simples
exclusão da norma daquele artigo.
Palavras-chave: sucessão; cônjuge; convivente; constituição; diferenciação.
ABSTRATIC
The inheritance law suffered significant changes concerning to the right of the
surviving spouse and the companion, and with these changes differentiated, for
some in retrograde way, the institutes. However, such differentiation has
constitutional endorsement, consisting not in discrimination, with the depreciation of
an institute, in the case the steady union, but instead the valuation of the more lasting
and formal bows of the marriage. The only point where the law shows up incorrect, of
the constitutional point of view, is the concession of higher benefits to the steady
union in detriment of the marriage, in some cases, which can be solved by the
interpretation of the specific article of the steady union by means of the constitution,
the application of the clause of the highest aiding, or alternatively of the simple
exclusion of the norm of that article.
Keywords: inheritance; spouse; companion; constitution; differentiation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1 BREVE RETROSPECTO ....................................................................................... 11
2 LAÇOS DE AFETO ................................................................................................ 14
3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO ............................................ 18
3.1 HERANÇA ....................................................................................................... 19
3.1.1 Determinação da herança ...................................................................... 20
3.1.2 Regimes ................................................................................................... 20
3.1.2.1 Comunhão de bens ........................................................................... 20
3.1.2.2 Comunhão parcial de bens ................................................................. 21
3.1.2.3 Separação de bens............................................................................. 22
3.1.2.4 Participação final nos aquestos .......................................................... 22
3.1.2.5 Outros regimes ................................................................................... 22
3.1.3 Falecido convivendo em união estável ................................................. 23
3.2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.......................................................... 23
4 SUCESSÃO DO CÔNJUGE .................................................................................. 26
5 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO ......................................................................... 29
6 CASAMENTO X UNIÃO ESTÁVEL: LEGALIDADE DO TRATAMENTO
DIFERENCIADO ....................................................................................................... 30
7 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SUCESSÃO ......................... 33
8 ANÁLISE DAS REGRAS SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL ............................. 35
8.1 CONSTITUCIONALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE
CÔNJUGE E CONVIVENTE.................................................................................. 35
8.2 CONVIVENTES COM MAIS BENEFÍCIO QUE O CÔNJUGE: SOLUÇÕES
PARA O PROBLEMA ............................................................................................ 35
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 38
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo a comparação entre as regras para
sucessão do cônjuge e do companheiro, analisando-as sob o prisma constitucional.
Tratará este estudo da comparação, com enfoque na sucessão, do
casamento e da união estável, ambos constituindo na formação de uma nova família
no decorrer da vida do indivíduo. Não obstante, a discussão doutrinária acerca do
direito sucessório entre esses institutos, pois com o advento do Código Civil de
2002, o companheiro (a), pode, para alguns doutrinadores, levar mais vantagens na
sucessão do que o cônjuge.
Traçar-se-á um paralelo entre as sucessões, iniciando por explicar a
sucessão em linhas gerais, individualizando as regras para a sucessão do cônjuge
e, após, do companheiro, destacando-se então as diferenças e semelhanças entre
ambas, para ao final analisá-las do ponto de vista constitucional e apresentar uma
solução que possa conciliar a Constituição e o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002).
Analisaremos as regras, pormenorizando cada aspecto e detalhe que surja
no caminho, na medida em que se mostrar necessário, para se chegar a
uma melhor solução.
O principal objetivo é mostrar que a união estável não pode ter mais
previlégios no direito sucessório do que o casamento. Errou o legislador ao conceder
mais direitos em alguns pontos da lei aos companheiro do que ao cônjuge.
A CF iguala companheiro e cônjuge no sentido de proteção, mas diferencia-os
incentivando a coversão da união estável em casamento, e não vice-versa, a que se
pontuar.
O principal problema se encontra no pálio constitucional: Conceder direitos
iguais ou até superiores aos companheiros estaria de fato protegendo a família?
Como agir quando a norma é mais benéfica aos companheiros do que ao cônjuge?
São questões difíceis de ser resolvidas, haja vista a maior parte da doutrina
pleitear direitos iguais aos companheiros, interpretando a norma constitucional em
um sentido mais amplo do que realmente diz o texto constitucional.
Para fazer este estudo, utilizamos a metodologia bibliográfica, utilizando,
principalmente, a doutrina, as leis e a jurisprudência.
10
O tema é complexo, amplamente discutível e polêmico. O que foi de certa
forma um incentivo para que o escolhêssemos como tema central deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Não é fácil ir contra a doutrina majoritária, mas, na medida do possível,
tentaremos a todo custo mostrar que nem sempre a maioria pode estar com a razão,
que as correntes discidentes também tem seu ponto de vista e merecem ser
analisadas a fim de evitar injustiças motivadas principalmente pelo tradicionalismo e
preconceito do legislador e da doutrina.
Dividimos esse trabalho em 8 capítulos, indo da evolução a preceitos básicos
do direito sucessório. Atentamos como ponto alto desta monografia o capítulo sexto,
sétimo e oitavo, pois aqui defendemos a solução da problemática sob um ângulo
constitucional. Por fim, passaremos às considerações finais.
1 BREVE RETROSPECTO
Numa sumária passagem pela legislação revogada, vê-se o cônjuge
ocupando, como herdeiro legítimo, o terceiro posto na ordem da vocação hereditária.
Não detinha, naquela época, a qualidade de herdeiro necessário, o que se traduzia,
conforme o caso, no mais completo desamparo. Após a Lei 4.121, de 27 de agosto
de 1962, mais conhecida como Estatuto da Mulher Casada, o cônjuge teve
instituído, a seu favor, o usufruto e o direito real de habitação.
Já o companheiro era abertamente rechaçado pelo código anterior.
Entretanto, é de conhecimento geral que a evolução da família constituída fora do
casamento foi, nos últimos tempos, um aspecto marcante do direito pátrio. Aos
poucos as famílias extra matrimoniais ganharam reconhecimento social, sendo
(correta e finalmente) acolhidas pela Constituição Federal de 1988, passando os
companheiros à condição de entes familiares e desfrutando, por conseguinte, até de
proteção estatal. É verdade que seus direitos sucessórios só foram reconhecidos
com o advento da Lei 8.971/94 (e fortalecidos pela Lei 9.278/96), mas em
determinado momento da história, aos companheiros atribuíam-se determinados
benefícios que não eram extensivos aos cônjuges.
O Direito Sucessório visa disciplinar o trânsito de bens causa mortis, ou
melhor, a transferência do patrimônio do de cujus a seus sucessores e/ou legatários.
O termo de cujus, originário de cuius hereditatis agitur ou de cuius
successione agitur, quer dizer, entre outros, falecido, finado, extinto, defunto,
inventariado, autor da herança.
Sucessão, em sentido amplo
significa o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se, a
qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam. [...] No
Direito das Sucessões, entretanto, emprega-se o vocábulo num sentido
mais restrito, para designar tão somente a transferência da herança, ou do
legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei,
ou em virtude de testamento [...]. (Monteiro, 2007, p. 1).
12
Percebe-se daí que a sucessão, no Direito pátrio, pode ocorrer por ato inter
vivos, aquela oriunda da aquisição de imóvel, na qual o comprador sucede o
vendedor nas obrigações propter rem, ou por causa mortis. Esta última é a que
interessa ao Direito das Sucessões.
Sobre a abertura da Sucessão diz-se que:
A abertura da sucessão se dá no momento da morte, termo final da personalidade natural, e a abertura do inventário somente ocorrerá quando os
legitimados elencados nos arts. 987, 988 e 989 do Código de Processo Civil
ajuizarem a ação correspondente, sempre depois da abertura da sucessão.
(NOGUEIRA, 2007, p. 2).
Dispõe o Código Civil que, aberta a sucessão, a herança transmite-se desde
logo aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784). Esta hipótese, em que se
verifica a imediata transmissão da herança, ou seja, do domínio e da posse dos
bens aos herdeiros, independentemente de inventário, é conhecida como droit de
saisine. Tal regra se justifica pela impossibilidade de uma relação jurídica acéfala,
isto é, sem um sujeito de direito que a titularize, já que, segundo o princípio da continuidade da propriedade, não pode existir espaços em branco nesse percurso.
A sucessão, na dicção da lei civil, pode ser de duas espécies: legítima e
testamentária (art. 1.786).
Será legítima a sucessão quando decorrer da lei, ou melhor, não depender da
vontade do de cujus, mas da ordem de vocação arbitrada pelo legislador (art. 1.829
c/c o art. 1.790). Tratando-se de herdeiros necessários (arts. 1.845 e 1.846), não
podem eles, exceto nos casos de indignidade e deserdação, ser excluídos da
sucessão.
Diz-se testamentária quando o testador, dispondo da parte que a lei lhe
faculta, decide quem o sucederá (art. 1.857 c/c o art. 1.789).
Fala-se, ainda, em uma terceira espécie, formada pela combinação da
sucessão legítima com a testamentária.
A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido e será regulada
pela lei vigente ao tempo de sua abertura (arts. 1.785 e 1.787).
13
Como mencionado acima, os sucessores podem ser herdeiros ou legatários.
Herdeiros são aqueles que, por força da lei ou ato de última vontade, recebem
a totalidade ou fração do patrimônio do de cujus, sem individualização dos bens
(NOGUEIRA, 2007, p. 17) - sucessores a título universal, ex vi do droit de saisine,
transmitem-se-lhes inicialmente o ativo e o passivo, apurando-se o saldo em
momento posterior. Classificam-se em necessários (arts. 1.845 a 1.849) e
facultativos (art. 1.850). Necessários são os que não podem ser afastados por
vontade do autor da herança; já os facultativos ou colaterais podem ser excluídos da
sucessão por meio de testamento.
Legatários, segundo o magistério de Nogueira (2007, p. 19), constituem-se os
sucessores "a título singular, que recebe(m) coisa certa ou valores determinados".
A herança é representada pela universalidade dos bens, inclusive imóveis
(art. 1.791 c/c o art. 80), e pelos encargos e obrigações que oneram o espólio, a ser
partilhado entre os herdeiros e/ou legatários.
2 LAÇOS DE AFETO
Nos fatos naturais nascimento, crescimento e morte se têm os principais
pontos, bem como as fases em que se divide, da vida do indivíduo.
Tais fatos naturais se mostram relevantes em diversos ramos da ciência
humana, inclusive ao direito, no qual traçam o início e fim da personalidade, a
capacidade civil, o surgimento e extinção de direitos, dentre muitos outros efeitos.
Mesmo do ponto de vista psicológico, são esses fatos naturais as maiores
fontes de alegrias e tristezas para todos, sem exceções, como no nascimento de um
filho ou neto, bem como na morte de um ente querido.
Durante a vida, o indivíduo, na medida em que se envolve na sociedade, a ela
se adaptando, cerca-se de pessoas, sejam familiares, amigos, colegas de trabalho
ou de estudo, simples conhecidos, companheiros ocasionais ou duradouros.
Essas pessoas, „classificadas‟ de diversas formas, cercam o indivíduo e, de
certa forma, o definem, nele influindo e por ele sendo influenciadas, à medida que
crescem os laços de respeito, amizade, amor, etc.
Das relações que formam a vida do indivíduo, a família é aquela que o segue
desde o nascimento, saído do ventre materno, até a morte, cercado por seus filhos,
e mesmo que sejam verificadas muitas diferenças de um indivíduo para outro, como
os órfãos iniciando sua vida sem uma família por perto, ou daquele que termina a
vida sozinho, a grande maioria – a regra – é cercada por pessoas de sua
convivência, seja o grupo familiar tradicionalmente considerado, ou qualquer das
suas variações.
Dessa forma, conforme o dizer da Enciclopédia Saraiva de Direito (1982, v.
78, p. 45), vê-se que “Existe uma tendência natural para proteger a família, definida
pelos laços do sangue e do parentesco”, dado o papel que ela representa, desde a
antigüidade até os dias de hoje.
Mesmo a tristeza da solidão é muitas vezes encarada como um vazio da falta
de laços duradouros, oriundos da família, seja a formada por pais e filhos, um pai e
um filho, irmãos, um casal, ou um dos tantos modelos existentes.
15
Do fato natural – Morte advém a abertura da sucessão, na qual os herdeiros
(assim indicados pela Lei Civil ou por disposição de última vontade) sucedem o
morto.
Nas últimas décadas, o Direito tem evidenciado o reflexo das profundas
mudanças por que passa a sociedade mundial. Registrem-se, no caso brasileiro, o
fim da ditadura e o advento da Constituição de 1388.
O período da ditadura militar (1964-1985) serviu como elemento instigador do
pensamento, o que permitiu à sociedade reavaliar seus paradigmas, inclusive
aqueles ligados ao Direito de Família.
A Constituição Cidadã compilou essas conclusões no princípio dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III) e na proteção especial assegurada à família (art. 226).
Dessarte, em vista do novo cenário sociocultural, o Direito de Família buscou
atender aos reclamos da contemporaneidade, ampliando o conceito de família.
Na lição de Lafayette, apud Rodrigues (v. 6, 2007, p. 3), o Direito de Família
"tem por objeto a exposição dos princípios de direito que regem as relações de
família, do ponto de vista da influência dessas relações não só sobre as pessoas,
como sobre os bens".
Durante muito tempo, no Brasil, a noção de família esteve diretamente ligada
à de casamento, inclusive por inspiração constitucional. Dispunha o art. 175 da
Carta de 1969, verbis: "A familia é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos".
Melo , citando Pietro Perlingieri, afirma que:
A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de
sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que
caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade
humana:ainda que diversas possam ser as suas modalidades
de organização, ela é finalizada à educação e à promoção
daqueles que a ela pertencem.
O merecimento de tutela da família não diz respeito
exclusivamente às relações de sangue, mas sobretudo àquelas
afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de
vida. (Melo, 2006).
Sobre o tema, leciona Venosa:
16
O Direito de Família, por sua natureza, apresenta
características que o afastam dos demais ramos do direito
privado. (...) a sociedade procura-regular e tutelar a família da
forma mais aceitável possível no tempo e no espaço. O Estado
intervém na estrutura da família em prol da preservação da
célula que o sustenta. (VENOSA, 2003, p. 26).
Nesse diapasão, pode-se afirmar que o Direito de Família se constitui um
complexo de normas que têm por objeto a disciplina das entidades familiares, seus
efeitos sobre pessoas e bens, e os institutos complementares da tutela e da
curatela.
A Constituição de 1988 inovou ao estender a proteção do Estado à união
estável entre o homem e a mulher, enquanto entidade familiar (art. 226, § 3º), e a
comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, ou seja, à
família monoparental (art. 226, § 4º).
Nesse sentido, a lição de Rodrigues:
O vocábulo "família" é usado em vários sentidos. Num conceito
mais amplo, poder-se-ia definir família como a formada por
todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja,
todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral
comum, o que corresponde a incluir dentro da órbita da família
todos os parentes consanguíneos. Numa acepção um pouco
mais limitada, poder-se-ia compreender a família como
abrangendo os consanguíneos em linha reta e os colaterais
sucessíveis, isto é, os colaterais até quarto grau. Num sentido
ainda mais restrito, constitui a família o conjunto de pessoas
compreendido pelos pais e sua prole. É com essa conotação
que a maioria das leis a ela se referia. (Rodrigues, v. 6, 2007,
4-5):
Nas palavras de Tartuce:
[...] Os antigos princípios do Direito de Família foram
aniquilados, surgindo outros, dentro dessa proposta de
17
constitucionalização, remodelando esse ramo jurídico. [...] Na
realidade pós-positivista, os princípios constitucionais
ganharam um novo papel, plenamente aplicáveis às relações
particulares. Dos princípios gerais do direito saltamos à
realidade dos princípios constitucionais, com emergência
imediata. Justamente por isso é que muitos dos princípios do
atua! Direito de Família brasileiro encontram substractum
constitucional. (TARTUCE, 2006).
Defende o doutrinador que se aplicam ao Direito de Família os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1 o, III c/c o art. 226, § 7o); da
solidariedade familiar (art. 3o, I); da igualdade entre filhos (art. 227, § 6o); da
igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, § 5 o); da igualdade na chefia
familiar (arts. 226, § 5o, e 227, § 7o); da não-intervenção ou da liberdade (art. 226, §
7o); do melhor interesse da criança (art. 227, caput); da afetividade e da função
social da família. Acrescente-se a esse rol o princípio da proibição do retrocesso
social (BERENICE, 2007, p. 66) e o da equiparação das entidades familiares (art.
226).
3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO
Guillermo Borda (1993, p. 45, apud VENOSA, 2006, p. 27) conceitua o
casamento como sendo “a união do homem e da mulher para o estabelecimento de
uma plena comunidade de vida”. O casamento obedece a requisitos formais para
sua celebração.
União Estável é a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem
e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Dissolvido o casamento ou a união estável pela morte de um dos consortes,
é estabelecida a meação, se houver, e, sendo o caso, a herança que caberá ao
consorte sobrevivente, concorrentemente com os herdeiros. Com o falecimento do
consorte, abre-se a sucessão, regulada pela lei vigente ao tempo do óbito, conforme
artigo 1.787 do Código Civil.
A transmissão do patrimônio de alguém, que faleceu, a seus herdeiros, sejam
eles descendentes, ascendentes, cônjuge, companheiro, colaterais, terceiros
beneficiados por testamento ou legado, ou mesmo o Estado é tratada pelo direito
das sucessões, também chamado direito hereditário.
O direito das sucessões é “o complexo dos princípios, segundo os quais se
realiza a transmissão do patrimônio de alguém, que deixa de existir” (BEVILÁQUA,
1898, p. 14). É regulado pelo Livro V do Código Civil de 2002.
A sucessão remonta da antigüidade, apesar de variações quanto a suas
regras, e vários são os seus fundamentos, podendo ser citados os de ordem
religiosa, biológica, antropológica e ainda o incentivo aos indivíduos para que
amealhem e conservem a riqueza, que será transmitida a seus herdeiros, como bem
assevera Sílvio Rodrigues (RODRIGUES, 1997, p. 6, apud CAHALI, 2007, p. 21),
apesar da existência de opositores, dentre os quais os socialistas.
Como bem apontado por Francisco José Cahali, “Prestigiando-se a
propriedade privada, inclusive em harmonia com o interesse social, como ocorre na
grande maioria dos países, o direito sucessório encontra fundamento no próprio
direito de propriedade. É corolário do direito de propriedade” (CAHALI, 2007, pp.
21/22).
19
A propriedade que não se transmite a um sucessor com a morte do respectivo
titular não é propriedade, mas mero usufruto, garantindo a transmissão a
perpetuidade do domínio (MONTEIRO, apud CAHALI, 2007, p. 22).
3.1 HERANÇA
Extingue-se a personalidade com o falecimento do indivíduo: no dizer de Caio
Mário, “Como a existência da pessoa natural termina com a morte, somente com
esta cessa a sua personalidade” (PEREIRA, 1997, p. 148).
Verifica-se o falecimento com a “parada do sistema cardiorrespiratório com a
cessação das funções vitais” (GAGLIANO, 2006, p. 125), tendo como efeitos, dentre
outros, a abertura da sucessão.
No momento do óbito opera-se a transmissão do patrimônio aos herdeiros,
segundo o princípio da saisine, adotado em nosso direito, porém permanecerão os
herdeiros na posse da herança, em condomínio, até que lhes sejam divididos os
quinhões, através do inventário/arrolamento dos bens do de cujus.
Denomina-se herança, acervo hereditário, monte-mor, monte partível, massa,
patrimônio inventariado, espólio (este último do ponto de vista processual), a
universalidade das relações jurídicas – universitas rerum – deixadas pelo falecido,
enquanto não promovida a partilha entre os sucessores ou a adjudicação ao
herdeiro único. Trata-se de ente despersonalizado com legitimidade ad causam,
exercida pelo inventariante, que também o representa nos atos em geral, artigos 12,
inciso V e 991, inciso I do Código Civil.
A herança é composta pelas relações jurídicas de caráter patrimonial
deixadas pelo falecido – também chamado autor da herança, inventariado, de cujus
(de cujus hereditatis agitur) ou de cuius (de cuius successione agitur), estas últimas
vindas do latim, referentes à pessoa de cuja sucessão ou herança se trata.
É tratada juridicamente como imóvel, independentemente dos bens que a
compõem – artigo 80, II do Código Civil, e constitui-se de um todo unitário, nos
termos do artigo 1791 do referido codex.
A sucessão pode ser testamentária ou legítima, conforme o falecido tenha ou
não deixado disposição de última vontade.
20
É legítima a sucessão segundo a ordem disciplinada no Código Civil, e
testamentária a feita através de disposição de última vontade, onde o falecido pode
transmitir metade da herança, se houverem herdeiros necessários e, inexistindo
necessários, da totalidade da herança.
3.1.1 Determinação da herança
Para determinação da herança, necessária a análise do patrimônio do
falecido, para separar o que é a meação – parcela dos bens dividida entre os
cônjuges/ conviventes por força do regime de bens, e pertence ao consorte
sobrevivente, e o que é a herança – meação pertencente ao falecido acrescida dos
bens particulares e incomunicáveis, se houver algum.
Sendo o falecido solteiro, não há que se falar em meação, sendo herança
todo o patrimônio deixado por ele, porém se casado ou convivendo em união
estável, necessários maiores esclarecimentos.
O regime em que o falecido era casado interfere na determinação do que
constitui a herança, ao determinar os bens que pertencem a ele e ao determinar
sobre quais bens o cônjuge sobrevivente herdará quando concorrendo com
descendentes do falecido.
3.1.2 Regimes
3.1.2.1 Comunhão de bens
No regime da comunhão de bens, metade do patrimônio do casal constituirá a
meação, incluindo-se os bens particulares de cada um, e excluindo-se os constantes
do artigo 1.668 do Código Civil.
21
A metade pertencente ao falecido será a herança, à qual o cônjuge
sobrevivente não fará jus caso concorra com descendentes do falecido, posto que
não é herdeiro nesse caso.
Não havendo descendentes, o cônjuge herda sobre toda a herança, de
acordo com a regra do artigo 1.829 do CC.
Este regime, que se mostra o mais igualitário do ponto de vista patrimonial,
instituindo a comunhão sobre todos os bens, salvo exceções, e desta forma
procurado pelos cônjuges quem desejam beneficiar de forma mais ampla um ao
outro, deve ser tomado como paradigma ao analisar os outros regimes, de forma
que os outros não recebam mais que o da comunhão universal de bens.
3.1.2.2 Comunhão parcial de bens
Sendo o falecido casado pelo regime da comunhão parcial de bens,
constituirá meação metade do patrimônio comum do casal, e herança a meação do
de cujus somada aos seus bens particulares.
Não havendo descendentes do autor da herança, o cônjuge sobrevivente
herda sobre todo o acervo hereditário; concorrendo, porém, com descendentes,
herdará apenas se houverem bens particulares, portanto necessárias algumas
considerações.
O cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial, em concorrência com
descendentes do falecido, herdará apenas sobre os bens a que não faz jus meação,
ou seja, apenas sobre os bens particulares, conforme Enunciado 270 da III Jornada
de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro de 2004.
Apesar de entendimento contrário, de que o cônjuge sobrevivente herdaria
sobre todo o monte-mor, por ser a herança um todo indivisível, deve-se adotar o
entendimento supra, sob pena de se dar ao casado pela comunhão parcial mais
direitos que o casado pela comunhão universal.
Deve-se ainda ter em conta, ao interpretar o artigo, o dispositivo relativo à
comunhão total, excluindo-se da herança os bens do artigo 1.668 do Código Civil,
sobre os quais o cônjuge não herdaria se casado pela comunhão universal.
22
3.1.2.3 Separação de bens
No regime da separação de bens, a herança será constituída pelos bens
particulares do inventariado, acrescidos, se houver, da metade do patrimônio
comum.
Para o cálculo da herança, concorrendo com descendentes do falecido, o
cônjuge não herda se a separação é obrigatória (legal), herdando se o regime é
convencional, devendo ser excluídos os bens sobre os quais não herdaria o cônjuge
nos regimes da comunhão total ou parcial.
Não concorrendo com descendentes, o cônjuge herda independente do
regime ser da separação obrigatória ou convencional.
3.1.2.4 Participação final nos aquestos
Se casados forem pelo regime da participação final nos aquestos, considerase herança o patrimônio individual do falecido, somado à metade dos bens
adquiridos a título oneroso pelo casal, na constância do casamento.
A regra a ser seguida é a da comunhão parcial, visto que a diferença entre
ambos é “na forma como se faz a liquidação dos direitos” (CAHALI, 2007, p. 170).
3.1.2.5 Outros regimes
Os cônjuges podem estabelecer, através de pacto antenupcial, regimes
diferentes de bens, intermediários àqueles supracitados, caso em que a herança
será a parte que permaneceria com o falecido com a dissolução da sociedade
conjugal e, concorrendo com descendentes, recairá apenas sobre os bens em que o
cônjuge não recebe a meação.
23
3.1.3 Falecido convivendo em união estável
Na união estável, pela regra do atual código civil, em seu artigo 1790, o
regime de bens não interferirá na herança a ser recebida pelo companheiro
sobrevivente, mas interferirá no cálculo da herança na medida em que é ele que
determina, dentre os bens do patrimônio do casal, o que pertencia ao falecido e o
que pertence ao sobrevivente.
O convivente herda sempre independentemente do regime de bens, ainda
que concorrendo com descendentes do falecido, seguindo-se a regra do referido
artigo.
A herança, nesse caso, a ser recebida pelo convivente, seria composta pelos
bens adquiridos onerosamente pelo falecido, fugindo-se à regra do cônjuge, que
herda sobre aquilo que não é meeiro quando concorrendo com descendentes.
Tal regra, como será demonstrado adiante, cria situações díspares ao se
determinar a herança que o cônjuge receberia e a que um convivente receberia em
caso semelhante (mesmo regime de bens, mesma espécie de bens, etc), o que
pode trazer prejuízo e benefício para um e outro, conforme a existência de bens
adquiridos a diversos títulos e a diversos tempos.
3.2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
Ao delimitar os herdeiros do falecido, o Código Civil institui a ordem pela qual
os mesmos serão chamados à herança, denominada vocação hereditária. Determina
ainda, dentre os herdeiros, quais serão necessários, que não podem ser afastados
da vocação hereditária por testamento, e, por exclusão, aqueles que não são
necessários.
Assim, chamam-se, em primeiro lugar, os descendentes, em concorrência
com o cônjuge ou com o companheiro, conforme haja um ou outro.
Não
havendo
descendentes,
virão
concorrência com o cônjuge ou companheiro.
os
ascendentes,
novamente
em
24
Caso não haja nem descendentes nem ascendentes, o cônjuge herda tudo;
não havendo cônjuge sobrevivente, herdam os colaterais, até o quarto grau.
Sendo o caso de falecido que convivia em união estável, o companheiro não
herdará sozinho, a menos que não haja nenhum parente sucessível (artigos 1.790,
inciso IV c/c 1.839), ou seja, havendo colaterais, até o quarto grau, o companheiro
sobrevivente com eles concorrerá.
Inexistindo cônjuge, companheiro ou parente sucessível, ou tendo eles
renunciado à herança, esta se devolve ao Município, Distrito Federal, conforme
esteja na circunscrição deste ou daquele, ou à União, se localizada em território
federal (artigo 1844 do CC).
Aos herdeiros necessários pertence de pleno direito a metade da herança –
legítima (artigo 1846 do CC). O artigo 1845 determina quais serão os herdeiros
necessários, sendo eles os descendentes, ascendentes e o cônjuge, alçado a esta
categoria pela nova lei, não incluído, como se pode perceber, o companheiro.
Uma brecha que se poderia alegar na legislação é o artigo 1850 do CC, que
determina que, para excluir da sucessão os colaterais, basta que o testador
disponha do patrimônio sem os contemplar, não mencionando, portanto, o
companheiro.
Contudo, em uma análise do sistema em vigor com o Código Civil, tem-se que
o companheiro pode ser excluído, visto não ser herdeiro necessário, da mesma
forma que o Estado seria excluído no caso de por testamento o falecido haver
disposto de todo o acervo, e também o Estado não foi incluído no referido artigo
1850.
A vocação hereditária, assim, obedece a seguinte ordem (artigo 1829 c/c
1790, ambos do CC), ressaltando-se que cônjuge e companheiro foram incluídos na
mesma lista apenas para melhor visualização, visto que somente um deles herdará:
1º
Descendentes
em
concorrência
com
cônjuge
ou
companheiro
sobrevivente, quanto ao cônjuge dependendo do regime de bens;
2º Ascendentes em concorrência com o cônjuge ou companheiro;
3º Cônjuge (o companheiro não herdará sozinho nesta situação);
4º Colaterais até o quarto grau (artigo 1839) em concorrência com o
companheiro;
5º Companheiro (somente aqui ele recebe sobre todo o acervo e não apenas
sobre os adquiridos onerosamente na constância da união);
25
6º Município ou Distrito Federal, ou União, se localizado em território federal.
O companheiro herda sozinho antes do Estado conforme artigo 1844, que
determina que o ente da Federação só receberá se não houver cônjuge,
companheiro ou parente sucessível.
Ressalte-se que o rol acima é feito tomando-se por base simplesmente os
artigos citados, sendo necessária, após sua análise, uma releitura conforme a CR.
4 SUCESSÃO DO CÔNJUGE
Ao se falar do casamento e dos cônjuges, primeiramente cabível a citação de
Clóvis Beviláqua (1898, pp. 143/144), que ensinava:
Entre marido e mulher não existe parentesco, que sirva de base a um direito
hereditário recíproco. Um elo mais forte, porém, os une em sociedade tão
íntima, pela comunhão de afetos, de interesses, de esforços, de
preocupações, em vista da prole engendrada por ambos, que se não pode
recusar a necessidade de lhes ser garantido um direito sucessório, somente
equiparável ao dos filhos e ao dos pais. Ou se tenha em atenção, para
determinar o direito hereditário ab intestato, o amor presumido do de cujus
ou a solidariedade da família, a situação do cônjuge supérstite apresenta-se
sob aspecto dos mais vantajosos. E, relembrando que a fortuna do marido
encontra na sábia economia da mulher um poderoso elemento de
conservação e desenvolvimento; que é, muitas vezes, para cercar uma
esposa amada, de conforto e de gozos, que o homem luta e vence no
conflito vital; e ainda, que a eqüidade seria gravemente golpeada em muitas
circunstâncias, se o cônjuge fosse preferido por um parente longínquo; os
legisladores modernos têm procurado reagir contra o sistema ilógico e
injusto da exclusão total ou quase total do cônjuge sobrevivo em face da
herança do cônjuge pré-morto.
Tais ensinamentos foram proferidos há mais de século atrás e, apesar das
óbvias mudanças na sociedade, com a valorização da mulher, sua elevação ao
mesmo patamar do homem, assumindo um papel ativo na sociedade, papel esse
merecido e bem desempenhado, demonstram de forma magistral o funcionamento
que se espera de uma sociedade conjugal, ainda que com papéis mais divididos,
mas com ambos, homem e mulher, contribuindo para o desenvolvimento do
patrimônio e para o bem da família.
O cônjuge casado com o de cujus quando do óbito, ou separado de fato há
menos de dois anos, ou que não teve culpa se separado de fato há mais de dois
anos, é herdeiro necessário do falecido, conforme artigo 1845 do CC.
A sucessão do cônjuge é operada segundo a regra do artigo 1829 do CC.
Herdará o cônjuge, em concorrência com os descendentes do falecido, de
acordo com o seu regime de bens. Há aqui a proteção do cônjuge, que adquirirá
parcela sobre todos os bens do falecido, seja como meeiro, seja como herdeiro,
exceto, a princípio, no caso da separação obrigatória de bens.
27
Dessa forma, o cônjuge, não tendo meação, recebe a herança, ainda que em
quantia menor que 50% por haverem descendentes do de cujus.
Em julgamento a recurso no processo nº 1.0105.03.096604-5/001(1), o
Desembargador Relator HYPARCO IMMESI leciona que “durante dezenas de anos
vigeu no Brasil, como regime legal de bens, o regime de comunhão universal, no
qual o cônjuge sobrevivo não concorre na herança, por já ser „meeiro‟”.
O julgador acrescenta ainda que com a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515, de 21
de dezembro de 1977), o regime legal da comunhão de bens no casamento passou
a ser o da comunhão parcial, o que trouxe o risco de o cônjuge desprovido de
recursos “nada herdar no tocante aos bens particulares do falecido, cabendo a
herança por inteiro aos descendentes ou aos ascendentes”, afirmando o Eminente
Desembargador que surge daí “a idéia de tornar o cônjuge herdeiro, no concernente
aos bens particulares do autor da herança.”
Com essa mudança, estende-se o direito sobre os bens do outro ao cônjuge
sobrevivente, que sobre eles não possui meação, premiando aquele que manteve
com o falecido a relação, acompanhando-o até o fim dos seus dias (ou que se
separou não por culpa sua, mas do morto, tentando manter a relação).
Dessa forma, temos que o cônjuge poderá comparecer no inventário em três
situações distintas: como meeiro, como herdeiro ou como meeiro e herdeiro.
O cônjuge será meeiro nas seguintes hipóteses:
1 – casado pelo regime da comunhão total de bens, exceto quanto ao
patrimônio incomunicável – artigo 1668 do CC;
2 – casado pelo regime da comunhão parcial de bens, quanto aos bens
adquiridos na constância do casamento, exceto os do artigo 1659 do CC;
3 – casado pelo regime da participação final nos aquestros, sobre os bens
adquiridos a título oneroso pelo casal, na constância do casamento;
4 – casado pelo regime da separação de bens, quanto aos bens adquiridos
com esforço comum, na constância do casamento – súmula 377 do Supremo
Tribunal Federal.
Independentemente de ser meeiro, será o cônjuge herdeiro se casado com o
falecido quando do óbito e, se separado de fato há menos de dois anos ou se a
separação for maior, caso não seja por culpa do sobrevivente. São as seguintes as
situações em que o cônjuge é herdeiro:
28
1 – havendo descendentes (Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil do
Conselho da Justiça Federal):
1.1 – quando casado no regime da separação convencional de bens;
1.2 – quando casado no regime da comunhão parcial ou da participação final
nos aquestros, se o falecido possuía bens particulares, herdando apenas sobre tais
bens, devendo ser excluídos também os bens do artigo 1668 do CC;
1.3 – quando em regime misto, é herdeiro sobre os bens que não é meeiro,
exceto os do artigo 1668 do CC, a menos que o regime se assemelhe a outro
existente, hipótese em que seguirá a regra dele.
2 – não havendo descendentes, o cônjuge é sempre herdeiro, sobre todo o
acervo hereditário, concorrendo com os ascendentes, se for o caso.
Um parêntese se faz aqui quanto aos regimes da comunhão parcial de bens e
da participação final nos aquestros, visto que, apesar de regimes diversos, são
semelhantes, diferindo apenas quanto à liquidação dos direitos, devendo, portanto,
seguir mesma regra sucessória, como já explanado anteriormente.
A regra, como salientado no decorrer de todo esse trabalho, é que,
concorrendo com descendentes, o cônjuge é herdeiro quanto aos bens em que não
é meeiro, devendo ser verificado isso em qualquer caso que se mostre duvidoso. A
exceção seria o regime da separação obrigatória de bens, em que o cônjuge não é
herdeiro nem meeiro.
O cônjuge, ao contrário dos outros herdeiros, não possui o direito de acrescer,
caso os descendentes não queiram ou não possam aceitar a herança, pois,
conforme artigo 1836 do CC, nesse caso o cônjuge concorre com os ascendentes.
Se há também convivente, e a separação de fato é por tempo inferior aos dois
anos, deve-se dar preferência ao convivente, que vivia com o de cujus ao tempo do
óbito, recebendo o cônjuge apenas a meação a que teria direito pelo regime de bens
(adquiridos anteriormente ao início da união estável).
Com esse entendimento mantém-se a linha de raciocínio que beneficia o que
permaneceu até o fim com o falecido, seja ele casado ou apenas em união estável
com o de cujus.
5 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
O companheiro sobrevivente surgirá como meeiro/ herdeiro ou nada receberá,
concorrendo com descendentes e outros parentes sucessíveis – incluídos aqui os
colaterais.
Seus percentuais são menores que os do cônjuge, e concorre com herdeiros
com os quais aquele não concorreria, visto que somente herdará sozinho o
companheiro se não houverem outros parentes sucessíveis.
A regra da sucessão do companheiro, nesses pontos, é pior que a do
cônjuge, porém o companheiro será mais beneficiado se o de cujus deixar apenas
bens adquiridos a título oneroso, caso em que ele receberá a meação e a herança
sobre os mesmos bens, o que não ocorre com o cônjuge.
Houve em alguns pontos uma valorização do companheiro, comparada com a
regra anterior, mas certamente houve alguns pontos em que a regra anterior ser-lheia mais benéfica.
A diferenciação não é, per si, proibida, como dito supra, mas deve haver uma
interligação, de modo a se manter a intenção do legislador de valorizar o casamento,
favorecendo a conversão da união estável.
6 CASAMENTO X
UNIÃO ESTÁVEL: LEGALIDADE DO TRATAMENTO
DIFERENCIADO
Em que pese doutrina em contrário, entendemos ser possível o tratamento
diferenciado entre cônjuge e companheiro, apesar de não ser esse tratamento
obrigatório, ou seja, poder-se-ia igualá-los, mas, não o fazendo, deve o cônjuge ter o
tratamento mais benéfico.
A Constituição da República, ao preceituar em seu artigo 226, § 3° o
reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar,
apesar de inegável a importância dada a dita entidade, não a iguala ao casamento,
determinando inclusive que deve ser facilitada pela lei sua conversão em
casamento.
Como bem salientado por Roberto Figueiredo (2006, p. 27):
(...) todo o Direito Convivencial se submete a um princípio intangível, qual
seja: o da sua facilitação em casamento. Já é assente no Supremo Tribunal
Federal que o matrimônio constitui, ainda, o grande paradigma do Direito de
Família. Quando se fala em casal, filhos, parentes, fidelidade, dever de
assistência, dentre outros, utiliza-se o matrimônio como referência
indiscutível.
Corroborando com a fala supra, temos que tal entendimento já havia sido
demonstrado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição,
afirmando em julgado que a norma do § 3º do art. 226 da Constituição de 1988
“coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que
deve a lei facilitar a conversão desta naquele” (MS 21.449, Rel. Min. Octavio Gallotti,
julgamento em 27-9-95, DJ de 17-11-95).
Essa a opinião de Alexandre de Moraes (2006, p. 2218), ao preceituar o
seguinte:
Portanto, não é correto afirmar que a União Estável foi igualada ao
casamento, por tratar-se de institutos jurídicos diversos, mas que houve o
reconhecimento da juridicidade da união fática, com a finalidade de evitar a
continuidade de injustiças sociais.
31
Ademais, o que sempre se garantiu à União Estável foi a meação, com a
divisão do patrimônio adquirido por esforço comum, sendo inovação legislativa a
concorrência com outras classes de herdeiros, portanto houve um benefício nesse
ponto, apesar de haver prejuízo em outros.
De igual forma, nem cônjuge nem companheiro eram herdeiros necessários
no sistema anterior, portanto, se o código amplia os direitos do cônjuge, não se pode
dizer que reduz os do companheiro, com relação a este ponto específico.
Casamento e União Estável são entidades que possuem muitas diferenças,
apesar de possuírem também muitas semelhanças, como o fato de se tratarem
ambas de entidades familiares.
A começar, o casamento inicia-se por ato solene, formal, enquanto a união
estável é sociedade de fato; o casamento impõe diversos direitos e obrigações aos
cônjuges, muitos deles visando inclusive a proteção de terceiros, direitos e deveres
que não são totalmente estendidos à união estável.
Desse modo, temos que a união estável, dado seu caráter informal, exige
maior cuidado em sua normatização, ao passo que o casamento, registrado no local
em que ocorre e averbado nos registros de nascimento, bem como nos registros de
imóveis, traz uma segurança jurídica maior, facilitando a divisão entre o que é
patrimônio do casal e o que é patrimônio comum, se comparado à união estável.
Ainda deve-se observar que pelo próprio caráter formal do casamento, temos
que os contraentes, cientes das conseqüências jurídicas do seu ato, o realizam de
comum acordo e concordes com a ocorrência do resultado que dele advier, seja com
a sua dissolução judicial, seja com a morte de um deles.
Porém, no caso da união estável não há esse ato solene, e em muitos casos
a transição do namoro para a união estável se dá gradativamente, especialmente
em alguns casos em que referida transição leva anos de convivência, devendo-se
considerar que, devido a seus requisitos subjetivos, casos há em que duas pessoas
de sexo oposto moram juntas sem conviver em união estável, enquanto duas
pessoas que moram em residências (e até municípios diferentes) podem estar em
união estável.
Dessa maneira, devido a seu caráter informal, faltando-lhe um ato solene que
a inicie, tem-se por tortuosa, quando não beirando o impossível, a prova da
diferença entre união estável e, p.ex., um namoro de longa data, visto que na prática
32
a diferença não é tão clara quanto em teoria, e nos relacionamentos humanos temos
diversos matizes de cores, além do preto e do branco, e a união estável acaba por
adotar rostos diferentes, de um relacionamento que se aproxima do casamento a um
que se aproxima de um namoro.
A qualificação de uma relação como união estável já se mostra em alguns
casos de extrema dificuldade para o Juiz, que se vê muitas vezes diante de provas
testemunhais e documentais conflitantes, e mais difícil ainda é para o terceiro que
com alguém negocia para saber se ele está em união estável, e assim avaliar os
possíveis riscos do seu negócio, visto que ocorrendo a dissolução da união, p.ex.,
aquele bem que lhe foi vendido pode vir a se mostrar o único, e muitos já foram os
que acabaram diante da necessidade de se explicar após o que considerava uma
compra regular.
Ana Luiza Maia Nevares, apesar de contrária ao tratamento diferenciado, traz
brilhante diferenciação entre casamento e união estável, ao afirmar:
(…) não se pode negar que o ato formal do matrimônio gera uma maior
segurança para as relações jurídicas na sociedade, tanto em relação aos
partícipes da relação conjugal, quanto em relação aos terceiros que com
eles venham a contratar. Isso porque estabelece a priori os seus efeitos,
bastando que o ato seja celebrado: a partir desse momento estão definidas
todas as relações entre os cônjuges e todos os atos que um cônjuge não
poderá celebrar sem a autorização do outro. (NEVARES, 2006, p. 158)
O que se deve ter em mente são os objetivos diferenciados que levam uma
pessoa a constituir união estável ou contrair matrimônio; ambos os institutos têm
diversas semelhanças, mas são diferentes entre si.
Não há que se falar em distinção entre cidadãos, não havendo pessoas que
merecem maior ou menor proteção, mas a entidade „união estável‟ está em plano
inferior, por assim dizer, ao casamento, devido a seu regime jurídico e aos seus
efeitos.
7 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SUCESSÃO
Nas palavras de Paulo Dourado de Gusmão, “interpretar o direito é
estabelecer o sentido atual da norma” , sentido esse que deve ser “compatível com o
texto interpretado e com o sistema jurídico” (GUSMÃO, 2003, pp. 229 e 230).
O Código Civil, apesar de haver entrado em vigor recentemente, mostra-se
ultrapassado em alguns pontos, devido à dinâmica da sociedade e à demora para
sua aprovação, e as reformas por que passou o projeto não chegaram a sanar
totalmente o problema da atualidade.
A interpretação deve ser feita de forma a se buscar a mens legis, conciliando
os preceitos da sociedade atual e as normas constitucionais, de forma a inclusive
restringir a aplicação de determinados dispositivos, se assim se mostrar necessário.
Para se entender o sentido da norma, devemos ter em mente o conceito da
sociedade relativamente ao casamento, que dá força maior ao caráter „eterno‟ da
união, sinalizado pelas palavras „até que a morte os separe‟, interligadas que estão
ao próprio conceito de casamento.
Da mesma forma, vê-se uma idealização de qualquer união duradoura, seja
ela um casamento, seja ela união estável.
Assim, percebe-se que o legislador traz duas óticas distintas para a
dissolução da sociedade conjugal (seja formada pelo casamento ou pela união
estável), uma marcada por um caráter contratual, com os consortes se separando e
dividindo seus bens, de acordo com o regime de bens aplicável, e outra com a morte
de um dos consortes, caso em que se reconhece o caráter „eterno‟ / duradouro da
relação.
Naquela relação que durou até o falecimento de um dos consortes, tenha ela
durado qualquer quantidade de tempo, o legislador optou por reconhecer a
importância daquele consorte que viveu com o outro até o fim da sua vida, que
dividiu com ele seus últimos momentos.
Mesmo a inclusão na sucessão do conceito de „culpa‟ demonstra essa
preocupação, trazendo à baila o papel de ambos na „sobrevivência‟ da união, apesar
das críticas que se faz à referência à culpa, dado seu caráter de difícil prova, bem
como às dificuldades que pode acarretar no caso de haver cônjuge e companheiro
ao mesmo tempo, deixados pelo falecido.
34
Rodrigo da Cunha Pereira (2001) assim leciona:
O casamento é mais que uma instituição religiosa e jurídica: para a maior
parte das pessoas é um sonho de felicidade. Todos queremos estabelecer
um laço conjugal. Acreditamos que aí podemos selar nossa felicidade.
Apesar das mudanças de valores, da revolução feminista, da separação
Igreja/Estado (1891), o casamento constitui-se em um ideal, onde se
depositam esperanças, sonhos e um viver juntos para sempre. Reproduz-se
e constrói as regras de uma cultura e, acima de tudo, monta uma estrutura
familiar.
A Lei deve ser interpretada de forma a se garantir ao consorte sobrevivo
recebimento sobre todo o patrimônio do casal e do falecido, de forma que onde ele
não seja meeiro, seja herdeiro, e vice-versa.
Porém, necessária análise profunda para que se evite o prejuízo daquele que,
de outra forma, pelo regime, deveria por lógica receber parcela maior, tomando-se
sempre por base de quem receberia mais o regime da comunhão de bens, mais
favorável.
8 ANÁLISE DAS REGRAS SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL
8.1
CONSTITUCIONALIDADE
DO
TRATAMENTO
DIFERENCIADO
ENTRE
CÔNJUGE E CONVIVENTE
O texto constitucional admite a existência de diferenças entre os institutos, e a
Lei Civil trouxe em seu bojo essa diferenciação, o que em verdade constituiu na
aproximação do direito do fato.
Com este trabalho percebe-se que há uma distinção entre cônjuge e
convivente, tanto na norma constitucional, que determina a não discriminação e a
facilitação da conversão da união estável em casamento, quanto na regra das
sucessões, onde as diferenças podem se mostrar bem maiores, com prejuízos para
uma ou outra, conforme o caso.
8.2 CONVIVENTES COM MAIS BENEFÍCIO QUE O CÔNJUGE: SOLUÇÕES PARA
O PROBLEMA
Para solucionar tal impasse, visto que o convivente não pode ter mais
benefícios que o cônjuge, apesar de não haver impedimento de que ambos tenham
benefícios iguais, têm-se três opções como mais adequadas, apesar de existir
opinião divergente na doutrina.
Uma primeira opção é a exclusão do termo „onerosamente‟ do caput do artigo
1.790 do Código Civil, dada sua inconstitucionalidade, por trazer distinção não
permitida, ao beneficiar a união estável, de forma a colocá-la em situação melhor
que o casamento, ao herdar o convivente bens sobre os quais também é meeiro.
Nessa hipótese tem-se que o convivente herdaria sobre os mesmos bens que
o cônjuge com o mesmo regime de bens, variando apenas o percentual e as regras
de concorrência, que permaneceriam conforme os incisos do artigo supracitado.
A segunda opção seria a aplicação da „cláusula de maior favorecimento‟, ou
Meistbegünstigungsklausel, que preceitua o seguinte:
36
Quando um benefício alcança apenas uma classe de categorias igualadas
por lei ou posta por esta em situação de inferioridade, a melhor exegese
não é concluir pela invalidade do benefício, senão pela sua extensão.
Aplica-se então, ao caso, a Meistbegünstigungsklausel ou "cláusula de
maior favorecimento. (NICOLAU JÚNIOR, 2002) .
O casamento é o ideal almejado pela Constituição, estando em situação
privilegiada em comparação à união estável, ou seja, apesar de não haver distinção
entre os membros da entidade familiar, sejam eles casados ou conviventes, a
entidade em si tem tratamento diferenciado, com relação aos efeitos que produz no
mundo jurídico.
Villela, citado por Rodrigo da Cunha Pereira (1999, pp. 114/115, apud
CAHALI, 2007, p. 201) já se posicionava favoravelmente à aplicação da
meistbegünstigungsklausel, conforme se segue:
Trata-se de uma típica aplicação, em direito interno, da chamada
Méistbegünstigungsklausel ou „cláusula de maior favorecimento‟, usual no
comércio internacional. Dada a circunstância de o casamento ter na
Constituição precedência sobre a união estável, todas as vantagens
deferidas a esta, por lei ordinária, supõem-se extensivas àquele, se a não
tiver por outro título.
A legislação, da forma em que foi redigido o artigo 1.790, concede à união
estável direito não estendido, a princípio, ao casamento, trazendo uma desigualdade
entre os institutos de forma contrária ao que determina a Constituição da República,
como é o caso de o falecido haver deixado apenas bens comuns, sobre os quais o
consorte casado seria apenas meeiro, e o consorte convivente seria herdeiro e
meeiro.
Nesse caso, não se trata de retirar da união estável direito que lhe foi
concedido, mas de estendê-lo ao casamento, de forma que ao cônjuge se aplique
também a regra do artigo 1.790 do Código Civil, além da regra específica para ele –
artigo 1.829.
A distinção feita entre união estável e casamento tem arrimo no texto
constitucional, como bem apontado por Mário Luiz Delgado Régis, ao afirmar o
seguinte:
37
A orientação adotada pelo legislador procurou ser coerente com o
estabelecido no § 3º do art. 226 da Carta Magna, que assegura a proteção
do Estado à união estável, mas sem equipará-la ao casamento, tanto que
determina que a lei facilitará sua conversão em casamento, e não se
converte o que já é igual. (RÉGIS, 2005, p. 215)
Referido autor cita ainda Eduardo De Oliveira Leite (2003, apud RÉGIS, 2005,
p. 215), que leciona que novo Código guindou a união estável ao patamar do
casamento civil, em dois grandes efeitos patrimoniais – alimentos e sucessão, mas
sem exageros.
Uma última solução seria a aplicação da mesma regra do cônjuge ao
convivente, o que resultaria na total igualação entre os institutos, do ponto de vista
do direito das sucessões, com o descarte da regra do artigo 1790.
Porém, tal solução se mostra destoante com o texto constitucional, além de
não ser a intenção do legislador essa igualação.
Mais acertada, portanto, a segunda opção, que não prejudica os conviventes
em união estável, mantendo seus direitos da forma que foram concebidos pela
redação do Código Civil, e estendendo aos casados aqueles benefícios, nos termos
da Meistbegünstigungsklausel.
38
CONCLUSÃO
O Código Civil trouxe em seu bojo diversas novas regras em termos de
sucessão, tanto do cônjuge quanto do companheiro, notando quanto a esse um
tratamento em alguns pontos mais prejudicial, comparado ao cônjuge.
De outro turno, uma leitura mais atenta da lei mostra também que situações
há em que o companheiro se beneficia, recebendo parcela maior do que receberia o
cônjuge na mesma situação.
Dessa forma, apesar de ser reconhecida a união estável, a legislação nova a
trata de forma diferente do matrimônio, no que alguns chamam de retrocesso
legislativo, o que exige do intérprete um estudo mais aprofundado, de forma a
amoldá-la à Constituição, comparando as duas espécies de sucessão quanto aos
bens deixados pelo consorte.
Porém, um estudo mais aprofundado mostra que, se o legislador não foi
acertado, tal não se deve à diferenciação, permitida, e até mesmo determinada, pela
Constituição da República.
O afeto é o único laço que consegue transcender a morte, e o legislador
buscou, com o Código Civil de 2002, valorizar os laços mais duradouros,
representados pelo casamento, paradigma de união entre duas pessoas, entidade
familiar por excelência, servindo de modelo a todos os outros.
A Constituição proíbe a discriminação, mas é sabido que toda relação, seja
ela afetiva, negocial, etc., produz efeitos no mundo jurídico, e seus efeitos são
diferentes assim como são diferentes as relações entre pessoas.
Dessa forma, a diferenciação é permitida, desde que favorável ao casamento,
preterindo a união estável, e à comunhão total de bens, preterindo os outros
regimes.
Assim, em aplicação da „cláusula de maior favorecimento‟, devem ser
estendidos ao casamento os direitos concedidos à união estável, por ser regra de
Justiça.
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