O POEMA QUE NÃO ESCREVI
José Mario Rodrigues
As Poesias Completas de Cassiano Ricardo, com o título de
“Vamos Caçar Papagaios” tem ficado permanentemente na minha
cabeceira. Tudo por causa de um poema com o título de “Praia Viva”.
Ansioso e com medo de ser contagiado pelo sentimento de inutilidade e
vazio, vez por outra releio os versos de Cassiano, poeta paulista da geração
de Jorge de Lima, Emílio Moura, Carlos Drummond de Andrade, Augusto
Schmidt e Murilo Mendes. A obra possui um título estranho para os dias de
hoje, quando se cultua o meio ambiente e a defesa da flora e da fauna
passou a ser uma questão de sobrevivência.
Na época em que foi lançada – l947 – não havia motosserra nem a
química perigosa dos agrotóxicos. O que estava aperreando os agricultores
era uma praga de papagaios que devoravam imensas plantações de milho.
Estamos comemorando - eu e a primeira edição de “Vamos
Caçar Papagaios”- 60 anos. Até bem pouco tempo não tinha coragem de
revelar a idade. Mas com uma data redonda dessas, não dá para ficar por
trás dos biombos, como se estivesse me escondendo de mim mesmo, nessa
atitude besta maquiada pela vaidade. O que escrevi no passado é o meu
momento presente: Na estrema humildade da morte/ repousa a nossa
excessiva vaidade. / Não há lugar para nada. / Pois tudo acaba e começa/
num pequeno espaço que cabe um epitáfio.
Agora assumo os 60 anos e um pessimismo com uma leve fuga
para o sonho. Se a gente resolve afundar o pé na realidade, a dosagem de
desencanto aumenta.
Cassiano Ricardo, no seu início, navegou pelo parnasianismo e
depois, como disse Manuel Bandeira, “atirou-se em cheio na aventura
modernista. Pintou-se de verde-amarelo”. Escreveu 14 livros. “Martim
Cererê”, o seu maior sucesso, teve inúmeras edições. O poema que está
sempre perto de mim é do livro “Sangue das Horas,” e faço questão de
presenteá-lo aos que me lêem nesta página. Destaco parte do texto por uma
questão de espaço. Mesmo incompleto, ele não perde a beleza nem o
sentido. Eis, então, um poema que eu gostaria de ter escrito.
“Um simples gesto, uma simples palavra/ nunca são perdidos/.
Ficam em algum lugar, embora os desprezemos como inúteis. / Os
sentimentos que já passaram por nós, onde estão? / Também tiveram o seu
instante. / E esse instante foi uma pulsação sem a qual o coração teria
parado/ na ordem dos acontecimentos. / Escrevi o teu nome na casca de
uma árvore/ cujas flores – vi depois- pareciam um grito do meu silêncio,
numa tarde de outubro. / É engano supor que a esponja do mar apaga as
declarações que escrevemos no rosto da areia. / O que ela faz é apenas
arrastá-las para o fundo do abismo. / É inútil pensar que os meus maiores
segredos estejam escondidos/ no fundo do mar./ Lá um dia eles voltam à
praia.”.
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O POEMA QUE NÃO ESCREVI