GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: DIREITO A MEDICAMENTO EXCEPCIONAL Marcia Guimarães1 Liton Lanes Pilau Sobrinho2 SUMÁRIO Introdução; 1 Direitos Sociais; 1.1 A saúde como direito fundamental na constituição brasileira; 1.2 Histórico da saúde pública no Brasil; 1.3 Do Direito à saúde; 1.4 Sistema Único de Saúde na CRFB/88 e na Lei 8080/90. 2 Princípios Constitucionais e do SUS. 3 Responsabilidade Solidária do Estado. 4 A Judicialização da Saúde. Considerações Finais. Referências. RESUMO Este artigo científico tem o intuito de levar ao conhecimento da população que o Estado é responsável pelo fornecimento de medicamento excepcional e que essa responsabilidade é solidaria, ou seja, há a possibilidade de o paciente exigir de qualquer um dos entes da federação – da União, do Estado, do Distrito Federal e do Município - o fornecimento gratuito desses medicamentos. A procura por medicamentos excepcionais é crescente em nosso país, observam-se inúmeros casos de pessoas que recorrem ao Poder Judiciário pra obter através dele o que o Estado deveria fornecer de maneira administrativa. Utilizando na fase de Investigação o método Indutivo descobriu-se que é pacifico o entendimento doutrinário e jurisprudencial quanto ao fornecimento desses medicamentos. Palavras-chave: Direito à saúde. Direitos sociais. Judicialização da Saúde. Medicamento excepcional. Saúde. INTRODUÇÃO 1 Acadêmica do 8º período do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí. [email protected]. 2 Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (2008), Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC (2000). Possui graduação em Direito pela Universidade de Cruz Alta (1997). Professor dos cursos de Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí. Professor da Universidade de Passo Fundo. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: direito à saúde, direito internacional ambiental. 727 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A presente pesquisa versará sobre a possibilidade do doente que precisar de medicamentos excepcionais buscar no Judiciário o que não conseguiu de forma administrativa. O objetivo geral é analisar, com base na legislação e doutrina brasileira que o Estado é responsável pelo fornecimento de medicamento excepcional e que o cidadão pode recorrer ao judiciário caso o direito à saúde preconizado no art. 6º da constituição/88 não seja garantido pelas vias administrativas. Para tanto, a presente pesquisa discorrerá acerca dos direitos sociais, incluindo a saúde como um direito fundamental do homem já que esta é um pressuposto básico do direito à vida. Outrossim, analisar-se-ão os artigos da lei 8.080/90 que regulamentam em todo o território nacional as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde. O problema principal da pesquisa é analisar quem é o responsável pelo fornecimento do medicamento excepcional e até que ponto recorrer ao judiciário para garantir esse direito pode trazer benefícios para a população. Utiliza-se como método de pesquisa o indutivo e como técnicas, a do referente, da categoria, da revisão bibliográfica e a do fichamento. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: DIREITO A MEDICAMENTO EXCEPCIONAL Com a promulgação da Carta Magna de 1988 muitos direitos e garantias foram proporcionados aos cidadãos brasileiros. Um desses direitos básicos é o direito à saúde, no entanto, até os dias de hoje essa premissa tão básica não é cumprida, fazendo com que o cidadão recorra ao Poder Judiciário. Na moda, a Judicialização garante ao cidadão por meio da Justiça um direito que deveria ser obtido administrativamente ao qual passaremos a verificar a partir dos direitos sociais. 728 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1- DIREITOS SOCIAIS3 Os direitos sociais compõem um dos pilares das gerações de direitos fundamentais, que são divididos da seguinte forma: primeira geração4 (direitos de liberdade) tem por titular o indivíduo e são considerados direitos de resistência ou de oposição perante o Estado; segunda geração5 que abrange bem mais do que os direitos de cunho prestacional e é considerado o marco distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais. Os de terceira geração6 chamados direitos de solidariedade e fraternidade englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos. Para Bonavides existem ainda os direitos de quarta dimensão7 que são os direitos à democracia à informação, o direito ao pluralismo; e o direito a paz como sendo os direitos de quinta geração,8 já que esse direito é condição indispensável ao progresso de todas as nações em todas as esferas. Passando ao estudo dos direitos sociais, segunda dimensão, podemos dizer que esses direitos são garantias básicas que a constituição de um Estado pode oferecer aos seus cidadãos para que os mesmos tenham uma vida digna. Diante disso é dever do Estado fornecer ao cidadão o mínimo necessário para que este tenha uma qualidade de vida a altura de suas expectativas. Como prestações positivas estatais, os direitos sociais possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos uma vez que esses direitos se ligam ao direito da 3 Alexandre de Moraes conceitua que direitos sociais “são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se com verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes visando à concretização da igualdade social”. In: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. Ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 177. 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 563564) 5 SARLET, Ingo Wolfgang. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed., rev., ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 57. 6 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 60) 7 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 571. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 580 729 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 igualdade e criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real9. Para Sarlet,10 os direitos sociais exigem uma atuação positiva do legislador e do Executivo no sentido de implementar a prestação que constitui objeto do direito fundamental, assim, Os direitos sociais a prestações encontram-se vinculados às tarefas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como a criação de bens essenciais não disponíveis para todos os que deles necessitem. Nesse sentido, não basta que os direitos estejam elencados na carta constitucional, é preciso também que o poder público arque com os meios necessários para que essas garantias constitucionais sejam efetivadas. Na Constituição de 1988 os direitos sociais estão inseridos no título II que trata dos direitos e garantias fundamentais e no Art. 6º11 estão elencados alguns direitos sociais primordiais para o bem estar da população. O direito à saúde é um desses direitos primordiais que como os outros devem ser efetivados pelo Estado para que garantam ao cidadão uma melhor qualidade de vida. E não há melhor maneira de garantir esse direito tão fundamental do que o positivando na carta constitucional da nação. 1.1 A saúde12 como direito fundamental na constituição brasileira de 1988 9 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pag. 286 10 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 298. 11 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 12 O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde traz esse conceito “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.In: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-. 730 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos e positivados constitucionalmente pelo Estado. Em nossa carta constitucional esses direitos não têm só um mero reconhecimento, por se tratar de cláusula pétrea goza de mais garantia e segurança. Os direitos fundamentais são os direitos que o homem obtém pelo simples fato de ter nascido e quando assegurados pela Lei Maior ganham plenitude e a segurança de que todos eles serão efetivados13. Em relação ao direito à saúde as outras constituições brasileiras não concederam ao cidadão esse direito tão fundamental, depois da proclamação da República a primeira a conceder esse direito foi a Carta Constitucional de 1988. A Lei Maior não só agasalhou a saúde como bem jurídico digno de tutela constitucional, foi mais além, consagrou a saúde como direito fundamental, outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídicoconstitucional pátria14. Esse entendimento de que a saúde é um direito fundamental passível de proteção e de tutela do Estado, é resultado de um grande avanço não apenas do direito, mas também da própria ideia do que seja a saúde15. Inserir a saúde como direito fundamental na constituição de 1988 foi a decisão mais sensata do constituinte. Ao garantir esse direito tão pleno, o constituinte elevou a saúde a um patamar de direito irrevogável, diferente do tempo em que só tinha direito a saúde quem contribuísse ao Instituto de Previdência. 1.2 Histórico da saúde pública no Brasil 13 PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Direito à Saúde: uma perspectiva constitucionalista. Passo Fundo: UFP, 2003, p. 64. 14 SARLET, Ingo Wolfgang. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO CONTEÚDO,EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, 2002, p. 2. 15 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 77. 731 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Há muito tempo o Estado brasileiro se preocupa com a saúde da população. Desde o início do século XIX as autoridades sanitárias tentam criar medidas para proteger a saúde dos cidadãos combatendo as principais doenças transmissíveis da época. Oswaldo Cruz foi o grande mentor do plano de combate a doenças transmissíveis e obteve tantos resultados que após 1915 essas epidemias estavam quase todas sob controle16, que levou o governo por em prática essas ações e serviços sanitários para outras partes do país, inclusive para o meio rural que não contava com esses serviços17. Tivemos grandes avanços em relação à saúde no país nos anos seguintes. Na década de 1970 foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que prestava assistência à saúde aos trabalhadores da economia formal e seus dependentes18, no entanto, os trabalhadores informais que não tinham convênio com o INAMPS, nem como pagar pelo atendimento privado, era obrigado a recorrer às instituições filantrópicas e quase comprovar “indigência” para ter acesso à assistência médica19. No final da década de 80 foi promulgada a atual Constituição que em uma sessão exclusiva garantiu o acesso à saúde a toda a população, sem distinção entre brasileiros e estrangeiros, ou seja, garantiu a universalização e a equidade da saúde para todos. 1.3 - Do Direito à saúde 16 KLEBA, Maria Elisabeth. Descentralização do sistema de saúde no Brasil: Limites e possibilidades de uma estratégia para o empoderamento. Chapecó: Argos, 2005, p. 149. 17 GONÇALVES, Emerson. O Estado constitucional do direito à saúde. São Paulo: Baraúna, 2011, p. 38. 18 BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Tendências e Desafios dos Sistemas de Saúde nas Américas. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2002. p.11. 19 KLEBA, Maria Elisabeth. Descentralização do sistema de saúde no Brasil: Limites e possibilidades de uma estratégia para o empoderamento, p. 157. 732 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A única carta do Estado brasileiro a prever o direito à saúde foi a constituição de 1988 que consagrou no seu Art. 19620 que a saúde é um direito de todos - com acesso universal - por isso todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país devem ser tratados de forma igualitária, tanto na promoção, proteção, quanto na recuperação de sua saúde. Mas, não basta só prever o direito - tem que fazer com que essa garantia seja executada como prioridade - não é dever do Estado dar saúde, mas sim proteger a Saúde21 e isso não implica apenas no oferecimento da medicina curativa, mas também da medicina preventiva22. Ao tratar dessa garantia Gonçalves23 afirma que em nenhum momento o direito à saúde pode ser negado pelo Estado e como um direito, sobretudo humano exige cada vez mais proteção e envolvimento do Estado. O ministro Celso de Mello no relatório do Recurso Extraordinário, afirmou que o Poder Público - indiferente de qual seja a organização federativa - não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional 24. Uma vez garantido pela constituição vigente esse direito não pode ser deixado de lado, o Estado deve cumprir integralmente a carta magna e garantir o direito a saúde ao cidadão, indiferente de cor, credo ou nacionalidade. 1.4 - Sistema Único de Saúde na CRFB/88 e na Lei 8080/90 20 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 21 COSTA, Elcias Ferreira da. Comentários breves a constituição Federal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1989, p. 264. 22 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17. ed. rev. Atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p.1274. 23 GONÇALVES, Emerson. O Estado constitucional do direito à saúde, p. 103. 24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. Recurso Extraordinário 271.286. Relator: Min. Celso de Mello. Data de Julgamento: 11/09/2000. Data de Publicação: DJ 24-11-2000 733 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Instituído na Constituição de 1988, o SUS foi positivado no artigo 200 que estabeleceu suas primeiras atribuições e afirmou que outras seriam dadas por uma lei especifica. Em 1990 foi promulgada a Lei Orgânica da Saúde (LOS) com a finalidade de ratificar o disposto na Constituição de 1988 e regulamentar para todo o território nacional as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e a partir do seu artigo 4º designa quais são essas ações e quem é competente para prestar os serviços relacionados ao SUS. A lei 8.080/9025 no artigo 2º confirma que a saúde é direito fundamental do ser humano, ou seja, é universal e que o Estado deve reformular e executar políticas econômicas e sociais com o intuito de garantir o exercício desse direito do cidadão.26 Outra ratificação importante da LOS é a confirmação da definição de saúde da ONU, no parágrafo único do artigo 3º da referida lei, institui-se que a saúde deve garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, ou seja, não se trata apenas do aspecto físico da pessoa, mas sim de sua saúde mental27. A princípio o próprio artigo 4º28 da LOS conceitua que é o Sistema Único de Saúde (SUS) e inclui as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde e também afirma que a iniciativa privada poderá participar do SUS, em caráter complementar. Diante disso, todos os serviços públicos de saúde dos Estados e Municípios deverão ficar subordinados à normatização do SUS, inclusive os hospitais 25 Lei 8080/90- Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 26 CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis 8.080/90 e 8.142/90): Sistema Único de Saúde. 2ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1995, p. 56. 27 28 CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 61. Art. 4º- O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). 734 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 universitários pertencentes às universidades públicas ou privadas deverão aplicar o que determina a LOS29. Outro ponto importante a ser analisado é o disposto no artigo 5º que trata dos objetivos do SUS, principalmente ao reconhecer que a política de saúde se destina a promover e a interferir nas condições econômicas e sociais para prevenir doenças e outros agravos30 Para este trabalho o dispositivo mais importante da Lei Orgânica é o Art. 6º, inciso I, alínea “d” que garante ao paciente que os medicamentos prescritos pelo médico para a cura ou alivio da sua enfermidade serão fornecidos pelo SUS31. 2- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DO SUS Existem inúmeros princípios importantes no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto neste trabalho serão analisados os Princípios Constitucionais do Direito à vida e o da dignidade da pessoa humana, em relação aos Princípios do SUS serão abordados a Universalidade, Equidade e Integralidade. Para Reale princípios são verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia a um conjunto de juízos, sintetizando, são os princípios que dão base a um texto constitucional.32 Inserido no artigo 5º da CRFB/88, o princípio do Direito à vida é o mais importante para o ser humano, uma vez que é a base para todos os outros. Sem o direito à vida garantido não se pode falar em dignidade, muito menos em direito a saúde, pois ele não compreende só o direito de permanecer vivo, mas garante o direito a uma vida digna. 29 CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 63. 30 CARVALHO, Guido Ivan: SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 71. 31 32 Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: d- de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 60. 735 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Moraes33 entende que esse princípio é o mais fundamental de todos, já que se constitui em pré-requisito à existência de todos os demais direitos e afirma que cabe ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda a ter vida digna quanto à subsistência. Não basta estar vivo, deve-se ter uma qualidade de vida para que possa gozar todas as coisas boas que a vida lhe proporciona, pois “O direito à vida traduzse no direito de permanecer existente e no direito a um adequado nível de vida34” Esse princípio nada mais é que a garantia de uma existência com mais dignidade, pois ao se proteger a vida dá-se ao ser humano a segurança de que ele terá outros direitos primordiais garantidos. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está inserido na constituição de 1998 no titulo I que trata dos princípios fundamentais da República, isto quer dizer que o Estado brasileiro está alicerçado nesse princípio. Sarlet define esse principio como “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade” 35. Para Moraes36 a dignidade da pessoa humana É um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. Mas, não basta garantir esses princípios na Carta Magna, deve-se dar garantias para que o cidadão possa se expressar com autonomia e guiar-se pelas 33 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 30-31. 34 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional, p. 649. 35 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60. 36 MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5ª edição,São Paulo, Editora Atlas, 2005,p.128. 736 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 leis que ele próprio edita, uma vez que ele é um ser racional e responsável pela própria vida. Elencados no artigo 7º37 da lei 8080/90, os Princípios do SUS foram criados para corroborar com o direito à saúde prevista no artigo 196 da CF, uma vez que a saúde deve ser garantida de forma universal e igualitária e suas ações e serviços devem ser feitas de forma integral para a promoção, proteção e recuperação par melhor atender o doente. O princípio da Universalidade38 garante a todo e qualquer indivíduo em terras brasileiras o direito e o acesso a todos os serviços de saúde. A universalidade confere à saúde um direito fundamental do ser humano e, portanto cabe ao Estado garantir as condições básicas para o seu pleno exercício, ou seja, o acesso, a atenção e assistência à saúde em todos os níveis de complexidade. A universalização, todavia, não quer dizer somente a garantia imediata de acesso as ações e aos serviços de saúde. A universalização, diferentemente, coloca o desafio e oferta desses serviços e ações de saúde a todos os que dele necessitem, todavia, enfatizando as ações preventivas e reduzindo o tratamento de agravos39. O Ministério da Saúde ao conceituar a universalidade afirma que este princípio ainda está em construção e há muito trabalho a ser feito, uma vez que devem ser enfatizadas as ações preventivas para reduzir o tratamento de agravos. O princípio da Equidade40 foi criado para diminuir as desigualdades no tratamento das pessoas que buscam a saúde pública. Este princípio afirma que todo cidadão é igual perante o SUS e que será atendido em todos os serviços de saúde e em qualquer nível de complexidade. 37 38 Art. 7º- As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: Art 7º, I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. 39 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Sistema Único de Saúde (SUS): Princípios e Conquistas. Brasília: Ministério da Saúde, 2000. p.30. 40 Art. 7º, V - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; 737 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Para Carvalho41 a igualdade de assistência prevista no inciso IV do artigo 7º significa que nos serviços públicos não pode haver distinção entre as pessoas, por esse motivo a assistência há de ser oferecida sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie e afirma que: É o princípio constitucional de promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Nenhum atendimento há de privilegiar quem quer que seja, nem quanto à qualidade dos serviços, nem quanto à preferência de pessoas. A equidade no SUS veio para ratificar aquela máxima do direito “tratar os desiguais na medida de sua desigualdade”, ou seja, tratar de maneira igualitária as pessoas que tenham problemas semelhantes e com isso possibilitar uma maior justiça na assistência à saúde do cidadão. O princípio da Integralidade42 pode ser entendido como um conjunto de ações com serviços que atinge desde a prevenção das doenças até as medidas curativas, tanto individuais como coletivos e garante que cada caso será analisado de acordo com o seu nível de complexidade. Para Carvalho a integralidade é dividida em duas fases e deve ser combinada com o princípio da equidade. Em primeiro lugar, a assistência integral combina, de forma harmônica e igualitária, as ações e os serviços de saúde preventivos com os assistenciais ou curativos. (...) Em segundo lugar, a assistência implica, como se anuncia, atenção individualizada, ou seja, para cada caso, segundo as suas exigências, e em todos os níveis de complexidade.43 Este princípio garante que o paciente, desde a sua entrada no serviço de saúde até a sua saída, usufrua de todos os serviços de saúde não importando o nível de complexidade de sua doença. 41 42 43 CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 80 Art. 7º, II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde, p. 77. 738 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Sem alguns desses princípios nossa legislação não teria muito valor, pois o princípio, muitas das vezes, tem mais significado que a própria regra. Valorizar a regra em detrimento ao principio é retirar o direito mais básico do cidadão. 3- DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESTADO Regula o artigo 23, inciso II da CRFB/88 que cuidar da saúde é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou seja, essa responsabilidade é solidaria para esses entes públicos, por isso nenhum deles podem se escusar desse dever. O Artigo 27544 do CC ao tratar da solidariedade passiva afirma que o credor pode cobrar de qualquer um dos devedores. Em relação ao fornecimento de medicamentos, a responsabilidade de um ente público não isenta a legitimidade dos demais, portanto no caso de um deles não cumprir da obrigação de fornecer os medicamentos de forma individual ou coletiva os outros deverão responder de maneira solidária. Não poderá qualquer ente da federação eximir-se da responsabilidade de assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves, alegando ser responsabilidade de outro ente federado, ou ainda, de que este atendimento está vinculado a previsão orçamentária, pois o SUS é composto pela União, Estados-membros e Municípios45. Em julgamento recente, o Desembargador Rui Portanova afirmou que “Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito 44 45 Art. 275 CPC. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto. MARTINS, Wal. Direito a saúde: compêndio. Belo horizonte: fórum, 2008, p. 65. 739 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 fundamental ao direito à saúde, não havendo razão para cogitar em ilegitimidade passiva ou em obrigação exclusiva de um deles”.46 É pacifico o entendimento jurisprudencial atual ao afirmar que a responsabilidade dos entes públicos é solidária. Os recentes julgados dos TJ’s estaduais (Agravo de Instrumento: 70050309509 RS, Apelação Cível: 201100010015694 PI, Apelação Cível: 70050513530 RS) afirmam que a União, Estado e Município são solidários no fornecimento de medicamentos, mesmo que o fármaco não integre as listagens desses entes. Joaquim Barbosa em julgamento de Agravo de Instrumento47 ratificou o entendimento do STF de que o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. “Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo”. Diante desses entendimentos jurisprudenciais não há o que se negar, os entes federativos são responsáveis solidariamente por fornecerem medicamentos excepcionais48 para quem necessitar deles. 4- A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Uma vez garantido pela constituição e não amparado pelos entes públicos, não resta dúvida que a única solução seja procurar o Judiciário para garantir o tão 46 Porto Alegre. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70048287171. Relator: Rui Portanova. Data de Julgamento: 31/05/2012. Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/06/2012. 47 Brasil.AI 550.530-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE de 16-8-2012. 48 Medicamento excepcional é aquele utilizado no tratamento de doenças crônicas, consideradas de caráter individual e que, a despeito de atingirem um número reduzido de pessoas, requerem tratamento longo ou até mesmo permanente, com o uso de medicamentos de custos elevados. Por serem, em sua maioria, medicamentos excessivamente onerosos, são também chamados de medicamentos de alto custo (DANTAS, Nara Soares; SILVA, Ramiro Rockenbach da. Medicamentos excepcionais. Brasília : Escola Superior do Ministério Público da União, 2006) 740 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 almejado direito. Isto é judicialização, buscar através do judiciário o que deveria ser oferecido de forma “amigável” pela administração pública. Entende-se por judicialização a valorização do Poder Judiciário como uma entidade que preencha um vazio e devolva a sociedade um sentimento de justiça. A Judicialização é um mero indicador de que a justiça se tornou o último refúgio de um ideal democrático.49 A judicialização da saúde50 está vinculada à busca de soluções para os agravos da saúde não abrangidos pelo sistema público de saúde, ou seja, refere-se à obtenção de atendimento médico, fornecimento de medicamentos e de outros procedimentos por via judicial para garantir um atendimento semelhante ao privado. A judicialização da saúde vem trazendo inúmeros resultados para o cidadão que precisa de medicamentos excepcionais e não pode pagar por eles. O Judiciário está conseguindo grandes feitos para a sociedade brasileira. A mais nova conquista foi o fornecimento, pelo SUS, do medicamento mais demandado judicialmente às mulheres portadoras de câncer de mama metastático. O fornecimento do medicamento Trastuzumabe51 (Herceptin), que pode ser usado em casos iniciais ou avançados de câncer estava restrito a mulheres que conseguiam o direito de recebê-lo do governo por meio de ações judiciais já que cada frasco custa, em média, R$ 7 mil. 49 VIANNA, Luiz Werneck. ET AL. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan. Setembro de 1999. p. 25 50 É o conjunto de questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de prestação de serviços de saúde por estabelecimentos assistenciais próprios para esse fim, de natureza pública ou privada. (WEBER, Cesar Augusto Trinta. O prontuário médico e a responsabilidade civil. Porto alegre: EDIPUCRS, 2010. P. 31- 32) 51 O Trastuzumabe é um medicamento antineoplásico biológico (anticorpo monoclonal humanizado anti-HER-2), utilizado na quimioterapia do carcinoma de mama que superexpressão do HER-2, um tipo de receptor celular transmembrânico com domínios de tirosinoquinase. In: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt0073_30_01_2013.html> Acesso em 2 de maio de 2013. 741 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 As portarias nº18 e 1952, que incorporaram o medicamento Trastuzumabe no SUS foram publicadas no Diário Oficial da união do dia 25 de julho de 2012. No entanto, as mulheres moradoras do Estado de Santa Catarina já tinham esse direito assegurado desde a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal no ano de 201153. Diante do exposto torna-se evidente que os juízes são os grandes responsáveis por esses feitos. Como não há norma que regularize o fornecimento de medicamento excepcional, os julgadores precisam julgar seguindo os princípios gerais do direito para que a regra contida no artigo 196 da CRFB/88 não se torne uma promessa constitucional sem o seu devido cumprimento. Entender que o direito a saúde também engloba direito a medicamentos essenciais e excepcionais é complicado para os entes públicos, por isso deve o juiz julgar de forma que o direito assegurado aos cidadãos não se converta Em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado54 52 PORTARIA Nº 19, DE 25 DE JULHO DE 2012 : Torna pública a decisão de incorporar o medicamento trastuzumabe no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento do câncer de mama inicial. Art. 1º Fica incorporado o medicamento trastuzumabe no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento do câncer de mama inicial, (...) que será utilizado apenas em hospitais habilitados em oncologia, em cumprimento das diretrizes diagnósticas e terapêuticas do Ministério da Saúde. In: (http://www.amucc.com.br/arquivos/file/portarias_trastuzumabe_2012.pdf) acesso em 22 de setembro de 2012. 53 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.72.00.011736-3/SC SENTENÇA. DETERMINO aos réus que comecem a tratar, com o fármaco Trastuzumabe, as mulheres residentes em Santa Catarina, já acometidas ou que venham a ser acometidas por câncer de mama metastático, que apresentem ou venham a apresentar, tumor(es) maior(es) do que 1,0 cm, com superexpressão do receptor HER2, incluindo-as em programa no qual deverão ser mantidas enquanto necessitarem do medicamento/tratamento. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.72.00.011736-3. MINISTERIO PUBLICO FEDERAL: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO. Juiz relator: HILDO NICOLAU PERON. Florianópolis, 28 de fevereiro de 2011. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. Recurso Extraordinário 271.286. Relator: Min. Celso de Mello. Data de Julgamento: 11/09/2000. Data de Publicação: DJ 24-11-2000 742 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Os entes públicos em suas apelações sempre dão a velha desculpa de que o judiciário violou a Separação dos Poderes, ou seja, está legislando e intervindo nas funções do legislativo. Outrossim, alegam também a reserva do possível afirmando que não possuem recursos suficientes. Mas o argumento da reserva do possível já foi derrubado pela jurisprudência pátria, pois o Estado não pode invocar esse princípio para se exonerar do cumprimento de suas obrigações constitucionais. Em julgamento recente o TJ de Santa Catarina julgou consoante esse entendimento. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DIREITO À SAÚDE - OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO - AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INEXISTÊNCIA É inegável que a garantia do tratamento da saúde, que é direito de todos e dever dos entes públicos, pela ação comum da União, dos Estados e dos Municípios, segundo a Constituição, inclui o fornecimento gratuito de meios necessários à preservação a saúde a quem não tiver condições de adquiri-los. A falta de dotação orçamentária específica não pode servir de obstáculo ao fornecimento de tratamento médico ao doente necessitado, sobretudo quando a vida é o bem maior a ser protegido pelo Estado, genericamente falando. Não há como falar em violação ao Princípio da Separação dos Poderes, nem em indevida interferência de um Poder nas funções de outro, se o Judiciário intervém a requerimento do interessado titular do direito de ação, para obrigar o Poder Público a cumprir os seus deveres constitucionais de proporcionar saúde às pessoas, que não foram espontaneamente cumpridos. (Apelação Cível n. 2012.059930-8, de Coronel Freitas, Julgado em 18 de outubro de 2012. rel. Des. Jaime Ramos) (grifo nosso) Nada mais a acrescentar, resta comprovado com esta pesquisa que o Estado é solidariamente responsável pelo fornecimento de medicamentos excepcionais e o cidadão pode recorrer ao Poder Judiciário para ter esse direito garantido, caso lhe seja negado de forma administrativa pelos entes públicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante a análise da legislação e jurisprudência restou confirmada que a saúde é direito fundamental do ser humano e, portanto deve ser garantida e prestada de 743 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 forma gratuita e universal pelo Estado, fato que lamentavelmente não vem ocorrendo, principalmente quando se trata de medicamentos excepcionais. Conforme a jurisprudência pátria o medicamento excepcional deve ser fornecido de forma administrativa e o cidadão não precisa recorrer ao Judiciário para ter garantido o seu direito, pois conforme o disposto nos artigos 196 e 23, inciso II da Constituição Federal de 1988 tanto a União, o Estado e o Município são responsáveis pelo fornecimento do medicamento de modo solidário. Os julgados são unânimes ao afirmar que os entes públicos são responsáveis pelo fornecimento do medicamento excepcional, independentemente se esse ele faz parte ou não de suas respectivas listas, uma vez que esse tipo de medicamento faz parte da promoção, proteção e recuperação da saúde. Entretanto, poucos cidadãos que tem a “sorte” de receber esse medicamento sem ter que bater as portas do Poder Judiciário, o que nos leva a concluir que recorrer ao Judiciário é o meio mais eficaz para ter acesso ao medicamento excepcional, pois reiteradas jurisprudências podem forçar os entes públicos a incluírem esses medicamentos nas suas respectivas listas, evitando assim o agravo de muitas doenças. REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Tendências e Desafios dos Sistemas de Saúde nas Américas. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. In: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> acesso em 04 de agosto 2012. BRASIL. Lei 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. In: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2012. 744 GUIMARÃES, Márcia; PILAU SOBRINHO, Liton Lanes. Judicialização da saúde: direito a medicamento excepcional. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 727-746, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 19, de 25 de julho de 2012. In: <http://www.amucc.com.br/arquivos/file/portarias_trastuzumabe_2012.pdf> acesso em 22 de setembro de 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 73, de 30 de janeiro de 2013. In: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2013/prt0073_30_01_2013.html> acesso em 02 de maio de 2013. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. Recurso Extraordinário 271.286. Relator: Min. Celso de Mello. Data de Julgamento: 11/09/2000. Data de Publicação: DJ 24-11-2000. In: <http://stf.jusbrasil.com/jurisprudencia/779142/agregno-recursoextraordinario-re-agr-271286-rs> acesso em 23 de setembro de 2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 550.530. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Data do julgamento: 26/06/2012. In: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2555288> acesso em 23 de setembro de 2012. CARVALHO, Guido Ivan; SANTOS, Lenir. Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis 8.080/90 e 8.142/90): Sistema Único de Saúde. 2ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1995. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17. ed. rev. Atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. COSTA, Elcias Ferreira da. Comentários breves a constituição Federal. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1989. DANTAS, Nara Soares; SILVA, Ramiro Rockenbach da. Medicamentos excepcionais. 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