Ora, ora, não foi nada!
A UNIVALI despontou no cenário nacional ao atingir o ponto mais alto de sua
carreira institucional, ao atingir o status de universidade. Foi um fato memorável, não só
para as equipes de professores e funcionários que trabalharam para que essa conquista
se tornasse uma realidade, mas, também, para a cidade de Itajaí e para toda a região
circunvizinha. Uma festa.
Uma festa desse tamanho sempre tem lances de todo tipo, o leque vai dos
trágicos aos cômicos. Um lance tragicômico, que ocorreu nos momentos finais do
processo de reconhecimento da UNIVALI como universidade, envolveu uma
importante personagem desse histórico acontecimento, nada menos que um dos
destacados membros da comissão de reconhecimento, um senhor de provectas cãs e de
renome no cenário educacional catarinense.
A chegada, a recepção e a acolhida dos membros da comissão verificadora são
momentos cuidadosamente preparados e calculados pela instituição que passará pelo
crivo da avaliação do seleto grupo de peritos. Qualquer erro pode ter conseqüências
indesejáveis. A equipe da UNIVALI, já calejada nesse tipo de situação, esmerou-se ao
máximo para bem receber seus juízes, oferecendo-lhes todo o apoio e refinada cortesia,
certa de que assim estaria contribuindo para que os trabalhos da comissão se
desenvolvessem da melhor maneira possível.
Como os membros vinham de diferentes localidades do país, foram
recepcionados por diferentes grupos de professores e funcionários, todos solícitos e
conscientes de sua missão de embaixadores avançados.
Um dos membros da comissão, em especial, teve o roteiro de sua viagem até à
UNIVALI alterado por medonhas forças, não só da natureza, mas, principalmente, da
criatividade e espírito de iniciativa da comitiva que o recepcionava. O professor foi
recebido em Florianópolis, de onde foi delicadamente transportado em veículo da
universidade, até Itajaí.
Ao passar por Balneário Camboriú, por volta das onze horas da manhã, o grupo
de recepção conduziu o conselheiro a um restaurante, onde lhe foi oferecido um lauto
almoço, com tudo o que tinha direito, durante o qual, muitos assuntos referentes à
instituição foram tratados e algumas dúvidas, inclusive, foram devidamente esclarecidas
ao nobre visitante. Pois bem, até aí foi tudo normal, sem contratempos. Do restaurante,
o grupo se dirigiu ao Campus da UNIVALI em Balneário Camboriú, onde o professor
foi recebido com os mais saborosos quitutes dos mestres do curso de Gastronomia. Uma
recepção digna de tão excelsa figura. Docinhos, canapés, sucos e tudo o mais.
O calor de fim de ano esturricava os miolos e completava o cenário. O professor,
já de idade um tanto avançada e quiçá de frágil saúde, abanava-se contente e saboreava
as guloseimas, não escondendo o entusiasmo de que estava tomado. O grupo que o
circundava cumulava-o de gentilezas, não medindo esforços para agradá-lo.
A comissão, naquela mesma tarde, faria uma reunião prévia, para acertar
determinados pontos da avaliação, isto aconteceria lá pelas dezesseis horas. O relógio
marcava quinze horas, quando o grupo resolveu tomar o rumo de Itajaí, onde deixariam,
finalmente, o professor e, só então, estariam livres do compromisso.
Todos no carro, o motorista e o recepcionado na frente, uma professora e um
professor da UNIVALI no banco de trás. O velho professor sentou-se silencioso,
parecendo um pouco acabrunhado, ajeitou o cinto de segurança e lá se foi o carro,
gemendo pelas ruelas do bairro. A três quadras do campus, os dois professores
acompanhantes se entreolharam, os cenhos franzidos, perguntando-se, em silêncio, que
cheiro seria aquele que, de repente, tudo tomara. Realmente, um forte odor inundou o
veículo. O motorista olhava pelo retrovisor, sem nada entender. O velho professor
quieto, os olhos fixos no vazio. Apenas os grossos fios de suor que lhe escorriam da
fronte revelavam o drama pelo qual passava o pobre homem. Havia acontecido. O
almoço, os docinhos, as emoções da chegada, os sucos e os canapés não lhe caíram
bem. A comilança, aliada à impiedosa canícula, lhe provocaram tal desarranjo intestinal
e uma diarréia de tais proporções, que a mancha fatídica espalhava-se como a peste e
lhe chegava ao meio das costas, ultrapassando os limites do surrado paletó e empapando
o assento e as roupas.
Em meio ao silêncio constrangido, ao calorão miserável e ao fedor de matar
qualquer um, a professora arriscou:
- Professor...
Nada. Ela insistiu, com a voz sumida:
- Professor, o senhor precisa de alguma coisa?
Da frente, nenhuma resposta. O velho mestre permanecia atônito, mudo, as mãos
enfiadas entre as pernas, num esforço inútil de conter o que não mais era possível ser
contido. Somente o silêncio gritava por socorro. A professora revestiu-se de autoridade
e ordenou:
- Motorista, rápido, direto para o Hotel-Escola!
Foram as únicas palavras pronunciadas naquele carro durante todo o percurso.
Num gesto único e num refrescante uníssono, três mãos giraram febrilmente as
manivelas e baixaram os vidros. O veículo corria à toda velocidade em direção ao
centro da cidade; nem sequer os sinais vermelhos foram respeitados. Pelo celular a
professora determinava à recepção do hotel que preparasse tudo...
O nosso velho e silencioso professor saiu do carro com todo o apoio possível, foi
praticamente carregado elevador-acima, onde ainda impôs a todos severo sufoco nasal,
democratizando, generosamente, a mais incrível fedentina. Foi levado a um dos quartos,
onde o esperava um reconfortante e conveniente chuveiro. Ao sair do banho não mais
encontrou suas antigas e borradas vestes, ao contrário, sobre a cama um belo terno novo
e completo o esperava. Tudo fazia parte da impecável recepção.
O relógio marcava cinco para as quatro da tarde, quando o nosso herói entrou na
sala da comissão, sorridente e aliviado, afinal o incidente não lhe abalara os brios e, de
mais a mais, nem mesmo uma borrada homérica como essa seria capaz de manchar o
brilho de tão gloriosa história.
Prof. Jonas Tadeu Nunes (ex-colaborador da Univali)
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