GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: DIREITO A
MEDICAMENTO EXCEPCIONAL
Marcia Guimarães1
Liton Lanes Pilau Sobrinho2
SUMÁRIO
Introdução; 1 Direitos Sociais; 1.1 A saúde como direito fundamental na constituição
brasileira; 1.2 Histórico da saúde pública no Brasil; 1.3 Do Direito à saúde; 1.4
Sistema Único de Saúde na CRFB/88 e na Lei 8080/90. 2 Princípios Constitucionais
e do SUS. 3 Responsabilidade Solidária do Estado. 4 A Judicialização da Saúde.
Considerações Finais. Referências.
RESUMO
Este artigo científico tem o intuito de levar ao conhecimento da população que o
Estado é responsável pelo fornecimento de medicamento excepcional e que essa
responsabilidade é solidaria, ou seja, há a possibilidade de o paciente exigir de
qualquer um dos entes da federação – da União, do Estado, do Distrito Federal e do
Município - o fornecimento gratuito desses medicamentos. A procura por
medicamentos excepcionais é crescente em nosso país, observam-se inúmeros
casos de pessoas que recorrem ao Poder Judiciário pra obter através dele o que o
Estado deveria fornecer de maneira administrativa. Utilizando na fase de
Investigação o método Indutivo descobriu-se que é pacifico o entendimento
doutrinário e jurisprudencial quanto ao fornecimento desses medicamentos.
Palavras-chave: Direito à saúde. Direitos sociais. Judicialização da Saúde.
Medicamento excepcional. Saúde.
INTRODUÇÃO
1
Acadêmica do 8º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. [email protected].
2
Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2008), Mestre em
Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2000). Possui graduação em Direito pela
Universidade de Cruz Alta (1997). Professor dos cursos de Mestrado e Doutorado no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí. Professor da
Universidade de Passo Fundo. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito
Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: direito à saúde, direito internacional
ambiental.
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excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
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A presente pesquisa versará sobre a possibilidade do doente que precisar
de medicamentos excepcionais buscar no Judiciário o que não conseguiu de forma
administrativa.
O objetivo geral é analisar, com base na legislação e doutrina brasileira que
o Estado é responsável pelo fornecimento de medicamento excepcional e que o
cidadão pode recorrer ao judiciário caso o direito à saúde preconizado no art. 6º da
constituição/88 não seja garantido pelas vias administrativas.
Para tanto, a presente pesquisa discorrerá acerca dos direitos sociais,
incluindo a saúde como um direito fundamental do homem já que esta é um
pressuposto básico do direito à vida. Outrossim, analisar-se-ão os artigos da lei
8.080/90 que regulamentam em todo o território nacional as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde.
O problema principal da pesquisa é analisar quem é o responsável pelo
fornecimento do medicamento excepcional e até que ponto recorrer ao judiciário
para garantir esse direito pode trazer benefícios para a população.
Utiliza-se como método de pesquisa o indutivo e como técnicas, a do
referente, da categoria, da revisão bibliográfica e a do fichamento.
JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: DIREITO A MEDICAMENTO EXCEPCIONAL
Com a promulgação da Carta Magna de 1988 muitos direitos e garantias
foram proporcionados aos cidadãos brasileiros. Um desses direitos básicos é o
direito à saúde, no entanto, até os dias de hoje essa premissa tão básica não é
cumprida, fazendo com que o cidadão recorra ao Poder Judiciário. Na moda, a
Judicialização garante ao cidadão por meio da Justiça um direito que deveria ser
obtido administrativamente ao qual passaremos a verificar a partir dos direitos
sociais.
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excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
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1- DIREITOS SOCIAIS3
Os direitos sociais compõem um dos pilares das gerações de direitos
fundamentais, que são divididos da seguinte forma: primeira geração4 (direitos de
liberdade) tem por titular o indivíduo e são considerados direitos de resistência ou de
oposição perante o Estado; segunda geração5 que abrange bem mais do que os
direitos de cunho prestacional e é considerado o marco distintivo desta nova fase na
evolução dos direitos fundamentais.
Os de terceira geração6 chamados direitos de solidariedade e fraternidade
englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de
vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos. Para
Bonavides existem ainda os direitos de quarta dimensão7 que são os direitos à
democracia à informação, o direito ao pluralismo; e o direito a paz como sendo os
direitos de quinta geração,8 já que esse direito é condição indispensável ao
progresso de todas as nações em todas as esferas.
Passando ao estudo dos direitos sociais, segunda dimensão, podemos dizer
que esses direitos são garantias básicas que a constituição de um Estado pode
oferecer aos seus cidadãos para que os mesmos tenham uma vida digna. Diante
disso é dever do Estado fornecer ao cidadão o mínimo necessário para que este
tenha uma qualidade de vida a altura de suas expectativas.
Como prestações positivas estatais, os direitos sociais possibilitam melhores
condições de vida aos mais fracos uma vez que esses direitos se ligam ao direito da
3
Alexandre de Moraes conceitua que direitos sociais “são direitos fundamentais do homem,
caracterizando-se com verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado
Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes
visando à concretização da igualdade social”. In: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.
19. Ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 177.
4
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 563564)
5
SARLET, Ingo Wolfgang. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed.,
rev., ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 57.
6
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 60)
7
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 571.
8
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 580
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igualdade e criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade
real9.
Para Sarlet,10 os direitos sociais exigem uma atuação positiva do legislador e
do Executivo no sentido de implementar a prestação que constitui objeto do direito
fundamental, assim,
Os direitos sociais a prestações encontram-se vinculados às tarefas
de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos existentes,
bem como a criação de bens essenciais não disponíveis para todos
os que deles necessitem.
Nesse sentido, não basta que os direitos estejam elencados na carta
constitucional, é preciso também que o poder público arque com os meios
necessários para que essas garantias constitucionais sejam efetivadas.
Na Constituição de 1988 os direitos sociais estão inseridos no título II que
trata dos direitos e garantias fundamentais e no Art. 6º11 estão elencados alguns
direitos sociais primordiais para o bem estar da população.
O direito à saúde é um desses direitos primordiais que como os outros
devem ser efetivados pelo Estado para que garantam ao cidadão uma melhor
qualidade de vida. E não há melhor maneira de garantir esse direito tão fundamental
do que o positivando na carta constitucional da nação.
1.1 A saúde12 como direito fundamental na constituição brasileira de 1988
9
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34. ed. São Paulo: Malheiros,
2011, pag. 286
10
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 298.
11
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
12
O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde traz esse conceito “A saúde é um
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença
ou de enfermidade”.In:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-.
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Os
direitos
fundamentais
são
aqueles
reconhecidos
e
positivados
constitucionalmente pelo Estado. Em nossa carta constitucional esses direitos não
têm só um mero reconhecimento, por se tratar de cláusula pétrea goza de mais
garantia e segurança.
Os direitos fundamentais são os direitos que o homem obtém pelo simples
fato de ter nascido e quando assegurados pela Lei Maior ganham plenitude e a
segurança de que todos eles serão efetivados13.
Em relação ao direito à saúde as outras constituições brasileiras não
concederam ao cidadão esse direito tão fundamental, depois da proclamação da
República a primeira a conceder esse direito foi a Carta Constitucional de 1988.
A Lei Maior não só agasalhou a saúde como bem jurídico digno de tutela
constitucional, foi mais além, consagrou a saúde como direito fundamental,
outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídicoconstitucional pátria14.
Esse entendimento de que a saúde é um direito fundamental passível de
proteção e de tutela do Estado, é resultado de um grande avanço não apenas do
direito, mas também da própria ideia do que seja a saúde15.
Inserir a saúde como direito fundamental na constituição de 1988 foi a
decisão mais sensata do constituinte. Ao garantir esse direito tão pleno, o
constituinte elevou a saúde a um patamar de direito irrevogável, diferente do tempo
em que só tinha direito a saúde quem contribuísse ao Instituto de Previdência.
1.2 Histórico da saúde pública no Brasil
13
PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Direito à Saúde: uma perspectiva constitucionalista. Passo
Fundo: UFP, 2003, p. 64.
14
SARLET, Ingo Wolfgang. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO CONTEÚDO,EFICÁCIA
E EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Revista Diálogo Jurídico.
Salvador, 2002, p. 2.
15
FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e
efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 77.
731
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Há muito tempo o Estado brasileiro se preocupa com a saúde da população.
Desde o início do século XIX as autoridades sanitárias tentam criar medidas para
proteger a saúde dos cidadãos combatendo as principais doenças transmissíveis da
época.
Oswaldo Cruz foi o grande mentor do plano de combate a doenças
transmissíveis e obteve tantos resultados que após 1915 essas epidemias estavam
quase todas sob controle16, que levou o governo por em prática essas ações e
serviços sanitários para outras partes do país, inclusive para o meio rural que não
contava com esses serviços17.
Tivemos grandes avanços em relação à saúde no país nos anos seguintes.
Na década de 1970 foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS) que prestava assistência à saúde aos trabalhadores
da economia formal e seus dependentes18, no entanto, os trabalhadores informais
que não tinham convênio com o INAMPS, nem como pagar pelo atendimento
privado, era obrigado a recorrer às instituições filantrópicas e quase comprovar
“indigência” para ter acesso à assistência médica19.
No final da década de 80 foi promulgada a atual Constituição que em uma
sessão exclusiva garantiu o acesso à saúde a toda a população, sem distinção entre
brasileiros e estrangeiros, ou seja, garantiu a universalização e a equidade da saúde
para todos.
1.3 - Do Direito à saúde
16
KLEBA, Maria Elisabeth. Descentralização do sistema de saúde no Brasil: Limites e
possibilidades de uma estratégia para o empoderamento. Chapecó: Argos, 2005, p. 149.
17
GONÇALVES, Emerson. O Estado constitucional do direito à saúde. São Paulo: Baraúna, 2011,
p. 38.
18
BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Tendências e Desafios dos Sistemas de
Saúde nas Américas. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2002. p.11.
19
KLEBA, Maria Elisabeth. Descentralização do sistema de saúde no Brasil: Limites e
possibilidades de uma estratégia para o empoderamento, p. 157.
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excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
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A única carta do Estado brasileiro a prever o direito à saúde foi a
constituição de 1988 que consagrou no seu Art. 19620 que a saúde é um direito de
todos - com acesso universal - por isso todos os brasileiros e estrangeiros residentes
no país devem ser tratados de forma igualitária, tanto na promoção, proteção,
quanto na recuperação de sua saúde.
Mas, não basta só prever o direito - tem que fazer com que essa garantia
seja executada como prioridade - não é dever do Estado dar saúde, mas sim
proteger a Saúde21 e isso não implica apenas no oferecimento da medicina curativa,
mas também da medicina preventiva22.
Ao tratar dessa garantia Gonçalves23 afirma que em nenhum momento o
direito à saúde pode ser negado pelo Estado e como um direito, sobretudo humano
exige cada vez mais proteção e envolvimento do Estado.
O ministro Celso de Mello no relatório do Recurso Extraordinário, afirmou
que o Poder Público - indiferente de qual seja a organização federativa - não pode
mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir,
ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional 24.
Uma vez garantido pela constituição vigente esse direito não pode ser
deixado de lado, o Estado deve cumprir integralmente a carta magna e garantir o
direito a saúde ao cidadão, indiferente de cor, credo ou nacionalidade.
1.4 - Sistema Único de Saúde na CRFB/88 e na Lei 8080/90
20
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
21
COSTA, Elcias Ferreira da. Comentários breves a constituição Federal. Porto Alegre: Sergio
Antônio Fabris Editor, 1989, p. 264.
22
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17. ed. rev. Atual. e ampl. Belo Horizonte:
Del Rey, 2011, p.1274.
23
GONÇALVES, Emerson. O Estado constitucional do direito à saúde, p. 103.
24
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. Recurso Extraordinário 271.286. Relator: Min. Celso
de Mello. Data de Julgamento: 11/09/2000. Data de Publicação: DJ 24-11-2000
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excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
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Instituído na Constituição de 1988, o SUS foi positivado no artigo 200 que
estabeleceu suas primeiras atribuições e afirmou que outras seriam dadas por uma
lei especifica.
Em 1990 foi promulgada a Lei Orgânica da Saúde (LOS) com a finalidade de
ratificar o disposto na Constituição de 1988 e regulamentar para todo o território
nacional as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a partir
do seu artigo 4º designa quais são essas ações e quem é competente para prestar
os serviços relacionados ao SUS.
A lei 8.080/9025 no artigo 2º confirma que a saúde é direito fundamental do
ser humano, ou seja, é universal e que o Estado deve reformular e executar políticas
econômicas e sociais com o intuito de garantir o exercício desse direito do cidadão.26
Outra ratificação importante da LOS é a confirmação da definição de saúde
da ONU, no parágrafo único do artigo 3º da referida lei, institui-se que a saúde deve
garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social,
ou seja, não se trata apenas do aspecto físico da pessoa, mas sim de sua saúde
mental27.
A princípio o próprio artigo 4º28 da LOS conceitua que é o Sistema Único de
Saúde (SUS) e inclui as instituições públicas federais, estaduais e municipais de
controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de
sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde e também afirma que a
iniciativa privada poderá participar do SUS, em caráter complementar.
Diante disso, todos os serviços públicos de saúde dos Estados e Municípios
deverão ficar subordinados à normatização do SUS, inclusive os hospitais
25
Lei 8080/90- Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
26
CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis 8.080/90
e 8.142/90): Sistema Único de Saúde. 2ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1995, p. 56.
27
28
CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 61.
Art. 4º- O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo
Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
734
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universitários pertencentes às universidades públicas ou privadas deverão aplicar o
que determina a LOS29.
Outro ponto importante a ser analisado é o disposto no artigo 5º que trata
dos objetivos do SUS, principalmente ao reconhecer que a política de saúde se
destina a promover e a interferir nas condições econômicas e sociais para prevenir
doenças e outros agravos30
Para este trabalho o dispositivo mais importante da Lei Orgânica é o Art. 6º,
inciso I, alínea “d” que garante ao paciente que os medicamentos prescritos pelo
médico para a cura ou alivio da sua enfermidade serão fornecidos pelo SUS31.
2- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DO SUS
Existem inúmeros princípios importantes no ordenamento jurídico brasileiro.
No entanto neste trabalho serão analisados os Princípios Constitucionais do Direito
à vida e o da dignidade da pessoa humana, em relação aos Princípios do SUS serão
abordados a Universalidade, Equidade e Integralidade.
Para Reale princípios são verdades ou juízos fundamentais, que servem de
alicerce ou de garantia a um conjunto de juízos, sintetizando, são os princípios que
dão base a um texto constitucional.32
Inserido no artigo 5º da CRFB/88, o princípio do Direito à vida é o mais
importante para o ser humano, uma vez que é a base para todos os outros. Sem o
direito à vida garantido não se pode falar em dignidade, muito menos em direito a
saúde, pois ele não compreende só o direito de permanecer vivo, mas garante o
direito a uma vida digna.
29
CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 63.
30
CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 71.
31
32
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a
execução de ações: d- de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 60.
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Moraes33 entende que esse princípio é o mais fundamental de todos, já que
se constitui em pré-requisito à existência de todos os demais direitos e afirma que
cabe ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao
direito de continuar vivo e a segunda a ter vida digna quanto à subsistência.
Não basta estar vivo, deve-se ter uma qualidade de vida para que possa
gozar todas as coisas boas que a vida lhe proporciona, pois “O direito à vida traduzse no direito de permanecer existente e no direito a um adequado nível de vida34”
Esse princípio nada mais é que a garantia de uma existência com mais
dignidade, pois ao se proteger a vida dá-se ao ser humano a segurança de que ele
terá outros direitos primordiais garantidos.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está inserido na constituição
de 1998 no titulo I que trata dos princípios fundamentais da República, isto quer
dizer que o Estado brasileiro está alicerçado nesse princípio.
Sarlet define esse principio como “a qualidade intrínseca e distintiva de cada
ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade” 35.
Para Moraes36 a dignidade da pessoa humana
É um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que
todo estatuto jurídico deve assegurar.
Mas, não basta garantir esses princípios na Carta Magna, deve-se dar
garantias para que o cidadão possa se expressar com autonomia e guiar-se pelas
33
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 30-31.
34
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional, p. 649.
35
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
36
MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5ª
edição,São Paulo, Editora Atlas, 2005,p.128.
736
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leis que ele próprio edita, uma vez que ele é um ser racional e responsável pela
própria vida.
Elencados no artigo 7º37 da lei 8080/90, os Princípios do SUS foram criados
para corroborar com o direito à saúde prevista no artigo 196 da CF, uma vez que a
saúde deve ser garantida de forma universal e igualitária e suas ações e serviços
devem ser feitas de forma integral para a promoção, proteção e recuperação par
melhor atender o doente.
O princípio da Universalidade38 garante a todo e qualquer indivíduo em
terras brasileiras o direito e o acesso a todos os serviços de saúde. A universalidade
confere à saúde um direito fundamental do ser humano e, portanto cabe ao Estado
garantir as condições básicas para o seu pleno exercício, ou seja, o acesso, a
atenção e assistência à saúde em todos os níveis de complexidade.
A universalização, todavia, não quer dizer somente a garantia
imediata de acesso as ações e aos serviços de saúde. A
universalização, diferentemente, coloca o desafio e oferta desses
serviços e ações de saúde a todos os que dele necessitem, todavia,
enfatizando as ações preventivas e reduzindo o tratamento de
agravos39.
O Ministério da Saúde ao conceituar a universalidade afirma que este
princípio ainda está em construção e há muito trabalho a ser feito, uma vez que
devem ser enfatizadas as ações preventivas para reduzir o tratamento de agravos.
O princípio da Equidade40 foi criado para diminuir as desigualdades no
tratamento das pessoas que buscam a saúde pública. Este princípio afirma que todo
cidadão é igual perante o SUS e que será atendido em todos os serviços de saúde e
em qualquer nível de complexidade.
37
38
Art. 7º- As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados
que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
Art 7º, I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência.
39
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Sistema Único de Saúde (SUS): Princípios e
Conquistas. Brasília: Ministério da Saúde, 2000. p.30.
40
Art. 7º, V - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
737
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Para Carvalho41 a igualdade de assistência prevista no inciso IV do artigo 7º
significa que nos serviços públicos não pode haver distinção entre as pessoas, por
esse motivo a assistência há de ser oferecida sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie e afirma que:
É o princípio constitucional de promoção do bem de todos sem
preconceitos de origem, raça, cor, idade ou quaisquer outras formas
de discriminação. Nenhum atendimento há de privilegiar quem quer
que seja, nem quanto à qualidade dos serviços, nem quanto à
preferência de pessoas.
A equidade no SUS veio para ratificar aquela máxima do direito “tratar os
desiguais na medida de sua desigualdade”, ou seja, tratar de maneira igualitária as
pessoas que tenham problemas semelhantes e com isso possibilitar uma maior
justiça na assistência à saúde do cidadão.
O princípio da Integralidade42 pode ser entendido como um conjunto de
ações com serviços que atinge desde a prevenção das doenças até as medidas
curativas, tanto individuais como coletivos e garante que cada caso será analisado
de acordo com o seu nível de complexidade.
Para Carvalho a integralidade é dividida em duas fases e deve ser
combinada com o princípio da equidade.
Em primeiro lugar, a assistência integral combina, de forma
harmônica e igualitária, as ações e os serviços de saúde preventivos
com os assistenciais ou curativos. (...) Em segundo lugar, a
assistência implica, como se anuncia, atenção individualizada, ou
seja, para cada caso, segundo as suas exigências, e em todos os
níveis de complexidade.43
Este princípio garante que o paciente, desde a sua entrada no serviço de
saúde até a sua saída, usufrua de todos os serviços de saúde não importando o
nível de complexidade de sua doença.
41
42
43
CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 80
Art. 7º, II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis
de complexidade do sistema;
CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 77.
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GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Sem alguns desses princípios nossa legislação não teria muito valor, pois o
princípio, muitas das vezes, tem mais significado que a própria regra. Valorizar a
regra em detrimento ao principio é retirar o direito mais básico do cidadão.
3- DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESTADO
Regula o artigo 23, inciso II da CRFB/88 que cuidar da saúde é competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou seja, essa
responsabilidade é solidaria para esses entes públicos, por isso nenhum deles
podem se escusar desse dever.
O Artigo 27544 do CC ao tratar da solidariedade passiva afirma que o credor
pode cobrar de qualquer um dos devedores. Em relação ao fornecimento de
medicamentos, a responsabilidade de um ente público não isenta a legitimidade dos
demais, portanto no caso de um deles não cumprir da obrigação de fornecer os
medicamentos de forma individual ou coletiva os outros deverão responder de
maneira solidária.
Não poderá qualquer ente da federação eximir-se da
responsabilidade de assegurar às pessoas desprovidas de recursos
financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura,
controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais
graves, alegando ser responsabilidade de outro ente federado, ou
ainda, de que este atendimento está vinculado a previsão
orçamentária, pois o SUS é composto pela União, Estados-membros
e Municípios45.
Em julgamento recente, o Desembargador Rui Portanova afirmou que “Os
entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito
44
45
Art. 275 CPC. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou
totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores
continuam obrigados solidariamente pelo resto.
MARTINS, Wal. Direito a saúde: compêndio. Belo horizonte: fórum, 2008, p. 65.
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GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
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fundamental ao direito à saúde, não havendo razão para cogitar em ilegitimidade
passiva ou em obrigação exclusiva de um deles”.46
É pacifico o entendimento jurisprudencial atual ao afirmar que a
responsabilidade dos entes públicos é solidária. Os recentes julgados dos TJ’s
estaduais
(Agravo
de
Instrumento:
70050309509
RS,
Apelação
Cível:
201100010015694 PI, Apelação Cível: 70050513530 RS) afirmam que a União,
Estado e Município são solidários no fornecimento de medicamentos, mesmo que o
fármaco não integre as listagens desses entes.
Joaquim Barbosa em julgamento de Agravo de Instrumento47 ratificou o
entendimento do STF de que o Município não pode furtar-se do dever de propiciar
os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. “Se uma
pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico
adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo”.
Diante desses entendimentos jurisprudenciais não há o que se negar, os
entes federativos são responsáveis solidariamente por fornecerem medicamentos
excepcionais48 para quem necessitar deles.
4- A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Uma vez garantido pela constituição e não amparado pelos entes públicos,
não resta dúvida que a única solução seja procurar o Judiciário para garantir o tão
46
Porto Alegre. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70048287171. Relator:
Rui Portanova. Data de Julgamento: 31/05/2012. Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
04/06/2012.
47
Brasil.AI 550.530-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE
de 16-8-2012.
48
Medicamento excepcional é aquele utilizado no tratamento de doenças crônicas, consideradas de
caráter individual e que, a despeito de atingirem um número reduzido de pessoas, requerem
tratamento longo ou até mesmo permanente, com o uso de medicamentos de custos elevados. Por
serem, em sua maioria, medicamentos excessivamente onerosos, são também chamados de
medicamentos de alto custo (DANTAS, Nara Soares; SILVA, Ramiro Rockenbach da.
Medicamentos excepcionais. Brasília : Escola Superior do Ministério Público da União, 2006)
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GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
almejado direito. Isto é judicialização, buscar através do judiciário o que deveria ser
oferecido de forma “amigável” pela administração pública.
Entende-se por judicialização a valorização do Poder Judiciário como uma
entidade que preencha um vazio e devolva a sociedade um sentimento de justiça. A
Judicialização é um mero indicador de que a justiça se tornou o último refúgio de um
ideal democrático.49
A judicialização da saúde50 está vinculada à busca de soluções para os
agravos da saúde não abrangidos pelo sistema público de saúde, ou seja, refere-se
à obtenção de atendimento médico, fornecimento de medicamentos e de outros
procedimentos por via judicial para garantir um atendimento semelhante ao privado.
A judicialização da saúde vem trazendo inúmeros resultados para o cidadão
que precisa de medicamentos excepcionais e não pode pagar por eles. O Judiciário
está conseguindo grandes feitos para a sociedade brasileira.
A mais nova conquista foi o fornecimento, pelo SUS, do medicamento mais
demandado judicialmente às mulheres portadoras de câncer de mama metastático.
O fornecimento do medicamento Trastuzumabe51 (Herceptin), que pode ser usado
em casos iniciais ou avançados de câncer estava restrito a mulheres que
conseguiam o direito de recebê-lo do governo por meio de ações judiciais já que
cada frasco custa, em média, R$ 7 mil.
49
VIANNA, Luiz Werneck. ET AL. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil.
Rio de Janeiro: Revan. Setembro de 1999. p. 25
50
É o conjunto de questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de
prestação de serviços de saúde por estabelecimentos assistenciais próprios para esse fim, de
natureza pública ou privada. (WEBER, Cesar Augusto Trinta. O prontuário médico e a
responsabilidade civil. Porto alegre: EDIPUCRS, 2010. P. 31- 32)
51
O Trastuzumabe é um medicamento antineoplásico biológico (anticorpo monoclonal humanizado
anti-HER-2), utilizado na quimioterapia do carcinoma de mama que superexpressão do HER-2, um
tipo de receptor celular transmembrânico com domínios de tirosinoquinase.
In: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt0073_30_01_2013.html> Acesso em 2 de
maio de 2013.
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GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
As portarias nº18 e 1952, que incorporaram o medicamento Trastuzumabe
no SUS foram publicadas no Diário Oficial da união do dia 25 de julho de 2012. No
entanto, as mulheres moradoras do Estado de Santa Catarina já tinham esse direito
assegurado desde a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal no
ano de 201153.
Diante do exposto torna-se evidente que os juízes são os grandes
responsáveis por esses feitos. Como não há norma que regularize o fornecimento de
medicamento excepcional, os julgadores precisam julgar seguindo os princípios
gerais do direito para que a regra contida no artigo 196 da CRFB/88 não se torne
uma promessa constitucional sem o seu devido cumprimento.
Entender que o direito a saúde também engloba direito a medicamentos
essenciais e excepcionais é complicado para os entes públicos, por isso deve o juiz
julgar de forma que o direito assegurado aos cidadãos não se converta
Em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado54
52
PORTARIA Nº 19, DE 25 DE JULHO DE 2012
:
Torna pública a decisão de incorporar o medicamento trastuzumabe no Sistema Único de Saúde
(SUS) para o tratamento do câncer de mama inicial. Art. 1º Fica incorporado o medicamento
trastuzumabe no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento do câncer de mama inicial, (...)
que será utilizado apenas em hospitais habilitados em oncologia, em cumprimento das diretrizes
diagnósticas e terapêuticas do Ministério da Saúde. In:
(http://www.amucc.com.br/arquivos/file/portarias_trastuzumabe_2012.pdf) acesso em 22 de setembro
de 2012.
53
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.72.00.011736-3/SC SENTENÇA. DETERMINO aos réus que
comecem a tratar, com o fármaco Trastuzumabe, as mulheres residentes em Santa Catarina, já
acometidas ou que venham a ser acometidas por câncer de mama metastático, que apresentem ou
venham a apresentar, tumor(es) maior(es) do que 1,0 cm, com superexpressão do receptor HER2,
incluindo-as em programa no qual deverão ser mantidas enquanto necessitarem do
medicamento/tratamento. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.72.00.011736-3. MINISTERIO PUBLICO
FEDERAL: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO. Juiz relator: HILDO NICOLAU PERON.
Florianópolis, 28 de fevereiro de 2011.
54
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. Recurso Extraordinário 271.286. Relator: Min. Celso
de Mello. Data de Julgamento: 11/09/2000. Data de Publicação: DJ 24-11-2000
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GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044
Os entes públicos em suas apelações sempre dão a velha desculpa de que
o judiciário violou a Separação dos Poderes, ou seja, está legislando e intervindo
nas funções do legislativo. Outrossim, alegam também a reserva do possível
afirmando que não possuem recursos suficientes.
Mas o argumento da reserva do possível já foi derrubado pela jurisprudência
pátria, pois o Estado não pode invocar esse princípio para se exonerar do
cumprimento de suas obrigações constitucionais. Em julgamento recente o TJ de
Santa Catarina julgou consoante esse entendimento.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS - DIREITO À SAÚDE - OBRIGAÇÃO DO PODER
PÚBLICO - AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA - OFENSA
AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INEXISTÊNCIA
É inegável que a garantia do tratamento da saúde, que é direito de
todos e dever dos entes públicos, pela ação comum da União, dos
Estados e dos Municípios, segundo a Constituição, inclui o
fornecimento gratuito de meios necessários à preservação a saúde a
quem não tiver condições de adquiri-los.
A falta de dotação
orçamentária específica não pode servir de obstáculo ao
fornecimento de tratamento médico ao doente necessitado,
sobretudo quando a vida é o bem maior a ser protegido pelo Estado,
genericamente falando. Não há como falar em violação ao
Princípio da Separação dos Poderes, nem em indevida
interferência de um Poder nas funções de outro, se o Judiciário
intervém a requerimento do interessado titular do direito de
ação, para obrigar o Poder Público a cumprir os seus deveres
constitucionais de proporcionar saúde às pessoas, que não foram
espontaneamente cumpridos. (Apelação Cível n. 2012.059930-8, de
Coronel Freitas, Julgado em 18 de outubro de 2012. rel. Des. Jaime
Ramos) (grifo nosso)
Nada mais a acrescentar, resta comprovado com esta pesquisa que o
Estado é solidariamente responsável pelo
fornecimento de medicamentos
excepcionais e o cidadão pode recorrer ao Poder Judiciário para ter esse direito
garantido, caso lhe seja negado de forma administrativa pelos entes públicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante a análise da legislação e jurisprudência restou confirmada que a saúde
é direito fundamental do ser humano e, portanto deve ser garantida e prestada de
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GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento
excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da
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forma gratuita e universal pelo Estado, fato que lamentavelmente não vem
ocorrendo, principalmente quando se trata de medicamentos excepcionais.
Conforme a jurisprudência pátria o medicamento excepcional deve ser
fornecido de forma administrativa e o cidadão não precisa recorrer ao Judiciário para
ter garantido o seu direito, pois conforme o disposto nos artigos 196 e 23, inciso II da
Constituição Federal de 1988 tanto a União, o Estado e o Município são
responsáveis pelo fornecimento do medicamento de modo solidário.
Os julgados são unânimes ao afirmar que os entes públicos são
responsáveis pelo fornecimento do medicamento excepcional, independentemente
se esse ele faz parte ou não de suas respectivas listas, uma vez que esse tipo de
medicamento faz parte da promoção, proteção e recuperação da saúde.
Entretanto, poucos cidadãos que tem a “sorte” de receber esse
medicamento sem ter que bater as portas do Poder Judiciário, o que nos leva a
concluir que recorrer ao Judiciário é o meio mais eficaz para ter acesso ao
medicamento excepcional, pois reiteradas jurisprudências podem forçar os entes
públicos a incluírem esses medicamentos nas suas respectivas listas, evitando
assim o agravo de muitas doenças.
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