SOFRIMENTO E ATO Luciene Jung de Campos CRIATIVO: O QUE PODE O SUJEITO? SOFRIMENTO E ATO CRIATIVO: O QUE PODE O SUJEITO?1 Luciene Jung de Campos2 Resumo Esta pesquisa aborda a transformação do sofrimento psíquico em ato criativo através do diálogo com obras de artistas que se apropriam de imagens de mídia de massa para produzir seu trabalho. O dispositivo teórico de análise é o da psicanálise e da análise do discurso francesa em interface com a arte. Nessa imbricação, propõe-se uma reflexão sobre a reprodução-transformação das relações de produção que se constitui nas práticas sociais. A tessitura entre linguagem, inconsciente e ideologia permite abordar o ato criativo. A obra mostra-se como um manifesto engendrado nos processos inconscientes para reapresentar o sintoma social, o que se torna possível graças às falhas nos rituais de assujeitamento. Palavras-chave: Sofrimento Criativo. Ato criativo. Análise do Discurso. Psicanálise e Arte. Abstract This research approaches the transformation of the psychic suffering into a creative act through the dialogue with the works of artists that make use of mass media images to produce their work. The theoretical approach of the analysis is the psychoanalysis and the French Discourse Analysis interfacing arts. In this overlap, we propose a reflection on the reproduction-transformation of the production relationships that is constituted in the social practice. The composition between language, unconsciousness and ideology allows to approach the creative act. The work appears as a manifest engendered in the unconscious processes to reintroduce the social symptom, which is possible due to flaws in the subjection rituals. 1 Este trabalho é um recorte da minha tese de doutoramento em Teorias da Linguagem, PPGLET/UFRGS, orientada pela prof. Dra. Maria Cristina Leandro Ferreira, em setembro de 2010. 2 Psicóloga, doutora em Teorias da Linguagem, do Texto e do Discurso (PPGLET/UFRGS), mestre em Organizações e Recursos Humanos (PPGA/UFRGS). Professora do Centro de Ciências Humanas da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Turismo (PPGTUR/UCS). Palavras-chave: Creative suffering. Creative act. Discourse Analysis. Psychoanalysis and Arts. 1. Introdução A presente abordagem propõe uma reflexão sobre o ato criativo enquanto uma das formas de fazer frente ao sofrimento. Neste caso, o ato criativo é tomado como a descontinuidade entre dois campos: o da publicidade/propaganda (PP) e o das artes visuais (AV), enquanto dois campos de luta, onde um campo se origina da resistência frente ao outro. Esses campos se delimitam e se instalam através dos processos de produção-reprodução-transformação que são acionados para interpelar o sujeito (Campos, 2010). Procura-se situar as contradições e as alianças inerentes a esses dois procedimentos de interpelação da PP e da AV. A Publicidade/Propaganda convoca o sujeito na forma-sujeito consumidor. Porém, o mesmo sujeito pode se contra-identificar com a forma-sujeito consumidor de uma notícia-mercadoria e tomar outra posiçãosujeito na função-artista. A materialidade em questão é a série Polícia (2002), da artista gaúcha Bianca 3 Araújo . A artista fotocopia notícias de jornais e depois intervém com a pintura a óleo sobre a fotografia para salientar gestos indicativos de poder e submetimento. Nas cenas de detenção e aprisionamento, mantém-se interessada nas posturas. Busca-se abordar o ato criativo na perspectiva freudiana, como uma das saídas para lidar com o sofrimento. Freud aborda em seu texto Mal-estar na civilização (1930), que a arte – juntamente com a ciência, são caminhos possíveis para lidarmos com as decepções e as tarefas impossíveis que a vida nos propõe: “a ciência e a arte são derivativos poderosos que nos fazem extrair luz de nossa própria desgraça” (Freud, 1930[1976], p.93). Parte do pressuposto que a vida, tal como a encontramos é árdua demais e por isso, não podemos passar sem essas construções auxiliares que oferecem guarida para o nosso desamparo. Neste trabalho, o ato criativo é tomado como o esforço feito para resistir contra a expropriação, que busca devolver ao sujeito ameaçado de anulação, o direito à sua parte desconhecida: o inconsciente. Questiona-se a concepção reducionista de linguagem enquanto instrumento de comunicação e de informação que significaria independentemente e livremente. A prova de que a linguagem “não serve para 3 As imagens aqui apresentadas foram cedidas pela autora. comunicar”, ou seja, de que não controla o sentido que veicula, está no fato de a própria comunicação de massa possibilitar outros deslizamentos de sentido provocados pelos artistas e apresentados em suas obras. Leva-se em conta o sujeito histórico, consideramse os processos e as condições de produção da linguagem responsáveis pelo estabelecimento das relações de força no interior de um movimento para estabelecer o sentido. O dispositivo teórico de análise é o da psicanálise e o da análise do discurso francesa em interface com a arte. Nessa imbricação, propõe-se uma reflexão sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia se manifesta na linguagem. 2. A Análise do Discurso: um dispositivo teórico-metodológico em interface O dispositivo teórico-analítico de investigação é o da Análise do Discurso dita francesa, um projeto de Michel Pêcheux, construído entre 1969 e 1975. Michel Pêcheux, então pesquisador do CNRS no Laboratório de Psicologia Social, buscava refletir sobre o lugar do sujeito na História, propondo uma análise a partir da linguagem, bastante influenciado por Canguilhem e Althusser. Nesta abordagem, o discurso não é fala. Para Pêcheux (1969[1997]), o discurso é “efeito de sentido entre interlocutores” (p.82). O sentido é intervalar, enquanto efeito entre o interlocutor A e o interlocutor B, sempre implicado no contexto sócio-histórico. A Análise do Discurso, enquanto disciplina de interface/entremeio, exige a criação de um outro corpo teórico-analítico que se inscreve na articulação de três regiões do conhecimento: a lingüística não-positivista, o materialismo histórico e a psicanálise. No campo da lingüística, a Análise do Discurso trabalha com a linguagem que se constitui na opacidade e na não-transparência. Centra-se nas formulações irremediavelmente equívocas da linguagem e da comunicação, considera a linguagem como processo. A Análise do Discurso vai se preocupar em descrever os funcionamentos responsáveis pela produção de sentidos. Quanto ao materialismo histórico, a AD trabalha com um “real da História” que não pode ser apreendido pelo sujeito que faz a História. Para o analista do discurso não interessa o rastreamento de dados históricos em um texto, com datas e personagens, mas a compreensão de como os sentidos são produzidos na história que é documentada, narrada, fotografada. A conjunção linguagem-história é o que os estudos discursivos chamam de forma material, não abstrata para produzir sentido. Na articulação com a psicanálise, o sujeito da Análise do Discurso é o sujeito do inconsciente estruturado na linguagem (Lacan, 1998), por oposição ao sujeito centrado da razão. Fora do arcabouço desenvolvimentista biopsíquico, o sujeito sofre por conta de sua pouca consistência e a forma que ele encontra para lidar com essa vulnerabilidade é entregar-se às alienações identificatórias. Necessita identificar-se para existir. O assujeitamento, portanto, é a condição do sujeito. Essa existência só é possível num lugar de interstício, que oscila entre a ideia de “autonomia” e a ideia de “servidão” ao Outro ( Outro da cultura, da ideologia). Na “servidão” é a ausência de palavras o que se impõe ao sujeito. Na perspectiva da “autonomia” ele pode falar do seu desejo de fazer-se segundo o Outro e pelo Outro, inscreve-se, assim, o sujeito-falante. A impossibilidade de ser do sujeito o faz enfrentar sua existência duplamente exposto ao Outro: Esse Outro como simbólico que impõe o desejo e como o único capaz de responder a esse desejo. Assim, a sujeição é inerente ao fato da estrutura do sujeito falante, ou seja, não existe a independência suposta entre o sujeito e o contexto sóciohistórico. A linguagem é a comunicação de um saber, por isso, ela coloca a questão da verdade para o inconsciente, que é o lugar de onde ela se origina. A aproximação da Análise do Discurso com o materialismo histórico e a psicanálise – outros campos do conhecimento – não se trata de sincretismo teórico, mas de apropriação, deslocamento e reteorização de conceitos. Também não se trata de interdisciplinaridade, pois a AD é produzida no choque entre essas três disciplinas, ocupando-se das contradições existentes entre elas. O sujeito teórico da AD é o sujeito do inconsciente estruturado na linguagem, das formações imaginárias em cujo discurso aparece as condições de sua produção. É a partir do conceito lacaniano de imaginário que Pêcheux (1969[1997]) define as formações imaginárias que resultam de processos discursivos anteriores, através da antecipação das relações de força e sentido. O lugar do qual o sujeito fala, é falado ou cria, determina as relações de força no discurso, enquanto as relações de sentido pressupõem que não existe discurso que não se relacione com outros. O elemento determinante do sentido no discurso é a ideologia. A ideologia está materialmente relacionada ao inconsciente. O sujeito discursivo é atravessado pelo inconsciente e interpelado pela ideologia. Nesta linha, pode-se pensar que o ato criativo é ao mesmo tempo um desdobramento do desejo e uma manifestação política que inscreve socialmente o sujeito. 3. O ato criativo e os processos de interpelação-reprodução-transformação Pêcheux situa, na interpelação, a trama vincular entre a constituição do sentido e a constituição do sujeito (Pêcheux, 1999, p.149). Associa a interpelação à metáfora de constituição e controle social, vinculados à convocação tanto da Igreja quanto à da Polícia: “Hei! Você aí”. Assim, como a interpelação do Capital convoca “no mercado” o consumidor e torna palpável o vínculo superestrutural – jurídico-político e ideológico – determinado pela infraestrutura econômica. Nesta perspectiva da metáfora de constituição e controle social capitalista, a interpelação é intermediada pela notíciamercadoria exposta através da publicidade/propaganda. Esse tipo de interpelação configura sujeitos compostos por uma coletividade de sujeitos consumidores. Tal coletividade de sujeitos pré-existe aos sujeitos, como uma forma de socialização dos indivíduos através das mercadorias que os significam e a quem esses atribuem sentidos. O sujeito desta relação é tomado, então, como efeito de linguagem e efeito ideológico, o que permite com que o sujeito se identifique com a formação discursiva que o domina. Pêcheux (1969[1997]) afirma que a posição-sujeito é inscrita em uma formação discursiva que vai direcionar o sentido e a interpretação possível do discurso. Assim, as palavras, expressões, proposições e imagens mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam ou apresentam. A formação discursiva é a manifestação através de uma situação de enunciação específica de um conjunto complexo de práticas, não individuais nem universais relacionadas às posições de classes sociais em confronto umas com as outras. A obra de Bianca Araújo coloca em jogo o ato criativo e os processos de interpelação-reprodução-transformação, através da série Polícia , na imagem abaixo. A obra constitui-se em um texto imagético onde se pode observar a presença de duas posições-sujeito: a posição-sujeito polícia e a posição-sujeito “bandido”: Figura 1 - Bianca Araújo, Série Polícia (2002) A obra (re)apresenta as posições-sujeito de “bandido” e de polícia, a partir da intervenção da artista nos gestos e nas posturas de imobilização e submetimento. A figura central, na posição-sujeito bandido tem o rosto, braços e mãos pintados de preto. Está sendo detida por outros dois sujeitos na posição-sujeito polícia: um deles tem o rosto apagado, todo pintado de branco. O preto e o branco expõem as formações discursivas em oposição, o confronto das classes sociais. O que não impede que essas formações discursivas que representam divergentes classes sociais componham arranjos e conchavos nas posições de “polícia” e “bandido”, afirmando a permeabilidade das formações discursivas e a fragmentação do sujeito. Na imagem (fig.1), a presença dos dois policiais é colocada em evidência pelas mãos que seguram os braços da pessoa que está sendo detida. As mãos dos policiais funcionam como algemas em carne e osso que tratam de negar o sintoma: elos que evidenciam o funcionamento de um tipo de vínculo social que se estabelece na sociedade brasileira. A artista também faz uma intervenção no texto. Marca a sua diagramação, o arranjo dos espaços, a disposição em blocos e colunas. Interroga a forma como imagens e textos podem ser vistos dissociados e independentemente nos jornais e na mídia. O texto adquire apenas função de moldura, preenchimento e textura, serve para reafirmar a força da imagem. A obra isola texto e imagem para estabelecer ressignificações. Talvez caiba a pergunta: O que leva um artista a criar? Para abordar esta questão faz-se necessário convocar outros artistas e Clarice Lispector tem algo a dizer em sua crônica “O Mineirinho”, um “bandido” brutalmente executado pela polícia no Rio de Janeiro: “É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes [...]” (Lispector, 1998, p.123) . Se “criar é não se adaptar à vida como ela é”, como afirma Waly Salomão (1996, p. 156), tanto Bianca Araújo, quanto Clarice Lispector reafirmam e reapresentam a vida. Clarice problematiza o deslocamento da posição-sujeito em Mineirinho: que passa de “criminoso” à vítima do aparelho de Estado. Retoma o gesto social que elimina cruelmente Mineirinho, enumera os tiros e dispara sentidos sobre cada um deles: Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro me assassina – porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro. Essa justiça que vela o meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso, durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais [...] (Lispector, 1998, p.123). “O ‘sangue’ das obras é negro”, afirma Passeron (2001, p.10), acrescentando: “Sob o véu das formas e das palavras, ele é ao mesmo tempo evidente e enigmático”. Debruçadas sobre o evidente, Clarice Lispector faz com a palavra, aquilo que Bianca Araújo faz com a forma. A notícia-mercadoria – imagem que deveria remeter ao gozo – quando sofre intervenção poética, torna-se enigmática. Faz refletir e mobiliza o estranhamente familiar que nos habita. Como diz Freud (1919[1976]), aquilo que parece estar morto, está vivo. O recalcado que faz retorno à consciência, o insidioso, que retorna sem cessar, uma vez, outra... e ainda outra. O estranho é “aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar” (p.277). Freud tem a preocupação em compreender a etimologia da palavra alemã unheimlich e faz relação direta com heimlich, cujo significado está ligado ao lar. Unheimlich pode ser entendido como a negação do familiar. Mas que precisa da familiar para se instalar como sentido. O unheimlich contém o heimlich. Freud fala da ambigüidade do estranho: “heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolveu na direção da ambivalência, até que finalmente coincide com seu oposto, unheimlich” (Freud, 1919 [1976]). Na imagem abaixo (fig. 2), as duas cenas apresentam ao mesmo tempo cenas familiares e constrangedoras, por isso, ambíguas. Nas cenas que são recortadas pela artista, pode-se observar duas formações discursivas que representam classes sociais distintas e em desconexão aparente. Figura 2 - Bianca Araújo, Série polícia Nesta imagem (fig.2) texto escrito é recoberto e se transforma em blocos, semelhante a uma parede que dá sustentação às duas imagens irreconciliáveis. Homens de terno, talvez “políticos”, aparecem sem cabeça, num gesto de franca sedução pública. Coabitam, enquanto corpos, na mesma página com um grupo de policiais e detidos em uma blitz. É a “cidade partida” de Zuenir Ventura (1994) que se faz presente na obra de Bianca Araújo, onde as duas imagens isoladas de seus textos permitem que a confrontação se instale. Para Souza (1998, p. 157), “a experiência do estranho pode indicar um mundo de ruptura no tecido do mundo, essa teia de véus, imagens sentidos e fantasmas que constituem o pouco de realidade que nos é dado provar”. A artista, através desta estrutura-discursivo-visual, provoca mal-estar com a apresentação simultânea daqueles que se colocam em evidência sobre os personagens excluídos da história oficial. Aqueles que sofrem apagamento social e que, facilmente, são conduzidos à ilegalidade. No diálogo das obras de Bianca e Clarice, não se pode esquecer Helio Oiticica e o seu poema-bandeira “Seja marginal, seja herói”: uma homenagem do artista ao traficante e bicheiro Cara de Cavalo, assassinado no final dos anos sessenta, com mais de vinte e cinco tiros, por uma organização paramilitar que antecedeu ao esquadrão da morte (Ventura, 1994). Hélio também traz para o espaço da arte o que está nas páginas policiais dos jornais. Neste deslocamento, as três obras são três bólides – como queria Oiticica, que ao penetrarem na atmosfera urbana, produzem ruído, tornam-se muito brilhantes e podem deixar um rastro luminoso. Ao fazerem a denúncia, usando como matéria-prima a noticia-mercadoria, os artistas expõem um exemplo da interpelação ideológica funcionando contra si mesma, conforme refere Pêcheux. E essa é a potência da arte e o compromisso ético das imagens. 4. Considerações finais: Segundo Michel Pêcheux (1969[1997]), o que funciona nos processos discursivos é um conjunto de formações imaginárias que indicam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que fazem do seu próprio lugar e do lugar do outro na estrutura social a que pertencem. Portanto, existem em qualquer formação social normas de projeção, que organizam as relações entre as situações em que se encontra o sujeito empírico e as posições que são representações dessas situações. Todo o processo discursivo pressupõe, por parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor, sobre a qual se funda a estratégia discursiva, assim, a posição dos protagonistas intervém nas condições de produção do discurso. A publicidade/propaganda dirige-se para uma posição-sujeito e a arte visual para outra posição-sujeito, que designam algo diferente do sujeito empírico, designam lugares determinados na estrutura de uma formação social. Porém, não são apenas lugares empíricos na esfera da produção econômica, por exemplo, os lugares de criminoso, de polícia e de artista. São lugares discursivos marcados por propriedades diferenciais determináveis vinculados ao fantasma – ao roteiro individual de satisfação do desejo e à forma de inscrição social possível para o sujeito. Indaga-se sobre o momento social e histórico e a emergência de posturas possíveis para lidar com o mal-estar na contemporaneidade onde a posição de consumidor está previamente reservada a todo sujeito. O artista faz retorno ao inconsciente, impulsiona o deslocamento da imagem do contexto midiático para o campo das artes visuais, produz transformações na notícia-mercadoria. Trata-se de uma forma de lidar com o sofrimento provocado pela informação repetitiva e descontextualizada sobre a violência cotidiana. O artista não nega o sintoma social, coloca forma nele, tornando-o suscetível a outras palavras. Aquilo que a mídia de massa quer que pareça óbvio, o artista estranha. E ao estranhar, ela ex-tranha, desentranha outro sentido. Essas bandagens tentam tratar algo que não se cura. “Estranha conduta de criar visarias”, produzir cenas, criar imagens. Trabalho inútil, mas incansável de preencher a memória trágica, de travestir a morte. Honra de lutar. 5. Referências Campos, L. J. (2010). Imagens à Deriva: Interlocuções entre Arte, Psicanálise e Análise do Discurso. Organon, 24, 287 – 303. Porto Alegre: Editora UFRGS. Freud, Sigmund (1976). O Estranho. In: Obras Completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro, Imago. Original publicado em 1919. Freud, Sigmund (1998). O mal-estar na civilização. In: Obras Completas. Edição Standard. Escritos (Campo Freudiano no Brasil). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Original publicado em 1953. Lispector, C. (1998). Mineirinho, 1968. In: Lispector, C. Para não esquecer. São Paulo: Rocco. Original publicado em 1968. Passeron, R. 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