NECESSIDADE DE P&D EM BIOCOMBUSTÍVEIS: O PAPEL DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (ANP) Luis Polybio Brasil Teixeira1 Milena Nascimento Sales2* Cristiane de Magalhães Porto3 Resumo: A crescente demanda por biocombustíveis, em substituição àqueles oriundos de fontes fósseis, tem evidenciado a premência de pesquisa e desenvolvimento neste setor. Fatores como a necessidade de diversificação da matéria-prima para a inclusão social dos agricultores familiares, no caso do biodiesel, ou concorrência com a mesma matéria-prima do açúcar, no que concerne ao etanol, intensificam a necessidade da busca por inovações tecnológicas. Objetiva, assim, o texto, através do estudo dessas situações, mostrar a importância de se estimular a inovação tecnológica. Considerando, ainda, a complexidade desse processo, investiga, mediante mapeamento do arcabouço regulatório voltado ao setor, o papel da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), como fomentadora da participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional, resguardando os interesses econômicos, sociais e ambientais envolvidos. Palavras-chave: Biocombustíveis. Inovação tecnológica. ANP. Abstract: Growing demand for biofuels, replacing those from fossil fuels, has shown the urgent need for research and development in this sector. Factors such as the need for diversification of raw material for the social inclusion of family farmers, in the biodiesel, or competition with the same raw sugar, in the case of ethanol, intensifying the search technological innovations. Objective, so the text, through the study of these situations show the importance of simulating technological innovation. Furthermore, considering the complexity of this process, discovers, trough mapping of the regulatory framework facing the sector, the role of National Agency of Petroleum, Natural Gas and Biofuels (ANP) as a promoter of the share of biofuels in the national energy matrix, protecting the interests of economic, social and environmental issues involved. Ke-words: Biofuels. Technological innovation. ANP. 1 Mestrando em Bioenergia pela Rede de Ensino FTC e Especialista em Regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). E-mail: [email protected] 2 Mestranda em Bioenergia pela Rede de Ensino FTC e Especialista em Regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). E-mail: [email protected] 3 Doutora Multdisciplinar em Cultura e Sociedade – UFBA. Mestre em Letras – UFBA. Professora do Mestrado em Educação da Universidade Tiradentesdo professora colaborado da do Mestrado Profissional em Bioenergia da Rede de Ensino FTC. Pesquisadora do grupo registrado no CNPq sobre Cultura Científica– Ufba. E-mail: [email protected] _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 2 1 Introdução Muito se tem debatido acerca da substituição – ainda que de forma parcial – dos combustíveis oriundos do petróleo por outros – com igual eficiência energética – porém, procedentes de fontes alternativas. Analisando-se, entretanto, o cenário nacional no que se refere à participação dos biocombustíveis na matriz energética, observa-se que alguns fatores ainda entravam a pretendida diversidade. Conforme adiante demonstrar-se-á, situações tais como a falta de variedade sustentável de matéria-prima que atenda os objetivos do Programa Nacional para Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e a concorrência do etanol com a mesma matéria-prima do açúcar (considerando os preços mais atraentes do gênero alimentício no mercado internacional), tornam a inovação tecnológica fundamental para o fortalecimento dos biocombustíveis. Neste sentido, deve-se estimular o estudo de novas fontes a serem utilizadas nos processos produtivos, bem como o incremento de produtividade das já existentes, permitindo um salto tecnológico em relação aos processos então vigentes. Dentro deste contexto, destaca este estudo o papel da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no estímulo à produção e ao desenvolvimento de estudos científicos, sobretudo no que diz respeito à premência da transformação da matriz energética nacional. 2 A Necessidade do Desenvolvimento Tecnológico Nos dias atuais, a conscientização em relação à preservação do meio ambiente é crescente, constituindo-se a busca por fontes de energia renováveis uma das principais metas para o desenvolvimento sustentável. Essa percepção acerca da urgência de um novo padrão energético e ambiental está amplamente difundida entre um grande número de países, sobretudo aqueles que ocupam posições destacadas em termos econômicos e lideram o desenvolvimento científico e tecnológico mundial (FURTADO; RADAELLI, 2010). 2.1 P&D para o biodiesel Discorrendo acerca da importância do biodiesel para construção da diversidade da matriz energética no Brasil, Campos e Carmélio (2009, p. 94-95) evidenciam que “há muito a ser feito em termos de pesquisa e desenvolvimento, tanto agrícola como industrial”, bem como que o referido biocombustível só atingirá “um bom nível de competitividade à medida que avançarem as pesquisas e que a adoção de mecanismos de transferência de tecnologia se intensificar”. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 3 Não é sem motivo tal preocupação. O PNPB, no dizer de Abramovay (2007), surgiu como um projeto governamental para estimular a participação de agricultores familiares em sua matriz produtiva e incentivar o uso de matérias-primas até então pouco empregadas. Em artigo sobre o tema, datado do início do programa, enfatiza-se: Com o biodiesel, o Governo brasileiro procura evitar o que ocorreu com o etanol no tocante à concentração em uma cultura ou fonte específica – a monocultura da cana-deaçúcar. A diversificação é uma vantagem e, ao mesmo tempo, um desafio. A vantagem é no sentido de permitir a descentralização da produção de biodiesel, integrando, em sua cadeia produtiva, diferentes categorias de agricultores e de agentes econômicos nas diversas regiões brasileiras. O desafio relaciona-se à necessidade de se selecionar número limitado de fontes que apresentem maiores vantagens e melhores perspectivas, direcionando-lhes políticas públicas adequadas e a devida atenção em termos de desenvolvimento tecnológico, pesquisas, logística de produção e distribuição. (RODRIGUES, 2006, p. 19, grifo nosso) No entanto, passados quase cinco anos da promulgação da Lei n. 11.097/05, que introduziu o biodiesel na matriz energética nacional, observa-se que não se efetivou a pretendida diversificação da matéria-prima. Destarte, a dependência da soja e a consequente dificuldade em promover a inclusão social dos agricultores familiares acabam por prejudicar as aspirações do PNPB. Trata-se, com efeito, hoje, a soja, da única matéria-prima com oferta estruturada, segura e abundante, de modo que, conforme gráfico a seguir, cerca de 80% (oitenta por cento) do biodiesel brasileiro é produzido a partir dessa oleaginosa (as demais matérias-primas significativas são o sebo bovino e o óleo de algodão). Gráfico 1 – Principais matérias-primas utilizadas para produção de biodiesel (janeiro/2010 a setembro/2011) Fonte: Boletim Mensal de Biodiesel – ANP, out. 2011 Há razão para o predomínio dessa cultura na produção de biodiesel. No Brasil, a produtividade alcançada a partir das diversas oleaginosas disponíveis ainda está muito abaixo das _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 4 possibilidades. Essa realidade é fruto de externalidade negativa não-ambiental que diz respeito à sustentabilidade econômica da diversificação das matérias-primas utilizadas para produção de biodiesel. No estágio atual de conhecimento e desenvolvimento tecnológico, o que se constata é que o emprego de matérias-primas diversas da soja não representa opção crível do ponto de vista industrial e, provavelmente, levará certo tempo para se posicionar como opção abundante e segura para a produção de biodiesel (FLEXOR, 2010). Tal situação vai de encontro a um dos objetivos do PNPB, que é a inclusão social promovida através da aquisição de matérias-primas adquiridas da agricultura familiar e conduz à seguinte reflexão: Com efeito, como legitimar um biocombustível com baixo rendimento por unidade de terra e que não cumpre com seu objetivo de inclusão social? A materialização de uma política de promoção dos biocombustíveis capaz de combinar critérios de justiça e de eficiência depende provavelmente do desenvolvimento de novos cultivares e do ritmo de aprendizagem dos diferentes atores envolvidos. Em outras palavras, a legitimidade do PNPB está relacionada em grande parte a investimentos em ciências e tecnologias e à institucionalização de mecanismos que possam induzir a cooperação e a formação de competências tanto individuais como coletivas. (FLEXOR, 2010, on line, grifo nosso). Nesse sentido, é de se dizer que as diretrizes do PNPB conduzem a um natural conflito entre as escalas requeridas pelo mercado de energia e a carência de oportunidades relacionadas aos agricultores familiares, sobretudo no que diz respeito à pesquisa e desenvolvimento no setor. Apontam algumas opiniões que um dos fatores que contribuem para esse quadro é o modelo instituído para concessão do Selo Combustível Social4 fundamental para que as empresas produtoras participem do maior lote do leilão de biodiesel. Segundo os que assim defendem, da forma como estão estabelecidas as regras, não é necessário que as usinas, efetivamente, incluam as famílias na cadeia do biodiesel para continuarem com o benefício (VEDANA, 2009). Tal quadro leva a uma situação de estagnação tecnológica da produção de biodiesel a partir de outras fontes, já que, de forma transversa, os produtores acabam atendendo aos requisitos para serem beneficiados com o incentivo fiscal advindo da concessão do selo, adquirindo o mínimo possível da agricultura familiar – que não apresenta condições técnicas favoráveis à diversificação da matéria-prima – e dirigindo, efetivamente, a maior parte dos recursos aos grandes sojicultures da região Centro-Oeste. 4 Identificação concedida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) aos produtores de biodiesel que promovem a inclusão social e o desenvolvimento regional por meio de geração de emprego e renda para os agricultores familiares do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 5 Para que essa situação não perdure urge o aumento do nível de organização da cadeia produtiva, especialmente a partir do incremento tecnológico que possibilite a exploração de matérias-primas mais apropriadas à agricultura familiar e, portanto, à inclusão social para atender aos desafios colocados. 2.2 P&D para o etanol Também no que concerne ao etanol, é premente a necessidade do desenvolvimento tecnológico. Não obstante a sazonalidade característica da matéria-prima utilizada para sua produção, trata-se de produto estratégico. A sua falta gera crise no mercado de combustíveis e insegurança para os consumidores, que, dependentes do biocombustível, precisam estar salvaguardados quanto ao não desabastecimento. Concorrendo o etanol e o açúcar pela mesma matéria-prima, ressalvadas as questões técnicas, os produtores do setor sucroalcooleiro escolhem entre a produção de um ou outro, conforme a tendência do mercado e a viabilidade econômica do investimento. Nos últimos anos, o mercado do gênero alimentício mais atraente, tem feito com que a destinação da cana-deaçúcar tenha aumentado para sua produção, refletindo no cenário mais atual do etanol no País – dificuldade de abastecimento do produto, preços disparados e necessidade de importação (TEIXEIRA; SALES). Estimativas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), conforme gráfico abaixo, justificam a preocupação, dando conta de que, em 2011, as vendas de automóveis com tecnologia flex ultrapassaram 3,7 milhões, quase 5% (cinco por cento) acima do patamar de 2010. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 6 Gráfico 2 – Produção de veículos flex Fonte: Anfavea Segundo a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), o etanol hidratado produzido na safra 2011/2012, será suficiente para abastecer apenas 45% (quarenta e cinco por cento) dessa demanda. O aumento das importações do produto reflete esse quadro, conforme tabela abaixo: Quadro 1 – Evolução das importações Fonte: ANP, 2011 É de ser ressaltado que, ainda que se considere que os veículos bicombustíveis possam, também, ser abastecidos com gasolina, o problema de segurança do abastecimento do etanol não _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 7 é resolvido. A comercialização de gasolina C (cuja obtenção depende da mistura do etanol anidro com a gasolina A para utilização no abastecimento dos veículos), aumentou 17,5% (dezessete e meio por cento), impulsionada pela perda de competitividade do etanol aliada ao aumento da frota flex fuel (Fecombustíveis, 2011). Deve-se destacar, neste particular, que a gasolina não é um bem substituto do etanol, em virtude da função desse biocombustível de aditivo à gasolina, o que o coloca na posição de bem complementar (OLIVEIRA; ALENCAR; SOUZA, 2008). Destarte, os dados apresentados reforçam a necessidade de avanço no que diz respeito à geração e a transferência de conhecimento científico e tecnológico, como estratégias para o desenvolvimento sustentável do país, também no que se refere ao etanol. 3 O Papel da ANP no Fomento à Inovação Tecnológica Como se demonstrou, é urgente a necessidade de inovação e desenvolvimento tecnológico na área de biocombustíveis. Esse processo envolve a participação de vários setores da sociedade organizada, como bem destacam Melo e Poppe: [...] é preciso considerar que a inovação é um processo complexo e não se limita exclusivamente à dimensão da pesquisa e desenvolvimento. Esse ponto é muito relevante para as discussões em termos de perspectivas nacionais ou globais em relação à expansão dos biocombustíveis, uma vez que, os processos de inovação pressupõem interação entre os vários atores e segmentos da sociedade que compõem aquilo que se costuma chamar de ambiente de inovação. Isso engloba as universidades e centros de pesquisa e inclui forte e determinantemente as empresas; mas abrange também outros aspectos como marcos regulatórios e regras nacionais e internacionais. Trata-se de um processo de natureza sócio-técnico e que precisa ser considerado em suas diversas dimensões para que se desenvolva na intensidade necessária. (MELO; POPPE, 2010, p.27, grifo nosso). Neste aspecto, cabe ao órgão regulador da atividade – a ANP – promover a pesquisa e o desenvolvimento para produção de biocombustíveis, tanto no que se refere ao processo de melhoramento das matérias-primas utilizadas quanto ao surgimento de novas formas de produção. A agência reguladora é também citada do § 2.º, do art. 49, do mesmo diploma legal, como responsável pelo apoio técnico no exercício do cumprimento do disposto na referida Lei: § 2º. O Ministério da Ciência e Tecnologia administrará os programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico previstos no caput deste artigo, com o apoio técnico da ANP, no cumprimento do disposto no inciso X do art. 8º, e mediante convênios com as universidades e os centros de pesquisa do País, segundo normas a serem definidas em decreto do Presidente da República. Conforme inciso X, do art. 8.º, da Lei do Petróleo (Lei n. 9.478/97), entre as finalidades da citada agência, também está estimular o desenvolvimento tecnológico do ambiente que regula. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 8 Mais precisamente, no âmbito dos biocombustíveis, a já citada Lei n.11.097/05 enumera, em seu artigo 1.º, nova competência da ANP, qual seja: a de “incrementar, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional.” 3.1 A ANP e os investimentos Em P&D Tratando, especificamente, de fontes de financiamento à pesquisa no setor energético no País, o artigo 49 da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, prevê que percentuais oriundos dos pagamentos dos royalties da exploração do petróleo sejam direcionados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), visando ao desenvolvimento científico e tecnológico, conforme se pode verificar a seguir: Art. 49. A parcela do valor do royalty que exceder a cinco por cento da produção terá a seguinte distribuição: [...] d) 25% (vinte e cinco por cento) ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo, do gás natural, dos biocombustíveis e à indústria petroquímica de primeira e segunda geração, bem como para programas de mesma natureza que tenham por finalidade a prevenção e a recuperação de danos causados ao meio ambiente por essas indústrias; (grifo nosso) Há, portanto, reserva legal de parte dos recursos oriundos da atividade de exploração e produção petrolífera para o desenvolvimento e incremento tecnológico, inclusive, para produção de biocombustíveis. Outra fonte de financiamento para inovação no setor é a oriunda da Cláusula de Investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, constante dos contratos da ANP de concessão para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e/ou gás natural. Trata-se da Cláusula 24ª, que estabelece que "caso a Participação Especial5 (PE) seja devida para um campo em qualquer trimestre do ano calendário, o concessionário está obrigado a realizar despesas qualificadas com pesquisa e desenvolvimento em valor equivalente a 1% (um por cento) da receita bruta da produção para tal campo." Estabelece ainda que “até 50% (cinquenta por cento) das Despesas Qualificadas com Pesquisa e Desenvolvimento poderão ser realizadas através de atividades desenvolvidas em 5A participação especial, prevista no inciso III do art. 45, da Lei nº 9.478, de 1997, constitui compensação financeira extraordinária devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade, conforme os critérios definidos no Decreto n.º 2.705/1998 (ANP, 2011). _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 9 instalações do próprio Concessionário ou suas Afiliadas, localizadas no Brasil, ou contratadas junto a empresas nacionais. O restante deverá ser destinado à contratação dessas atividades junto a universidades ou institutos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nacionais que forem previamente credenciados para este fim pela ANP”. A aplicação dos recursos prevista na Cláusula de Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento foi regulamentada, após processo de consulta e audiência públicas, pelas Resoluções n. 33/05 e n. 34/05 e seus respectivos Regulamentos Técnicos (n. 5/05 e n. 6/05). É de ser ressaltado, no que concerne especificamente aos investimentos no setor dos biocombustíveis que o Regulamento Técnico ANP n. 5/2005, anexo da Resolução ANP n.º 33, de 24/11/2005, estabelecendo definições, diretrizes e normas sobre a aplicação dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, no que se refere à referida cláusula, dispõe que se considera Pesquisa e Desenvolvimento em Energia “as atividades de pesquisa e desenvolvimento dirigidas para novas tecnologias, produtos, processos ou métodos referentes às fontes de energia renováveis, especialmente biocombustíveis ou aqueles que venham a substituir ou incrementar o uso dos combustíveis fósseis.” Observa-se, portanto, o destaque dado à necessidade de investimentos, diante dos desafios energéticos da atualidade, sobretudo à produção de biocombustíveis, que requerem inovação tecnológica constante e acelerada, com a utilização de novos equipamentos, sistemas, processos e produtos. Em valores acumulados, para demonstrar a importância da referida cláusula, até 2010, foram geradas obrigações de investimentos no montante de R$ 5.228,0 milhões. A Petrobras é responsável por 99,17% (noventa e nove vírgula dezessete por cento) desse valor, ou seja, R$ 5.184,5 milhões. Os demais concessionários obrigados a investir em P&D são: a Repsol (R$ 24,5 milhões); a Shell (R$ 13,4 milhões); e as empresas que integram o consórcio que detém a concessão do Campo de Manati (R$ 5,6 milhões). O Gráfico abaixo apresenta a evolução dos recursos gerados no período 1998-2010. Gráfico 3 - Obrigação de Investimentos em P&D – Valor/Ano _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 10 Fonte: ANP, 2011 4 P&D Em novos Biocombustíveis: o que tem sido feito No papel de fomentadora da participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional, cabe à ANP, dentre outros, autorizar e acompanhar o uso experimental de novos biocombustíveis. Dois exemplos recentes ilustram essa atribuição. Tratam-se das Autorizações ANP n.º 402, de 31 de agosto de 2011, e n.º 470, de 20 de outubro de 2011. A primeira autoriza a empresa Viação Santa Brígida Ltda, de São Paulo, a realizar o uso experimental de combustível não especificado no País, constituído por 85% (oitenta e cinco por cento) de óleo diesel A S50, 5% (cinco por cento) de biodiesel e 10% (dez por cento) de óleo diesel de cana-de-açúcar. A segunda autoriza a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro a também realizar uso experimental de combustível não especificado no País, à semelhança da primeira empresa, porém, em diferentes proporções na mistura. Observe-se que, em ambas as autorizações, um dos componentes da mistura a ser utilizada nos ônibus urbanos é o diesel oriundo da cana-de-açúcar. Nesse processo experimental, cabe à ANP, a qualquer tempo, submeter as empresas à auditoria sobre os procedimentos e equipamentos de medição, bem como solicitar dados referentes à comercialização e à qualidade da mistura, devendo a empresa autorizada apresentar, periodicamente, relatórios referentes à utilização do combustível não autorizado. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 11 O diesel renovável derivado da cana-de-açúcar está sendo produzido pela Amyris Brasil S.A., subsidiária da Amyris, Inc. (NASDAQ:AMRS). Trata-se de um processo produtivo ainda em fase de testes, para verificar se é possível obter em larga escala os mesmos resultados obtidos em laboratório. Tal combustível em uso experimental é oriundo de uma nova tecnologia para produção de combustíveis de segunda geração, a qual utiliza micro-organismos que são capazes de transformar o produto extraído da moagem da cana-de-açúcar em um diesel muito similar ao combustível fóssil, com a vantagem de ser oriundo de uma fonte renovável, bem como ser isento de enxofre, aproveitando-se, também, da vasta experiência agrícola brasileira no manejo da canade-açúcar. Uma análise dos resultados obtidos pelas empresas autorizadas poderá subsidiar a ANP para aprovação e especificação de um novo tipo de combustível, podendo constituir-se em marco regulatório para uma nova geração de combustíveis renováveis. 5 Considerações Finais Por tudo quanto apresentado, conclui-se que a substituição – mesmo que de forma ainda não tanto significativa – de fontes de energia oriundas de derivados de petróleo por fontes provenientes de biomassa, trata-se de um processo irreversível, que só tende a avançar. Entretanto, para que tal aperfeiçoamento se dê, faz-se necessário, de forma urgente, aprimorar-se a conjugação de esforços no que se refere ao estímulo pelas instituições públicas envolvidas e aos investimentos em P&D. Cumpre, assim, observar o papel fundamental das instituições públicas, a exemplo da ANP e do MCTI, devendo esses, ao máximo, e dentro dos aspectos legalmente previstos, possibilitar procedimentos céleres no que diz respeito às autorizações para o desenvolvimento de novos processos produtivos bem como o uso de novas fontes energéticas. Nesse sentido, ensina Barbosa (2002), que o processo de desenvolvimento (em particular, o incentivo à inovação) não prescinde mais da ação dos entes públicos, mesmo em economias de mercado. Atualmente, a coordenação de esforços do setor público e privado, investindo e estimulando o desenvolvimento tecnológico é fundamental para que a independência nacional não seja comprometida nos planos econômico, técnico e político. _________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência – Revista da Faculdade de Tecnologia e Ciências – Rede de Ensino FTC. ISSN 1678-0493, Ano 10, n. 29, mar. 2012. www.ftc.br/dialogos 12 Destarte, observa-se que a inovação tecnológica está diretamente ligada à regulação e aos incentivos concedidos ao setor que se pretenda desenvolver. Não é diferente quando se trata dos biocombustíveis. A segurança jurídica propiciada a partir da definição de arcabouço regulatório voltado às necessidades em P&D favorece o direcionamento dos investimentos e da pesquisa para aquela área. Referências ABRAMOVAY, R; MAGALHÃES, R. O acesso dos agricultores familiares aos mercados de biodiesel: parcerias entre grandes empresas e movimentos sociais. Disponível em: <http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/artigos_científicos/2007/Biodiesel_AIEA2_P ortugue s.pdf>. Acesso em 11 dez. 2011. BARBOSA, Denis Borges (Org.). Direito da Inovação: comentários à Lei Federal de Inovação, Incentivos Fiscais à Inovação, Legislação estadual e local, Poder de Compra do estado (modificações à Lei de Licitações). 2. ed. rev. e aum. 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