ID: 51762006
13-01-2014
Tiragem: 37425
Pág: 45
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 19,63 x 22,82 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
O inevitável que não acontece
e o improvável que pode acontecer
O
João Carlos Espada
Cartas do Atlântico
regresso de Varsóvia à pátria
Lusa tem certamente as suas
doçuras. Mas também algumas
agruras. Uma destas reside nos
noticiários televisivos, que
são incrivelmente longos e
passam todas as desgraças
nativas com detalhe
surpreendente. Um patriota
esforça-se por aguentar a
tormenta, mas não é fácil.
Há ainda o tom do discurso políticomediático, surpreendentemente dominado
pela extrema-esquerda. Têm poucos votos,
mas muito palco. Chamam nomes a toda a
gente que não concorda com eles e passam
a vida a dizer que toda a gente é de direita, a
começar pelos socialistas. Em boa verdade,
fazem isso desde o PREC. É o chamado
“vira-o-disco-e-toca-o-mesmo”. O que é
intrigante é por que têm tanto palco. Eu,
francamente, não compreendo.
Os socialistas, obviamente, permanecem
fiéis ao que sempre foram: um partido da
esquerda democrática. Isso salvou a nossa
democracia no passado, e é indispensável
a qualquer democracia, no presente e no
futuro. Seria importante ouvir hoje dos
socialistas uma crítica ao governo e um
programa alternativo que fossem mais
consistentes e mais claramente alternativos:
mais alternativos ao discurso do governo e
mais alternativos ao discurso da extremaesquerda.
Neste sentido, é uma boa notícia o
lançamento pelo partido socialista, na
passada quinta-feira, da Declaração de Um
Novo Rumo para Portugal. O texto é ainda
vago, mas abre caminho a uma reflexão
aberta à sociedade civil sobre um programa
político alternativo ao da presente maioria.
Essa reflexão é necessária e urgente. O
debate político nacional carece de uma
consistente alternativa socialista.
Nesta declaração, os socialistas anunciam
querer colocar a tónica no crescimento
económico e na criação de emprego. É
um excelente ponto de partida. Mas é
importante dizer como pode isso ser feito.
Neste capítulo, penso que Vital Moreira
equacionou o problema com bastante
rigor, numa entrevista ao Sol de anteontem:
“Depois da crise, não voltamos ao estado
anterior em que tínhamos o recurso dos
impostos, o endividamento e o dinheiro da
União Europeia. O tempo do endividamento
acabou. A partir de agora, provavelmente
temos é de ter saldos positivos para
diminuir a dívida acumulada. Vamos
ter de ser muito austeros e imaginativos
se quisermos manter o Estado social. É
um desafio para o PS, quando voltar ao
Governo.”
Este é realmente o desafio que se coloca
à esquerda democrática: como manter o
Estado social, sem aumentar ainda mais os
impostos e o endividamento do país. É, de
certa forma, um desafio semelhante ao que
se coloca ao centro e à direita democrática:
como baixar os impostos e libertar as
energias da sociedade civil, sem aumentar a
dívida pública.
Na data em que escrevo, não sei se o
congresso do CDS, que decorreu neste fim-de-semana, terá ou não contribuído para
clarificar esse desafio do centro-direita.
Mas é positivo que o problema tenha sido
pelo menos formulado pelos dirigentes do
partido. É também positivo que o próprio
primeiro-ministro tenha reconhecido que
este é um problema que não pode ser
ignorado. Não é realmente possível ignorar
a carga fiscal excessiva que desincentiva o
trabalho e o investimento
Esta carga fiscal torna ainda mais
surpreendente os resultados espectaculares
que as exportações têm consistentemente
registado entre nós: 42% do PIB em 2013,
com uma taxa de crescimento nos últimos
dois anos superior à média europeia.
Daniel Bessa observou certeiramente
no Expresso do último sábado que “é
deste processo (de crescimento do sector
exportador), e do seu aprofundamento,
que podemos esperar, num futuro
relativamente próximo, o alívio das políticas
de austeridade, que, entretanto, terão
de continuar”. Também atribuiu com
muita justiça o mérito destes resultados às
empresas portuguesas, aos seus empresários
e aos seus trabalhadores. E observou ainda
certeiramente que o único contributo do
Estado terá sido “apenas o abandono de um
sistema de incentivos errado e que, durante
tantos anos, orientou a produção para um
mercado interno financiado por dívida,
nomeadamente pública”.
Todas as observações acima citadas,
vindas de diferentes
posicionamentos
políticos, apontam
para um chão
comum onde um
debate civilizado
pode e deve ter
lugar: é preciso
baixar a dívida
pública sem
aumentar os
impostos, libertando
o sector produtivo, e
mantendo garantias
sociais para os que
realmente precisam
e merecem. Pode
parecer impossível.
Mas como
costumava dizer a
Sr.ª Thatcher, na
única citação de
Keynes que lhe conhecemos, “o inevitável
em regra não acontece e o improvável
muitas vezes acontece”.
Neste início de um novo ano, faço votos
de que a inevitável radicalização do conflito
político – tão desejada pela extremaesquerda – de facto não aconteça. E que o
improvável debate racional entre os nossos
partidos democráticos possa de facto
acontecer.
É uma boa
notícia o
lançamento
pelo PS da
Declaração de
Um Novo Rumo
para Portugal
Professor universitário, IEP-UCP
Escreve à segunda-feira
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O inevitável que não acontece e o improvável que pode acontecer