UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – INSTITUTO A VEZ DO MESTRE Rita de Cássia Oliveira Motta ESTIMULAÇÃO PSICOMOTORA NA ESCOLA : UMA ABORDAGEM DO TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Orientadora: Profª. Mary Sue Rio de Janeiro Tijuca 2007 2 A ESTIMULAÇÃO PSICOMOTORA NA ESCOLA: UMA ABORDAGEM DO TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL Monografia de final de Curso, apresentada na Universidade Candido Mendes, Campus Tijuca, como requisito parcial para obtenção do grau do Instituto A Vez do Mestre, no curso de psicomotricidade, por Rita de Cássia Oliveira Motta. Rio de Janeiro 2007 3 AGRADECIMENTO Primeiramente a Deus pela dádiva da vida e por estar ao meu lado em todos os momentos da minha longa caminhada. Aos meus amigos e familiares que me incentivaram e estiveram ao meu lado no decorrer do curso. 4 DEDICATÓRIA A todos os professores do Curso de Psicomotricidade que contribuíram e compartilharam de seus conhecimentos, ajudando para a minha formação profissional e pessoal. Em especial, a professora Mary Sue que com sua paciência, atenção e incentivo me auxiliou nessa conquista, fazendo-me refletir sobre os melhores caminhos a tomar em minha nova profissão. Aos meus colegas de curso, onde aprendemos e discutimos juntos sobre as diversidades e a riqueza da psicomotricidade para a nossa profissão. MOTTA. Rita de Cássia. A estimulação psicomotora na escola: uma abordagem do trabalho docente na Educação Infantil. 2007. p 37. Trabalho de Conclusão do Curso de Psicomotricidade. Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2007. 5 RESUMO Esta pesquisa foi realizada com a finalidade de analisar a importância da Psicomotricidade para o desenvolvimento integral da criança na educação infantil. Um trabalho tendo como embasamento o homem na sua totalidade, vislumbrando-o como ser biopsicossocial. A justificativa que norteia o trabalho proposto é a necessidade de fundamentação e de subsídios teóricos-científicos sobre a relação da Psicomotricidade com o desenvolvimento harmonioso da criança na educação infantil, visando favorecer o desenvolvimento integrado dos domínios cognitivo, afetivo-social e psicomotor e procurando mostrar que através dos jogos e atividades lúdicas pode-se proporcionar um processo de ensino-aprendizagem significativo e contextualizado, numa visão ampla e fundamentada na criança. O estudo limita-se à verificação da influência da Psicomotricidade no desenvolvimento global da criança na etapa pré-escolar da educação infantil. Estando a mesma, portanto, na faixa etária de quatro a seis anos e no estágio pré-operatório de desenvolvimento. Vincula-se aos elementos básicos da Psicomotricidade. Para tal, dissertou-se sobre os aspectos epistemológicos da Psicomotricidade; sobre os elementos básicos da Psicomotricidade; fez-se referência à educação infantil, destacando a importância do corpo, do movimento e da ludicidade na mesma; verificou-se os estágios de desenvolvimento infantil e mais especificamente o desenvolvimento na educação infantil e a sua relação com a Psicomotricidade; por fim, relacionou-se a Psicomotricidade, a educação infantil e o desenvolvimento biopsicossocial. Por ser uma pesquisa bibliográfica fez-se exclusivamente investigação, sistematização, ordenação de idéias, aprofundamento, juízo crítico e 6 interpretação do tema exposto, não obstante, sem discorrer sobre programas de aulas ou exercícios específicos. Constatou-se no referido estudo que a Psicomotricidade aplicada à criança na educação infantil, favorece o desenvolvimento do indivíduo em sua totalidade. Por conseguinte, é mister resgatar o caráter meritório do movimento humano. Propõe-se uma pedagogia centrada no aluno e apoiada na ludicidade, interação coletiva e criatividade. É preciso ousar, buscar e criar novas alternativas metodológicas, despertando na criança a paixão de conhecer e o prazer de descobrir, propiciando uma melhoria na qualidade de vida. PALAVRAS CHAVE: Psicomotricidade, educação infantil e criança. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................9 CAPÍTULO I - A PSICOMOTRICIDADE...............................................................13 1.1- Aspectos Epistemológicos da Psicomotricidade............................................13 1.2- Elementos Básicos da Psicomotricidade.......................................................18 1.2.1- Esquema Corporal......................................................................................19 1.2.2- Lateralidade.................................................................................................21 1.2.3- Orientação Espaço-temporal.......................................................................22 CAPÍTULO II- A EDUCAÇÃO INFANTIL.............................................................26 2.1- Corpo, Movimento e Ludicidade na Educação Infantil...................................28 2.2- Estágios de Desenvolvimento Infantil............................................................31 2.3- O Desenvolvimento na Educação Infantil......................................................32 CAPÍTULO III- A INFLUÊNCIA DA PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL.............................................................................................................34 3.1- A Psicomotricidade e o Desenvolvimento Infantil..........................................34 3.2- Psicomotricidade, Educação Infantil e o Desenvolvimento Biopsicossocial .36 8 CONCLUSÃO.......................................................................................................39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................41 9 INTRODUÇÃO A evidência cada vez maior da importância do desenvolvimento psicomotor nos processos que envolvem o aprendizado, voltado para a sistematização de certos conteúdos curriculares, conduz os estudos atuais. Em torno da ação psicomotora giram as possibilidades de atuação, através do corpo, sobre o psiquismo e as funções instrumentais da adaptação ao meio. Procurou-se pesquisar sobre a Psicomotricidade atuando sobre as esferas relativas aos processos de aprendizagem, englobando aspectos do desenvolvimento cognitivo, afetivo-social, motor e da personalidade como um todo, dando ênfase no caráter dinâmico e lúdico, onde o jogo entra favorecendo a educação e levando a criança a aprender, brincando. Em razão do seu próprio objeto de estudo, isto é, o indivíduo humano e suas relações com o corpo, a Psicomotricidade é uma ciência encruzilhada, ou mais exatamente, uma técnica em que se cruzam e se encontram múltiplos pontos de vista, e que utiliza as aquisições de numerosas ciências constituídas. Dispõe-se a desenvolver as faculdades expressivas do indivíduo. Implica uma concepção radicalmente nova do corpo humano e obriga a pensar as estruturas psicossomáticas em novos termos. Para CLAUDE COSTE (1992), a Psicomotricidade empenha-se em superar a oposição: o homem é o seu corpo e não o homem e seu corpo. A história da Psicomotricidade não é muito extensa. O termo surgiu em discursos médicos no início do século atual, com os trabalhos de DUPRÉ. Mas, pelo fato de se ter definido segundo a concepção que o homem tem seu corpo, sua história ganha raízes nas origens a humanidade consciente. A história da Psicomotricidade nasce como a história do corpo. 10 Foi a partir do século XIX, segundo MEUR & STAES (1989), que começou a ser estudado o corpo, primeiramente por neurologistas e posteriormente, por psiquiatras. No campo científico o pioneiro da Psicomotricidade é HENRI WALLON em 1925, iniciando sua obra no campo psicológico da criança. Inicia também as primeiras tentativas à reeducação psicomotora, pois segundo ele, citado por CLAUDE COSTE (1992) “Seguindo em todas as crianças a organização das funções do sistema nervoso central à medida que se opera a maturação, podemos reabilitar as manifestações próprias das suas funções em causa”(p.15) A intervenção psicomotora possui pontos básicos, que são: o papel da função tônica e da emoção nos progressos de atividades de relação; a importância da atividade postural e da atividade sensório-motora, como pontos de partida do desenvolvimento intelectual da criança. De acordo com LA TAILLE, OLIVEIRA & DANTAS (1992) citando WALLON, o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo. A Psicomotricidade concebe determinantes biológicos e culturais do desenvolvimento da criança como dialéticos e não redutíveis uns aos outros. Daí a importância para elaborar uma teoria psicológica que estabeleça relações entre o comportamento, o desenvolvimento da criança e a maturação do sistema nervoso central, pois só nesta medida se podem construir estratégias educativas, terapêuticas e reabilitativas adequadas às suas necessidades específicas. A Psicomotricidade, desta forma, traduz a solidariedade entre as atividades psíquicas e motoras. Para LE BOULCH (1986), a Psicomotricidade é hoje concebida pela integração superior da motricidade, produto de uma relação entre a criança e o meio, e instrumento através do qual a consciência se forma e se materializa. 11 A criança estabelece assim, a relação com o mundo externo através da circulação entre as percepções e os movimentos, transformando a inteligência prática ou sensório-motora em inteligência reflexiva. Se o sujeito constrói seu conhecimento na interação com o meio físico e social, logo, esta construção dependerá das condições do sujeito e das condições do meio. O indivíduo não é uma soma desintegrada de partes não relacionadas. O ser é um organismo integrado. A simples observação do homem no seu cotidiano, leva a concluir que todos os gestos do ser humano são globais. Há uma intervenção de todo o corpo e não de algumas partes. Esta visão de aprendizagem integral apóia-se no princípio da totalidade. A teoria da totalidade parte do reconhecimento Aristotélico de que o todo é mais que a soma de suas partes, teoria holística. Dentro desse processo global, existe uma maneira de alcançar os objetivos educacionais por intermédio do corpo. A Psicomotricidade, por meio de atividades corporais e de expressão artística, procura atender as necessidades de indivíduos que anseiam ser completos, além de poder oferecer espaço lúdico, amplo e estimulante à criatividade num perfeito inter-relacionamento da criança entre o mundo exterior e o mundo interior. Especialmente no que tange a educação infantil, defende-se a construção do intelecto pela relação entre o pensamento, ação e emoção, através da atuação do próprio corpo, de forma lúdica e prazerosa. Como cita MARINHO (1993): “O ato de brincar é a melhor metodologia para dar á criança condições de desenvolver suas potencialidades e caminhar, de descoberta em descoberta, criando soluções e aprendendo a viver e a conviver com as demais. De descoberta em descoberta, a criança aguça sua curiosidade, passando a manifestar, através das formas 12 mais variadas de expressão (brincadeiras, desenhos, moldagens e músicas), as bases de sua personalidade em desenvolvimento.” (p.33) Na educação infantil, onde a maioria das vezes os trabalhos se realizam sob formas lúdicas e espontâneas, onde a disciplina brota naturalmente, pois há ainda formas perturbadoras do relacionamento aluno-professor, é que nas brincadeiras do grupo social, a criança é a preservadora dos traços culturais do seu grupo. Priorizando-se as atividades motoras lúdicas, permitir-se-á que a criança prossiga na organização de sua imagem de corpo ao nível do vivido, servindo como ponto de partida para a sua organização prática em relação ao desenvolvimento das atitudes de análise perceptiva. O movimento é parte imprescindível na vida do ser humano, sendo suporte para o desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo. Pretende-se com a Psicomotricidade que os alunos desenvolvam de forma integral e harmoniosa as três áreas inerentes aos comportamentos da natureza humana (cognitiva, afetivo-social e psicomotora), respeitando as individualidades e realidades das crianças. 13 CAPÍTULO I 1- A PSICOMOTRICIDADE 1.1- Aspectos Epistemológicos da Psicomotricidade Abordar a epistemologia da Psicomotricidade é, de alguma forma, dedicarse à apreciação da visão do corpo ao longo da civilização humana. A visão antropológica tradicional aprisionou o corpo, submetendo-o ora ao comando do pensamento, ora ao rigor do espírito. De Platão a Descartes viu-se o privilégio do pensar sobre o existir, onde a existência é decorrência do pensamento. O fenômeno da corporeidade foi entendido pela antropologia clássica, como sendo algo complicado e, na tentativa de simplificá-lo, perdeu-se a sua unidade original, a sua relação com os outros e com as coisas. O corpo pensado, que ao longo da história perdeu a sensibilidade de confiar em suas sensações; corpo perfeito, determinado, explicado, com reações previsíveis, disciplinado e que jamais compreendeu a insustentável leveza do ser, perde terreno. A idéia de corpo é substituída pela experiência corporal. O corpo sujeito passa a tomar lugar do corpo objeto, e a experiência tida como significativa é a que se relaciona como corpo vivido, complexo, misterioso, na busca permanente de sua auto-superação. Essa mudança deve provocar na Ciência e na Educação significativas alterações. Exige-se o abandono das dicotomias tradicionais, do pensamento dualista entre mente e corpo, corpo e espírito, sensível e intelegível, ao mesmo 14 tempo em que se buscam razões críticas para justificar Ciência e Educação. (ASSMANN, 1993) O corpo sujeito exige uma ação educacional estruturada no pensamento dialético, na ciência humana, na produção de conhecimento que garanta a vida de forma holística, onde o todo é mais que a soma de suas partes. O todo é básico e as partes são secundárias; as partes desempenham o seu papel tendo em vista o objetivo para o qual o todo existe. As coisas deveriam começar a partir do todo como uma premissa e as partes e suas relações deveriam evoluir. A integração é a condição do inter-relacionamento das muitas partes dentro de uma. Segundo FREIRE (1991), torna-se urgente, uma reflexão sobre motricidade, particularmente no que tange à análise do homem que se movimenta em direção a sua transcendência, ao seu fazer histórico e cultural. Não basta mais a análise de mecânica do movimento, há que se estudar e pesquisar a complexidade da ação motriz, contextualizando-a e relacionando-a com as outras áreas do conhecimento humano. Optar pela vivência do corpo não significa abandonar o ato de pensar, devese relacionar um com o outro. O corpo vivido concretiza o pensamento. O homem, sempre dividido em partes ao longo da história; uma sensível e outra intelegível, uma parte física e outra espiritual, um corpo e uma mente, matéria e alma, deve ser discutido, denunciado, revisto e, de preferência transformado. Segundo FREIRE (1991, p.35): “O corpo pede desculpas por ter inventado a alma”. Essa visão de homem fragmentado deve ser universo de preocupações de profissionais que lidam com tais questões. Busca-se a essência da compreensão holística da realidade, onde se tem a idéia de que a natureza se constitui num todo unificado e coerente, num processo integral e integrado, com os sujeitos e objetos participando de uma 15 unidade formada pelo seu mútuo relacionamento. Uma compreensão holística da criança compõe com seu corpo, suas emoções, seus pensamentos, sua cultura e suas expressões sociais, um quadro unificado. Holisticamente, a criança faz parte do contexto do objeto, uma vez que precisa entrar em contato com aquilo que pretende conhecer, pois o processo de conhecimento inclui a conscientização dos objetos de conhecimento. Os estudos realizados até o momento, em torno da Psicomotricidade circulam entre o conhecimento que, em seus aspectos extremos, podem ser incluídos entre as teorias de natureza organicista e teorias de natureza psicogenéticas. Torna-se importante sinalizar que não se trata de um estudo linear e sim dialético, acarretando certa complexividade advinda de processos envolvendo a natureza, as origens e os limites do conhecimento sobre o comportamento humano e certamente, do movimento corporal e de sua intencionalidade. As duas orientações teóricas de estudo do homem referido, encontram uma razão histórica, que CLAUDE COSTE (1992) situa em Platão. Aristóteles e Galileu. Platão vê que o corpo está a serviço da alma, pois conforme a sua opinião, a saúde do corpo é uma virtude desde o instante em que o corpo está desempenhando uma ação voltada para o desenvolvimento e emprego dos valores morais e intelectuais. Em Aristóteles, as idéias se expandem de forma diferenciada, na medida em que não se afastando da matéria, aproxima-se das funções da alma, chegando às paixões e certamente, aos fatos psicológicos. Galileu revoluciona a física aristotélica transformando-a numa ciência experimental, isto é, de ciência sensível em ciência intelegível, percebendo a totalidade do real como uma organização do pensamento e da matéria. 16 Pensamentos posteriores, desenvolvidos por Descartes, revelam o dualismo metafísico que acarretará o problema de definir a relação e a ação recíproca entre duas substâncias heterogêneas, constituídas pelo espírito e pela matéria. Assim, as especulações serão orientadas tanto para o mecanismo quanto para o determinismo, no sentido do que vem a ser corpóreo, possilbilitando a liberdade e a finalidade das substâncias espirituais, até surgir a necessidade de explicitação do eu, mesmo independente do corpo, com seus atributos de substâncias pensante e determinante. A partir destas especulações de ordem filosóficas, desenvolve-se as correntes científicas sobre a gênese do homem, circunscrevendo-o em um espaço psico-filosófico, psico-afetivo e psicossocial, que por si só oferecem uma ordenação lógica e organizacional da Psicomotricidade, no que tange sua natureza e origem. As abordagens ao conceito de Psicomotricidade têm sido numerosas, sobretudo do ponto de vista da Psicologia, da Neurologia e da Psiquiatria infantil. Devido à diversidade dos modos de abordagem, a Psicomotricidade toma significados diferentes. Assim, FONSECA (1995) a divide em três campos: campo educacional, campo terapêutico e campo de educação psicomotora. O propósito da educação psicomotora é educar sistematicamente as diferentes condutas motoras e psicomotoras, com a finalidade de facilitar a ação das diversas técnicas educativas e permitir, assim, uma melhor integração escolar e social. A história do conhecimento delineia de forma clara a importância da relação do indivíduo com seu meio, levando à compreensão de que o organismo para atualizar-se, submete-se às exigências desta relação que permite à organização primitiva neurofisiológica, uma evolução tal que dará acesso a sistemas muito mais complexos, estruturando os fundamentos das teorias do desenvolvimento e da aprendizagem. 17 Os aspectos psico-fisiológicos, psico-afetivos e psicossociais são dimensionados por fatores espaço-temporais, levando à noção de que a motricidade não está limitada às superfícies corporais, pois transcende os limites espaciais através do movimento corporal e desta maneira, a motricidade passa a ser a projeção de um mundo, o próprio homem em outor mundo, o desenvolvimento. Face aos objetos deste estudo, parece necessário referenciar alguns autores. Na visão de PIAGET, segundo LA TAILLE et al. (1992), as crianças são capazes de reconhecer e, especialmente, de representar, somente aquelas formas que possam reconstruir efetivamente a partir de suas próprias ações. Segundo ele a motricidade desempenha papel vital na inteligência antes da aquisição da linguagem, o que distingue a sua posição das afirmações WALLONIANAS. Para WALLON (apud LA TAILLE et al; 1992), desde o nascimento há uma fusão afetiva que se expressa através de fenômenos motores, organizando-se posteriormente o que ele vem chamar de diálogo tônico, representando tanto um investimento corporal, quanto afetivo. A diferença para Piaget é estrutural, onde qualquer ação qualifica-se como estrutura afetiva, enquanto que o esquema como organização sensório-motora, constitui uma estrutura cognitiva. Analisando-se epistemologicamente a Psicomotircidade, verifica-se que a ação consciente e intencional, representativa de todo um processo maturacional, se processa ao longo do tempo e será a base para a compreensão do comportamento infantil. O que se pretende é a busca do equilíbrio, isto é, da adaptação do indivíduo na sua relação com o meio, na expectativa de um ser global, envolvendo as práticas psicomotoras, atuando sobre o corpo, a mente e sobre a afetividade, numa relação saudável de troca com o mundo externo, de onde partem as motivações que conduzem à ação e às mudanças. 18 Psicomotricidade é uma ciência que tem por objetivo o estudo do homem, através do seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo, pode ser vista como um processo ensino-aprendizagem e, como tal, apresenta técnicas que se propõem a auxiliar o educando no aproveitamento e desenvolvimento das potencialidades existentes, respeitando as individualidades. Várias pesquisas na área da Psicomotricidade visam demonstrar a importância de se trabalhar o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais, pois verifica-se um grau de independência entre os domínios do comportamento. Todo movimento é indissociável do psiquismo que o produz e implica deste fato a personalidade total, contrariamente, o psiquismo, nos seus diferentes aspectos, é indissociável dos movimentos, que condicionam ainda seu desenvolvimento. 1.2- Elementos Básicos da Psicomotricidade O desenvolvimento psicomotor é indispensável para toda a obra da Psicomotricidade e abrange três estruturas, que são elementos básicos ou prérequisitos favoráveis ao processo de ensino-aprendizagem: o esquema corporal, a dominância lateral (laterralidade) e a orientação espaço-temporal. 19 1.2.1- Esquema Corporal Partindo da premissa que o intelecto se constrói a partir da relação com a atividade motora, faz-se necessário antes de tudo, que a criança tenha conhecimento adequado do seu corpo. Esquema corporal é a consciência do próprio corpo, de suas partes, dos movimentos corporais, das posturas e das atitudes, tanto em repouso como em movimento. O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação da personalidade, pois a mesma se desenvolverá em função de uma progressiva tomada de consciência de seu corpo, de suas possibilidades de agir e transformar o mundo à sua volta. É a representação relativa global e diferenciada que a criança tem do seu próprio corpo. Na medida em que o indivíduo controla seu corpo e seus sentimentos, gradativamente ele irá conduzir-se com mais segurança no meio em que vive. O desenvolvimento do esquema corporal tem por objetivos levar o indivíduo ao conhecimento do seu próprio corpo, utilizando-o através de um autodomínio e adaptando-o a necessidade de deslocamento em posição ereta; possibilitar a inibição dos movimentos e consequentemente, o controle do eu corporal. Para elaboração do esquema corporal, a criança atravessa níveis de desenvolvimento e experiências constantes desde o nascimento. Inicialmente através da boca; sucessivamente através de sensações táteis, onde descobre as mãos como parte integrante de seu corpo; posteriormente, descobre os pés e incorpora da mesma maneira que as mãos. A integração do tronco ocorre depois, quando começa a se locomover, sentindo seu corpo. Ocorre a configuração total do indivíduo; a diferenciação entre interior e exterior. Finalmente, partindo do seu 20 corpo e do que está ao seu redor, a criança estabelece a organização do espaço e conquista do mesmo. O esquema corporal apresenta quatro etapas, conforme LE BOULCH (1986): O Corpo Vivido; O Conhecimento das Partes do Corpo; A Orientação Espaço-Corporal e a Organização Espaço-Corporal. A etapa do corpo vivido se dá pela experiência vivida do movimento global, ou seja, é a percepção global do corpo. Para LE BOULCH (1986, p.71), “no estágio do ‘corpo vivido’ a experiência emocional do corpo e do espaço termina com a aquisição de numerosas praxias, que permitem a criança sentir seu corpo como um objeto total no mecanismo da relação”. O conhecimento das partes do corpo é a tomada de consciência de cada segmento corporal, de forma proprioceptiva e externoceptiva. A criança deve ser capaz de unificar todas as partes do corpo de forma a encontrar a imagem corporal, que é a percepção e sentimento em relação ao seu próprio corpo. Nessa etapa aprende nomes e funções de cada parte do corpo. A orientação espaço-corporal é a consciência de que o corpo pode tomar diferentes posições, mesmo não estando em movimento. Na organização espaço-corporal, a criança poderá exercitar todas as possibilidades corporais, pois conhece as partes do corpo, a disposição e as posições. Portanto, vai se movimentar de forma analítica, chegando a um domínio corporal através de exercícios de coordenação, equilíbrio, inibição e destreza; e de forma sintética, prevendo e adaptando seus movimentos ao objetivo a ser alcançado, ou expressando, por intermédio de seu corpo, uma ação, um sentimento, uma emoção. 21 A evolução do gesto e da linguagem é aspecto importante na formação do esquema corporal, que se realiza numa relação contínua que inclui o “eu” e o mundo dos outros e dos objetos. Portanto, durante a educação infantil, os níveis de esquema corporal a serem alcançados seriam: nomear e apontar partes do corpo; movimentar partes do corpo de todas as maneiras e descrever os movimentos; localizar sensações, identificando-as; representar graficamente o corpo; expressar-se corporalmente e dominar o diálogo corporal. 1.2.2 - Lateralidade Durante o crescimento, defini-se a dominância lateral de uma criança. Esta dominância é baseada em fatores neurológicos, mas também, é influenciada por hábitos sociais. “A lateralização é a tradução de uma predominância motora que incide sobre os segmentos direitos ou esquerdos”, LE BOULCH (1987, P. 61 E 62). A lateralidade pode ser homogênea, cruzada ou ambidestra. Influi na idéia que a criança tem dela mesma, na formação do esquema corporal, na percepção da simetria de seu corpo. Contrubui para determinar a estruturação espacial ao perceber o eixo do seu corpo e o ambiente em relação a esse eixo. LE BOULCH (1987), afirma que: “É ao redor dos 04 anos, que a preferência lateral da criança se afirma. Algumas têm, já nesta idade, a predominância do lado esquerdo, que se reforça progressivamente, outras a tem do lado direito, que também vai se reforçando” (p.61). A melhor e mais correta definição da lateralidade caminha junto com uma boa escrita, envolvendo a orientação espacial e temporal. 22 Assim não se deve modificar na criança uma preferência manual já estabelecida, e sim trabalhar exercícios que venham reforçar o seu lado dominante, melhorando seu desenvolvimento. 1.2.3 – Orientação Espaço-temporal Estruturação espacial é a orientação e a construção do mundo exterior referindo-se primeiro ao próprio referencial, depois à outros, em posição estática ou em movimento. É a tomada de consciência do corpo em meio ao ambiente, isto é, do lugar e da orientação que pode ter em relação às pessoas e às coisas. O desenvolvimento da orientação espacial está intimamente ligado ao desenvolvimento motor e ao esquema corporal. Esta orientação se faz à medida que a criança começa a movimentar-se mais livremente. O espaço se estrutura a princípio, em referência ao próprio corpo e se organiza, através de dados proporcionados pelo esquema corporal e pela experiência pessoal. Essa estruturação do espaço é, segundo LE BOULCH (1987), uma tomada de consciência da situação das coisas entre si; é a possibilidade do indivíduo organizar as coisas que o cercam, movimentando-as. Está dividida em quatro etapas: o conhecimento das noções, a orientação espacial, a organização espacial e a compreensão das relações espaciais. No conhecimento das noções, a criança deverá perceber as diversas formas, grandezas e quantidades, para poder escolher o material e saber manipulá-lo. Na etapa da orientação espacial, a criança quando já domina os termos espaciais, pode movimentar seu corpo de acordo com as noções de espaço 23 (frente, trás, à direita, à esquerda, ao lado, ao redor, em cima, dentro, de costas, ao contrário, em fila, em coluna...). Durante a fase de organização espacial, a criança disponibilizará os objetos ocupando um espaço delimitado para atingir um objetivo. A compreensão das relações espaciais baseia-se no raciocínio a partir de situações espaciais bem precisas. A estruturação espacial é, portando, perceber as posições, direções, tamanhos, o movimento, a forma, enfim, todos os caracteres geométricos do corpo. Não existindo a noção espacial, dificilmente a criança terá um comportamento de adaptação ao meio ambiente e percepção das coisas. Os distúrbios encontrados nesta área estão estreitamente ligados aos distúrbios da imagem corporal (dificuldade em relacionar-se com o mundo espacial). O primeiro passo no desenvolvimento desta área é fazer com que a criança tome consciência dos dois lados de seu corpo e o relacione à direção no espaço. Daí a importância do desenvolvimento da lateralidade. É extremamente difícil dissociar os três elementos fundamentais da Psicomotricidade: corpo – espaço – tempo. Portanto, quando se deseja que a criança adquira uma noção espacial não pode-se deixar de levar em consideração suas possibilidades e conhecimentos corporais, sua emotividade e seu próprio ritmo. Há, pois uma relação entre pensamento e ação, envolvendo a emoção. Orientar-se no tempo é situar-se em função da sucessão dos acontecimentos; da duração dos intervalos; da renovação cíclica de certos períodos; e do caráter irreversível do tempo. Estas seriam as etapas da 24 orientação temporal, que é uma noção que se forma juntamente com as noções espaciais. A percepção do tempo é mais complexa que a do espaço e se manifesta mais tarde, através de momentos concretos de experiências. A dificuldade de orientação temporal será mais ligada ao saber ouvir, enquanto que a espacial, ao saber ver. A capacidade de situar-se na ordem e sucessão dos acontecimentos tratase de perceber e memorizar o que se passa antes, durante e após e em que ordem os gestos foram feitos. A tomada de posição em relação a duração dos intervalos é compreender o que se passa depressa, o que dura muito tempo; a diferença entre uma hora e um dia. É a noção de ritmo regular e irregular; noção de cadência rápida e lenta. Renovação cíclica de certos períodos são os dias da semana, os meses e as estações. Caráter irreversível do tempo é perceber algo que já se passou, é a noção de envelhecimento. Nas etapas de desenvolvimento da orientação temporal, inclui-se também o ritmo, que abrange a noção de ordem, de sucessão, de duração e alternância. Para CLAUDE COSTE (1992, p.62), “o ritmo é o fator de estruturação temporal que sustenta a adaptação ao tempo”. O ritmo traduz uma organização dos fenômenos sucessivos, tanto no plano da motricidade quanto no plano da percepção dos sons emitidos no curso da linguagem. Logo, a orientação temporal se situa tanto no nível perceptivo como no nível de execução motora. 25 Orientar-se temporalmente é avaliar o movimento no tempo. A criança na educação infantil, geralmente avalia o tempo em termos de distância, a distância em termos de velocidade e a velocidade em termos de tempo. O tempo é simultaneamente, duração, ordem e sucessão. A integração desses três é necessária à estruturação temporal do indivíduo. Deve-se estimular a criança, que mostra inicialmente seu próprio ritmo, espontaneamente, para depois, lentamente, fazê-la perceber a estrutura do ritmo que lhe é solicitado. Em suma, orientação temporal é a capacidade de apreensão da duração, da colocação no tempo, da velocidade, do princípio e do fim. É fator importante para uma adaptação favorável da criança ao meio. A estruturação espaço-temporal permite não só o movimento e reconhecimento do próprio corpo no espaço, mas também, dá seqüência aos gestos, permite localizar as partes do corpo e situá-la no espaço. Durante as aulas, os movimentos devem ser apresentados de forma a consciência do próprio corpo, do espaço, do tempo e do corpo em relação aos objetos, sejam enfatizados sistematicamente. Os domínios dos gestos, da estrutura espacial e da orientação temporal são três fundamentos da escrita. 26 CAPÍTULO II 2- A EDUCAÇÃO INFANTIL Tendo em vista que os primeiros anos de vida são de fundamental importância para o desenvolvimento subseqüente da criança, fica mais do que evidente a relevância e o papel da educação infantil na formação integral do indivíduo, para uma sociedade em contínua mudança. O conhecimento do mundo da criança nesse período depende das relações que ela vai estabelecendo com os outros e com as coisas. O que conhece de si e das coisas é insuficiente para estabelecer relações de grupo e por isso, centra seu brinquedo em sua própria atividade, em seus interesses. O egocentrismo é, portanto, a marca característica da criança na educação infantil. PIAGET citado por FREIRE (1989): “Chama-se de egocentrismo a essa centração da criança nela mesma, não significando com isso uma hipertrofia da consciência do eu, mas simplesmente uma incapacidade momentânea da criança de descentrar-se, isto é, de colocar-se em outro ponto de vista que não o próprio”. (p.19). Esse é um aspecto que vai sendo modificado pouco a pouco e se o espaço da escola permite que a criança haja em liberdade, ela vai gradativamente se socializando e estabelecendo relação de troca com as outras crianças. A criança, na educação infantil, necessita de desenvolvimento e ajustamento da Psicomotricidade, que é responsável pelo desenvolvimento do acervo motor da criança, ou seja, novas estruturas psicomotoras devem ser incorporadas e experiências motoras, adquiridas e ajustadas. A criança precisa de aptidões perceptivas e estruturação espaço-temporal para melhorar o esquema corporal. 27 É necessário ressaltar que a educação infantil deve vir de encontro às necessidades básicas da criança. Segundo FREIRE (1989), “A infância é um período muito intenso de atividades: as fantasias e os movimentos corporais ocupam quase todo o tempo da criança” (p.16). Desta forma, deve-se partir daquilo que a criança conhece – o movimento- para chegar às aprendizagens subseqüentes. A educação infantil deve favorecer a criança que está em fase de intenso crescimento, oferecendo-lhes atividades adequadas e prazerosas, respeitando sempre suas características individuais e visando um equilíbrio global da criança. Diz FREIRE (1989), que Emília Ferreiro possivelmente concordaria em que de nada vale o enorme esforço para alfabetização, se a aprendizagem não for significativa. Ainda segundo FREIRE (1989): “O significado, nessa primeira fase da vida, depende, mais que em qualquer outra, da ação corporal. Entre os sinais gráficos de uma língua escrita e o mundo concreto, existe um mediador, às vezes esquecido, que é a ação corporal”. (p.20). O movimento tem papel fundamental para o desenvolvimento da inteligência. A aprendizagem pelo movimento pode ser utilizada para que a criança conheça a si mesma e o mundo que a cerca, constituindo assim, o início das operações intelectivas. Uma criança bloqueada no seu espaço de ação devido à ânsia por alfabetizá-la, acaba aprendendo a escrita e a leitura que lhe impõem, mas não consegue estabelecer entre essa aprendizagem e o mundo, um elo de ligação. Para FREIRE (1989): “Todos os movimentos produzidos num certo nível podem e devem servir de base para outras aquisições mais elaboradas. Assim, através dos movimentos aprendidos, se atingiriam outros, mais difíceis, ou 28 aquisições não-motoras, como por exemplo os intelectuais e os sociais”. (p.84). A propriedade da criança constitui na atividade motora-lúdica, fonte de prazer que permite prosseguir a organização de sua imagem de corpo. A criança depende muito do movimento, precisa brincar para desenvolver-se amplamente. A educação infantil deve visar desenvolver harmoniosamente os aspectos físicos, emocionais, sociais e intelectuais, mediante a proposição de atividades lúdicas que promovam a curiosidade e a espontaneidade, estimulando novas descobertas e o estabelecimento de novas relações a partir do que já se conhece. Na educação infantil, mais que em qualquer período, o brinquedo e o jogo serão fundamentais para as crianças. Deve-se predominar nesta fase o jogo educativo, isto é, o jogo como recurso pedagógico, vinculado a um projeto pedagógico. FREIRE (1989) atentou para o fato de que “descaracterizar a importância pedagógica do brinquedo é negar a própria criança; é, talvez, violentá-la naquilo que ela tem de mais precioso”. (p.75). 2.1- Corpo, Movimento e Ludicidade na Educação Infantil Quando o trabalho na educação infantil visa buscar uma escola que atenda às necessidades da realidade social, os projetos pedagógicos centram seus objetivos nas crianças, entendendo que elas são seres em pleno processo de desenvolvimento, respeitando suas potencialidades e suas limitações dentro do seu contexto social de vida. 29 Como afirma KISHIMOTO (1993): “O jogo e a criança caminham juntos desde o momento que se fixa a imagem da criança como um ser que brinca, portadora de uma especificidade que se expressa pelo lúdico; a infância carrega consigo as brincadeiras que se perpetuam e se renovam a cada geração”.(p.11). Para respeitar a realidade da criança deve-se considerar o movimento e a ludicidade como atividade integrante do cotidiano infantil, pois estes são um canal de comunicação que permitem à criança a apropriação do mundo, que a princípio e aparentemente, pertence somente aos adultos. O ato de brincar é a melhor metodologia para dar à criança condições de desenvolver suas potencialidades e caminhar de descoberta em descoberta, criando soluções e aprendendo a viver e a conviver com os demais. Para que as crianças possam exercer sua capacidade de criar é imprescindível que haja riqueza e diversidade nas experiências e que sejam elas mais voltadas às brincadeiras. O brincar deve se constituir em atividade permanente lúdica e dependerá dos interesses que as crianças apresentam nas diferentes faixas etárias. No ato de brincar, os sinais, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparenta ser, pois as crianças recriam e repensam os acontecimentos, favorecendo a auto-estima. Propiciando a brincadeira cria-se um espaço no qual as crianças podem internalizar uma compreensão sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos. Por meio das brincadeiras, o professor pode observar e constituir uma visão dos processos de desenvolvimento da criança, em conjunto e em particular. Na brincadeira, a criança recria aquilo que sabe sobre as mais diversas coisas. O brincar apresenta-se por meio de várias categorias de experiências que são diferenciadas pelo uso do material ou dos recursos: o movimento e a mudança de percepção; a relação com os objetos; a linguagem oral e gestual; os conteúdos sociais e os limites definidos pela regra. 30 Ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos, as crianças se apropriam do repertório da cultura corporal na qual estão inseridas. O brincar, para a criança, significa muito mais do que mexer as partes do corpo ou se deslocar no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas. A capacidade de brincar abre, para a criança, uma possibilidade de decifração dos enigmas que a rodeia. As atividades lúdicas não estão simplesmente ligadas ao prazer. A imaginação e as regras são características definidoras da brincadeira. Brincar é uma realidade da vida da criança e para isso não se deve impedir sua imaginação, pois a imaginação é uma atividade mental que permite às crianças, relacionarem seus interesses e necessidades com a realidade de mundo que pouco conhecem, podendo interagir com o mundo dos adultos. É na brincadeira que se expressa a forma como a criança reflete e reconstrói o mundo à sua maneira, é um momento de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo num contexto de “faz de conta”, é também um espaço e um tempo onde a criança pode expressar de modo simbólico, suas fantasias, seus desejos, medos e sentimentos. Jogos, sonhos, fantasias, sempre estiveram associados a coisas sem importância, entretanto, as brincadeiras, enquanto promotoras da capacidade e potencialidade dos alunos, devem estar inseridos na prática pedagógica. O brincar tem uma contribuição muito grande no desenvolvimento da criança, facilitando o desenvolvimento das habilidades motoras, a socialização e a integração entre elas. O jogo é uma forma de expressar-se e desenvolver-se fisicamente e mentalmente, é uma atividade que enriquece a aprendizagem, servindo para avaliar o conhecimento e melhorar o relacionamento social. O lúdico propicia à criança, a interpretação do seu meio ambiente visto que essas experiências aumentam a função cognitiva. A criança, através do jogo, adquire novas experiências, que podem ser internas ou externas, além disso, o 31 jogo proporciona momentos de prazer e a criança aprende a lidar com seus sentimentos. As atividades lúdicas na proposta da Psicomotricidade podem contribuir significativamente para a construção do conhecimento das crianças, principalmente se elas participarem efetivamente de todo o processo. Entretanto, não se deve fundamentar-se apenas num trabalho lúdico pelo lúdico, nem numa pedagogia espontaneística de aprendizagem. O lúdico consiste em uma atividade didático-pedagógica que tem muito a contribuir com o desenvolvimento de qualquer aula. Para que os movimentos lúdicos na Psicomotricidade auxiliem o processo de construção do conhecimento da criança, é preciso criar situações para o desenvolvimento da autonomia, possibilitar ações que favoreçam a troca de opiniões e sugestões em questões sugeridas durante as atividades. FREIRE (1989, p. 13-14), diz que “pessoas ligadas à área educacional e, principalmente, professores das classes iniciais não podem esquecer que pelo menos até a 4ª série do ensino fundamental, a escola conta com alunos cuja maior especialidade é brincar”. O jogo e a brincadeira devem invadir o espaço escolar a fim de transformálo num espaço de descobertas, de imaginação e de criatividade. 2.2 – Estágios de Desenvolvimento Infantil O desenvolvimento infantil é analisado em suas diversas etapas. A partir deste procedimento de análise, alguns problemas podem ser gerados, pois a idéia que se forma é que esses períodos de desenvolvimento são estanques, ou seja, que um deles começa num certo momento, exatamente quando termina o 32 outro. Todavia, quando se trata de seres humanos, não se pode ter precisão de desenvolvimento. O desenvolvimento infantil foi estruturado por PIAGET (1978), em quatro períodos: sensório-motor, pré-operatório, operações concretas e operações formais. O período sensório-motor do ponto de vista da inteligência vai do nascimento até o surgimento da linguagem. O estágio seguinte é o préoperatório, intuitivo ou simbólico, que inicia-se a partir do surgimento da linguagem, incorporando o período anterior e acrescentando às atividades da criança, os símbolos e a representação mental. A pesquisa irá posteriormente aprofundar-se no referido estágio, pois em termos cronológicos, tal período se estende até os seis ou sete anos, faixa etária que é objeto de estudo da mesma. O período operatório-concreto é marcado pelo início da cooperação e do raciocínio lógico, ou seja, a criança passará de um estado em que se coloca como centro de todas as coisas para um estado onde não é mais o centro. O último dos períodos de desenvolvimento da inteligência descrita por PIAGET (1978), começa na adolescência e introduz o indivíduo no mundo dos sistemas e teorias. É denominado como operatório-formal ou hipotético-dedutivo. 2.3- O Desenvolvimento na Educação Infantil A criança na educação infantil constrói mecanismos motores que lhe permite entrar em contato com muitas coisas que existem para se conhecer. A maturação biológica coloca à sua disposição uma função, definida como símbolo, onde a questão daí pra frente não será somente o fazer, mas também o compreender. É quando surge, segundo LE BOULCH (1986), a função de interiorização, que permite à criança, conscientizar-se de aspectos de seu corpo e exprimi-los verbalmente através da função simbólica. 33 Para PIAGET (1978), um pensamento é uma representação mental de um esquema motor, logo, o intelecto se constrói a partir do movimento corporal. Sem o suporte psicomotor, o pensamento não poderá ter acesso ao símbolo e à abstração. No simbolismo, na sua construção imaginada e corporificada, a criança vive e representa diversas relações. A ação vai e vem incessantemente, da ação ao pensamento, modificando-se em cada trajeto, até que as representações do indivíduo possam se expressar cada vez mais compreensível no meio social. Agindo corporalmente, os objetos, o tempo e o espaço têm de ser levados em conta pela criança e isso garante o elo de ligação entre ela e o mundo na construção do conhecimento. 34 CAPÍTULO III 3- A INFLUÊNCIA EDUCAÇÃO INFANTIL DA PSICOMOTRICIDADE NA 3.1- A Psicomotricidade e o Desenvolvimento Infantil Na abordagem sobre a formação do conceito de corpo e suas implicações nos processos de aprendizagem da criança, a proposta constituirá uma tentativa de identificar, através de fundamentos teóricos, que a Psicomotricidade e aprendizagem, representadas pela ação, nada mais são do que expressões sinônimas. Resta operacionalizar a palavra ação, tomando-a por movimento, adaptação e mudança. Na aprendizagem, vista como aquisição de conhecimentos, dirigida assim para os aspectos educacionais, encontram-se quase sempre referências quanto aos domínios do comportamento humano, representadas pela tríade, cognitiva, afetivo-social e psicomotora. Por domínio cognitivo, devem-se entender as atividades intelectuais. MAGGIL (1984), caracteriza estas atividades como tudo aquilo que o organismo faz com a informação de que dispõe. No domínio afetivo-social, encontra-se os sentimentos e as emoções. MAGGIL(1984), aceitando a teoria de que o comportamento afetivo-social é um comportamento aprendido, torna possível que o mesmo sustenete uma determinada taxinomia, representada pelas situações de receber, responder, valorizar, organizar e caracterizar um valor, ou um complexo de valores que se inscrevam nos aspectos motivacionais, incluindo comportamentos sociais. No domínio psicomotor, tem-se por base o movimento corporal. Entende-se que há um envolvimento pessoal, compreendendo um componente mental ou 35 cognitivo, na maioria dessas habilidades. Na área psicomotora, pode-se também seguir uma taxonomia que irá do comportamento de tocar, manipular e/ou mover um objeto, ao ato de controlar o corpo de objetos, quando mantidos em equilíbrio, até atingir condutas que envolvam a condição de mover e/ou controlar o próprio corpo, ou partes do corpo no espaço, com duração curta ou longa, envolvendo um intervalo de tempo, em situações previsíveis ou não. Estas três categorias classificatórias não são mutuamente exclusivas e servem como forma de organização, assinalando uma síntese importante para este estudo em que aprendizagens significam, qualquer que seja o domínio, a ação, entendendo-se que o movimento estará sempre presente em qualquer situação que envolve mudanças. Em Psicomotricidade, a ação está representada por um ser total, possuidor de um corpo e de uma mente que se conectam com um mundo exterior, através de ações motoras e de ações psíquicas. Corpo e psiquismo constituem entidades diferentes, mas de atuação indissociável. Semelhantemente, a aprendizagem é a ação que só se processa através deste corpo e deste psiquismo. Para ocorrer a ação necessita-se não só de estímulos externos, como de experiências anteriores integradas que servirão de suporte à ação inteligente. A organização do ato somente se processa quando a engrenagem mente-corpo entra em consonância, atingindo a consciência corporal, que implicará numa apreensão do espaço. Por não se tratar de funções isoladas, o corpo, enquanto ação, somente poderá realizar seu projeto no espaço que o circunscreve, da mesma forma que o espaço perde seu significado sem a presença do corpo. Nas práticas psicomotoras, busca-se a síntese entre corpo e psiquismo, atingindo desta forma, organizações mentais que possibilitam o funcionamento pleno das localizações dos processos mentais do córtex, síntese capaz de 36 possibilitar a aprendizagem, através de cinestesia, vista como intuição do próprio corpo e das ligadas ao mundo externo. Desta forma, a Psicomotricidade é percebida como a unidade dinâmica das atividades, dos gestos, das atitudes e das posturas, enquanto sistema expressivo, realizador e representativo do ser em situação e da coexistência com outrem. A Psicomotricidade refere-se ao indivíduo em relação com o mundo, logo, ao ser como organismo biopsicossocial, que constitui o tema condutor deste estudo. Assim, quando se desenvolve o conhecimento em torno da conduta humana, faz-se em função da personalidade e do contexto social, alertando-se para o não esquecimento do corpo, tendo em vista que quase sempre as manifestações do indivíduo são analisadas à luz dos fenômenos psíquicos e mentais. A conduta, assim como a Psicomotricidade, mantém íntima relação através das perspectivas teóricas e da função que realiza, pois a visão do ser biopsicossocial traduz a mesma relação indivíduo-meio que ocorre em Psicomotricidade a partir da consciência corporal. Desta forma, evidencia-se que representando o corpo como centro da organização da personalidade, estabelece-se a proximidade entre Psicomotricidade e conduta, levando-se a considerar o corpo numa dimensão antropológica, de modo a permitir que a criança pense através do seu corpo. 3.2- Psicomotricidade, Educação Infantil e o Desenvolvimento Biopsicossocial O conhecimento resulta das ações e interações do sujeito com o ambiente onde vive, ou seja, todo conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada 37 desde a infância, através de interações do sujeito que conhece com os objetos a serem conhecidos, sejam eles do mundo físico ou cultural. Por um lado, existe um sujeito ativo que em todas as etapas de sua vida procura conhecer e compreender o que se passa à sua volta, mas não o faz de forma imediata, pelo simples contato com os objetos. Suas possibilidades a cada momento decorrem do que PIAGET(apud KAMII, 1991) denominou esquemas de assimilação, ou seja, esquemas de ações ou operações mentais, que não deixam de ser ações, mas que se realizam no plano mental. Como resultado do processo de manutenção biológica, experiências, trocas interpessoais e transmissões culturais, os esquemas se modificam. Por outro lado, os objetos do conhecimento apresentam propriedades e particularidades que nem sempre são incorporados pelos esquemas já disponíveis no sujeito. Isto ocorre ou porque o esquema assimilado é muito geral e não se aplica a uma situação particular, ou porque é ainda insuficiente para dar conta de um objeto mais complexo. A esse mecanismo de ampliação ou modificação de um esquema de assimilação, Piaget chamou de acomodação. Embora seja provocado pelo objeto, é ele que se modifica para a construção de novos conhecimentos. O conteúdo das assimilações e acomodações variará ao longo do processo de desenvolvimento cognitivo, mas a atividade inteligente é sempre um processo ativo e organizado da assimilação do novo ao já construído, e da acomodação do novo. Fica assim estabelecida a relação do sujeito conhecedor e do objeto conhecido. Por aproximações sucessivas, articulando assimilações e acomodações, completa-se o processo a que Piaget chamou de adaptação. A cada adaptação realizada, um novo esquema assimilador se torna disponível para que o sujeito realize novas acomodações e assim sucessivamente. O que promove este movimento é o processo de equilibração. Diante de um desafio, de um estímulo, de uma lacuna no conhecimento, o sujeito se "desequilibra" intelectualmente, fica curioso, instigado, motivado e 38 através das assimilações e acomodações, procura reestabelecer o equilíbrio que é sempre dinâmico, pois é alcançado por meio de ações físicas e/ou mentais. O pensamento vai se tornando cada vez mais complexo e abrangente, interagindo com objetos do conhecimento cada vez mais abstratos e diferenciados. Essa maneira de entender a infância tem implicações marcantes na relação entre o educador e a criança, trazendo assim, contribuições para reformular a prática pedagógica. Sabendo-se que o desenvolvimento harmonioso da criança depende da quantidade e qualidade de estímulos proporcionados pelo seu meio e também pela sua relação estreita com o mundo que a cerca, acredita-se que a Psicomotricidade através do desenvolvimento equilibrado dos domínios do comportamento, favorece o desenvolvimento pleno da criança na educação infantil. As estruturas cognitivas, afetivo-sociais e psicomotoras se processam gradativamente a partir das atividades corporais vivenciadas pela criança. Utilizando-se deste aspecto a Psicomotricidade estabelece um elo de ligação muito importante, entre a criança e seu desenvolvimentp integral, na educação infantil. Segundo FREIRE (1989) “Corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o corpo) para transportar, mas ambos para se emancipar.”(p.13) A partir dessa reflexão, percebe-se que a criança, na educação infantil, precisa de uma educação de corpo inteiro, pois só assim ter-se-á a harmonia e a plenitude do desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo. 39 CONCLUSÃO Durante muito tempo a ciência viveu subjugada pela alma de um lado e pelo corpo do outro. O pensamento tradicionalmente dualista alma-corpo evoluiu para mente-corpo e, por fim para Psicomotricidade, quando o homem passou a entender que o movimento e vida mental não são duas realidades. Conclui-se que através da Psicomotricidade, onde os movimentos são considerados indissociáveis do psiquismo, estimula-se de maneira correta e adequada a criança, favorecendo o desenvolvimento harmônico dos domínios cognitivos, afetivo-sociais e psicomotores, contribuindo assim, para o desenvolvimento da personalidade com um todo. O desenvolvimento integral da criança se dá através de uma educação que satisfaça suas necessidades psicossomáticas e que propicie uma atmosfera de alegria e afetividade, o que pode ser conseguido através de uma proposta lúdica na Psicomotricidade. Recomenda-se uma reflexão por parte dos profissionais envolvidos com a educação infantil, a fim de que analisem sua prática pedagógica, pois não basta ter apenas conhecimento, é preciso apesar de todas as adversidades, criar no interior da escola um ambiente de prazer, e alegria, de busca, de troca e essencialmente, amar e respeitar as crianças. O educador deve repensar o seu papel ao assumir um trabalho pedagógico com crianças, pois o sucesso pedagógico de qualquer trabalho vai depender da postura do professor durante as atividades didático-pedagógicas. Assim, seu papel como mediador do processo ensino-aprendizagem vai contribuir ou não para uma aprendizagem rica e significativa. Assim, espera-se que a Psicomotricidade seja inserida na educação infantil, pois propicia à criança o desenvolvimento dos quatro pilares básicos da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. 40 Propiciando assim o desenvolvimento biopsicossocial da criança na educação infantil. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSMANN, H. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba: Unimep, 1993. BRASIL, Congresso Nacional. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial, 1996. CERVO, Armando, BERVIAN, Pedro A. Metodologia científica: para uso de estudantes universitários. 3. ed. São Paulo: Mc Graw-Hill do Brasil, 1983. CLAUDE-COSTE, Jean. A Psicomotricidade. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992. FONSECA, Vitor da. Manual de observação psicomotora: significação psiconeurológica dos fatores psicomotores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: Teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989. KAMII, Constance. Piaget para pré-escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. KHISHIMOTO, Tizuko M. Jogos tradicionais infantis: o jogo, a criança e a educação. 2 . ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. LA TAILLE, Yves de, OLIVEIRA, Marta K, DANTAS, Heloísa. Piaget, Vigostsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. LE BOULCH, Jean. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos: a Psicomotricidade na idade da educação infantil. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.