ARS VETERINARIA, 17(2):83-85, 2001. 83 VARIAÇÃO ANATÔMICA DA ARTÉRIA SUBCLÁVIA DIREITA DE CÃO - RELATO DE CASO (ANATOMICAL VARIATION OF THE RIGHT SUBCLAVIAN ARTERY IN DOG - CASE REPORT) F.S. OLIVEIRA1, M.R.F. MACHADO2, E.M. BORGES3, D. OLIVEIRA1 RESUMO No presente relato foi descrita uma variação anatômica da artéria subclávia direita, em uma cadela de cinco anos de idade, sem raça definida, observada durante a dissecação das artérias do arco aórtico. Os resultados revelaram que o arco aórtico originava um tronco bicarotídeo e um outro tronco, o qual emitia as duas artérias subclávias. A artéria subclávia direita originava-se paralelamente, em posição medial à artéria subclávia esquerda, emitindo ramos que se dirigiam ao antímero direito, para as regiões do braço e tórax. Não houve caracterização de tronco braquiocefálico. PALAVRAS-CHAVE: Artéria subclávia, variação anatômica, cão. SUMMARY In this report an anatomical variation of the right subclavian artery in a five years old crossbred bitch was described, noticed during the dissection of the aortic arch arteries. The results showed that the aortic arch gives off a bicaroticus trunk and other trunk, the latter giving off both subclavian arteries. The right subclavian artery was originated parallelly, in medial position to the left subclavian artery, giving off in the right half, in the region of the arm and thorax. There was no characterization of brachiocephalic trunk. KEY-WORDS: Subclavian artery, anatomical variation, dog. INTRODUÇÃO O arco aórtico origina vasos que suprem a cabeça, o pescoço, os membros torácicos e a porção cranial do tórax, assim como alguns órgãos torácicos. Esses vasos são a artéria subclávia direita e esquerda e a carótida comum direita e esquerda. Essas duas artérias se originam no tronco braquiocefálico, exceto no cão e no suíno, nos quais a subclávia esquerda não faz parte desse tronco, mas surge diretamente da aorta (SCHUMMER et al., 1981; DYCE et al., 1997). GOSHAL (1987) relata que, nos carnívoros, a artéria subclávia esquerda surge opostamente ao terceiro espaço intercostal esquerdo, enquanto a artéria subclávia direita surge opostamente ao primeiro espaço intercostal direito. Conseqüentemente, a artéria subclávia esquerda é relativamente mais longa do que a artéria direita. Anomalias do arco aórtico já foram descritas por 1 Pós-graduando em Cirurgia Veterinária, FCAV-Unesp, Jaboticabal, SP. 2 Professora Assistente, Depto de Morfologia e Fisiologia Animal, FCAV-Unesp, Jaboticabal, SP. 3 Professor Mestre Substituto de Anatomia Veterinária, UnB, Brasília, DF. 84 ARS VETERINARIA, 17(2):83-85, 2001. alguns autores. A existência de duplo arco aórtico foi relatada por MARTIN & FERGUSON (1983) e por FINDJI & DEGUERCE (1999) em cães, e por YARIM et al. (1999) em um gato. Em humanos, vários trabalhos têm sido conduzidos descrevendo variações na anatomia de ramos do arco aórtico. Em crianças, foi observada uma incidência de 43% de casos de aberrações da artéria subclávia (seis casos em 14 pacientes) em diagnósticos de anomalias de grandes vasos, por meio de angiografia por tomografia computadorizada (HOPKINS et al., 1996). Ao comparar técnicas de imagem para análise do complexo de anomalias do arco aórtico, VAN-SON et al.(1994) analisaram 39 pacientes humanos com esse problema e encontraram em cinco deles arco aórtico esquerdo e artéria subclávia direita anômala. Já em 1993 VAN-SON et al. aludiram ao fato de que, quando os pacientes apresentassem sintomatologia clínica, tal anomalia deveria ser corrigida, pois o risco cirúrgico é baixo, e os resultados, a longo prazo, excelentes. SUNIMORI et al. (1976) relataram um caso de hipoplasia da artéria subclávia esquerda em humanos, associada à presença de duplicidade de arco aórtico. GYURKO (1994) descreveu uma anomalia da artéria subclávia, na qual esta apresentava significante estreitamento luminal, de cerca de seis centímetros, e trajeto tortuoso. KURT et al. (1997) descreveram que a artéria subclávia direita de um homem de 63 anos de idade surgia no arco aórtico distal, após a artéria subclávia esquerda, passando ao lado direito, cranialmente e dorsalmente à traquéia e ao esôfago. MATULA et al. (1997) ressaltaram a grande importância do conhecimento da anatomia normal dos vasos, assim como das variações e anormalidades que possam ser encontradas, para a cirurgia, angiografia e todos os procedimentos não-invasivos, realizados em humanos. Vista a importância clínico-cirúrgica dos ramos do arco aórtico, o presente relato tem como objetivo descrever uma variação anatômica da artéria subclávia direita observada em uma cadela. DESCRIÇÃO DO CASO RELATADO Uma cadela sem raça definida, de cinco anos de idade, proveniente do canil experimental do Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” da FCAVJ-Unesp, veio a óbito sem causa aparente e foi enviada ao laboratório de Anatomia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal. O preparo do animal foi feito por abertura da cavidade torácica à esquerda, com a individualização da porção torácica da aorta, que foi canulada mediante pequena incisão, e então injetado látex corado (Neoprene látex 650®, Du Pont do Brasil S.A.), no sentido cranial. A fixação e a conservação da peça foram feitas com solução aquosa de formol a 10%. Durante a dissecação do arco aórtico e seus ramos, notou-se que este arco originava um tronco bicarotídeo e um outro tronco, o qual emitia as duas artérias subclávias. A artéria subclávia direita originava-se paralelamente, em posição medial à artéria subclávia esquerda (fig.1), passando por dentro do corpo vertebral da primeira vértebra torácica, emitindo ramos que se dirigiam ao antímero direito, para as regiões do braço e tórax. Não houve caracterização do tronco braquiocefálico devido à ausência de origens comuns entre pelo menos uma das artérias subclávias e as artérias carótidas comuns. DISCUSSÃO A caracterização de anomalia do arco aórtico ora observada deve-se ao fato de que se constatou origem comum das artérias subclávias direita e esquerda, a partir de um tronco que emergia do arco aórtico, não havendo ocorrência de tronco braquiocefálico. Além disso, a origem da artéria subclávia direita deu-se à esquerda, embora esta, mediante longo trajeto, direcionou-se ao antímero direito, irrigando o braço e regiões do ombro e do tórax. Tais observações diferem das descrições de SCHUMMER et al., (1981) e DYCE et al. (1997) para cães, pois esses autores relatam que nesta espécie a artéria subclávia direita se origina do tronco braquiocefálico, e a artéria subclávia esquerda surge diretamente da aorta. Também diferem dos relatos de GOSHAL (1986), pois o autor relata que, nos carnívoros, a artéria subclávia esquerda é relativamente mais longa do que a artéria direita. Ainda sobre a origem desta artéria, embora KURT et al. (1997) tenham observado em um homem a origem da artéria subclávia direita diretamente do arco aórtico distal, após a emergência da artéria subclávia esquerda, esta anomalia difere das observações em questão, pois não foi observada a origem comum dessas artérias. Nesta oportunidade foram constatadas apenas anomalias na origem e no trajeto da artéria subclávia direita; não se observou a ocorrência de duplo arco aórtico como descreveram MARTIN & FERGUSON (1983) e FINDJI & DEGUERCE (1999) em cães e YARIM et al. (1999) em um gato. Também não foram observadas alterações na morfologia do referido vaso como as relatadas por SUNIMORI et al. (1976) e GYURKO (1994), que verificaram, em humanos, a ocorrência de hipoplasia e estreitamento luminal da artéria subclávia, respectivamente. ARS VETERINARIA, 17(2):83-85, 2001. Figura 1 - Vista do arco aórtico (a) de cadela de cinco anos de idade, onde notam-se o tronco bicarotídeo (b), as artérias carótidas comuns direita (c) e esquerda (d), e o tronco (e) do qual se originam as subclávias direita (f) e esquerda (g), e a continuação da artéria subclávia direita (f1) no antímero direito do animal, após sua passagem por dentro do corpo vertebral da primeira vértebra torácica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DYCE, K.M., SACK, W.O., WENSING, C.J.G. Tratado de anatomia veterinária. 2.ed., Rio de Janeiro, Guanabara Koogan,1997, p.171-205. 85 FINDJI, J., DEGUERCE, C. Symmetrical double aortic arch in a dog. Veterinary Record, v.145, 465-6, 1999. GOSHAL, N.G. Coração e artérias do carnívoro. In: GETTY, R. Anatomia dos animais domésticos. 5. ed. Rio de Janeiro, Interamericana, 1981. v. 2, p. 1.497-504. GYURKO, G. Surgical treatment of an unusual anomaly of the subclavian artery. Orvosi Hetilap, v.135, n. 2, p.778, 1994. HOPKINS, K.L., PATRICK, L.E., SIMONEAUX, S.F., BANK, E.R., PARKS, W.J., SMITH, S.S. Pediatric great vessel anomalies: Initial clinical experience with spiral CT angiography. Radiology, v.200, n. 3, p.811-5, 1996. KURT, M.A., ARI, I., IKIZ, I. A case with coincidence of aberrant right subclavian artery and common origin of the carotid arteries. Annals of Anatomy, v.179, n. 2, p.175-6, 1997. MATULA, C., TRATTNIG, S., TSCHABITSCHER, M., DAY, J.D., KOOS, W.T. The course of the prevertebral segment of the vertebral artery: Anatomy and clinical significance. Surgical Neurology, v.48, n. 2, p.125-31, 1997. MARTIN, G.D., FERGUNSON, W. Double aortic arch in a dog. 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