+ ESTUDOS CULTURAIS TEORIAS DA RECEPÇÃO + ESTUDOS CULTURAIS Os Cultural Studies, um conjunto de estudos heterogéneos iniciados na Grã-Bretanha nos anos 50/60, vão propor novas leituras sobre o impacto dos media na sociedade e centralizar, sobretudo a partir da década de 80, as suas investigações nas audiências. + ESTUDOS CULTURAIS As teorias sobre as audiências – utilizando métodos quantitativos, qualitativos ou ambos –, vão centrar-se: (1) na análise das mensagens como manifestação de um texto cultural e (2) na produção social do sentido fabricado no momento da recepção. Para os estudiosos, os media, e sobretudo a televisão, não são a causa da cultura, mas são um texto onde estão presentes e emergem indicadores de Cultura(s) e História(s) anteriores. Ao mesmo tempo, a recepção das mensagens é entendida como um acto social onde convergem contextos e práticas culturais e comunicacionais, fazendo-se, através da negociação, a definição da realidade social. + ESTUDOS CULTURAIS Modelo de Stuart Hall, proposto no artigo “Encoding and Decoding Television Discourse”, em 1973: Procura explicar o processo de codificação e descodificação das mensagens e negar a participação passiva das audiências na recepção. A hegemonia, para Hall (2003), seria um momento de transparência entre a codificação e a descodificação. Isto é, ser perfeitamente hegemónico significa, para o codificador, que cada significado comunicado seja compreendido apenas do modo pretendido, ou seja, com o receptor a exercer a chamada “leitura preferencial”. + Estudos Culturais Se o objectivo deste modelo era, sobretudo, demonstrar o poder ideológico das mensagens (a hegemonia dos discursos dominantes), principalmente na televisão, a sua principal contribuição para a análise da recepção foi decisiva ao enunciar três atitudes fundamentais dos receptores frente à recepção das mensagens / três formas de descodificação: + ESTUDOS CULTURAIS (1) uma posição “dominante” ou “preferencial”: quando o sentido da mensagem é descodificado segundo as referências da sua construção; (2) uma posição “negociada”: quando o sentido da mensagem entra “em negociação” com as condições particulares dos receptores; (3) e uma posição de “oposição”: quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem, mas interpreta-a segundo uma estrutura de referência alternativa (ESCOSTEGUY, 1998: 92). + ESTUDOS CULTURAIS Entretanto, os receptores movimentam-se entre essas posições, cabendo “ao trabalho empírico dizer, em relação a um texto particular e a uma parcela específica da audiência, quais as leituras que estão operando” (HALL, 2003: 113). Nem sempre é possível saber o quão persuasiva a mensagem será, apesar das ferramentas utilizadas pela produção para garantir um certo direccionamento do sentido. Assim, é importante considerar as questões de identidade cultural: “todos nós escrevemos e falamos desde um lugar e tempo particulares, desde uma história e uma cultura que são específicas” (HALL, 2003: 116). Ou seja, é preciso considerar o contexto sócio-histórico, no qual os receptores estão inseridos. + ESTUDOS CULTURAIS Hall afirma que “num momento ‘determinado’, a estrutura emprega um código e produz uma ‘mensagem’; noutro momento determinado, a ‘mensagem’ desemboca na estrutura das práticas pela via da sua descodificação”(PIEDRAS, 2005: 76). Assim, a mensagem veiculada pelo meio possui uma pluralidade de sentidos proporcionada pela “assimetria existente entre os códigos emitidos e recebidos, sendo que um sentido é sempre dominante, dependendo do contexto no qual o meio e o espectador estão inseridos” (PIEDRAS, 2005: 76). Levando-se em consideração a polissemia da mensagem, é necessário pensar a acção dos media sobre as audiências: a recepção torna-se algo mais complicado, onde variados factores actuam na hora da assimilação dos conteúdos mediáticos. Se antes era vista de forma mecânica: havia ou não a aceitação do conteúdo imposto, agora há negociações entre as emissões e as recepções. Uma mensagem é um bem simbólico, que se apresenta como uma mercadoria, em três etapas: produção, circulação e consumo. + ESTUDOS CULTURAIS Assim, é só com a diversificação de perspectivas de investigação (utilização de diferentes metodologias) e de objectos (análise de segmentos específicos da população, grupos minoritários, grupos étnicos, famílias, mulheres, etc.) que se dará maior ênfase aos estudos sobre as audiências no contexto da recepção. + ESTUDOS CULTURAIS Em “Encoding/Decoding”, Stuart Hall faz uma abordagem pioneira das análises de conteúdo das notícias, direccionando-a para o estudo dos sistemas ideológicos de codificação e para os formatos utilizados com o objectivo de permitir que a descodificação se faça eficazmente. Montero assinala (1993: 56) que esta opção levou ao aparecimento de uma corrente dos estudos culturais centrada nas audiências. Esta repercutiu-se sobre as correntes críticas marxistas. Alguns teóricos começaram a se interrogar sobre a real possibilidade de se deduzirem efeitos ideológicos dos meios de comunicação a partir da estrutura da informação, uma vez que reconheceram à audiência um papel activo na interpretação dos conteúdos. + ESTUDOS CULTURAIS DAVID MORLEY: Um dos primeiros estudos, que analisou as interpretações pelas audiências, focou um programa de notícias de cunho regional e humanista, Nationwide, apresentado na BBC. Este estudo, desenvolvido por David Morley, foi iniciado na década de 70, em continuação de um anterior, e explora o modelo de codificação/descodificação de Stuart Hall. Morley toma, como ponto de partida, os pressupostos de Hall. Isto é: que os espectadores, ao assistirem a este programa de televisão, tendem a aceitar, rejeitar ou negociar as mensagens codificadas, num processo de descodificação realizado em função dos seus interesses de classe, voltando, em seguida, a codificar essa mesma mensagem em função do seu status e dos seus interesses políticos e sociais. Morley entrevistou 28 grupos de indivíduos, não como indivíduos em si mesmos, mas como membros de grupos de actividades, aspirações e expectativas (por exemplo gestores, professores, políticos, estudantes universitários, estudantes universitários negros, trabalhadores), com o objectivo de detectar as suas leituras do programa. + ESTUDOS CULTURAIS Conclusão da pesquisa: Os espectadores, oriundos de subculturas opostas às estruturas sócio-políticas dominantes, detectam facilmente as origens dos referentes nas mensagens, realizando reconstruções dos eventos à sua medida. Contudo, Morley irá negar a correlação, estabelecida por Hall, entre um certo tipo de descodificação ideológica e a pertença a uma determinada classe social. Para este investigador, as descodificações e as reconstruções efectuadas pelos espectadores são pessoais e estão muito mais próximas das histórias sociais, familiares e individuais de cada um, bem como da sua condição de género. + ESTUDOS CULTURAIS Ien Ang, “Watching Dallas: Soap Opera and the Melodramatic Imagination”, publicado inicialmente em Amesterdão em 1982, e depois em Londres em 1985: Este trabalho não vai incidir sobre a codificação e descodificação das notícias na televisão, mas sobre uma série americana, Dallas, exibida em prime-time, um género televisivo considerado menor pela qualidade e pelas audiências que captava. + ESTUDOS CULTURAIS “Watching Dallas” vai debruçar-se sobre as audiências femininas, o que já fora feito anteriormente por autoras feministas britânicas – e trazer para o espaço académico de debate a especificidade das mulheres enquanto espectadoras na Holanda de uma série produzida para um público localizado nos Estados Unidos. Para construir o seu corpus de análise, a autora publicou um anúncio numa revista holandesa feminina, expondo o seu interesse pela série americana Dallas, e solicitou que lhe escrevessem dizendo porque gostavam (ou não) de assistir a este programa. Com base em 42 cartas recebidas, organiza os quatro capítulos do seu trabalho subordinados às temáticas: (1) realidade e ficção, (2) imaginação melodramática, (3) ideologia da cultura de massas e (4) feminismo. + ESTUDOS CULTURAIS Nesta análise, em que se alternam as observações das telespectadoras e os debates mais candentes dos estudos culturais, sobressaem as seguintes constatações: (1) As audiências obtêm prazer na fruição de determinados géneros populares; (2) As leituras, provenientes dos textos produzidos pela cultura de massas, não são necessariamente simplificadas; (3) As ficções populares, destinadas a audiências femininas, não são forçosamente patriarcais; (4) As audiências fazem uma clara separação entre realidade empírica e realidade psicológica e emocional; (5) A adesão a uma imaginação melodramática manifesta uma recusa em aceitar a insignificância da vida quotidiana imposta à generalidade das mulheres; (6) A cultura de massa pode implicar qualidades estéticas e éticas. + ESTUDOS CULTURAIS Durante toda a década de 80 e de 90: muitos outros estudos empíricos de natureza qualitativa foram realizados sobre as audiências e as peculiaridades da recepção, com grandes implicações teóricas e políticas. Sistematizando enunciadas: (1) os que se debruçam sobre géneros jornalísticos e identificam, na descodificação, elementos relacionados com a classe e os antecedentes sócio-económicos das audiências; (2) pesquisas centradas na recepção como fonte de prazer e fruição da cultura de massa, enfatizando as particularidades do género feminino, as relações familiares e os percursos individuais; (3) um grupo de estudos, fundados na psicanálise, privilegiando a relação entre os usos dos media e a afirmação das identidades de género; (4) estudos interessados em identificar as particularidades de recepção entre grupos étnicos e culturas específicas, frente aos discursos veiculados pelos media. estes trabalhos, quatro tendências podem ser + ESTUDOS CULTURAIS Na América Latina, os estudos culturais centrados nas práticas quotidianas, criadas em torno das indústrias culturais e da utilização dos media, emergem nos finais da década de 80. A Jesus Martín-Barbero (espanhol radicado na Colômbia) e a Nestor Garcia Canclini (mexicano), são atribuídas as reflexões mais importantes sobre o papel transformador dos meios de comunicação e das indústrias culturais nas sociedades e nas culturas latino-americanas. + ESTUDOS CULTURAIS A obra de Martín-Barbero, “Dos meios às mediações”, apresenta três partes distintas: (1) o autor faz uma incursão pela história das ideias, da literatura, da filosofia e pelos movimentos políticos do século XIX que deram origem ao conceito de povo, de massa e de sociedade de massa, bem como ao conceito de indústrias culturais e de hegemonia cultural; (2) debruça-se sobre as questões do Estado-Nação e da cultura, do folclore e do popular (descriminando os géneros de maior impacto) e dos primeiros meios de comunicação de massa. (3) na denominada “Modernidade e Mediação de Massa na América Latina” expõe as reflexões mais originais para os estudos culturais na América Latina, ao abordar o descompasso entre Estado-forte e déficite-Nação, o papel dos meios de massa na formação das culturas nacionais, o nascimento do hibridismo cultural e a importância das mediações (escola, família, igrejas, associações) na reconstrução e apropriação de sentidos. + ESTUDOS CULTURAIS A introdução do conceito “mediação/mediações” vem negar o controlo hegemónico dos media e das indústrias culturais sobre o popular, as culturas e as classes, afirmando que o desenvolvimento dos media e dos conteúdos está mais vinculado às formas de apropriação que à introdução de novas tecnologias, novas políticas culturais e novos conteúdos. Assim as mediações, realizadas em contextos de comunicação interpessoal, constituem pontos de articulação entre os processos de produção dos media e das indústrias culturais, e os processos de utilização quotidiana dos mesmos. Nesta articulação, onde existem múltiplas trocas entre narrativas de diversas procedências culturais, as audiências constroem e reconstroem, continuamente, e em função dos seus interesses e necessidades, as suas identidades singulares e colectivas. + ESTUDOS CULTURAIS ANG, Ien (1985), Watching Dallas: Soap Opera and the Melodramatic Imagination. Londres: Methuen. ESCOSTEGUY, Ana Carolina (1998), “Uma introdução aos estudos culturais”. Revista FAMECOS. Porto Alegre. HALL, Stuart (2003), Da diáspora: identidades de mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. MARTÍN-BARBERO J. (1997), Dos Meios às Mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. MONTERO, M. D. (1993), La Información Periodística y su Influencia Social. Barcelona: Labor/Universitat Autònoma de Barcelona. MORLEY, David (1980), The Nationwide audience: structure and decoding. London: British Film Institute. PIEDRAS, Elisa (2005), A articulação da publicidade com o mundo social: a constituição do luxo nas práticas de produção e de recepção. Porto Alegre: UFRGS, 2005.