2014: o ano que pode não acabar
11/01/2014, 00:02 – GAZETA DO POVO, P. 2.
LUIZ EDSON FACHIN
Julgamentos trepidantes à vista, eleições no cardápio e reformas na pauta
legislativa compõem um tripé reluzente do palco que se abre no ano que
começa. Há, em verdade, um ínsito talento profético que emerge do simples
fato de se ter um calendário com novo ano. Pode mesmo dar certo, mas é
otimismo por mais realista que seja. A fé na vida, contudo, pode esconder
muita coisa nas platitudes dos votos de bem-aventurança.
Ao menos três desafios conformam o script das esperanças no ano que
começa: mais justiça e menos Judiciário como protagonista de espetáculos;
mais Estado como gestor de transformadoras políticas públicas permanentes e
menos governo como gerente retrospectivo do caos imediato; e mais
responsabilidade cidadã e menos outorga de autonomia individual a
messianismos de ocasião.
O primeiro é um imperativo da serenidade e agudeza com a qual deve se
portar o julgador. Quando, na cena pública, o julgador se sobrepõe ao
legislador há algo que merece atenção. Uma sociedade democrática se faz
principalmente pelo respeito ao Estado de Direito que se funda na legalidade
constitucional. Não pode o Legislativo ter um valor marginal, a reboque dos
fatos.
É positivo o saldo da jurisdição constitucional brasileira. No entanto, a
volatilidade dos julgamentos e as artes judiciárias na convivência com os
demais poderes da República estão sob uma crítica observação.
O segundo desafio é de natureza estrutural. Cumpre extirpar o câncer do
imediatismo e propor um espelho imagético para daqui dez ou vinte anos das
atuações que serão, individual e coletivamente, levadas a efeito no ano recéminiciado. Aqui, desempenha função central a atividade renovada pelos reptos
da linguagem das ruas e dos seres invisíveis que ainda transitam no Brasil
contemporâneo sem pão nem abrigo. Ao Legislativo toca atender ao interesse
da sociedade, à luz dos anseios majoritários e do respeito aos direitos das
minorias.
A terceira perspectiva apontada concerne ao valor do “sal da terra”, à
autodeterminação do sujeito como constituinte de sua própria história. Impende
renovar a própria esperança. Alicerçá-la primeiramente dentro de si, fundandoa numa potencializada capacidade de renovação, sem outorgar essa
possibilidade a um messiânico porvir. Não se deve subestimar a relevância do
cidadão. Há espaço no Brasil que almejamos para um indivíduo social, ciente
de suas responsabilidades (deveres e direitos, nessa ordem), como ator de
uma nova realidade cuja identidade pressupõe o respeito à alteridade.
Há um desafio a vencer: a burocratização da esperança, óbice inercial para a
sociedade que se quer edificar com liberdade e igualdade. É aí que calha ver
um choque de plena cidadania e de republicanismo a fim de tornar ostensiva a
face oculta da essência cultivada no Brasil como aparência.
Espera-se, para tanto, uma inspiração na “intensidade que ainda vibra”, para
utilizar a expressão cunhada pelo genial Paulo Leminski, ao se referir como
biógrafo à transformadora mensagem humanística do Jesus primitivo.
O ano deve terminar com o adimplemento dos deveres da esperança semeada
para todos. 2014 precisa, mesmo, acabar bem, para o bem do Brasil.
Luiz Edson Fachin, advogado, professor titular da Universidade Federal do Paraná.
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