LUANA RODRIGUES DA SILVA OLIVEIRA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: MSc.Cristina Klose Parise Brasília 2010 Este trabalho é dedicado aos meus avós Neuza e Arthur (in memorian), que sempre me apoiaram nos meus sonhos, principalmente meu avô, que foi de suma importância no primeiro ano na graduação. AGRADECIMENTO Agradeço à professora Cristina Klose Parise, que me orientou neste trabalho, à minha mãe e ao meu padrasto, que cuidaram de mim, ao meu marido, que teve muita paciência comigo e me apoiou nos dias difíceis, e por último, mas não menos importante, a DEUS, que me sustentou não permitindo que eu desistisse em vários momentos dessa jornada. “Morre lentamente quem destrói seu amor próprio, quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho ou amor.” Pablo Neruda (1904 – 1973) RESUMO OLIVEIRA, Luana Rodrigues da Silva. Síndrome da Alienação Parental. 2010. 60 fls. Direito – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. O presente trabalho faz uma análise acerca dos transtornos causados pela Síndrome da Alienação Parental, descrito pela primeira vez em 1985 pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner e só agora em evidência nos conflitos familiares, como o Judiciário vem atuando para sanar esse conflito existente entre aquele que detém a guarda da criança e aquele que não a detém, além de sua origem, suas características, suas conseqüências para os envolvidos diretamente na lide e o Projeto de Lei do deputado federal Regis de Oliveira, aprovado pela Câmara dos Deputados, e que agora tramita no Senado Federal à espera de aprovação, sem falar nas decisões jurisprudenciais, que ilustram o trabalho. Faz-se uma abordagem sobre as modernas famílias existentes, sua evolução, os princípios que as regem, passando, também, para a dissolução das famílias brasileiras e a proteção dos filhos, no que tange à guarda, tanto unilateral quanto compartilhada, demonstrando as vantagens e desvantagens de cada uma, e os direitos e deveres dos avós. Palavras-chave: Família. Guarda. Síndrome da Alienação Parental. ABSTRACT Present work makes analysis concerning upheavals caused for Syndrome of Alienation Parental, described for the first time in 1985 for psychiatrist North American Richard Gardner and only now in evidence in conflicts familiar, as the Judiciary one comes acting to cure this existing conflict between that one that it withholds the guard of the child and that one who does not withhold it, beyond its origin, its characteristics, its consequences for the involved ones directly in deals and the Project of Law of the representative Regis de Oliveira, approved for the House of representatives, and that now it moves in the Federal Senate waits of approval, speaking in the decisions jurisprudenciais, that illustrate the work. A boarding becomes on the modern existing families, its evolution, the principles that conduct them, passing, also, for the dissolution of the Brazilian families and the protection of the children, in what it refers to the guard, in such a way unilateral how much shared, demonstrating to the advantages and disadvantages of each one, and the rights and duties of the grandmothers. Word-key: Family. Guard. Syndrome of the Parental Alienation. LISTA DE ABREVIATURAS CC – Código Civil CD – Câmara dos Deputados CF – Constituição Federal da República Federativa do Brasil ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente LD – Lei do Divórcio PL – Projeto de Lei TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo SAP – Síndrome da Alienação Parental SF – Senado Federal STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10 1. DO DIREITO DAS FAMÍLIAS................................................................................ 13 1.1. CONCEITO DE FAMÍLIA................................................................................. 14 1.2. ORIGEM DA FAMÍLIA......................................................................................15 1.3. FAMÍLIA ANTES E DEPOIS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002............................. 16 1.4. PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DE FAMÍLIA..................................... 17 1.4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana................................................19 1.4.2. Princípio da liberdade................................................................................ 20 1.4.3. Princípio da igualdade e respeito à diferença........................................... 21 1.4.4. Princípio da solidariedade familiar............................................................. 22 1.4.5. Princípio do pluralismo das entidades familiares.......................................23 1.4.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes e idosos............. 23 1.4.7. Princípio da afetividade............................................................................. 24 1.5. FAMÍLIAS PLURAIS........................................................................................ 26 1.5.1. Família Matrimonial................................................................................... 27 1.5.2. Família Informal......................................................................................... 27 1.5.3. Família Homoafetiva.................................................................................. 28 1.5.4. Família Monoparental................................................................................ 29 1.5.5. Família Anaparental................................................................................... 30 1.5.6. Família Eudemonista................................................................................. 30 2. DA DISSOLUÇÃO DA FAMÍLIA E DA PROTEÇÃO DOS FILHOS......................32 2.1. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO................................................................... 32 2.1.1. Dissolução pela morte de um dos cônjuges.............................................. 33 2.1.2. Dissolução pela nulidade ou anulação do casamento...............................33 2.1.3. Dissolução pela separação judicial............................................................35 2.1.4. Dissolução pelo divórcio............................................................................ 37 2.2. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL....................... 39 2.3. DISSOLUÇÃO DAS FAMÍLIAS PLURAIS....................................................... 41 2.4. TIPOS DE GUARDA........................................................................................ 43 2.5. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS AVÓS....................................................... 45 3. DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.................................................... 48 3.1. CONCEITO E ORIGEM DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL......... 48 3.2. PROJETO DE LEI............................................................................................ 51 3.3. IDENTIFICAÇÃO DA SÍNDROME E SUAS CONSEQUÊNCIAS.................... 52 3.4. PAPEL DO JUDICIÁRIO.................................................................................. 54 3.5. JURISPRUDÊNCIA..........................................................................................55 CONCLUSÃO............................................................................................................ 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................62 10 INTRODUÇÃO A Síndrome da Alienação Parental (SAP) é um transtorno, no qual se introduz falsas memórias no alienante. Embora estudada em 1985 pelo psicanalista Richard Gardner, somente agora desperta o interesse de estudiosos do Direito no Brasil. Esse tema tem sido discutido em vários processos de guarda, pois muitas vezes a mãe, que geralmente tem a guarda do filho, cria estórias1 inverídicas com o intuito de afastar pai e filho, esquecendo que há a garantia de um direito totalmente assegurado pela Constituição Federal, qual seja: o convívio do pai com o filho, contribuindo não só no seu sustento alimentar, mas também na sua educação e no seu amadurecimento. Este fato também pode acontecer de forma inversa na tentativa de afastar mãe e filhos. O interesse por este tema tão polêmico surgiu através de noticiários e de testemunhos de pessoas que passaram por essa experiência desgastante e traumática, privando-se do convívio com ascendente ou descendente pura e simplesmente por vingança daquele que saiu “prejudicado” da relação. O “prejudicado” não percebe que quem mais perde é ele mesmo, pois, muitas vezes destrói o amor de seu filho. É fato que o fim de um relacionamento amoroso não é fácil, por isso é necessário sabedoria, força e, por que não, amor próprio. Ter que conviver com o “ex” (namorado, cônjuge ou companheiro) é uma tarefa muitas vezes insuportável. O inconformismo humano é algo sempre presente na maioria das pessoas que vêem rompido um relacionamento, principalmente se for de muito tempo. O que ocorre é uma confusão entre os problemas e os sentimentos despertados com o fim da relação, e a alienação parental. Poucas são as vezes que observamos pais deixarem de lado o sofrimento, tentando uma convivência harmônica, tanto em nome dos filhos havidos neste relacionamento quanto de uma estória vivida com quem se amou. 1 Segundo o Dicionário Aurélio, estória é uma narrativa de ficção; exposição romanceada de fatos puramente imaginários (distinta da história, que se baseia em documentos ou testemunhos); conto, novela, fábula: estórias de quadrinhos. (FERREIRA, 2001, p. 296). 11 É sabido que, na sociedade moderna, há vários tipos de famílias, e todas essas visam preservar a dignidade da criança, tendo seus direitos garantidos tanto na Carta Magna, quanto no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange ao convívio com os pais, sejam esses casados entre si, com outros ou simplesmente solteiros. Também os direitos dos pais são garantidos, através da guarda unilateral, onde a guarda fica com um dos pais (geralmente a mãe) e o outro tem direito de visita, ou a guarda compartilhada, regulamentada no Código Civil de 2002, onde os dois convivem diretamente com a criança, que não é o foco deste trabalho. Temos como objetivo geral a demonstração de que a alienação parental existe podendo ser confundida com sentimentos surgidos em todo fim de relacionamento . Já os objetivos específicos englobam as mudanças ocorridas no Direito de Família; as vantagens da guarda compartilhada, seja entre pais ou entre pais e avós, e sua importância na solução da síndrome; como as brigas entre casais que se separam podem afetar o desenvolvimento de uma criança; e o porquê e como a Síndrome da Alienação Parental ocorre. A metodologia funcionalista, que explica os fatos sociais, será de grande importância para o desenvolvimento deste trabalho, pois é preciso investigar porque ocorre a alienação parental numa sociedade moderna como a nossa, onde as famílias estão em constante evolução, e os filhos podem escolher com quem ficar, inclusive com os dois pais ao mesmo tempo. Quanto ao método, em princípio será utilizado o analítico, pois é preciso fazer um levantamento dos fatos ocorridos na sociedade para verificar o que desencadeou o desenvolvimento da Síndrome da Alienação Parental. Num momento mais avançado, será importante também o método histórico, pois não podemos negar que as transformações ocorridas na sociedade como um todo influenciaram o Direito de Família. E, sendo a alienação parental um assunto atual, mas de origem antiga, devemos buscar soluções para acabar, ou pelo menos amenizar, a ausência de convivência familiar adequada provocada por aquele que aliena. Contudo, tenta-se chegar a soluções explicativas para o fim da alienação, ou no mínimo mostrar e esclarecer juridicamente o direito que ambos os pais têm sobre o filho, contribuindo harmonicamente para o crescimento da criança ou adolescente como pessoa, e não sendo tratado como um objeto de vingança. O papel da justiça é pôr fim aos conflitos, seja na sociedade conjugal ou na sociedade como um todo. 12 Para isso, abordaremos no primeiro capítulo o que vem a ser família e quais os tipos reconhecidos pela doutrina e pela legislação pátria; no segundo capítulo será discutida a dissolução das famílias que, na maioria dos casos, é considerada a causa do desenvolvimento da síndrome, além dos tipos de guarda, que a meu ver, pode ser a solução para o fim desse transtorno; e, por fim, no terceiro capítulo, será estudada a Síndrome da Alienação Parental propriamente dita. 13 1. DO DIREITO DAS FAMÍLIAS Segundo Rodrigo da Cunha Pereira (PEREIRA,1999, p. 17 apud DIAS, 2006, p. 26), “a primeira lei de direito de família é conhecida como lei-do-pai, uma exigência da civilização na tentativa de reprimir as pulsões e o gozo por meio da supressão dos instintos.” A família é tida como a base da sociedade, sendo, por esta razão, protegida pelo Estado. Esta proteção é garantida na Constituição Federal (CF) de 1988, que em seu artigo 226 diz exatamente isso. “O direito de família, por dizer respeito a todos os cidadãos, revela-se como o recorte da vida privada que mais se presta às expectativas e mais está sujeito a críticas de toda sorte.” (OLIVEIRA; HIRONAKA, 2003 apud DIAS, 2006, p. 27). A sociedade está em constante transformação e, infelizmente, o legislador não consegue acompanhar o ritmo acelerado de como as coisas acontecem. O direito de família é um ramo delicado do Direito, pois trata das relações de afetividade das pessoas. Por mais que a sociedade mude, não se pode manipular o modo como os relacionamentos se dão. Tradições antigas e “tabus” são quebradas de forma natural; nada pode ser imposto. A própria sociedade exige as mudanças que vem ocorrendo ao longo dos anos, mas isso deve acontecer naturalmente, como qualquer tipo de comportamento. Como adverte Sérgio Gischkow Pereira, o regramento jurídico da família não pode insistir, em perniciosa teimosia, no obsessivo ignorar das profundas modificações culturais e científicas, petrificado, mumificado e cristalizado em um mundo irreal, ou sofrerá do mal da ineficácia. (PEREIRA, 2004, p. 35 apud DIAS, 2006, p. 27). “O grande problema reside em se encontrar, na estrutura formalista do sistema jurídico, a forma de proteger sem sufocar e de regular sem engessar.” (RUZYK, 2000 apud DIAS, 2006, p. 27). “É preciso demarcar o limite de intervenção do direito na organização familiar para que as normas estabelecidas não interfiram em prejuízo da liberdade do „ser‟ sujeito.” (PEREIRA, 1999 apud DIAS, 2006, p. 28). 14 1.1. CONCEITO DE FAMÍLIA Segundo Falavigna e Costa (FALAVIGNA; COSTA, 2003, p. 24), “podemos entender família como sendo uma organização de pessoas ligadas por laços de consangüinidade ou parentesco, tendo como início duas pessoas que se ligam por meio do que poderia ser um casamento.” Este conceito está mudando, pois hoje a família não só é formada pelo casamento, mas também, por laços de afetividade. Não resta dúvida é de que qualquer pessoa está ligada a um grupo, a família, que é responsável por sua sobrevivência, já que sua função primordial é dar condições materiais para que seu membro sobreviva e criar ligações afetivas, para a saúde mental do indivíduo, o que representa as condições para que este se torne um cidadão e possa viver em sociedade, uma vez que o ser humano é um ser social, que necessita desenvolver laços afetivos e viver em grupo, não resistindo ao isolamento, pois a pessoa não começa nem termina em si mesma. (FALAVIGNA; COSTA, 2003, p. 2425). A família reflete a sociedade. Assim como esta se transforma sempre, aquela também está em processo de mudança. Tanto é verdade, que hoje para uma família ser reconhecida como tal, não é necessário haver casamento. Basta a afetividade, o respeito mútuo e o objetivo comum de viver juntos, um sendo o alicerce do outro. Caio Mário define família no contexto socioeconômico como um regime de relações sociais institucionalizadas, que são sancionadas pelo direito, dando à família categoria jurídica peculiar. Daí se deve entender que a família pode ser considerada como um organismo jurídico, como também uma instituição. (PEREIRA, 2001, p. 171 apud FALAVIGNA; COSTA, 2003, p.26). A família patriarcal, que nossa legislação civil tomou como modelo, ao longo do século XX, entrou em crise, culminando com sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na Constituição de 1988. Como a crise é sempre perda de fundamentos, a família atual está matrizada em um fundamento que explica sua função atual: a afetividade. Assim enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida não hierarquizada. (LÔBO, 2004). O conceito de família mudou ao longo dos anos porque a sociedade exigiu. Hoje, o que temos é não mais o homem como chefe de família. A obrigação de sustento da casa e dos filhos é tanto do pai como da mãe. Com a emancipação feminina, a mulher deixou de ser submissa ao marido, além de poder decidir o momento de ter filhos. 15 Muitas famílias são formadas sem a presença de filhos porque não é mais exigida a procriação. O objetivo da família moderna é manter a afetividade, a comunhão; é viver bem para que a sociedade esteja bem. 1.2. ORIGEM DA FAMÍLIA Os animais vivem em pares ou grupos. Deus criou cada um para viver acompanhado. Assim também ocorre com o homem. Na Idade Antiga, o homem ficava com quantas mulheres conseguisse ter e sustentar. Apesar disso não havia uma estrutura familiar definida. A partir da Idade Média, com o poder exercido pela Igreja, consagrou-se a estrutura familiar como hierárquica e patriarcal, e destinada à procriação. O homem, chefe de família, mandava em todos, esposa, filhos, servos. Todos lhe deviam obediência. A família só podia ser constituída a partir do casamento. Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de proteção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. (DIAS, 2006, p. 26). Ao longo da história, a família sempre gozou de um conceito sacralizado por ser considerada a base da sociedade. As relações afetivas foram primeiro apreendidas pela religião, que as solenizou como união divina, abençoada pelos céus. Claro que o Estado, com toda a sua onipotência, não poderia dar um tratamento menos intervencionista às relações familiares. Buscando o estabelecimento de padrões de estrita moralidade e objetivando regulamentar a ordem social, transformou a família em uma instituição matrimonializada. Engessando-a no conceito de casamento, impôs de forma autoritária deveres, penalizando comportamentos que comprometessem sua higidez, além de impedir sua dissolução. O modelo tradicional da família sempre foi o patriarcal, sendo prestigiado exclusivamente o vínculo heterossexual. (DIAS, 2005). Apesar de Maria Berenice Dias dizer que as relações afetivas (grifo nosso) foram apreendidas pela religião, vale ressaltar que muitos casamentos aconteciam sem amor, sendo arranjados não raras as vezes para camuflar a homossexualidade. A Igreja e o Estado exigiam a moral acima de tudo, e essa moral era demonstrada 16 através dos casamentos e da procriação, objetivos do matrimônio até meados da década de 1970, quando entra em vigor a Lei do Divórcio (LD). 1.3. FAMÍLIA ANTES E DEPOIS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 O Código Civil de 1916 tratava a família como aquela instituição formada pelo casamento matrimonial. Essa família era discriminada, pois não era permitido o divórcio; o casal podia se separar, mas permanecia com o vínculo do casamento; os filho surgidos numa relação extra matrimonial não eram reconhecidos nem pela legislação civil nem pela Constituição. Com o tempo, a sociedade foi evoluindo e surgiu a necessidade de mudanças. Em 1962, entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121), onde a mulher recuperou sua capacidade, visto que, anteriormente, quando a mulher casada perdia sua capacidade, passando a depender em tudo do marido. Em 1977 surgiu a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515). Então, a idéia de “casados até que a morte os separe” caiu por terra. Ocorreu a Revolução Feminina e a mulher passou a decidir sobre a própria vida. A CF de 1988 acabou com os preconceitos, abordando a igualdade entre homens e mulheres; a proteção a todos os membros da família de forma igualitária; reconheceu o instituto da união estável, assim como a família formada por somente pai ou mãe; pôs fim à separação entre filhos havidos do casamento, de relações extra matrimoniais e adotivos. “Como lembra Luiz Edson Fachin (FACHIN,1996, p. 83 apud DIAS, 2006, p. 29), após a Constituição, o Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família.” O CC de 2002 trouxe algumas inovações, porém ainda não corresponde às mudanças ocorridas ao longo dos últimos anos. O projeto de modificação do Código é de 1975 e, quando entrou em vigor, em 2003, muitas coisas estavam diferentes daquela época. Houve algumas modificações, mas essas não foram suficientes. Há necessidade de um novo código, ou de emendas, para deixá-lo atualizado. O Código Civil procurou atualizar os aspectos essenciais do direito de família. Incorporou as mudanças legislativas que haviam ocorrido por meio de legislação esparsa, apesar de ter preservado a estrutura do Código 17 anterior. Mas não deu o passo mais ousado, nem mesmo em direção aos temas constitucionalmente consagrados, ou seja, operar a subsunção, à moldura da norma civil, de construções familiares existentes desde sempre, embora completamente ignoradas pelo legislador infraconstitucional. (OLIVEIRA; HIRONAKA, 2003, p. 5 apud DIAS, 2006, p. 29). Ao analisar o Código Civil em vigor, percebem-se avanços, como a concessão de alimentos mesmo para aquele que causou a separação, por exemplo. Não diria retrocesso, mas uma não evolução ao deixar de dispor sobre guarda compartilhada outros assuntos muito pertinentes aos dias atuais. Há também inconstitucionalidades, como a prova de culpa na separação, visto que a exposição dos motivos da separação fere o direito à privacidade, elencada no artigo 5º da CF de 1988. Não podemos negar que o Código Civil ainda precisa de grandes transformações, mas evoluiu bastante ao destacar o princípio da dignidade humana, ao invés do patrimônio, como feito anteriormente. 1.4. PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DE FAMÍLIA A CF de 1988 contempla os direitos individuais, ressaltando desde o artigo 1º a dignidade da pessoa humana. Em seu artigo 3º diz, “constitui objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária.” Nesta linha de raciocínio, o legislador constituinte deu especial atenção aos direitos e garantias fundamentais, pois abordou inicialmente estes temas, para depois pensar na organização do Estado. Apenas para termos um elemento concreto de comparação, a Constituição de 1824 iniciava tratando do Império do Brasil, seu território, governo, dinastia e religião, e só vai abordar os direitos dos cidadãos brasileiros no artigo 173, sob o título 8º, que tratava das disposições gerais, e garantias dos direitos civis. (MELO, 2006). Já em seu artigo 226, a CF contempla a família que, por ser a base da sociedade, recebe proteção do Estado. A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em 18 uma comunhão espiritual e de vida. (PERLINGIERI, 2002, p. 243 apud MELO, 2006). “Segundo Paulo Bonavides (BONAVIDES, 1999, p. 237 apud DIAS, 2006, p. 47), os princípios constitucionais foram convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional.” “A força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade - converte-se ela mesma em força ativa. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas.” (HESSE, 1991 apud DIAS, 2006, p. 47). Essas tarefas a que se refere Hesse, são cumpridas pelos princípios constitucionais, de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana. Conforme afirmação de Sarlet (SARLET, 2004, p. 331 apud DIAS, 2006, p. 49), “os direitos fundamentais podem ser considerados parâmetros materiais e limites para o desenvolvimento judicial do direito.” Ainda a respeito, Judith MartinsCosta (MARTINS-COSTA, 2001, p. 21 apud DIAS, 2006, p. 49) completa: “a reconstrução do conceito de pessoa levou o direito a construir princípios e regras que visam a proteção da personalidade humana e aquilo que é seu atributo específico: a qualidade de ser humano.” É no direito das famílias onde mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princípios que regem o direito das famílias não podem distanciar-se da atual concepção da família dentro de sua feição desdobrada em múltiplas facetas. A Constituição consagra alguns princípios, transformando-os em direito positivo, primeiro passo para a sua aplicação. (DIAS, 2006, p. 50). Diante dessa realidade, será importante reconhecer a eficácia imediata e horizontal dos direitos fundamentais, a horizontalização das normas que protegem a pessoa, e que devem ser aplicadas nas relações entre particulares, dirigidas que são, também, aos entes privados. (SARLET, 2005 apud TARTUCE, 2006). Como lembra Tartuce (2006), é de se perceber como os princípios constitucionais ganharam relevante importância no que se refere às relações privadas, com a visão pós-positivista. 19 1.4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana Esse princípio está disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...] A inovação ocorrida com o advento da CF de 1988 é que o indivíduo também é valorado, e não somente a entidade familiar, como ocorreu em outro momento. A idéia de necessidade de casamento para mostrar os valores culturais e religiosos mudou. O pensamento antiquado de reprodução como função do matrimônio também. Tanto é assim, que a própria CF, em seu artigo 226, §§ 3º e 4º, diz: Art. 226. [...] [...] §3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. §4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. [...] No dizer de Daniel Sarmento, representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade. (SARMENTO, 2000, p. 60 apud DIAS, 2006, p. 52). Se pararmos para analisar, perceberemos que, neste contexto, há duas grandezas inversamente proporcionais, uma vez que, à medida que a pessoa é valorizada, o patrimônio vai sendo esquecido. Como a Constituição colocou em foco a dignidade da pessoa humana, havendo escolha expressa pela pessoa como indivíduo, os institutos referentes à personalidade se conectaram. Tal feito destacou a pessoa humana como detentora da proteção do direito. Este princípio tem a obrigação de evitar que ações praticadas pela sociedade e pelo Estado perturbem a dignidade humana, e o Estado tem que garantir o mínimo necessário para cada ser humano. Ingo Wolfgang Sarlet (SARLET, 2005, apud TARTUCE, 2006) conceitua o princípio em questão como "o reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos 20 direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana". “O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família.” (PEREIRA, 2006, p. 72 apud DIAS, 2006, p. 53). A dignidade da pessoa humana encontrou campo apropriado para crescer na família, uma vez que a legislação magna lhe dá proteção especial. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. (GAMA, 2003, p. 105 apud DIAS, 2006, p. 53). “Ora, se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna.” (FARIAS, 2003, p. 69 apud DIAS, 2006, p. 53). “É direito constitucional do ser humano ser feliz e dar fim àquilo que o aflige sem inventar motivos.” (ROSA, 2001, p. 88 apud DIAS, 2006, p. 53). Isso quer dizer que a pessoa tem o direito, garantido por esse princípio, de decidir entre separação e divórcio ou não. O Estado, mesmo sendo responsável pelas entidades familiares, não tem o direito de interferir numa situação delicada como esta. A constituição ou não de entidade familiar é responsabilidade de cada indivíduo. 1.4.2. Princípio da liberdade Como o direito de família está diretamente ligado aos direitos humanos, e estes têm como direitos de primeira geração a liberdade e a igualdade, e estas, por sua vez, são a maneira, inicialmente, de se garantir que seja cumprido o princípio da dignidade humana, o princípio da liberdade se faz o segundo maior princípio da Constituição Federal de 1988. Esse princípio garante o livre arbítrio das pessoas em escolherem suas carasmetades, independente de sexo, cor, raça, a fim de constituírem família. Diz o artigo 21 1.513 do Código Civil de 2002 que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.” É claro que há exceções para essa intervenção, uma vez que a CF de 1988 traz em seu texto os momentos em que se faz necessária a participação do Estado na vida da família. 1.4.3. Princípio da igualdade e respeito à diferença Homens e mulheres são iguais quando se trata de responsabilidade pela entidade familiar. Essa espécie de igualdade, e outras demais, entre os sexos está disposta no artigo 5º da Constituição Federal, que diz: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] Rui Barbosa, em sua Oração aos Moços, traz a célebre frase, que resume esse princípio: “tratar a iguais com desigualdade ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante desigualdade”. Esse princípio é um dos suportes do Estado Democrático de Direito. “É imprescindível que a lei em si considere todos igualmente, ressalvadas as desigualdades que devem ser sopesadas para prevalecer a igualdade material em detrimento da obtusa igualdade formal.” (LIMA, 1993, p. 16 apud DIAS, 2006, p. 54). Segundo José Afonso da Silva (2000, p. 216), justiça material ou concreta pode ser entendida como a especificação da igualdade formal no sentido de conceder a cada um segundo a sua necessidade; a cada um segundo os seus méritos; a cada um a mesma coisa. De acordo com a Constituição, o Código Civil de 2002 dedica-se a este princípio no que tange o direito das famílias. A igualdade, neste caso, se dá pela solidariedade, assim como pelo amor e pelo afeto. O desafio é considerar as saudáveis e naturais diferenças entre homens e mulheres dentro do princípio da igualdade. Já está superado o entendimento de que a forma de implementar a igualdade é conceder à mulher o tratamento diferenciado que os homens sempre desfrutaram. O modelo não é o masculino, e é preciso reconhecer as diferenças, sob pena de ocorrer a eliminação das características femininas. Em nome do princípio 22 da igualdade, é necessário reconhecer direitos a quem a lei ignora. Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não podem levar também o juiz a se calar. Imperioso que, em nome da isonomia, ele reconheça direitos às situações merecedoras de tutela. O princípio da igualdade não vincula somente o legislador. O intérprete também tem de observar suas regras. Assim como a lei não pode conter normas que arbitrariamente estabeleçam privilégios, o juiz deve aplicar a lei de modo a gerar desigualdades. (DIAS, 2006, p. 56). Assim, tratando-se de conflitos familiares, se algum dos consortes, ao fim do relacionamento, alegar “ser melhor” que o outro, uma vez que esse outro causou a separação, para cuidar da prole, deve o juiz analisar minuciosamente todos os fatos narrados, a fim de não cometer injustiças, tratando os iguais, quanto à responsabilidade pela família, como desiguais. 1.4.4. Princípio da solidariedade familiar Esse princípio está elencado no artigo 3º, inciso I da CF de 1988, que diz: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária.” Sua aplicação se estende às relações familiares, visto que a solidariedade é requisito das relações pessoais. Afirma Maria Berenice Dias (2006, p. 56) que: Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação. A solidariedade familiar é de bastante interesse, pois mostra quão importante é a participação de todos do grupo familiar no sustento e formação do indivíduo. Assim, caso os pais não prestem a devida assistência aos filhos enquanto dependentes, não poderão, no futuro, reclamar direitos e obrigações a estes. 23 1.4.5. Princípio do pluralismo das entidades familiares A Constituição Federal de 1988 trouxe um novo conceito sobre o direito de família. A família é a base da sociedade, mas não aquela família idealizada pelo casamento na Igreja. É a família moderna, constituída das mais diferentes formas. As uniões estáveis, assim como as demais uniões extra matrimoniais, tinham seus conflitos resolvidos pelo direito das obrigações, vistas que eram como sociedades de fato. Hoje, qualquer tipo de entidade familiar é protegido pelo direito das famílias. Maria Berenice Dias (2006, p. 57) diz que, Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade e que geram comprometimento mútuo e envolvimento pessoal e patrimonial é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é ser conivente com a injustiça. Como já dito anteriormente, a sociedade está em constante evolução, e ignorar a diversidade familiar existente é permanecer estagnado, inerte a tudo aquilo que diz respeito à família, que independente de sua formação, é construída apoiada no amor e no afeto. 1.4.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes e idosos Dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227 que Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Esses direitos também estão elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que abrange todas as normas garantidoras dos menores como sujeitos de direito. Afirmam Ana Carolina B. Teixeira e Maria de Fátima F. de Sá que O Estatuto rege-se pelos princípios do melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral, visando a conduzir o menor ao alcance da maioridade de forma responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais. (TEIXEIRA; SÁ, 2004, p. 26 apud DIAS, 2006, p. 58). 24 Contempla, ainda, o §6º do mesmo artigo 227 que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Assim, os termos “filho adulterino, bastardo, incestuoso”, não são mais permitidos, consistindo em afronta ao princípio ora estudado. Paulo Luiz Netto Lôbo (2003, p. 45) diz que “o princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado.” Por estarem num período delicado da vida, em que a fragilidade e a vulnerabilidade são pontos fortes, as crianças e os adolescentes até os 18 anos são detentores de um tratamento diferenciado e especial. Daí a consagração do princípio da prioridade absoluta, de repercussão imediata sobre o comportamento da administração pública, na entrega, em condições de uso, às crianças e adolescentes, dos direitos fundamentais específicos que lhes são consagrados constitucionalmente. (GONÇALVES, 2002, p. 31 apud DIAS, 2006, p. 57). Paulo Lôbo (2003, p. 132) diz que O que deve prevalecer é o direito à dignidade e ao desenvolvimento integral, e, infelizmente, tais valores nem sempre são preservados pela família. Daí a necessidade de intervenção do Estado, afastando crianças e adolescentes do contato com os genitores, colocando-as a salvo junto a famílias substitutas. O direito à convivência familiar não está ligado à origem biológica da família. Não é um dado, é uma relação construída no afeto, não derivando dos laços de sangue. Embora esse primado também faça referência aos idosos, estes não serão abordados no presente trabalho, visto que não se enquadram ao tema em desenvolvimento. 1.4.7. Princípio da afetividade O afeto pode ser considerado o ponto forte das novas relações familiares, uma vez que surge da valorização da dignidade da pessoa humana. A afetividade nada tem a ver com laços sanguíneos, e sim laços de amor e respeito. Flávio Tartuce (2006), comentando sobre a obra de João Baptista Vilella, Desbiologização da paternidade, da década de 1980, diz que “na essência, o trabalho procurava dizer que o vínculo familiar seria mais um vínculo de afeto do que 25 um vínculo biológico. Assim, surgiria uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.” A questão foi tão bem aceita entre os doutrinadores da área, que foram aprovados Enunciados do Conselho de Justiça Federal à respeito. Um é o Enunciado nº 103, que diz: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho. O outro é o Enunciado nº 108, que diz “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva.” Ainda sobre o tema, o Enunciado nº 256, dizendo que “a posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. “Conforme afirma Silvana Carbonera, as transformações foram sentidas plenamente com a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual.” (CARBONERA, 1999, p. 508 apud DIAS, 2006, p. 60). O princípio da afetividade, embora não enunciado na Constituição, faz nascer a reciprocidade de sentimentos entre irmãos, independente de qual forma de irmandade seja, incluindo aí o respeito aos direitos fundamentais. A realidade é que a descoberta da afetividade revolucionou as relações familiares. A família formada pelo afeto derrubou a família patriarcal, matrimonializada. Como diz João Baptista Vilella, as relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições familiares dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor. (VILLELA, 1994, p. 645 apud DIAS, 2006, p. 61). As pessoas com interesse na constituição de uma família unem-se simplesmente por gostarem de estar com o outro, independente de qualquer fator que não esteja relacionado ao afeto, ao companheirismo, ao respeito. E só quem é 26 capaz de entender como esses sentimentos podem constituir um alicerce sólido na formação da família é aquele que acredita na existência da socioafetividade. 1.5. FAMÍLIAS PLURAIS Hoje é difícil conceituar a família moderna. A idéia de família formada a partir do matrimônio, patriarcal mudou. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, o homem deixou de ser o provedor da família e muitas mulheres até sustentam a casa sozinhas. Diante dessa transformação da sociedade, Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que permita nominá-las como família. Esse referencial só pode ser identificado na afetividade. É o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é a vontade – para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento de amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos. (VILLELA, 1999 apud DIAS, 2006, p. 39). O que predomina hoje para a formação da família é o afeto e não mais a obrigação de procriação cumprida nos moldes da Igreja. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado. (ESTROUGO, 2004 apud DIAS, 2006, p. 39). O que ocorre é que o que predomina agora, na sociedade moderna, são os valores sentimentais. As famílias não são mais obrigadas a viver juntas, muito menos serem constituídas de pai, mãe (esses casados na Igreja), filhos, netos. Basta haver afetividade e responsabilidade, que são as bases da família moderna e, mais do que necessário, a supremacia da dignidade da pessoa humana. Diante desse panorama social, tem-se várias espécies de famílias, expostos a seguir. 27 1.5.1. Família Matrimonial Sob a justificativa de manter a ordem social, tanto o Estado como a Igreja acabaram se imiscuindo na vida das pessoas. Na tentativa de regular as relações afetivas, assumiram postura conservadora para preservar estrito padrão de moralidade. Assim, foram estabelecidos interditos e proibições de natureza cultural e não biológica, e os relacionamentos amorosos passaram a ser nominados de família. (DIAS, 2006, p. 40). A Igreja instituía como finalidade do casamento a procriação. Se um dos nubentes não pudesse ter filhos o casamento poderia ser anulado, uma vez que não teria como cumprir o mandamento da instituição religiosa. O marido era o chefe da família, e a esposa e filhos deveriam adotar seu nome. Era permitido o desquite, mas o vínculo matrimonial permanecia, impossibilitando a constituição de uma nova família. Com a Lei do Divórcio, o poder exercido pela Igreja começou a mudar. Uma vez acabado o casamento, não mais eram obrigados a manter o relacionamento. O regime de bens mudou para a comunhão parcial, além de a mulher poder escolher se queria o nome do marido ou não, dentre outras escolhas. Já a Constituição Federal (CF) de 1988 trouxe mais inovações no que tange à formação da família. Passou a reconhecer os filhos havidos fora do casamento como legítimos e o homem não é o único provedor da casa. Além do mais, hoje um casal constitui família através do matrimônio se realmente quiser, pois já é reconhecida a união estável e outras formas de constituição de família estão em processo de reconhecimento. 1.5.2. Família Informal Antes da CF de 1988, os relacionamentos extra matrimoniais não eram reconhecidos. A sociedade não aceitava esse tipo de relação entre homem e mulher, sem ser confirmado pela Igreja. Tampouco reconhecia os filhos havidos, sendo estes chamados de bastardos. A mulher que se envolvia com um homem sem casar era chamada de concubina ou adulterina. 28 Depois de muita luta dos partícipes da relação, os juízes reconheceram o papel da companheira. Porém as mulheres continuavam com um problema: não tinham direito à sucessão. Como não podiam partilhar o patrimônio de seus companheiros, ingressavam na Justiça pleiteando indenização por serviços domésticos prestados. Esse tipo de união era considerada uma sociedade de fato. Mas a promulgação da CF de 1988 mudou a situação dos casais que viviam juntos sem serem casados. Desde então há o reconhecimento da união estável, constituindo uma nova espécie de família. O Código Civil de 2002 impõe requisitos para o reconhecimento dessa união, gerando deveres e criando direitos para os conviventes. É uma cópia dos requisitos para o casamento. 1.5.3. Família Homoafetiva A CF de 1988 reconhece a união estável entre homem e mulher. No entanto, com a modernização da sociedade, hoje podemos falar em união estável entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, as relações homoafetivas. Porém, Sempre que se fala em família não fundada no casamento, surge a polêmica questão da união de pessoas do mesmo sexo. Como dito no tópico sobre uniões estáveis, a Constituição Federal de 1.988 excluiu a possibilidade de se reconhecer as uniões entre homossexuais como entidades familiares, pois no artigo 226, parágrafo 3º, expressamente se refere à união „entre o homem e a mulher‟. (VASCONCELOS, 2002, p. 143144 apud MARQUES, 2009). Ainda predomina na jurisprudência o reconhecimento desse tipo de relação como sociedade de fato, sendo garantido aos parceiros somente os bens adquiridos durante o período de convivência e divididos de acordo com a participação de cada um na aquisição. Mas essa idéia não satisfaz mais os anseios e desejos do Direito de Família atual. Segundo Marques (2009), “a realidade homoafetiva nasceu desde que o ser humano se reconheceu como tal, e não é dado ao Direito, em pleno o século XXI, ignorar tal situação”. O objetivo da CF de 1988, ao mencionar “união entre homem e mulher”, era simplesmente o de pôr fim ao preconceito existente no que tange as relações extra 29 matrimoniais como entidade familiar, garantindo proteção constitucional àqueles que vivem em união estável. Nossa sociedade precisa repensar a desigualdade com que trata, não apenas no aspecto social, mas também jurídicos aqueles que não correspondem ao "ideal" e que estão presentes para lembrar a diferença que muitas vezes choca justamente por esconder aquilo que alguns mais temem: o encontro com sua própria verdade ou com um preconceito disfarçado. Indivíduos que assumem suas desigualdades não podem ser condenados como se fossem seres desprovidos de qualquer qualidade e estivessem impossibilitados de dar amor e cuidados a uma criança só por não representarem o tradicionalmente aceito. (CHEMIN; SESARINO, 2008, p. 132 apud MARQUES, 2009). Enquanto essas famílias, formadas apenas pelo par, vivendo à margem da sociedade para não ferir a moral e os bons costumes, aceitavam as imposições do Estado, era aceitável a homossexualidade. A partir do momento que eles resolveram assumir suas condições e brigar pela igualdade de direitos que a CF de 1988 garante, buscando alternativas para a constituição de uma família completa, independente de laços de sangue ou laços de afeto, mostram que a afetividade e o amor que eles têm um pelo outro são maiores do que o preconceito que ainda insiste em permanecer em nossa sociedade. 1.5.4. Família Monoparental A CF de 1988 em seu artigo 226, §4º, diz que a entidade familiar é a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Esta é uma situação bastante comum na nossa sociedade, porém o Código Civil de 2002 não regula os direitos da família monoparental. Cabe ressaltar que a falta de regulamentação não é motivo para fingirmos que esse tipo de entidade familiar não existe. “De maneira simplista os vínculos familiares que se constituem de modo concomitante ao casamento são condenados à invisibilidade. Contam com a conivência do judiciário.” (DIAS, 2008). 30 1.5.5. Família Anaparental Esse tipo de entidade familiar diz respeito àquelas famílias constituídas por duas irmãs, por exemplo. Para que a entidade seja familiar não é mais necessário que haja sexo nem filhos, pois o que forma a família moderna são os laços de afetividade. Nesse tipo de relação é muito delicada a questão da sucessão. Maria Berenice Dias diz que no caso de falecimento de uma das irmãs que convivem, descabe dividir os bens igualitariamente entre todos os irmãos, como herdeiros colaterais, em nome da ordem de vocação hereditária. A solução que se aproxima de um resultado justo é conceder à irmã, com quem a falecida convivia, a integralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de vidas, antecede aos demais irmãos na ordem de vocação hereditária. Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável. Cabe lembrar que essas estruturas de convívio em nada se diferenciam da entidade familiar de um dos pais com seus filhos e que também merece proteção constitucional. (DIAS, 2006, p. 44). Além disso, os laços de afetividade estão presentes na relação, o que confirma a constituição da família. Assim, não há o que ser discutido pelos irmãos quando da sucessão. 1.5.6. Família Eudemonista Esse novo conceito de família está ligado ao modo como é constituída. O que predomina são os laços de amor, lealdade, igualdade e respeito mútuo. No momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem essa excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas. (DIAS, 2006, p. 45). Embora em evolução, infelizmente não podemos fingir que a família formada através do matrimônio não seja mais bem vista pela nossa sociedade. Contudo, findo o amor, o afeto e o respeito, ingredientes básicos da família moderna, resta a 31 separação e o divórcio. Enfim, a sociedade conjugal se dissolve visto que o que unia as pessoas não existe mais. A tendência é as pessoas tentarem um novo relacionamento ou mudarem de grupo familiar. 32 2. DA DISSOLUÇÃO DA FAMÍLIA E DA PROTEÇÃO DOS FILHOS 2.1. DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO Até a década de 1960, mais ou menos, o casamento era algo sacralizado, não podendo ser dissolvido. Tanto é que as pessoas se casavam com a idéia de “felizes para sempre, até que a morte os separe”. As mulheres tinham que fingir que não eram traídas pelos maridos, que eram felizes. Se pensassem em separação para se livrarem dessa situação constrangedora eram condenadas pela própria família. A situação mudou após a vigência do Estatuto da Mulher; os casais já podiam se separar ou se desquitar, porém o vínculo matrimonial permanecia. Com a Lei do Divórcio, o vínculo acabava, porém as mulheres sempre eram vistas com maus olhos. Os homens e as mulheres que constituíam nova família não podiam casar-se, pois a Igreja católica não permitia – como até hoje ainda há resistência. Viviam um relacionamento extra matrimonial, não sendo assim reconhecida por lei. Era considerada sociedade de fato. Como já tivemos oportunidade de examinar, o casamento é a instituição que cria para os contraentes um vínculo, que compreende a comunhão de vidas e o estabelecimento de direitos e deveres que representam a sociedade conjugal. Vê-se, assim, que a sociedade conjugal diferencia-se do vínculo conjugal, mas é por ele abrangida. A extinção da sociedade conjugal não acarreta a dissolução do vínculo, mas tão somente libera os cônjuges do cumprimento dos deveres conjugais, de forma que continuarão impedidos de casar novamente. Porém, a dissolução do vínculo extirpa a existência da sociedade, desimpedindo os cônjuges para contrair novo enlace. (FALAVIGNA; COSTA, 2003, p. 51). Já o Código Civil de 2002 dispõe em seu artigo 1.571 e incisos quando ocorre a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio. Abordaremos cada inciso separadamente para um melhor entendimento de como ocorre a dissolução. 33 2.1.1. Dissolução pela morte de um dos cônjuges Essa modalidade de dissolução é indiscutível, pois se um dos cônjuges falece não há como manter o vínculo matrimonial. Contudo, o fim do vínculo não termina com todos os direitos e deveres adquiridos com o matrimônio. A viúva pode continuar a usar o nome do “de cujus”; os laços de afinidade não findam. A viúva ou o viúvo pode casar-se novamente, porém a mulher, no caso a viúva, deve esperar no mínimo dez meses, tempo de descoberta de uma gravidez e de nascimento. Também é interessante notar que se houverem filhos já nascidos da relação, necessário faz-se o inventário e a partilha dos bens entre os herdeiros deste relacionamento. Quanto aos outros fatores relativos à sucessão, seguem as regras contidas no nosso Código Civil. 2.1.2. Dissolução pela nulidade ou anulação do casamento Caio Mário (PEREIRA, 1992, p. 78-79 apud FALAVIGNA; COSTA, 2003, p. 42) esclarece que A nulidade do casamento somente pode ser decretada em ação própria, ao passo que, ocorrendo alguns dos casos de inexistência, poderá o juiz pronunciá-lo a qualquer tempo, e sem a necessidade de se propor ação ordinária anulatória. Mais que isso, é lícito, mesmo a terceiros, desconhecer de direito e de fato o vínculo, que é meramente aparente. Em resumo, o casamento inexistente não produz qualquer efeito, mesmo provisório. Para que haja a nulidade do casamento, faz-se necessário gravidade que desperte o interesse público em dissolver a união. Os casos de nulidade estão elencados no artigo 1.548 do Código Civil, in verbis: Art. 1.548. É nulo o casamento contraído: I – pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II – por infringência de impedimento. O casamento é nulo através de sentença declaratória com efeito ex tunc, ou seja, efeito retroativo à data de celebração do matrimônio. A ação de nulidade pode ser proposta a qualquer tempo, visto que não há prazo prescricional ou decadencial. 34 Já os casos de anulabilidade ocorrem quando os afetados por transgressões mais amenas atingem um número limitado de pessoas. Estão elencados no artigo 1.550 do Código Civil, in verbis: Art. 1.550. É anulável o casamento: I – de quem não completou a idade mínima para casar; II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI – por incompetência da autoridade celebrante. O Código Civil considera nulo o casamento de incapaz, porém os incisos I e II do artigo acima consideram anuláveis porque os pais ou responsáveis podem autorizar a realização do matrimônio, na ocorrência de gravidez ou, ainda, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, como estabelece o artigo 1.520. Ainda assim afirma Maria Berenice Dias (2006, p. 241) que, Se estabelece a lei um limite de idade para o casamento é porque reconhece a necessidade de um certo grau de maturidade e desenvolvimento físico e emocional para alguém assumir nova condição de vida que traz consigo uma série de encargos, ônus e deveres. De outro lado, nos dias de hoje, a condição de „mãe solteira‟ deixou de comprometer a honra de uma mulher. O caso do inciso III diz respeito ao erro essencial quanto à pessoa do cônjuge e à coação (artigos 1.556 a 1.558, CC). Os erros essenciais estão contidos no artigo 1.557. Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal; III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; IV – a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares. O casamento é anulável através de sentença constitutiva com efeito ex nunc, ou seja, efeito retroativo até a data da sentença. Para intentar a anulação do casamento, é imprescindível respeitar os prazos do artigo 1.560 do Código Civil, que é decadencial. 35 2.1.3. Dissolução pela separação judicial Para que haja a separação judicial, exige-se o requisito do artigo 1.574, “darse-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de 1 (um) ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.” Alguns doutrinadores, a exemplo de Dias (DIAS; PEREIRA, 2003 apud FREITAS, 2005) entendem que há um verdadeiro "pleonasmo jurídico" na subsistência de dois institutos extremamente semelhantes para pôr termo ao casamento – a separação e o divórcio. Segundo a renomada civilista tal fato se deve ao conservadorismo da nossa sociedade, influenciada pela igreja, que na elaboração da Lei do Divórcio encontrou na separação judicial uma forma de „dispensar os cônjuges dos deveres do casamento sem romper nem dissolver os sagrados laços do matrimônio‟. Há concordância com a autora acima citada no que diz respeito à falta de justificativa e necessidade para dois procedimentos com a mesma finalidade, visto que é muito incomum uma solicitação de restituição de sociedade conjugal depois de já haver a separação. Já no que diz respeito à separação de fato, o prazo de 2 anos é interessante, pois o casal pode se arrepender de ter se separado e tentar uma reconciliação. Se não existisse esse prazo, não seria possível uma segunda chance antes da separação definitiva. Temos que ter em mente que muitos casais, ainda imaturos, pensam em separação diante da primeira dificuldade, seja de qual natureza for. Mas se, após a separação judicial o casal resolver pela reconciliação, a separação é revertida por ato regular em juízo (artigo 1.577 do CC). De acordo com o artigo 1.576 do Código Civil, a separação judicial acaba com os deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens. Tal situação não se estende aos filhos e se, após a separação, o ex-cônjuge necessitar de alimentos, estes serão concedidos independentemente de culpa, na medida de sua necessidade. Sobre o fato de haver ou não um culpado na separação, Maria Berenice Dias (2010) diz: A averiguação e a identificação de um culpado tem significado quando o agir de uma pessoa coloca em risco a vida ou a integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outrem ou de algum bem jurídico tutelado pelo Direito. Assim, a segregação de quem comete um ato que pode ameaçar a segurança da sociedade é a maneira eleita pelo Estado para assegurar a organização social. No entanto, migrar o instituto da culpa para obter-se o desenlace do matrimônio não tem qualquer justificativa. Revela-se de nítido caráter 36 punitivo vedar ao “culpado” a iniciativa do processo de separação, assegurando legitimidade somente ao “inocente” para buscar a desconstituição do casamento (art. 1.572). Ou seja, quem não tem motivo, quem nada tem a imputar contra o par simplesmente precisa aguardar o prazo de um ano para buscar a separação (art. 1.572, § 1º) ou o decurso de dois anos para obter o divórcio (art. 1.580, § 2º). De outro lado, se o autor não logra provar a responsabilidade do réu pelo fim do casamento, o pedido de separação é desacolhido, ele perde a ação e as partes continuam casadas mesmo depois de todo o desgaste de um processo judicial. Não são exclusivamente esses os motivos que evidenciam o absurdo de o novo Código Civil ter mantido e até tornado mais severa a necessidade de identificar um culpado pela separação, impondo conseqüências de várias ordens. A verdade é que hoje já não se fala em culpado pela separação, pois a responsabilidade é mútua. Assim, Maria Berenice Dias (2010) prossegue. A Constituição Federal é chamada de Constituição cidadã por priorizar a dignidade da pessoa humana, consagrando como fundamentais os direitos à privacidade e à intimidade, sendo a liberdade o pressuposto do Estado Democrático de Direito. Há que reconhecer que não é somente paradoxal, mas é nitidamente inconstitucional impor a quem busca a separação que invada a privacidade e desnude a intimidade do outro, sem que se possa atinar a razão de o Estado se imiscuir na vida privada de um casal e condicionar a desconstituição do casamento à identificação de um culpado. Cresce a perplexidade ao se perceber que tal exigência existe somente por diminuto tempo. É que somente se impõe a comprovação da causa do fim do vínculo matrimonial pelo período de um ano, pois, após decorrido esse lapso temporal, qualquer um pode pedir a separação pelo só decurso desse interstício. Mas, se o casal esperar mais um ano, é possível a qualquer um pedir o divórcio, sem que caiba identificar a causa do desenlace do matrimônio. Há outra hipótese em que a causa da separação perde a razão de ser. Quando da conversão da separação em divórcio o culpado é absolvido, pois é vedado que a sentença revele o motivo da separação (art. 1.580, § 1º). Não há como identificar um culpado. A legislação não contempla especificamente uma causa para o fim do relacionamento. O que leva ao fim do relacionamento é a falta de amor, que pode ocorrer de ambas as partes ou somente por uma delas. No entanto, a lei não contempla a única causa que pode tornar insuportável a vida em comum. Nenhuma das diversas hipóteses ressuscitadas pelo novo CC permite a identificação de um culpado. O que elenca a lei são meras conseqüências de uma única causa. Somente comete adultério, tenta matar quem não ama mais. O exaurimento do vínculo de afetividade é a única causa que leva alguém a agredir, abandonar, manter conduta desonrosa. Tais atitudes são meros reflexos do fim do amor. A perquirição da culpa, além de ser de todo impertinente, tem seqüelas perversas, que evidenciam que o interesse do legislador é simplesmente a mantença dos sagrados laços do matrimônio, punindo quem dele quer se afastar. O culpado perde a própria identidade, pois o uso do nome depende da benemerência do inocente (art. 1.578). Ainda que não mais seja condenado a morrer de fome (art. 19 da Lei 6515/1977), o responsável pela separação irá receber alimentos tão-só para assegurar a sobrevivência (art. 1.704, parágrafo único). Afora tal, a inocência do sobrevivente garante-lhe direitos sucessórios ainda que separado de fato há dois anos (art. 1.830). 37 Não bastasse tudo isso, não deixa de causar estranheza que toda essa everiguação só cabe no processo de separação, sendo absolutamente despicienda quando se tratar de união estável. Nada mais é preciso além da identificação do termo final do período de convívio para a declaração do desfazimento da entidade familiar extra matrimonial. Ainda que seja dolorido ver o sonho do amor eterno desfeito, ninguém manda no coração e ninguém pode ser condenado por deixar de amar. Portanto, de todo descabida a mantença do instituto da culpa para se chancelar a desconstituição do casamento, devendo ser respeitada a vontade de cada um dos cônjuges. Se o amor descabe impor prejuízos e perdas ou proclamar culpados.(DIAS, 2010). O artigo 1.707 do Código Civil diz que o credor de pensão alimentícia pode dispensá-la, porém a renúncia é vedada. A obrigação de prestar alimentos estendese aos herdeiros do devedor, de acordo com o artigo 1.700 do Código Civil. Nos casos de separação em que não há acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz concede esta àquele que tem melhores condições de criar a prole. E quanto à separação de bens, respeita-se o regime de casamento e as demais regras impostas no nosso Código Civil. 2.1.4. Dissolução pelo divórcio O reverendo J. W. Morgan (MORGAN apud GARCEZ, 2003, p. 201-202), na Homiletic Revew de New York diz que: O divórcio, como a dor de cabeça, é um sintoma. Para suprimi-lo, devemos procurar as causas que o produzem. Entre essas figuras a „lepra moral‟, tão freqüente entre os senhores homens. [...] As mulheres recusam-se a divulgar as ofensas que recebem dos consortes, e é, portanto, raro que uma mulher requeira o divórcio por causa da libertinagem do marido. [...] O divórcio não é senão um meio novo para remediar males muito velhos. Representa o protesto veemente da mulher contra a asserção secular da superioridade masculina, a sua rebelião contra as idéias antigas que a colocavam numa posição de inferioridade para com o homem, idéias que transformavam muitas vezes o matrimônio em um concubinato legal. [...]”. Conforme dispõe o §1º do artigo 1.571 do Código Civil, o casamento só se dissolve com a morte ou com o divórcio. Maria Berenice Dias (2006, p. 272) diz que A separação judicial não tem o mesmo poder, pois somente rompe a sociedade conjugal. A diferença de ordem prática entre os dois institutos é que a separação não permite novo casamento, enquanto os divorciados 38 ficam livres para casar novamente. Levada a efeito a separação judicial, necessária se faz a posterior conversão da separação em divórcio. Contudo, a separação só poderá ser convertida em divórcio após dois anos, desde que comprovado esse lapso temporal, através de testemunhas. Quanto ao estado civil, ao divorciar-se, o estado civil altera de casado para divorciado, enquanto que na separação judicial não há nenhuma alteração. No caso do cônjuge divorciado falecer, o outro continua sendo divorciado; já nos casos de separação, o outro passa a ser viúvo. Em relação aos alimentos, a obrigação dos pais para com os filhos não muda em decorrência do divórcio. O que se dissolve são os laços maritais, não a obrigação de sustento dos filhos. Maria Berenice Dias (2006, p. 272) completa. A obrigação alimentar decorre tanto dos laços de parentesco como do poder familiar, não sofrendo qualquer modificação com a mudança do estado civil do devedor. No entanto, está se consolidando corrente jurisprudencial no sentido de permitir a revisão do valor dos alimentos quando o alimentante estabelece novo vínculo afetivo ou ocorre o nascimento de outros filhos. O divórcio pode ser consensual ou litigioso. Quando consensual basta uma audiência de ratificação, que é obrigatória, disposto no artigo 40, §2º, inciso III, da Lei 6.515/77. Quando litigioso, segue as regras do rito ordinário. Divide-se, ainda, em divórcio direto, quando, após dois anos de comprovada separação de fato, decreta-se o divórcio; e o divórcio indireto, ou seja, a conversão da separação judicial em divórcio, o que ocorre após um ano da sentença de separação ter sido transitada em julgado, ou da decisão que concede medida cautelar de separação de corpos. O artigo 1.580 é bem claro em relação a essa exigência para conversão de separação em divórcio. Está aguardando aprovação do Senado a PEC do divórcio, que tem como objetivo acabar com a separação e o lapso temporal exigido para o divórcio; acabando o amor e a afetividade, basta entrar com o processo de divórcio, sem precisar esperar pelo prazo de dois anos para converter a separação em divórcio e o prazo de um ano para se proceder ao divórcio direto. 39 2.2. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL O Código Civil de 2002 diz, em seu artigo 1.723, que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Durante a vigência do Código Civil de 1916 não existia o instituto da união estável. Até 1977 não se falava em divórcio, e o que ocorria era o desquite, o que mantinha o vínculo matrimonial. As relações surgidas após os desquites eram classificadas como concubinatos e a nova família não tinha nenhuma garantia constitucional. Após o advento da Constituição Federal de 1988, as relações extra matrimoniais passaram a ser reconhecidas como união estável, uma modalidade de entidade familiar, e com o casamento foi equiparada, gozando de mesma proteção. Surgiram duas leis regulando a união estável. A Lei 8.971/1994 regula os alimentos e a sucessão do companheiro. Eram reconhecidas como estáveis as uniões de mais de cinco anos ou que gerassem filhos. E não havendo ascendentes ou descendentes ou cônjuge, o companheiro era incluído na sucessão hereditária como herdeiro legítimo. Já a Lei 9.278/1996 acabou com o prazo para reconhecimento da união estável, assim como permitiu a união entre pessoas separadas de fato, o que antes não ocorria; reconheceu o direito real de habitação e a competência passou a ser da vara de família (antes, como sociedade de fato, era competente a vara cível). Os bens adquiridos durante a união começaram a ser repartidos igualitariamente ao fim do relacionamento. A união estável, assim como o casamento, obedece às imposições e regramentos do Estado. Rodrigo da Cunha Pereira (PEREIRA, 2003, p. 270 apud DIAS, 2006, p. 147) diz que Esse é um paradoxo com o qual é preciso aprender a conviver, pois, ao mesmo tempo em que não se quer a intervenção do Estado nas relações mais íntimas, busca-se a sua interferência para lhe dar legitimidade e proteger a parte economicamente mais fraca. Importante salientarmos que alguns autores, como Rodrigo da Cunha Pereira (2001, p. 112), não concordam com a equiparação feita pela legislação, “pois tenta 40 impor regras do casamento para quem não o escolheu, ou exatamente quis fugir dele.” Quanto ao estado civil, geralmente as pessoas que vivem em união estável, declaram-se como solteiros, divorciados, etc. Porém, vale ressaltar que, não assumindo a condição de companheiro (a), o outro ou terceiros pode sofrer danos, no que tange ao patrimônio. Maria Berenice Dias (2006, p. 151) completa, dizendo que: Não sendo definida a união estável como estado civil, quem assim vive não é obrigado a identificar-se como tal. Não falta com a verdade ao se declarar solteiro, separado, divorciado ou viúvo. No entanto, está mascarando a real situação de seu patrimônio. Os bens amealhados durante a união não são de sua propriedade exclusiva, instalando-se um condomínio. Desse modo, a falta de perfeita identificação da sua situação pessoal e patrimonial pode induzir outros a erro e gerar prejuízos ou ao parceiro ou a terceiros. Maria Berenice Dias (2006, p. 158) afirma que, A singeleza com que a lei refere à possibilidade de os conviventes disciplinarem o regime de bens, facultando a elaboração de contrato escrito, denota a ampla liberdade que têm os companheiros de estipularem tudo o que quiserem, não só questões de ordem patrimonial, mas também de ordem pessoal. Ainda sobre o assunto, diz Cahali (2002, p. 55) que “a possibilidade de avença escrita passou a ser denominada de contrato de convivência: instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação.” Pacto informal, pode tanto constar de escrito particular como de escritura pública, ser levado ou não a inscrição, registro ou averbação. Pode até mesmo conter disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenha a manifestação bilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo expresso pelas partes. (CAHALI, p. 306 apud DIAS, 2006, p. 158). Quanto à ação de reconhecimento e dissolução da união estável, Maria Berenice Dias (2006, p. 167) é clara ao afirmar que A ação de reconhecimento de união estável dispõe de carga exclusivamente declaratória, limitando-se a sentença por reconhecer que a relação existiu, fixando o termo inicial e final do relacionamento. A união estável solve-se da mesma forma que se constitui: sem a interferência do Estado. Assim, rompido o vínculo afetivo, inadequado nominar a ação de dissolução de união estável, pois, quando as partes vêm a juízo, a união já está dissolvida. É imprescindível estipular o período de convivência em face dos efeitos patrimoniais, pois os bens adquiridos durante o tempo de vida em comum pertencem a ambos, ensejando partição igualitária. 41 Quanto aos alimentos, se é válido ou não pleiteá-los, após a dissolução da união estável, pode ser feito em caráter provisório desde que comprovada a necessidade de um dos “ex” companheiros. De um jeito ou de outro, por sistemática, axiologia e teleologia, tem-se que: dissolvida a união estável, por vontade das partes ou por decisão judicial, poderá o companheiro que estiver necessitando, pleitear contra o outro, na medida das possibilidades deste, valor suficiente para sua própria subsistência enquanto persistir a situação financeira de ambos e o beneficiário não constituir nova união. Terá o alimentário, entrementes, de comprovar a existência de algumas condições que são postas como exigência imprescindível para a consecução do seu objetivo, entre as quais a existência de convívio em união estável e do binômio necessidadepossibilidade. (RIBEIRO, 2002). Vale lembrar que é permitido aos “ex” companheiros fazer acordo estipulando se será pago alimentos ou não. Não havendo prévio acordo, cabendo ao juiz decidir sobre a necessidade ou não de se pagar alimentos, ele o fará conforme algumas condições, como dito acima. 2.3. DISSOLUÇÃO DAS FAMÍLIAS PLURAIS As famílias plurais, como visto no primeiro capítulo, são formadas através do afeto. A afetividade é a base da família moderna. Cabe salientar que aqui não estão incluídas as uniões estáveis e os matrimônios, pois já foram estudados em tópicos separados. Aqui serão abordadas, principalmente, as relações homoafetivas, mas não deixaremos de levantar a questão das outras espécies de família existentes em nossa sociedade. As uniões homoafetivas começaram a ser reconhecidas como entidade familiar há pouco tempo. Esse tipo de união vem vencendo o preconceito gradativamente. A Carta Magna, ao negar proteção às famílias formadas a partir da união de pessoas do mesmo sexo, está ferindo os princípios da dignidade humana, da igualdade e da liberdade, visto que cada indivíduo deve ser livre para buscar a felicidade. A sexualidade integra a própria condição humana. É direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, 42 conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. (DIAS, 2006, p. 176). Infelizmente esse tipo de união ainda é reconhecida como sociedade de fato, assim como ocorria com a união estável. Maria Berenice Dias (2006, p. 177) completa, afirmando que Chamar as uniões de pessoas do mesmo sexo de sociedade de fato, e não de união estável, leva à sua inserção no direito obrigacional, com conseqüente alijamento do manto protetivo do direito das famílias, o que, em conseqüência, enseja o afastamento de direitos sucessórios. Ainda à respeito, diz que: Findo o relacionamento, ao ser buscado o Judiciário para o reconhecimento dos efeitos decorrentes de sua existência, certamente diversas serão as soluções de ordem pessoal e patrimonial, se for o par do mesmo ou de distinto sexo. A depender da identidade sexual dos parceiros, diferenciada a tutela jurisdicional que será outorgada. Mesmo idêntica a postura dos conviventes e a natureza afetiva do vínculo que os une, receberão tratamento desigualitário. Se forem parceiros heterossexuais, a demanda tramitará perante a Vara de Família. Reconhecida a existência de convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família, são deferidos alimentos e partilha de bens. Em caso de morte do parceiro, é entregue herança e assegurado direito real de habitação, além de ser concedido, quiçá,usufruto sobre a metade dos bens disponíveis, isso tudo partindo da presunção júris et de jure de colaboração comum na formação do acervo patrimonial. (DIAS, 2006, p. 177) É árdua a batalha de quem vive em união homoafetiva, principalmente quando se trata de direitos sucessórios. Maria Berenice Dias (2006, p. 177) complementa. Havendo identidade, ainda que meramente biológica, de sexos do casal, a demanda envolvendo uniões homossexuais proposta no juízo cível provavelmente será extinta, decantando-se a carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido. Raros julgados emprestam juridicidade a tais vínculos. Mesmo comprovada a convivência duradoura, pública e contínua, é reconhecida somente a existência de uma sociedade de fato, sob o fundamento de ser impertinente qualquer indagação sobre a vida íntima dos sócios. Ao parceiro, no máximo, é deferida a metade – às vezes, nem isso – do patrimônio adquirido durante a vida em comum, e, ainda assim, mediante a prova de efetiva colaboração. Quando da morte do companheiro, a situação sucessória se agrava. Ainda que essa solução se afigure aparentemente justa quando ocorre a separação dos conviventes, quando o fim do relacionamento decorre da morte de um dos parceiros a injustiça dessa solução é flagrante. Com a separação, cada um recebe metade do patrimônio amealhado durante o período da vida em comum. Mas na hipótese de falecimento, ao outorgar-se somente a meação dos bens aos sobreviventes, dá-se o ensejo ao enriquecimento sem causa dos parentes que não são herdeiros necessários. Ao menos por metade é infringido o cânone que tanto repugna à justiça, pois se faz meia justiça quando se entrega metade do acervo hereditário, por exemplo, aos irmãos, tios, sobrinhos ou primos do 43 companheiro falecido. Não se pode negar a ocorrência de injustificado proveito dos familiares – que normalmente hostilizavam a opção sexual do de cujus – em detrimento de quem dedicou a vida ao companheiro, ajudou a amealhar o patrimônio e se vê sozinho, abandonado e sem nada. (DIAS, 2006, p. 177-178). Muitas vezes o Judiciário alega lacunas na lei, desculpa para não solucionar os conflitos surgidos. O fato de haver lacunas não pode ser empecilho, visto há a analogia, que é exatamente para ser usada quando não consegue ver na lei a solução para o socorro pedido. As uniões homoafetivas devem ser vistas como entidades familiares e assim tratadas, pois se assim não for, estará ferindo o maior princípio da nossa Constituição, que é a dignidade da pessoa humana. No caso das famílias monoparentais, tem-se vários fatores que fazem surgir essas famílias. Divórcio, separação, morte do cônjuge ou companheiro, inseminação artificial, gravidez indesejada também pode ser inclusa, visto que muitas adolescentes engravidam e assumem sozinhas as responsabilidades pelos filhos. Essas famílias terminam com a morte ou dos pais ou dos filhos, não tendo o que se discutir quanto a herança. O que pode ocorrer é a nomeação de tutores ou curadores, enquanto incapazes, na ocorrência de bens. As famílias anaparentais, constituídas por irmãos, dissolve-se quando um dos irmãos conviventes falece. Quanto à sucessão, o entendimento que se tem é que, aquele que conviveu diretamente, dividindo responsabilidades igualitariamente, sendo parceiros de vida, merece anteceder aos irmãos na ordem da vocação hereditária. No caso de irmãos menores passarem a conviver com avós ou tios, seguem-se os trâmites da família monoparental. 2.4. TIPOS DE GUARDA A guarda dos filhos, que tanto pode ser unilateral quanto compartilhada, está elencada nos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil. Essa possibilidade de se ter guarda unilateral ou compartilhada foi trazida pela Lei nº 11.698/2008. Antes, porém, desta lei entrar em vigor, o que valia era o acordo dos pais e, na falta de acordo, o juiz atribuía a guarda àquele que tivesse melhores condições de criar a prole. 44 A guarda unilateral é aquela exercida por somente um dos pais, onde o outro tem direito a visitas e essas são acordadas em juízo. Já a guarda compartilhada é aquela onde ambos os genitores são responsáveis pela prole, não vivem sob o mesmo teto, mas dividem igualmente os direitos e deveres referentes aos filhos. Mesmo havendo a guarda compartilhada, a realidade é que a guarda unilateral ainda é muito empregada quando da dissolução da entidade familiar. Muitos acreditam que o fato de ser tudo dividido faz com que os pais percam a autoridade que lhes é imposta. A realidade é que a autoridade nada tem a ver com a guarda, e sim, como os pais educam seus filhos, impondo respeito. Na guarda compartilhada, há um lar principal, escolhido em comum acordo entre os pais, ou pelo juiz, como ocorre na guarda unilateral. O que é levado em consideração é a adequação dos filhos ao ambiente, possibilitando um desenvolvimento normal e saudável. Cláudia Baptista Lopes (LOPES apud NÓBREGA, 2008) afirma que A desinformação de muitos sobre esse regime de guarda proposto iniciou uma polêmica, pois se pensou que, com a adoção da guarda compartilhada, os filhos menores permaneceriam por um período na casa da mãe e por outro período na casa do pai, o que, dentre outros malefícios, dificultaria a consolidação de hábitos na criança, provocando instabilidade emocional. Esse receio não tem qualquer fundamento, já que, conforme explicitado, a guarda compartilhada pressupõe a permanência do menor com um dos pais. Contudo, a guarda compartilhada torna mais efetiva a participação do não detentor da guarda na vida dos filhos, já que o tira da figura de mero coadjuvante, e, por vezes, de simples provedor financeiro. A guarda compartilhada tem como objetivo dividir a autoridade parental, o que ocorre em toda união. Isso é muito bom para o desenvolvimento dos filhos porque eles sabem que podem contar com os dois. Até porque o que terminou foi a união do casal, não os deveres para com os filhos. A guarda unilateral cabe a somente um dos pais ou alguém que seja autorizado para tal, como por exemplo, os avós, tios, tutores. Ou seja, além dos parentes mais próximos, a guarda também pode ser concedida àqueles com maior afinidade e afetividade. O juiz é quem define quem tem melhores condições para a guarda. Assim dispõe o §5º do artigo 1.584 do Código Civil. Oportuna a inserção no bojo da norma de alguns parâmetros que se voltam não só a orientar a escolha do genitor a quem se confiará a guarda unilateral, como também o destaque que é dado ao dever de supervisionar os interesses do menor. Com tal finalidade, se estabelece que a guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para 45 exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação (§ 2º), sem que se deixe de por em destaque que a assunção do encargo obriga o responsável a o supervisionar os interesses dos filhos (§ 3 ). (NÓBREGA, 2008). Rolf Madaleno (MADALENO, 2004, p. 83) acredita ser prejudicial para a relação entre pai e filho a guarda unilateral. Assim ele diz A guarda unilateral afasta, sem dúvida, o laço de paternidade da criança com o pai não guardião, pois a este é estipulado o dia de visita, sendo que nem sempre esse dia é um bom dia, isso porque é previamente marcado, e o guardião normalmente impõe regras. Assim, a guarda compartilhada mostra-se muito mais vantajosa. Maria Berenice Dias (DIAS, 2006, p. 361) expõe que O maior conhecimento do dinamismo das relações vem ensejando o surgimento de uma corrente doutrinária que defende com ardor a chamada guarda conjunta ou compartilhada. A convivência física e imediata dos filhos com os genitores, mesmo quando cessada a convivência de ambos, garante, de forma efetiva, a co-responsabilidade parental, assegurando a permanência de vínculos mais estritos e a ampla participação destes na formação e educação do filho, a que a simples visitação não dá espaço. O que ocorre é que a guarda compartilhada dá mais segurança para a criança, pois ela sempre terá a presença de ambos os pais durante o seu desenvolvimento. Infelizmente isso não ocorre quando da guarda unilateral. Como dito anteriormente, nem sempre os horários de visita são compatíveis com os horários tanto da mãe quanto do pai, e com o tempo essas visitas ficam cada vez mais escassas, e os pais só percebem a falta que fizeram na vida dos filhos tarde demais. “Por isso a regra deveria ser a guarda compartilhada. Sua adoção não deveria ficar a mercê de acordos firmados entre os pais, e sim contemplados expressamente na norma legal, sob pena de transformar-se em instituto destituído de efetividade.” (ALBUQUERQUE, 2005, p. 30 apud DIAS, 2006, p. 362). 2.5. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS AVÓS “Depois do direito à vida, talvez o mais importante seja o direito à família, lugar idealizado onde é possível, a cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do projeto pessoal de felicidade”, diz Giselda Hironaka 46 (HIRONAKA, 2000, p. 21). Esse projeto pessoal de felicidade está diretamente ligado às origens de cada família. Muitas pessoas conhecem só a mãe, e é importante para o desenvolvimento sadio de toda criança a convivência não só com os genitores, como também com os avós, tios, primos. Os avós também têm direito a conviver com seus netos. O artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA diz que “o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.” Esse fato é muito significante, já que muitas vezes a criança depende dos avós para viver, sendo eles completamente responsáveis pelo sustento dos netos. Há divergências quanto a obrigação dos avós no sustento dos netos; uma corrente acredita que os avós só devem se responsabilizar por tal obrigação na falta dos genitores; outra acredita que só o fato de um dos pais não suportar o encargo os avós passam a ser co-responsáveis pelos netos. No que tange à guarda, há vezes em que ambos os pais têm suspensa ou perde mesmo a guarda da prole. Quando isso ocorre, geralmente o juiz defere a guarda para os avós, por terem grau de parentesco mais próximo, além da afinidade e da afetividade, requisitos para a guarda. Situação enfrentada com freqüência pela justiça é a de avós que buscam a guarda dos netos, com a só finalidade de assegurar-lhes direitos previdenciários. Sob a justificativa de que o neto vive com os progenitores, os quais lhes garantem o sustento, o objetivo verdadeiro do pedido é garantir o futuro do neto quando do falecimento dos avós, transferindo o dever de sustento aos cofres públicos. (Jurisprudência do TJRGS apud DIAS, 2006, p. 382). Antes de tudo, é mister averiguar a situação fática, pois a regra é não conceder a guarda de infante aos avós, quando os genitores estão no exercício do poder familiar, não se configurando situação de abandono. Na grande maioria dos casos, pais, filhos e netos vivem juntos, sendo todos sustentados pelo avô. Nessas hipóteses, a tendência da jurisprudência é rejeitar a pretensão de alteração da guarda dos pais para os avós. No entanto, situação diversa ocorre quando os genitores não convivem com a prole e esta se encontra na companhia exclusiva dos progenitores, caso em que se revela possível o deferimento da pretensão. Outra situação em que é admissível o deferimento do pedido de guarda é quando os pais do infante também são menores e sujeitos ao poder familiar. Nessa hipótese, porém, é de se deferir a guarda por tempo determinado, ou seja, até os pais adimplirem a maioridade. Fora isso, não cabe transmitir ao Estado o dever de prover o sustento de alguém que tem pais com a obrigação de guarda e de sustento. (DIAS, 2006, p. 382). 47 Muitas vezes vemos situações em que os avós não permitem que os netos sejam criados com os pais, tirando por completo a responsabilidade dos genitores, detentores do poder familiar. Os pais, pensando no melhor para seus filhos, permitem que os avós assumam a criação dos netos, sem imaginar que podem estar fazendo mal às crianças ou adolescentes e si próprios. Algumas pessoas, quando se separam de seus companheiros, para se vingar, usam os filhos para chantagear o “ex” companheiro. Com os avós isso também acontece. Só que nesse caso, o motivo pode ser medo de não ver os netos novamente. 48 3. DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL 3.1. CONCEITO E ORIGEM DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL A maternidade e a paternidade são duas funções das quais derivam alguns direitos, mas também alguns deveres. Entre os direitos está o de ter os filhos em companhia dos pais, a exemplo da guarda e das visitas. Quanto aos deveres, um deles é o dever, norteado pelo princípio da proteção integral contido no artigo 227 e seus parágrafos da Constituição Federal de 1988, de a família garantir à criança e ao adolescente a convivência familiar. Disso decorre a garantia dos filhos de manter a relação paterna e materna em igualdade de condições. (BARBEDO, 2009, p. 143-144). O exercício do poder parental para ambos os pais é garantido através da igualdade de direitos e obrigações entre o casal. O poder parental tem caráter protetivo que, pelo que se interpreta do disposto no artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pressupõe o cuidado do pai e da mãe em relação aos filhos menores de idade, o dever de criá-los, alimentá-los e educá-los conforme a condição e fortuna da família. (GONÇALVES apud BARBEDO, 2009, p. 144). Mas também temos pais que disputam quem é o melhor para cuidar da prole. Entretanto, instaurada a ruptura na relação dos pais, não raro, inicia-se, entre os genitores, uma disputa sobre quem teria melhores condições para ficar com a guarda do filho, ressalvado o caso de guarda compartilhada. Daí advém uma relação de poder, que na realidade nada tem a ver com os filhos, mas, sim, com marcas deixadas por um amor „perdido‟. Conforme interpretação do artigo 1.579 do Código Civil de 2002, o divórcio ou a separação dos pais não altera direitos e deveres do poder parental, o qual decorre da paternidade ou da maternidade e não do casamento ou da união estável. (GONÇALVES apud BARBEDO, 2009, p. 145). Infelizmente nosso CC não contempla várias novidades do Direito de Família, sendo abordados somente pela doutrina. O Código Civil de 2002, cujo projeto é de 1975, já nasceu velho na área de Direito de Familia. O tema alienação parental foi deixado à margem de sua regulamentação, apesar de a questão ser enfrentada pela doutrina e pela jurisprudência, bem como ser alvo de discussão internacional, há alguns anos. (GONÇALVES apud BARBEDO, 2009, p. 146) Sobre a alienação parental Ana Maria Louzada (LOUZADA, 2008, p. 1-2), expõe: Síndrome da Alienação Parental (SAP) é o transtorno que se instala em um infante, pela introdução de falsas alegações feitas pelo genitor guardião, acerca da conduta do outro genitor. Assim, por meio de informações maliciosas e inverídicas relatadas ao filho, este passa a ter um comportamento repugnante em relação ao genitor alienado. [...] 49 A alienação parental é um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um dos seus genitores, sem qualquer justificativa. [...] Quando a Síndrome se instala, a criança contribui sobremaneira para a desmoralização do genitor alienado. A desmoralização consiste em atribuir ao genitor alienado o papel de irresponsável, que não se preocupa com o filho, não comparece nos dias de visitas, não se interessa pelos problemas pelos quais o filho está passando, ou seja, é ausente, não cumpre seu papel, que é proteger, cuidar, prestar toda a assistência necessária para um desenvolvimento saudável do infante. Esse processo foi descrito em 1985 pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, sendo definido esse transtorno como síndrome por se tratar de um aglomerado de sintomas que se desenvolvem concomitantemente. Contudo vale ressaltar que a alienação não ocorre necessariamente entre os genitores. Na verdade ocorre entre aquele que detém a guarda da criança, que pode ser a avó, o tio etc., no papel de alienante, e a mãe ou o pai no papel de alienado. A criança sofre um transtorno de personalidade, gerado pelo conflito existente entre aquele cuja guarda pertence e aquele com direito de visitação. A falta de maturidade afeta o desenvolvimento da criança ou adolescente, pois há uma privação do convívio com um dos pais. O infante torna-se uma arma em potencial na guerra dos genitores, uma vez que a mãe o usa para se vingar de seu excompanheiro. Como é possível depreender do conceito cunhado por Richard Gardner, a síndrome de alienação parental é o resultado da atuação de um dos genitores (normalmente o guardião) que busca incutir no íntimo da criança a incitação contra o outro genitor (normalmente o não guardião). Tal incitação pode decorrer de inúmeros fatores ligados ao subjetivismo do interessado, mas em qualquer hipótese, atacam a dignidade da criança, que se vê privada da assistência moral que lhe é devida em decorrência do sistema. (HIRONAKA; MONACO, 2009, p. 539). Assim, danificando o direito ao convívio com a família através do abuso e da agressão psicológica, a SAP denigre a dignidade humana comprometendo a identidade íntima do infante, que passa a fazer tudo o que o genitor alienante deseja, sem nem saber o porquê de ser assim. O genitor alienante não respeita a criança, por não se preocupar com suas necessidades pessoais, o que caracteriza a dignidade da pessoa humana, ou seja, o indivíduo, no caso o infante, como foco principal da relação. 50 Este tema começa a despertar a atenção, pois é prática que vem sendo denunciada de forma recorrente. Sua origem está ligada à intensificação das estruturas de convivência familiar, o que fez surgir, em conseqüência, maior aproximação dos pais com os filhos. Assim, quando da separação dos genitores, passou a haver entre eles uma disputa pela guarda dos filhos, algo impensável até algum tempo atrás. Antes, a naturalização da função materna levava a que os filhos ficassem sob a guarda da mãe. Ao pai restava somente o direito de visitas em dias predeterminados, normalmente em fins-de-semana alternados. Agora, porém, se está vivendo uma outra era. Mudou o conceito de família. O primado da afetividade na identificação das estruturas familiares levou à valoração do que se chama filiação afetiva. Graças ao tratamento interdisciplinar que vem recebendo o Direito de Família, passou-se a emprestar maior atenção às questões de ordem psíquica, permitindo o reconhecimento da presença de dano afetivo pela ausência de convívio paterno-filial. A evolução dos costumes, que levou a mulher para fora do lar, convocou o homem a participar das tarefas domésticas e a assumir o cuidado com a prole. Assim, quando da separação, o pai passou a reivindicar a guarda da prole, o estabelecimento da guarda conjunta, a flexibilização de horários e a intensificação das visitas. (DIAS, 2007). Na antiguidade isto também fora abordado, como se pode perceber abaixo: Assim como na tragédia grega, a rotina forense e a psicologia demonstram que o genitor que visa punir o outro se utilizando dos filhos (assim como fez 2 Medéia) , o faz sem se aperceber do malefício que impõe à progênie e a si mesmo. [...] Para tanto, utiliza-se de qualquer expediente que cause surpresa ou impacto no Judiciário, pretendendo, pela chancela judicial, conseguir excluir o genitor alienado do convívio dos filhos. (LOUZADA, 2008, p. 2). O que ocorre é que muitas pessoas, ao se separarem do outro, ficam atormentadas, pois não aceitam o fim do relacionamento, buscando vingança a qualquer preço, e o modo mais fácil de afetar o outro é utilizando-se dos filhos. O genitor, por estar sofrendo, inventa estórias para os filhos, deturpa fatos ocorridos entre o casal, enfim, faz com que os filhos tenham raiva do outro genitor. Utilizam-se de métodos baixos, inescrupulosos. Desmoralizam o excompanheiro perante os filhos, fazendo com que acredite nas mentiras inventadas pelo outro. Produzem falsas memórias de ofensas físicas e verbais, muitas vezes até abusos sexuais, que nunca ocorreram. Há também chantagens emocionais feitas tanto com a criança quanto com o pai desta. Assim, com o tempo, tanto o filho quanto o genitor alienante, passa a não distinguir o que é verdade e o que é mentira. Essa situação pode gerar dúvidas até 2 Medéia, na Mitologia Grega, amava Jasão, e por esse amor traiu seu povo. Contudo, Jasão se apaixonou por Glauce e se separou de Medéia, que para se vingar do amado, matou os próprios filhos. 51 mesmo entre os profissionais que lidam com o Direito de Família. O que está ocorrendo é que Os operadores do Direito e, em especial das Famílias, têm consciência de que muitas situações que se apresentam na atualidade necessitam do olhar de outra área do conhecimento e que o isolamento da dogmática é prejudicial porque não estimula um pensamento reflexivo voltado às valorações sociais envolvidas no conflito de interesses. Os indivíduos que apenas do Direito suprem-se para a composição da lide, não raras vezes, criam obstáculos a uma mudança em seus modos de percepção, o que pode resultar na inviabilidade da aplicação do que seria mais indicado ao caso concreto. O diálogo, no sentido da integração, é que desenvolve o pensamento reflexivo e crítico, ao passo que o monólogo aprisiona o pensar. [...] David Zimerman (ZIMERMAN, p. 87 apud BARBEDO, 2009, p. 148) refere que nenhum profissional da área jurídica contesta que a ligação entre teoria e prática resulta de um bom conhecimento e manejo dos aspectos emocionais, porque esses, ao se inter-relacionarem, acabam fazendo parte de todas as suas cotidianas vivências profissionais. Atualmente, a Síndrome da Alienação Parental se encontra inserida em vários Códigos Civis de diversos estados americanos e também no México. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos de Estrasburgo o cita igualmente em diversas sentenças sobre temas de família. (Wikipedia.org apud LOUZADA, 2008, p. 3). 3.2. PROJETO DE LEI No dia dezenove de novembro de 2009 foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Seguridade Social e Família, o substitutivo do Projeto de Lei 4.053/2008, do deputado federal Regis de Oliveira, regulamentando a SAP e estabelecendo punições para tal conduta, indo de advertência e multa até perda da guarda da criança. Este é substitutivo do Projeto da deputada Maria do Rosário, e o que mudou foi a retirada da detenção de seis meses a dois anos para quem impedisse ou obstruísse o contato ou convivência da criança com o genitor de forma ilegal. Regis de Oliveira (Entrelinhas Comunicação, 2009) afirma que A lei será uma proteção para os filhos dos casais cuja relação se tornou odiosa. Com a Lei, os ex-cônjuges terão mais cuidado para não usar as crianças e adolescentes como instrumento desse ódio, que gera danos 52 psicológicos e materiais para os filhos e também para o ex-parceiro ou parceira vítima da alienação. No dia vinte e seis de abril do presente ano, o senador Paulo Paim defendeu a aprovação do Projeto de Lei que trata da Alienação Parental. Ele é relator da matéria, que agora está na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, do Senado. Se aprovado, irá alterar o artigo 236 da Lei nº 8.069/90, ou seja, o ECA onde será incluída a “interferência promovida por um dos genitores na formação psicológica da criança para que repudie o outro, bem como atos que causem prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este” (Senado Federal, 2010). 3.3. IDENTIFICAÇÃO DA SÍNDROME E SUAS CONSEQUÊNCIAS Para Gardner, existem três níveis de Síndrome da Alienação Parental: - Estágio I (leve) – quando nas visitas há dificuldades no momento da troca dos genitores, vale dizer, no momento da busca e entrega dos filhos; - Estágio II (moderado) – o genitor alienante utiliza uma grande variedade de táticas para excluir o outro; - Estágio III (agudo) – neste terceiro estágio os filhos já se encontram de tal forma manipulados que a visita do genitor alienado pode causar a eles pânico e desespero. (LOUZADA, 2008, p. 3) Além dos estágios, que informam a gravidade da SAP, também há práticas do guardião alienante que evidenciam a ocorrência da Síndrome. A prática forense tem-nos ofertado diversos indícios de que o guardião genitor está tentando alijar o filho do contato com o genitor alienado, a saber: a) casos em que o genitor guardião revela que não impede que o genitor visitante veja o filho, mas também não o „força‟ a ir; b) quando não permite que o outro genitor fale ao telefone com o filho (e para isto inventa qualquer desculpa); c) quando „esquece‟ os dias de visita e sai de casa com os filhos nas datas previamente agendadas com o outro genitor; d) quando se recusa a informar ao outro sobre doenças do filho, festas no colégio, ou qualquer outro fato que comporte a presença do genitor alienado; e) quando refere que o outro genitor não cuida bem dos filhos, não os educa, não dá alimentação adequada, não se preocupa com sua higiene, deixa que se machuquem (muito comum esta alegação); f) quando insiste em referir que a companheira (o) do genitor (a) alienado (a) não possui boa reputação, não merecendo o contato com os filhos; g) quando imputa abuso sexual ao filho (é de se ver que esta conduta é de tal gravidade que deve ser criteriosamente analisada, a fim de se evitar que os abusos continuem, ou até mesmo que o genitor alienado sofra 53 constrangimento e processo penal que não deu causa, tendo em vista as alegações fantasiosas do genitor guardião); h) quando tenta impingir aos filhos a idéia de que seu novo (a) companheiro (a) deve ser chamado de pai ou mãe (dependendo do caso). (LOUZADA, 2008, p. 4-5). Nas manipulações feitas pelo guardião alienante envolvendo abuso sexual, a criança é convencida de que realmente o fato ocorreu, e quando indagada à respeito, transcreve perfeitamente as idéias introduzidas pelo genitor. O que acontece é que o infante não tem condições de discernir se o fato existiu ou não. O próprio guardião, após várias mentiras, começa a perder a noção entre verdade e mentira. Quando um profissional é informado sobre tal situação, seja da área de saúde ou do Judiciário, encontra-se num estado muito delicado. Se de um lado, ele deve informar o problema a quem compete resolvê-lo, de outro resta saber se realmente o fato ocorreu, pois a idéia de abuso sexual é muito traumática para os envolvidos e, se a acusação for falsa, mais traumática será, já que a criança fica afastada de seu genitor até a apuração dos fatos. A manipulação, imputação de falsas memórias, lavagem cerebral, ou qualquer outro termo que se possa utilizar para definir a atuação do genitor alienante geram um procedimento com seqüelas mentais no filho e também no genitor alienado. Esta família somente poderá ter uma vida saudável se detectado o maltrato por parte do genitor alienante, e determinada sua interrupção. (LOUZADA, 2008, p. 3) Na alienação parental, o alienador tende a projetar no alienado suas qualidades indesejáveis encarregando este de ser o portador de todos os defeitos e da culpa por tudo de mal que está acontecendo na vida daquele. Nesse caso, o ego sente-se como um inocente cordeiro (vítima), ao passo que o outro ser humano é um monstro cruel e, nessa condição, o alienado é afastado da convivência de seu filho. (BARBEDO, 2009, p.154-155). “O imaginário do alienador pode levá-lo a incutir, no filho, afirmações falsas a respeito do alienado, no intuito de instaurar a desunião paterno-filial ou maternofilial.”(BARBEDO, 2009, p.155) A implantação de falsas memórias também é uma forma de abuso, que põe em risco a vida emocional da criança. “Ela acaba passando por uma crise de lealdade, pois a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o outro, o que gera um sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar que foi cúmplice de uma grande injustiça.” (DIAS, 2007). Devemos ficar atentos ao que ocorre ao nosso redor. Cada vez mais os casos de alienação parental estão presentes em nossa sociedade; não podemos fingir que isso não ocorre. A situação é mais grave do que muitos imaginam. 54 3.4. PAPEL DO JUDICIÁRIO O que ocorre nos casos de denúncia de abuso sexual, é que o fato é levado ao conhecimento do Poder Judiciário imediatamente, para que haja a suspensão das visitas do genitor abusador. Além da suspensão das visitas, há a realização de estudos sociais e psicológicos com a finalidade de verificar a veracidade dos fatos alegados. Como todos os procedimentos para averiguação da verdade são muito demorados, a criança deve ficar longe do convívio com seu genitor durante esse período. As conseqüências desse afastamento repentino causam sofrimento à criança, além de a toda hora estar sendo questionada sobre a violência sofrida, para se identificar se realmente a situação é verídica. Em alguns casos, o juiz permite que as visitas continuem, porém devem ser monitoradas, ou ainda, em lugares pré-estabelecidos pelo magistrado, a fim de manter a segurança e a integridade do menor. Contudo, vale ressaltar que muitas das visitas não acontecem, pois o genitor alienante as boicota, garantindo o sucesso de sua manipulação. Observa-se que em muitos casos, os estudos psicológicos, as avaliações com a criança, a suspensão das visitas, em nada resultam, uma vez que não se chega a um resultado conclusivo. Então o juiz se vê numa encruzilhada: deve suspender as visitas definitivamente ou não? Deve-se condenar o pai acusado de abuso sexual e assumir o risco de condenar um inocente? Não há outra saída senão buscar identificar a presença de outros sintomas que permitam reconhecer que se está frente à síndrome da alienação parental e que a denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como instrumento para acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para isso, é indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas também que o juiz se capacite para poder distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao desejo de vingança a ponto de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o só intuito de afastá-lo do genitor. (DIAS, 2007). Quando da suspensão das visitas, tem-se que o guardião sente-se vitorioso por conseguir seu intento, que é afastar seu filho do convívio do pai, concretizando sua vingança. Neste momento, o genitor alienante não consegue mensurar a 55 gravidade de seus atos. Os danos psíquicos durarão a vida inteira, e esses momentos de privação do convívio com o genitor nunca mais serão recuperados. A falsa denúncia de abuso sexual não pode merecer o beneplácito da Justiça, que, em nome da proteção integral, de forma muitas vezes precipitada ou sem atentar ao que realmente possa ter acontecido, vem rompendo vínculo de convivência tão indispensável ao desenvolvimento saudável e integral de crianças em desenvolvimento. Flagrada a presença da síndrome da alienação parental, é indispensável a responsabilização do genitor que age desta forma por ser sabedor da dificuldade de aferir a veracidade dos fatos e usa o filho com finalidade vingativa. Mister que sinta que há o risco, por exemplo, de perda da guarda, caso reste evidenciada a falsidade da denúncia levada a efeito. Sem haver punição a posturas que comprometem o sadio desenvolvimento do filho e colocam em risco seu equilíbrio emocional, certamente continuará aumentando esta onda de denúncias levadas a efeito de forma irresponsável. (DIAS, 2007). A doutrina propõe, como uma das formas de evitar o abuso de autoridade por parte do guardião, a guarda compartilhada. Assim, não teria como haver a manipulação, uma vez que o genitor alienante não teria muito tempo para as suas investidas, ou então, estas não alcançariam o sucesso que hoje demonstram na vivência da guarda unilateral. Quando compartilha-se a guarda, o poder exercido sobre a criança é dividido, então as investidas para sabotar as visitas e a participação do outro genitor no desenvolvimento do filho são frustradas. A SAP é uma psicopatologia, e assim deve ser tratada, com a punição, seja cível ou penalmente. O que não pode ocorrer é o tratamento adequado para curar, ou ao menos amenizar, os efeitos provocados por esta síndrome. 3.5. JURISPRUDÊNCIA REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL Evidenciada o elevadíssimo grau de beligerância existente entre os pais que não conseguem superar suas dificuldades sem envolver os filhos, bem como a existência de graves acusações perpetradas contra o genitor que se encontra afastado da prole há bastante tempo, revela-se mais adequada a realização das visitas em ambiente terapêutico. Tal forma de visitação também se recomenda por haver a possibilidade de se estar diante de quadro de síndrome da alienação parental. Apelo provido em 56 parte. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70016276735, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 18/10/2006) GUARDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental, o que pode comprometer a integridade psicológica da filha, atende melhor ao interesse da infante, mantê-la sob a guarda provisória da avó paterna. Negado provimento ao agravo. APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI. 1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da síndrome de alienação parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas ao avós, a ser postulada em processo próprio. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70017390972, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/06/2007) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER. IMPOSIÇÃO À MÃE/GUARDIà DE CONDUZIR O FILHO À VISITAÇÃO PATERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR PARTE DA GUARDIà QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70023276330, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 18/06/2008) 57 DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABUSO SEXUAL. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL Estando as visitas do genitor à filha sendo realizadas junto a serviço especializado, não há justificativa para que se proceda a destituição do poder familiar. A denúncia de abuso sexual levada a efeito pela genitora, não está evidenciada, havendo a possibilidade de se estar frente à hipótese da chamada síndrome da alienação parental. Negado provimento. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70015224140, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 12/07/2006) TJMG, AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.0702.09.554305-5/001(1), RELA. DESA. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, P. 23/06/2009. (...) O laudo psicossocial de f.43/45 conclui que o menor possui quadro de SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL, ou seja, "quando a criança está sob a guarda de um genitor alienador, ela tende a rejeitar o genitor oposto sem justificativas consistentes, podendo chegar a odiá-lo", relatando ainda: "A respeito das visitas paternas G. traz queixas inconsistentes, contudo, o seu brincar denota o desejo inconsciente de retorno do contato com o pai, demonstrando que o período de afastamento não foi capaz de dissolver os vínculos paterno-filiais." TJMG, AGRAVO 1.0184.08.017714-2/001(1), REL. DES. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS, P. 27/11/2009. (...)Embora os agravados se defendam falando que a recusa da criança se baseia na "imperícia" do pai em restabelecer o contato que havia sido interrompido por culpa dele (fls.69/71), tal situação me parece ser um caso típico de alienação parental, também conhecida pela sigla em inglês PAS, tema complexo e polêmico, inicialmente delineado em 1985, pelo médico e Professor de psiquiatria infantil da Universidade de Colúmbia, Richard Gardner, para descrever a situação em que há disputa pela guarda da criança, e aquele que detém a guarda manipula e condiciona a criança para vir a romper os laços afetivos com o outro genitor, criando sentimentos de ansiedade e temor em relação ao ascendente. 58 Embora situações de alienação parental sejam mais comuns entre ex-cônjuges, ou ex-companheiros, pai e mãe da criança, a jurisprudência também vem apontando esse tipo de situação entre avós e pais, nesse sentido: "Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. (...) já sendo previsível que a menor necessitará de um tempo para se adaptar, sendo recomendável, principalmente considerando-se os indícios de SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL, acompanhamento psicológico bem como o monitoramento dessa nova situação pelo Conselho Tutelar. O SR. DES. WANDER MAROTTA: (...)Em processos de guarda de menor, busca-se atender aos interesses da criança, não aos anseios dos adultos envolvidos. A convivência com o pai deve ser progressiva, inclusive para desfazer o que se convencionou chamar hoje de SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. TJMG, AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.0216.08.057510-5/001(1), REL. DES. SILAS VIEIRA, P. 28/08/2009 (...) Laudo Social de f. 34/36 em que restou afirmado que a genitora da menor estaria utilizando-se de meios para afastá-la do seu pai/agravado, o que caracteriza a SÍNDROME DA Alienação Parental – SAP... TJMG, APELAÇÃO CÍVEL 1.0079.08.393350-1/003(1), REL. DES. WANDER MAROTTA, P. 17/07/2009. (...) A Magistrada ressaltou que conversou com os advogados das partes por mais de duas horas, tentando compor um acordo, sem sucesso. Visto isto, e após exame das provas e estudos até então produzidos, proferiu ela a decisão atacada. Segundo a decisão "...essa magistrada não ampliou as visitas, apenas alterou sua forma"; e, embora a Juíza tenha afirmado “que a conduta da requerente poderia sugerir a possibilidade de estarmos diante de um quadro de SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL", o certo é que a decisão está fundada nos estudos psicossociais 59 realizados, no fato de a criança não ser mais um bebê de colo e na relação mantida entre pai e filha. TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009.002.32734, REL. DES. CLÁUDIO DELL ORTO, J. 30/11/2009. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS PROPOSTA PELO PAI PARA ASSEGURAR VISITAÇÃO À FILHA COM SETE ANOS DE IDADE - INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO A PREJUDICIALIDADE DO CONTATO COM O PAI - DESAVENÇAS ENTRE A MÃE DA CRIANÇA E A ATUAL COMPANHEIRA DO PAI QUE NÃO PODEM AFETAR O DIREITO DA FILHA DE CONVIVER COM O PAI OBRIGAÇÃO JUDICIAL DE NÃO CONTRIBUIR PARA INSTALAÇÃO DE QUADRO DE SINDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL. TJRJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009.002.18219, REL. DES. PEDRO FREIRE RAGUNET, J. 01/09/09. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. INEXISTÊNCIA DE FATOS QUE IMPEÇAM A REALIZAÇÃO DA VISITAÇÃO PATERNA NA FORMA AVENÇADA. VISITAÇÃO QUE ANTES DE SER DIREITO SUBJETIVO DO AGRAVADO É DEVER MORAL DO MESMO E IMPRESCINDÍVEL PARA O DESENVOLVIMENTO E FORMAÇÃO DE SEUS FILHOS. PROVA INDICIÁRIA DE CONDUTA DE ALIENAÇÃO PARENTAL, POR PARTE DA AGRAVANTE, EM RELAÇÃO À FIGURA DO PAI. 60 CONCLUSÃO As questões envolvendo família são muito complexas, visto que a família está em constante evolução. Haviam casamentos patriarcais, cujos objetivos eram a procriação e o status social. Com o tempo as mulheres deixaram de ser submissas aos maridos, partindo em busca da própria felicidade. O conceito de família começou a mudar a partir da Lei do Divórcio, onde o vínculo matrimonial era dissolvido, ao contrário da separação, que mantinha esse vínculo até sua conversão em divórcio. Os princípios que regem o Direito das Famílias adequaram-se às necessidades das famílias modernas. E a família ganhou novas formas de constituição. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a união estável como entidade familiar. Antes disso, as mulheres eram mal vistas, pois eram divorciadas, solteiras que se envolviam com homens divorciados. Com a Carta Magna, aqueles que viviam em união estável tiveram direitos reconhecidos, podendo ser convertido em casamento. Quanto à proteção dos filhos, a Lei nº 11.698/2008 inovou a guarda dos filhos, podendo os pais escolher entre a guarda unilateral e a guarda compartilhada. Ou, em casos de suspensão do poder familiar, a possibilidade da guarda ficar com os avós. Sobre o tema em questão, Síndrome da Alienação Parental, dizer o que é, é fácil, o problema está em identificá-la, uma vez que não é um sinal que expõe a SAP, mas um aglomerado de sintomas e sinais. O importante é perceber como de cinco anos para cá, a Síndrome ficou conhecida e está sendo debatida em muitos locais, inclusive na Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei de autoria do deputado Regis de Oliveira foi aprovado e aguarda-se a aprovação do Senado Federal. O Judiciário precisa ter atenção redobrada quando se trata de SAP, pois falsas memórias implantadas pelo genitor ou guardião alienante podem trazer conseqüências sérias para o genitor ou guardião alienado. Ocorre quando há acusação de abuso sexual, onde aquele que supostamente cometeu o abuso fica 61 proibido de visitar a criança, podendo, em alguns, casos, perder o direito de visitas, senão o poder familiar. Assim como o alienado e o infante são punidos com a ausência um do outro, o alienante também deve ser punido quando identificada a prática da SAP, pois este é o único responsável pela separação do genitor e do filho. A punição deve ser a suspensão do poder familiar ou a perda da guarda, até que o alienante esteja curado, visto que a SAP é provocada por um distúrbio emocional. A guarda compartilhada pode ser uma opção para acabar com a tirania do alienante. Mas não podemos esquecer que a guarda unilateral também tem suas vantagens. Interessante pensar que a criança pode escolher, quando capaz de entender o porquê da separação dos pais, com quem prefere morar. Quanto à alienação manifestada pelos avós, que é uma situação tão delicada quanto à alienação manifestada pelos genitores, o ideal seria devolver a guarda àqueles que tem o direito a exercer o poder familiar. Por se tratar de um assunto novo no nosso ordenamento jurídico, temos que levar em consideração que deve haver uma adequação para lidar com esse conflito, pois sempre o maior prejudicado é o menor, que se vê privado da convivência com o genitor. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002. BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/aosmocos.htm>. Acessado em: 10 dez. 2009. BASTOS, Eliene Ferreira; DIAS, Maria Berenice (Coords.). A família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. BASTOS, Eliene Ferreira; LUZ, Antonio Fernandes da (Coords.). 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